Autopercepção da saúde entre adultos e idosos usuários da Atenção Básica de Saúde

Ivana Loraine Lindemann Natasha Rodrigues Reis Gicele Costa Mintem Raúl Andrés Mendoza-Sassi Sobre os autores

Resumo

Com o objetivo de avaliar a autopercepção negativa da saúde entre usuários da atenção básica de saúde, foi realizado um estudo transversal com 1246 adultos e idosos, de ambos os sexos, em Pelotas, RS. A prevalência da autopercepção negativa da saúde foi referida por 41,6% dos entrevistados. As mulheres, aqueles que não estavam trabalhando, que referiram diagnóstico de três ou mais doenças crônicas não transmissíveis, que estavam em insegurança alimentar e não praticavam atividade física relataram em maior proporção, a autopercepção negativa da saúde. Enquanto que os usuários com no mínimo o ensino superior e aqueles cujos domicílios tinham quatro ou mais moradores foram menos predispostos ao desfecho. A elevada prevalência de autopercepção negativa da saúde nessa população, bem como as associações encontradas, indicam a necessidade de maior entendimento sobre a influência desses fatores na procura pelo atendimento e, consequentemente, na adesão ao tratamento.

Palavras-chave
Autopercepção; Condições de saúde; Atenção primária à saúde

Introdução

O processo saúde-doença envolve aspectos objetivos e subjetivos que podem ser analisados pelos serviços de saúde sob diferentes perspectivas. De acordo com o Modelo Comportamental de Andersen, o uso de serviços estaria relacionado aos fatores de predisposição, de capacitação e de necessidade em saúde. Os fatores de predisposição são aqueles ligados à susceptibilidade do indivíduo, de acordo com suas características demográficas e socioeconômicas; os de capacitação relacionados ao acesso a esses serviços; e, como determinante mais proximal do uso, está o estado de saúde do indivíduo11. Andersen RM. Behavioral Model of Families' Use of Health Services. Chicago: University of Chicago; 1968.,22. Andersen RM. Revisiting the behavioral model and access to medical care: does it matter? J Health Soc Behav 1995; 36(1):1-10..

O estado de saúde do indivíduo, por sua vez, pode ser descrito de forma objetiva e dicotômica como a ausência ou a presença de doença e, de forma subjetiva pela autopercepção de saúde. A autopercepção tem sido utilizada como indicador válido de qualidade de vida, de morbidade e de diminuição de funcionalidade, analisando aspectos físicos, cognitivos e emocionais e, principalmente, como um bom preditor de mortalidade.

A prevalência de autopercepção negativa da saúde em população geral de adultos e idosos, tanto em estudos realizados no Brasil, como em outros países, têm se apresentado em torno de 20%, sendo, de modo geral, maior em mulheres, em pessoas com idade mais avançada, com menor renda e escolaridade, com maior morbidade e com inadequado estilo de vida33. Dachs JNW, Santos APR. Auto-avaliação do estado de saúde no Brasil: análise dos dados da PNAD/2003. Cien Saude Colet 2006; 11(4):887-894.1010. Mood C. Life-style and self-rated global health in Sweden: A prospective analysis spanning three decades. Prev Med 2013; 57(6):802-806..

Embora a autopercepção da saúde seja um determinante do uso dos serviços, poucos foram os estudos que a avaliaram em população usuária. Em dois estudos realizados no Brasil, a prevalência encontrada foi semelhante à da população geral, observando-se, porém, inconsistência com relação aos fatores associados, não sendo identificada diferença principalmente em relação ao sexo, à idade e à renda1111. Agostinho MR, Oliveira MC, Pinto MEB, Balardin GU, Harzheim E. Autopercepção da saúde entre usuários da Atenção Primária em Porto Alegre, RS. Rev Bras Med Fam e Comum 2010; 5(17):9-15.,1212. Pagotto V, Nakatani AYK, Silveira EA. Fatores associados à autoavaliação de saúde ruim em idosos usuários do Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica 2011; 27(8):1593-1602.. Diante disso, este estudo teve como objetivo avaliar a autopercepção negativa de saúde e fatores associados em usuários da ABS na cidade de Pelotas, RS, Brasil, visando melhor elucidar a questão em tal grupo da população.

