Prevalência e fatores associados à fragilidade em uma amostra de idosos que vivem na comunidade da cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil: estudo FIBRA-JF

Roberto Alves Lourenço Virgílio Garcia Moreira Eliane Ferreira Carvalho Banhato Danielle Viveiros Guedes Kelly Cristina Atalaia da Silva Francisco Eduardo da Fonseca Delgado Cláudia Helena Cerqueira Marmora Sobre os autores

Resumo

Fragilidade é um estado de vulnerabilidade fisiológica multissistêmica relacionada à idade e a um risco aumentado de desfechos adversos. O objetivo do presente estudo foi avaliar a prevalência e os fatores associados à fragilidade no estudo FIBRA em Minas Gerais, Brasil. Selecionou-se uma amostra aleatória, estratificada por unidade territorial, sexo e idade, de 461 indivíduos, com 65 anos ou mais. A fragilidade foi estabelecida pela presença de três ou mais de cinco itens: sensação de exaustão, baixa força de preensão manual, velocidade da marcha lenta, perda de peso e baixo gasto calórico. A média de idade foi de 74,4 anos (DP± 6,8), 69,6% eram mulheres e 71,9% brancos. A prevalência de fragilidade foi de 5,2%; 49,9% foram de indivíduos pré-frágeis. Idade avançada (OR: 6,4; IC 1,76-23,8), comprometimento das atividades básicas de vida diária (OR: 5,2; IC 1,1-23,1) e auto percepção de saúde ruim (OR: 0,13; IC 0,03-0,4), foram associados à fragilidade. No presente estudo, um número substancial de indivíduos apresentou-se frágil, enquanto que metade da amostra estava sob risco de progressão para esta condição, sugerindo que é urgente a adoção de medidas de saúde pública com objetivo de prevenção e redução de complicações.

Palavras-chave
Prevalência; Fragilidade; Idosos; Vulnerabilidade

Introdução

A transição epidemiológica e demográfica, juntamente com as conquistas sociais, científicas e tecnológicas, trouxeram para o cenário mundial modificações importantes na composição populacional e no padrão de morbidade e mortalidade11. Camarano A. Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? Rio de Janeiro: IPEA; 2004.. Enquanto em alguns países o aumento da expectativa de vida foi gradativo, no Brasil ela saltou de 43 para 74 anos, em menos de um século22. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2013 - Percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Rio de Janeiro: IBGE; 2014.. Com 650 mil novos idosos acrescidos a cada ano, em 2050, o Brasil ocupará a sexta posição em número de indivíduos com 60 anos ou mais33. Organização Mundial da Saúde (OMS). Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasília: Organização Panamericana de Saúde; 2005.,44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Síntese de Indicadores Sociais - Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira. Rio de Janeiro: IBGE; 2010.. Este processo de transição demográfica traz consigo uma alteração do perfil de distribuição das doenças, com redução na frequência de doenças carenciais e infecto-contagiosas, e aumento na prevalência de doenças crônico-degenerativas. Atualmente, estas representam 74% de todas as causas de mortalidade em nosso país e muitas delas são causas de disfunções e incapacidades55. Bloom DE, Cafiero ET, Jané-Llopis E, Abrahams-Gessel S, Bloom LR, Fathima S, Feigl AB, Gaziano T, Mowafi M, Pandya A, Prettner K, Rosenberg L, Seligman B, Stein AZ, Weinstein C. The global economic burden of Noncommunicable diseases. Geneva: Word Economic Forum; 2011.,66. World Health Organization (WHO). Global Status Report on Noncommunicable Diseases. Geneva: WHO; 2014.. Entre elas, encontra-se a fragilidade biológica.