Metodologia

Estudo transversal com dados de uma pesquisa realizada de maio a outubro de 2013, com indivíduos de ambos os sexos, idade igual ou superior a 20 anos e usuários da rede urbana de ABS de Pelotas, Rio Grande do Sul, com o objetivo de avaliar a promoção da alimentação saudável.

No ano de 2010 a rede de saúde da cidade era composta por 51 unidades básicas de saúde, um pronto-socorro municipal, cinco pronto-atendimentos, um centro de especialidades, sete centros de atenção psicossocial, cinco hospitais gerais e um psiquiátrico e, aproximadamente, 600 consultórios particulares. Em estudo de base populacional, realizado com adultos e idosos observou-se que, em termos de utilização de serviços de saúde, a cidade apresenta características similares a outras cidades brasileiras do mesmo porte1313. Nunes BP, Thumé E, Tomasi E, Duro SMS, Facchini LA. Desigualdades socioeconômicas no acesso e qualidade da atenção nos serviços de saúde. Rev Saude Publica 2014; 48(6):968-976..

O tamanho da amostra foi calculado no Programa Epi Info 6.04 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos), levando em consideração distintos fatores de risco, risco relativo de 2,0, nível de confiança de 95%, poder de 80%, relação de não expostos para expostos de até 1:9 e prevalência esperada do desfecho em não expostos de no mínimo 13%, o que indicou a necessidade de 936 participantes. Acrescentando-se 10% para possíveis perdas e 25% para fatores de confusão definiu-se o total necessário em 1.264 indivíduos.

Foram incluídas as 36 Unidades Básicas de Saúde (UBS) da zona urbana, com amostragem em duplo estágio. Inicialmente, empregou-se uma amostragem do tipo aleatória proporcional para definir o número de usuários a ser entrevistado em cada UBS, tendo como critério de proporcionalidade a média de procedimentos do mês anterior ao início da coleta de dados. O estágio seguinte contemplou uma amostragem de conveniência, sendo que em cada UBS foram incluídos consecutivamente os usuários que aguardavam por atendimento até que se completasse o n estipulado. Excluíram-se gestantes e portadores de deficiência física ou mental, e os dados foram obtidos mediante questionário testado e padronizado, aplicado por entrevistadores treinados, na sala de espera da UBS, nos turnos manhã e tarde, antes dos atendimentos. Em caso de recusa eram feitas duas novas tentativas, pelo outro entrevistador da dupla e pelo supervisor de campo e, não houve reposição de perdas.

Nesta análise foi considerada como variável dependente a autopercepção negativa da saúde, gerada a partir das respostas regular e ruim à pergunta Como o (a) Sr (a) considera o seu estado de saúde? Foi testada a associação com quatro níveis de variáveis independentes. No primeiro foram consideradas as variáveis demográficas e socioeconômicas: sexo, idade (em anos completos, 20-59/60 ou mais), cor da pele autorreferida (branca/não branca), presença de cônjuge (sim/não), quintis de renda familiar per capita, escolaridade (ensino fundamental/médio/superior ou mais), ocupação (trabalha/não trabalha) e número de moradores no domicílio (1-3/4 ou mais). No segundo foi incluída a situação de saúde: número de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) autorreferidas (referência ao diagnóstico médico de obesidade/diabetes mellitus/hipertensão arterial/dislipidemia/doença cardíaca, categorizada em nenhuma/1-2/3 ou mais), estado nutricional (avaliado a partir de peso e altura autorreferidos e classificado em eutrofia/excesso de peso de acordo com o Índice de Massa Corporal1414. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Publicações. Protocolos do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, 2008. [acessado 2012 Jan 23]. Disponível em: http://189.28.128.100/nutricao/docs/geral/protocolo_sisvan.pdf
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e insegurança alimentar (sim/não, avaliada a partir da escala curta de avaliação1515. Bickel G, Nord M, Price C, Hamilton W, Cook J. Measuring food security in the United States. Guide to measuring household food security. Revised 2000. Alexandria: United States Department of Agriculture; 2000.). No terceiro grupo foi contemplado o acesso a informações sobre saúde, aferido a partir da referência ao recebimento de informações sobre saúde (sim/não), através de amigos, familiares, profissionais de saúde, internet ou outros meios de comunicação e, o modelo de atenção à saúde (tradicional/saúde da família). Por fim, no último conjunto foram incluídos hábitos de vida: seguimento dos Dez Passos da Alimentação Saudável1616. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição. Alimentação saudável. Ciclo da vida. Desenvolvimento de habilidades pessoais. Alimentação saudável para todos: siga os dez passos. [acessado 2012 Jan 19]. Disponível em: http://189.28.128.100/nutricao/docs/geral/10passosAdultos.pdf
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(nenhum/1/2/3/4 ou mais), prática de atividade física por no mínimo 30 minutos todos os dias, avaliada sem uso de questionário específico e sem considerar tipo e intensidade (sim/não), hábito de fumar (sim/não), sem considerar tipo, quantidade, frequência ou ex-tabagistas, e consumo de bebidas alcoólicas (sim/não), sem considerar tipo, quantidade e frequência.