A síndrome de fragilidade é uma condição clínica que vem sendo amplamente estudada nas últimas décadas77. Vidal EI. Frailty in older adults: perspectives for research and practice in Public Health. Cad Saude Publica 2014; 30(6):1133-1135.. É reconhecida como uma síndrome geriátrica e está diretamente associada a desfechos indesejáveis, aumento de custos e mortalidade88. Lutomski JE, Baars MA, Boter H, Buurman BM, den Elzen WP, Jansen AP, Kempen GI, Steunenberg B, Steyerberg EW, Olde Rikkert MG, Melis R. Frailty, disability and multi-morbidity: the relationship with quality of life and healthcare costs in elderly people. Ned Tijdschr Geneeskd 2014; 158:A7297.1010. Inouye SK, Studenski S, Tinetti ME, Kuchel GA. Geriatric syndromes: clinical, research, and policy implications of a core geriatric concept. J Am Geriatr Soc 2007; 55(5):780-791.. A idade é seu principal fator de risco isolado, e estima-se que 10 a 25% da população acima de 65 anos esteja em situação de fragilidade1111. Walston J, Hadley EC, Ferrucci L, Guralnik JM, Newman AB, Studenski SA, Ershler WB, Harris T, Fried LP. Research agenda for frailty in older adults: toward a better understanding of physiology and etiology: summary from the American Geriatrics Society/National Institute on Aging Research Conference on Frailty in Older Adults. J Am Geriatr Soc 2006; 54(6):991-1001.. Para aqueles acima dos 85 anos, tal prevalência pode chegar a 45%1111. Walston J, Hadley EC, Ferrucci L, Guralnik JM, Newman AB, Studenski SA, Ershler WB, Harris T, Fried LP. Research agenda for frailty in older adults: toward a better understanding of physiology and etiology: summary from the American Geriatrics Society/National Institute on Aging Research Conference on Frailty in Older Adults. J Am Geriatr Soc 2006; 54(6):991-1001..

O termo fragilidade é de uso comum. São muitos os seus significados vernaculares. No entanto, na literatura científica, o termo foi utilizado no passado – e em alguma medida ainda o é – para descrever indivíduos dependentes de outros, que estão sob risco substancial de dependência e outros desfechos adversos de saúde; como característica daqueles que têm muitas doenças crônicas ou problemas médicos e psico-sociais complexos1212. Hogan DB, MacKnight C, Bergman H, Steering Committee CIoFaA. Models, definitions, and criteria of frailty. Aging Clin Exp Res 2003; 15(3 Supl.):1-29.. Apresentações atípicas de doenças, ser candidato a programas especializados de geriatria e estar envelhecendo aceleradamente são outras condições descritas pelo termo fragilidade na literatura científica1212. Hogan DB, MacKnight C, Bergman H, Steering Committee CIoFaA. Models, definitions, and criteria of frailty. Aging Clin Exp Res 2003; 15(3 Supl.):1-29..

No entanto, ao longo das últimas duas décadas, a síndrome de fragilidade do idoso tem sido discutida, principalmente, em torno de dois modelos conceituais e seus respectivos instrumentos. Por um lado, Rockwood et al.1313. Rockwood K, Song X, MacKnight C, Bergman H, Hogan DB, McDowell I, Mitnitski A. A global clinical measure of fitness and frailty in elderly people. CMAJ 2005; 173(5):489-495. definem fragilidade pelo conjunto de problemas – enfermidades, disfunções, incapacidades – que o indivíduo é portador, e propõe a realização de uma avaliação geriátrica ampla como método de identificação dos portadores da síndrome. Por outro lado, pensado como uma manifestação objetiva da interação de fatores genéticos e ambientais, o “fenótipo” – também nomeado fragilidade física –, proposto por Fried et al.1414. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, Seeman T, Tracy R, Kop WJ, Burke G, McBurnie MA; Cardiovascular Health Study Collaborative Research Group. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56(3):M146-156., parte da hipótese que, do ponto de vista conceitual, fragilidade é um estado de vulnerabilidade fisiológica multissistêmica relacionada a idade e associada a um risco aumentado de desfechos adversos de saúde, e propõe que ela seja diagnosticada pela presença de três ou mais de um total de cinco itens: sensação de exaustão, baixa força de preensão manual, velocidade da marcha lenta, perda de peso e baixo gasto calórico. A presença de um ou dois itens apontariam para um estado limítrofe, intermediário entre o indivíduo robusto e o frágil, nomeado por estes autores como pré-fragilidade.

Há entre os investigadores da área um entendimento de que a síndrome de fragilidade é algo distinto de dependência, assim como de vulnerabilidades de natureza econômica e social. No entanto, ambos os sistemas conceituais identificam indivíduos sob risco de eventos adversos de saúde e mortalidade elevada1212. Hogan DB, MacKnight C, Bergman H, Steering Committee CIoFaA. Models, definitions, and criteria of frailty. Aging Clin Exp Res 2003; 15(3 Supl.):1-29.. Pelo menos duas características desta condição justificam este entendimento: em primeiro lugar, o comprometimento da reserva funcional dos vários sistemas orgânicos, associado ao envelhecimento cronológico, está bastante bem relatado na literatura; em segundo, indivíduos frágeis ou pré-frageis recuperam-se, tanto espontaneamente quanto através de intervenções terapêuticas, ao passo que quadros de incapacidade são relativamente “fixos”, oferecendo menores oportunidades de recuperação1212. Hogan DB, MacKnight C, Bergman H, Steering Committee CIoFaA. Models, definitions, and criteria of frailty. Aging Clin Exp Res 2003; 15(3 Supl.):1-29.,1414. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, Seeman T, Tracy R, Kop WJ, Burke G, McBurnie MA; Cardiovascular Health Study Collaborative Research Group. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56(3):M146-156.1616. Cesari M, Vellas B, Hsu FC, Newman AB, Doss H, King AC, Manini TM, Church T, Gill TM, Miller ME, Pahor M; LIFE Study Group. A physical activity intervention to treat the frailty syndrome in older persons-results from the LIFE-P study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2015; 70(2):216-222..

O objetivo do presente estudo foi avaliar a prevalência e os fatores associados à fragilidade no estudo FIBRA- JF em Minas Gerais, Brasil.

Materiais e métodos

Seleção amostral

Trata-se de um estudo de delineamento transversal e analítico. A população foi de indivíduos com 65 anos ou mais, residentes na zona urbana da cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil.

Segundo o IBGE, o município de Juiz de Fora está dividido em 16 unidades territoriais demarcadas a partir de critérios de localização geográfica e nível socioeconômico. Em 2001, a população da cidade era de 500 mil indivíduos, dos quais 47.379 (11,6%) tinham 60 anos ou mais22. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2013 - Percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Rio de Janeiro: IBGE; 2014.. Para o presente estudo, a partir desta população, foram selecionados indivíduos com 65 anos ou mais, de ambos os sexos, por critérios de amostragem por quotas. O tamanho amostral por gênero e faixa etária, para um erro amostral de 5%, foi de 385 indivíduos. Na primeira etapa, foram selecionadas, aleatoriamente, cinco entre as 16 unidades (unidades 1, 4, 10, 11 e 13). Em seguida, foram sorteados os bairros em cada unidade e ruas dos bairros selecionados. As unidades territoriais são compostas por bairros subdivididos em setores censitários, que são formados por ruas definidas em quarteirões específicos. Foi preservada a proporcionalidade de idosos em cada região nos diferentes bairros visitados. Adotando-se o procedimento porta-a-porta, foram visitadas as casas de cada rua, em uma ordem previamente determinada, até que a meta para aquela localidade fosse atingida. No total, 461 indivíduos foram entrevistados e 427 analisados. Foram excluídos 34 indivíduos pelas seguintes condições: temporariamente acamados, residentes em instituições de longa permanência, moradores da zona rural e os portadores de incapacidade – sequelas graves de acidente vascular encefálico, imobilidade, doença de Parkinson avançada, pontuação menor que 14 no Mini Exame do Estado Mental (MEEM) (Figura 1).

Figura 1
Seleção amostral por gênero e faixa etária de idosos com 65 anos ou mais residentes na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil.