As análises estatísticas foram feitas no Stata versão 12.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos), iniciando com a descrição da amostra e o cálculo da prevalência da variável dependente e seu intervalo de confiança de 95% (IC95). A associação das variáveis independentes com a autopercepção negativa da saúde foi testada através de análise bivariada (razões de prevalências brutas e seus IC) e, posteriormente, através de análise multivariada, do tipo backward stepwise, com Regressão de Poisson, variância robusta e para conglomerados (razões de prevalências ajustadas e seus IC). Para isso seguiu-se um modelo hierárquico pré-estabelecido, sendo que as variáveis de cada nível entravam no modelo e as que apresentavam p > 0,20 eram retiradas uma a uma, introduzindo-se as do nível inferior, e assim subsequentemente até o último nível. Nas variáveis categóricas politômicas ordenadas foi testada a tendência linear (teste de Wald) e nas não ordenadas, a heterogeneidade. Em todas as análises estatísticas foi adotado um valor de p < 0,05 de um teste bicaudal.

O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande – CEPAS/FURG, sendo que todos os participantes consentiram mediante assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Dos 1264 usuários do serviço elegíveis para o estudo, 1246 aceitaram participar, resultando em 1,4% de perdas e recusas. A amostra foi composta majoritariamente por adultos (77,8%), mulheres (83,7%), indivíduos que se autorreferiram como brancos (63,3%) e com cônjuge (60,2%). Em relação à renda familiar mensal, indivíduos pertencentes aos quintis extremos apresentaram renda média de R$ 142,9 (± 71,7) e R$ 1034,8 (± 304,8). Quanto à escolaridade, ter concluído o ensino fundamental foi mais frequente entre os participantes (67%). Cerca de 70% não estava trabalhando e mais da metade da amostra relatou ter no domicílio até três moradores (56%) (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização de uma amostra de adultos e idosos usuários da Atenção Básica de Saúde. Pelotas, RS, 2013. (n=1.246).

Quanto aos aspectos relacionados com a saúde, embora tenha sido evidenciada a ausência de DCNT em 46% da amostra, quase 40% autorreferiu apresentar até duas e aproximadamente 15% três ou mais doenças crônicas. O estado nutricional mais observado foi excesso de peso (61%) e foi identificada insegurança alimentar em 14% da amostra. Na avaliação de informações sobre saúde, mais de 60% relataram ter acesso. Mais da metade dos usuários era atendida pela Estratégia Saúde da Família. Quando perguntados sobre seguimento dos Dez Passos da Alimentação Saudável, mais de 50% relatou como adesão máxima até dois deles, sendo que nenhum participante informou adesão a todos os passos. Os participantes relataram aproximadamente 75% de inatividade física, valor semelhante à ausência de tabagismo e 85% deles não consumiam bebidas alcoólicas (Tabela 1). O desfecho do estudo, autopercepção negativa da saúde, foi identificado em 41,6% (IC95 38,8-44,3) dos indivíduos.