Os participantes preencheram voluntariamente um termo de consentimento informado e foram respeitadas as regras da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde (CONEPE/MS – 313/2008). Este trabalho contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).

Coleta de dados

As entrevistas foram feitas face a face, em domicílio, entre janeiro de 2009 e janeiro de 2010, após treinamento da equipe. Os participantes responderam a um questionário constituído por variáveis sociodemográficas; de saúde física e mental; hábitos de saúde; autopercepção de saúde; comorbidades auto referidas (doença cardíaca, doença pulmonar, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, câncer, acidente vascular cerebral, osteoporose, osteoartrite e depressão). Foram também submetidos a provas de desempenho funcional1717. Lino VT, Pereira SR, Camacho LA, Ribeiro Filho ST, Buksman S. Cross-cultural adaptation of the Independence in Activities of Daily Living Index (Katz Index). Cad Saude Publica 2008; 24(1):103-112.,1818. Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental activities of daily living. Gerontologist 1969; 9(3):179-186. e rastreamento cognitivo1919. Brucki SM, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PH, Okamoto IH. Suggestions for utilization of the mini-mental state examination in Brazil. Arq Neuropsiquiatr 2003; 61(3B):777-781.. Além disso, foi calculada a massa muscular esquelética apendicular pela fórmula de Lee e considerados casos aqueles do primeiro quintil pelo sexo2020. Lee RC, Wang Z, Heo M, Ross R, Janssen I, Heymsfield SB. Total-body skeletal muscle mass: development and cross-validation of anthropometric prediction models. Am J Clin Nutr 2000; 72(3):796-803..

Os indivíduos foram avaliados através dos cinco itens que compõem a escala de Fried et al.1414. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, Seeman T, Tracy R, Kop WJ, Burke G, McBurnie MA; Cardiovascular Health Study Collaborative Research Group. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56(3):M146-156.,2121. Lourenço RA SM, Moreira VG, Ribeiro PCC, Perez M, Campos GC, Blavatsky I, Teldeschi ALG. Fragilidade em Idosos Brasileiros - FIBRA-RJ: metodologia de pesquisa dos estudos de fragilidade, distúrbios cognitivos e sarcopenia. Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto 2015; 14(4):10., e o diagnóstico de fragilidade foi estabelecido utilizando-se os critérios de fragilidade propostos por estes mesmos autores (Quadro 1).

Quadro 1
Escala de fragilidade proposta pelo Cardiovascular Health Study: definições dos casos.

Análise estatística

A distribuição das variáveis categóricas foi apresentada como frequências absolutas e porcentagens. As variáveis contínuas foram descritas através de médias e desvios-padrão. Foram incluídas no modelo de regressão logística multivariado, método stepwise foward, as variáveis que na análise univariada apresentaram p < 0,2. O teste de Hosmer-Lemeshow foi utilizado para analisar a capacidade discriminatória do modelo. Todas as estatísticas descritivas foram calculadas considerando um intervalo de confiança de 95%, e na análise multivariada um nível de significância < 0,05. A digitação de dados e análises estatísticas foram realizadas usando o programa SPSS, versão 19.9, software IBM, 2009, Chicago.

Resultados

A amostra analisada foi constituída por 427 indivíduos, dos quais 69,6% eram mulheres, 71,9% caucasianos e 48% eram casados ou viviam com um parceiro (Tabela 1). A média de idade foi de 74,4 anos (± 6,8) e nível de escolaridade de 5,4 anos (± 4,1). A renda média per capita expressa em salários mínimos (SM) foi de 1,6. Das nove comorbidades auto-referidas, as de maior prevalência foram hipertensão arterial sistêmica (37,9%), depressão (14,5%), osteoporose (10,5%), diabetes mellitus (10,5%). Em relação a quedas 32,1% da amostra apresentou pelo menos 1 queda no ano anterior. A pontuação média do MEEM foi de 24,55 (± 3,58).

Tabela 1
Características sociodemográficas, funcionais e condições de saúde de idosos acima de 65 anos residentes na comunidade. Juiz de Fora, Brasil (n= 427).

No presente estudo foram encontrados 5,2% de indivíduos frágeis, 49,9% pré-frágeis e 45% de indivíduos robustos. Na Tabela 1, observamos que dentre os não frágeis 67% eram do sexo feminino, 71% estavam no estrato etário mais jovem e 72% eram caucasianos. Entre os frágeis, a predominância foi do sexo feminino (68%) e 77% tinham mais que 75 anos. Eles também possuíam menor escolaridade (68%), menor renda (64%) e maior número de comorbidades (77%). No item autopercepção da saúde, 77% dos frágeis referiram que sua saúde estava ruim/muito ruim e também apresentaram uma pior pontuação no MEEM (média de 21 pontos).

Na Tabela 2, observa-se que na análise univariada a idade avançada, o comprometimento nas AVD, a autopercepção negativa de saúde, o baixo desempenho no MEEM, a presença de comorbidades e de quedas apresentaram uma associação significativa com a variável dependente. Já na análise multivariada, somente idade avançada (OR: 6,4; IC 1,76-23,8), comprometimento nas AVD (OR: 5,2; IC 1,1-23,1) e autopercepção negativa de saúde (OR: 0,13; IC 0,03-0,4) se mostraram associados à fragilidade.

Tabela 2
Regressão logistica uni e multivariada para frágeis e não frágeis entre indivíduos maiores que 65 anos residentes na comunidade. Juiz de Fora, Brasil (n= 214).

Dos cinco itens que compõe a escala de fragilidade do CHS, na Tabela 3, denota-se que a lentificação da marcha foi o item que mais mostrou-se alterado para os frágeis (95%). Para os pré-frágeis, a perda de peso (57,7%) seguido do baixo gasto calórico (42,3%).

Tabela 3
Distribuição de frequência dos itens de fragilidade pelo CHS em idosos residentes na cidade de Juiz de Fora, MG, Brasil. FIBRA-JF (n=427).

Discussão

Embora circunscrevendo domínios não exclusivamente biológicos, instrumentos como a Edmonton Frail Scale2222. Fabricio-Wehbe SC, Schiaveto FV, Vendrusculo TR, Haas VJ, Dantas RA, Rodrigues RA. Cross-cultural adaptation and validity of the ‘Edmonton Frail Scale - EFS’ in a Brazilian elderly sample. Rev Lat Am Enfermagem 2009; 17(6):1043-1049.,2323. Fabricio-Wehbe SC, Cruz IR, Haas VJ, Diniz MA, Dantas RA, Rodrigues RA. Reproducibility of the Brazilian version of the Edmonton Frail Scale for elderly living in the community. Rev Lat Am Enfermagem 2013; 21(6):1330-1336. e o Tilburg Frailty Indicator2424. Santiago LM, Luz LL, Mattos IE, Gobbens RJJ. Adaptação transcultural do instrumento Tilburg Frailty Indicator (TFI) para a população brasileira. Cad Saude Publica 2012; 28(9):1795-801.,2525. Coelho T, Santos R, Paul C, Gobbens RJ, Fernandes L. Portuguese version of the Tilburg Frailty Indicator: Transcultural adaptation and psychometric validation. Geriatr Gerontol Int 2015; 15(8):951-960. têm se apresentado como alternativas para identificação de fragilidade no Brasil. Entretanto, a proposta sugerida pela escala de fragilidade de Fried et al.1414. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, Seeman T, Tracy R, Kop WJ, Burke G, McBurnie MA; Cardiovascular Health Study Collaborative Research Group. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56(3):M146-156. e seus critérios é um dos métodos de avaliação de fragilidade e predição de eventos adversos de saúde mais utilizados em todo o mundo2323. Fabricio-Wehbe SC, Cruz IR, Haas VJ, Diniz MA, Dantas RA, Rodrigues RA. Reproducibility of the Brazilian version of the Edmonton Frail Scale for elderly living in the community. Rev Lat Am Enfermagem 2013; 21(6):1330-1336.,2525. Coelho T, Santos R, Paul C, Gobbens RJ, Fernandes L. Portuguese version of the Tilburg Frailty Indicator: Transcultural adaptation and psychometric validation. Geriatr Gerontol Int 2015; 15(8):951-960.2727. Santiago LM, Luz LL, Mattos IE, Gobbens RJ, van Assen MA. Psychometric properties of the Brazilian version of the Tilburg frailty indicator (TFI). Arch Gerontol Geriatr 2013; 57(1):39-45..

A discussão que se segue será focada em três destes aspectos: o primeiro, a relação entre os valores de prevalência e os pontos de corte dos itens que compõem a escala utilizada neste estudo; o segundo diz respeito à relação entre as definições conceitual e operacional de fragilidade; por último, discutiremos o estado da arte da intervenção sobre os fatores de risco, particularmente interessados no caso dos indivíduos pré-frágeis.

No Brasil, a prevalência de fragilidade em populações que vivem na comunidade, utilizando os critérios propostos por Ferid et al.1414. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, Seeman T, Tracy R, Kop WJ, Burke G, McBurnie MA; Cardiovascular Health Study Collaborative Research Group. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56(3):M146-156., variou de 5,2% a 17,1%2828. Moreira VG, Lourenco RA. Prevalence and factors associated with frailty in an older population from the city of Rio de Janeiro, Brazil: the FIBRA-RJ Study. Clinics (Sao Paulo) 2013; 68(7):979-985.3030. Sousa AC, Dias RC, Maciel AC, Guerra RO. Frailty syndrome and associated factors in community-dwelling elderly in Northeast Brazil. Arch Gerontol Geriatr 2012; 54(2):e95-e101.. Entre as explicações plausíveis para tal variabilidade encontra-se a forma através da qual os critérios de normalidade foram definidos para cada item.

No trabalho de Sousa et al.3030. Sousa AC, Dias RC, Maciel AC, Guerra RO. Frailty syndrome and associated factors in community-dwelling elderly in Northeast Brazil. Arch Gerontol Geriatr 2012; 54(2):e95-e101., em uma amostra de 391 idosos da cidade de Santa Cruz, no Rio Grande do Norte, Brasil, a prevalência de fragilidade foi de 17,1%. Os autores sugerem que tal prevalência estaria associada à baixa condição socioeconômica desta população. No entanto, um aspecto metodológico deve ser mencionado como elemento central para elucidar esta alta prevalência: os pontos de corte de força de preensão manual e velocidade da marcha. Neste trabalho foram utilizados os valores absolutos propostos originalmente por Fried et al.1414. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, Seeman T, Tracy R, Kop WJ, Burke G, McBurnie MA; Cardiovascular Health Study Collaborative Research Group. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56(3):M146-156., adequados certamente para população americana, porém controversos quando aplicados à realidades distintas3131. Lourenco RA, Perez-Zepeda M, Gutierrez-Robledo L, Garcia-Garcia FJ, Rodriguez Manas L. Performance of the European Working Group on Sarcopenia in Older People algorithm in screening older adults for muscle mass assessment. Age Ageing 2015; 44(2):334-338.,3232. Filho ST, Lourenco RA, Moreira VG. Comparing indexes of frailty: the cardiovascular health study and the study of osteoporotic fractures. J Am Geriatr Soc 2010; 58(2):383-385; author reply 5-6..

No Brasil outros trabalhos utilizaram os mesmos critérios do CHS para definir pontos de corte destas variáveis – o quintil da força de preensão manual e da velocidade de marcha, e não os valores absolutos propostos por Fred et al.1414. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, Seeman T, Tracy R, Kop WJ, Burke G, McBurnie MA; Cardiovascular Health Study Collaborative Research Group. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56(3):M146-156.. Esta estratégia gerou pontos de corte bastante inferiores, encontrando prevalências menores e mais próximas daquelas apresentadas também em estudos internacionais, tanto em países de alta renda, quanto naqueles de média renda2828. Moreira VG, Lourenco RA. Prevalence and factors associated with frailty in an older population from the city of Rio de Janeiro, Brazil: the FIBRA-RJ Study. Clinics (Sao Paulo) 2013; 68(7):979-985.,3333. Vieira RA, Guerra RO, Giacomin KC, Vasconcelos KS, Andrade AC, Pereira LS, Dias JM, Dias RC. Prevalence of frailty and associated factors in community-dwelling elderly in Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil: data from the FIBRA study. Cad Saude Publica 2013; 29(8):1631-1643.,3434. Yassuda MS, Lopes A, Cachioni M, Falcao DV, Batistoni SS, Guimaraes VV, Neri AL. Frailty criteria and cognitive performance are related: data from the FIBRA study in Ermelino Matarazzo, Sao Paulo, Brazil. J Nutr Health Aging 2012; 16(1):55-61.. Portanto, existem evidências bastante fortes para que se recomende valores de referência de velocidade de marcha e força de preensão manual adaptados à população brasileira.

Apesar de ser reconhecido como um marco operacional para identificação do indivíduo frágil, os critérios de fragilidade do CHS ainda necessitam de ampla discussão quanto à sua aplicabilidade3232. Filho ST, Lourenco RA, Moreira VG. Comparing indexes of frailty: the cardiovascular health study and the study of osteoporotic fractures. J Am Geriatr Soc 2010; 58(2):383-385; author reply 5-6.,3535. Landi F, Calvani R, Cesari M, Tosato M, Martone AM, Bernabei R, Onder G, Marzetti E. Sarcopenia as the Biological Substrate of Physical Frailty. Clin Geriatr Med 2015; 31(3):367-374.3737. Wyrko Z. Frailty at the front door. Clin Med 2015; 15(4):377-381.. Por um lado, a respeito da questão operacional, Theou et al.3838. Theou O, Cann L, Blodgett J, Wallace LM, Brothers TD, Rockwood K. Modifications to the frailty phenotype criteria: Systematic review of the current literature and investigation of 262 frailty phenotypes in the Survey of Health, Ageing, and Retirement in Europe. Ageing Res Rev 2015; 21:78-94., em uma revisão sistemática, encontraram pelo menos 262 formas diferentes através das quais, nos últimos 15 anos, os cinco critérios do CHS foram agrupados para constituir um instrumento de avaliação de fragilidade. Por outro lado, em relação à definição conceitual, a fragilidade é interpretada como uma síndrome multisistêmica associada ao envelhecimento cronológico. Portanto, supostamente, alterações nos itens desta escala estariam associadas a mudanças em parâmetros fisiológicos multisistêmicos, embora, segundo alguns autores, a massa muscular pode ser considerada um elemento essencial no desenvolvimento de fragilidade, tanto como um componente das fases iniciais, quanto como um desfecho indesejável por si mesmo3535. Landi F, Calvani R, Cesari M, Tosato M, Martone AM, Bernabei R, Onder G, Marzetti E. Sarcopenia as the Biological Substrate of Physical Frailty. Clin Geriatr Med 2015; 31(3):367-374.,3939. Cruz-Jentoft AJ, Landi F, Topinková E, Michel J-P. Understanding sarcopenia as a geriatric syndrome. Curr Opin Clin Nutr Metab Care 2010 Jan 1; 13(1):1-7.. Os itens que compõe a escala mencionada – perda de peso, redução do gasto calórico, redução da força de preensão manual, redução da velocidade de marcha e sensação de exaustão – sugerem que este único sistema, o muscular, esteja envolvido, sem que componentes essenciais deste modelo fisiopatológico, como os sistemas neuro-humoral e imunológico, estejam claramente contemplados1111. Walston J, Hadley EC, Ferrucci L, Guralnik JM, Newman AB, Studenski SA, Ershler WB, Harris T, Fried LP. Research agenda for frailty in older adults: toward a better understanding of physiology and etiology: summary from the American Geriatrics Society/National Institute on Aging Research Conference on Frailty in Older Adults. J Am Geriatr Soc 2006; 54(6):991-1001..

Por último, identificar os indivíduos sob risco de desfechos indesejáveis é uma preocupação eminente no campo do envelhecimento e, no caso da síndrome de fragilidade, a intervenção sobre estes fatores é parte essencial do cuidado de saúde dos indivíduos pré-frágeis4040. Morley JE, Vellas B, van Kan GA, Anker SD, Bauer JM, Bernabei R, Cesari M, Chumlea WC, Doehner W, Evans J, Fried LP, Guralnik JM, Katz PR, Malmstrom TK, McCarter RJ, Gutierrez Robledo LM, Rockwood K, von Haehling S, Vandewoude MF, Walston J. Frailty consensus: a call to action. J Am Med Dir Assoc 2013; 14(6):392-397.. Por exemplo, Theou et al.4141. Theou O, Stathokostas L, Roland KP, Jakobi JM, Patterson C, Vandervoort AA, Jones GR. The effectiveness of exercise interventions for the management of frailty: a systematic review. J Aging Res 2011; 2011:569194. realizaram uma revisão sistemática sobre a efetividade do exercício para manejo da fragilidade. Apesar de não encontrarem uniformidade quanto ao tipo de exercício, seu trabalho evidenciou que tal intervenção promoveu impacto positivo para o manejo da síndrome. Tarazona-Santabalbina et al.4242. Tarazona-Santabalbina FJ, Gomez-Cabrera MC, Perez-Ros P, Martinez-Arnau FM, Cabo H, Tsaparas K, Salvador-Pascual A, Rodriguez-Mañas L, Viña J. A Multicomponent Exercise Intervention that Reverses Frailty and Improves Cognition, Emotion, and Social Networking in the Community-Dwelling Frail Elderly: A Randomized Clinical Trial. J Am Med Dir Assoc 2016; 17(5):426-433., por sua vez, identificaram que exercícios com componentes múltiplos (membros superiores, inferiores e tronco) foram capazes de não somente reduzir o grau de fragilidade, como também melhorar a capacidade funcional, velocidade da marcha, assim como aspectos cognitivos, emocionais e sociais dos participantes. Com o objetivo de responder a dúvidas quanto a efetividade de um conjunto de procedimentos multidisciplinares, farmacológicos e não farmacológicos, Apóstolo et al.4343. Apostolo J, Cooke R, Bobrowicz-Campos E, Santana S, Marcucci M, Cano A, Vollenbroek M, Holland C. Effectiveness of the interventions in preventing the progression of pre-frailty and frailty in older adults: a systematic review protocol. JBI Database System Rev Implement Rep 2016; 14(1):4-19. propuseram uma revisão sistemática sobre medidas preventivas para o indivíduo pré-frágil. Serão incluídos na análise destes autores trabalhos que avaliam intervenções psicossociais, nutricionais e de estímulo físico para os pré-frágeis e frágeis.

Apesar das evidências de reabilitação destes indivíduos ainda se basearem em um pequeno número de ensaios clínicos, a busca por métodos de intervenção é uma atividade fundamental para se estabelecer medidas eficazes de prevenção da fragilidade. O potencial de benefícios para a saúde da população idosa pode ser estimado levando-se em consideração que quase 50% da amostra do presente estudo é constituída por indivíduos pré-frágeis, teoricamente aqueles que mais se beneficiariam de atividades preventivas.

O presente estudo apresenta limitações relacionadas ao seu delineamento transversal e, consequentemente, a possibilidade de causalidade reversa associada aos seus resultados. Entretanto, por se tratar de um trabalho de base populacional, com um número significativo de indivíduos da população idosa de Juiz de Fora, Minas Gerais, talvez seus achados sejam também extensíveis a populações de cidades brasileiras de porte médio.

Conclusão

A prevalência de fragilidade no presente estudo foi de 5,2% e mostrou-se associada à idade avançada, comprometimento das AVD e pior autopercepção de saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2019

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2016
  • Revisado
    26 Jan 2017
  • Aceito
    28 Jan 2017
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