Na análise hierarquizada, segundo modelo teórico, no primeiro nível permaneceram associadas ao desfecho, após o ajuste, as seguintes variáveis: sexo, escolaridade, ocupação e número de moradores no domicílio. Ficou evidenciada maior prevalência de autorpercepção negativa da saúde para o sexo feminino RP = 1,25 (IC95 1,05-1,50) e naqueles desempregados no momento da entrevista RP = 1,37 (IC95 1,14-1,65). Menor prevalência do desfecho foi verificada nos entrevistados com maior escolaridade RP = 0,52 (IC95 0,35-0,78) e que relataram quatro ou mais moradores no domicílio RP = 0,84 (IC95 0,76-0,92). No segundo nível, das três variáveis sobre situação de saúde, permaneceram associados ao desfecho o número de DCNT autorreferidas e a insegurança alimentar, apresentando maior prevalência de autopercepção negativa aqueles com maior número de doenças crônicas e com insegurança alimentar RP = 2,40 (IC95 2,08-2,76) e RP = 1,33 (IC95 1,17-1,51), respectivamente. As variáveis de acesso a informações sobre saúde e modelo de atenção, contempladas no terceiro nível hierárquico não se mostraram associadas ao desfecho (Tabela 2).

Tabela 2
Análise bruta e ajustada de fatores associados à autopercepção negativa de saúde, referidos por adultos e idosos usuários da Atenção Básica de Saúde. Pelotas, RS, 2013. (n=1.246).

No último nível, composto por variáveis sobre hábitos de vida, permaneceu associada ao desfecho somente a prática de atividade física, mostrando maior prevalência de autopercepção negativa para os inativos fisicamente RP = 1,29 (IC95 1,10-1,51) (Tabela 2).

Discussão

A prevalência da autopercepção negativa da saúde foi o dobro da identificada na população geral, tanto de outros países77. Baruth M, Becofsky K, Wilcox S, Goodrich K. Health characteristics and health behaviors of african american adults according to self-rated health status. Ethn Dis 2014; 24(1):97-103.,88. Zarini GG, Vaccaro JA, Canossa Terris MA, Exebio JC, Tokayer L, Antwi J, Ajabshir S, Cheema A, Huffman FG. Lifestyle behaviors and self-rated health: the living for health program. J Environ Public Health 2014; 2014:315042. como do Brasil33. Dachs JNW, Santos APR. Auto-avaliação do estado de saúde no Brasil: análise dos dados da PNAD/2003. Cien Saude Colet 2006; 11(4):887-894.,55. Peres MA, Masiero AV, Longo GZ, Rocha GC, Matos IB, Najnie K, Oliveira MC, Arruda MP, Peres KG. Auto-avaliação da saúde em adultos no Sul do Brasil. Rev Saude Publica 2010; 44(5):901-911.. Foi também superior aos quase 30% encontrados em idosos usuários da ABS de Goiânia, GO1212. Pagotto V, Nakatani AYK, Silveira EA. Fatores associados à autoavaliação de saúde ruim em idosos usuários do Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica 2011; 27(8):1593-1602., mas aproximadamente a metade da encontrada em adultos usuários da ABS de Porto Alegre, RS1111. Agostinho MR, Oliveira MC, Pinto MEB, Balardin GU, Harzheim E. Autopercepção da saúde entre usuários da Atenção Primária em Porto Alegre, RS. Rev Bras Med Fam e Comum 2010; 5(17):9-15.. Tais diferenças podem ser devidas à natureza distinta entre os participantes dos estudos, mostrando que realmente os usuários da ABS compõem um grupo com características específicas e que necessita de uma atenção diferenciada neste aspecto.

No que se refere aos fatores associados, semelhante ao observado em outros estudos, constatou-se que entre os participantes o desfecho mostrou-se positivamente associado ao sexo feminino44. Barros MBA, Zanchetta LM, Moura EC, Malta DC. Auto-avaliação da saúde e fatores associados, Brasil, 2006. Rev Saude Publica 2009; 43(Supl. 2):27-37.,55. Peres MA, Masiero AV, Longo GZ, Rocha GC, Matos IB, Najnie K, Oliveira MC, Arruda MP, Peres KG. Auto-avaliação da saúde em adultos no Sul do Brasil. Rev Saude Publica 2010; 44(5):901-911.,77. Baruth M, Becofsky K, Wilcox S, Goodrich K. Health characteristics and health behaviors of african american adults according to self-rated health status. Ethn Dis 2014; 24(1):97-103.,88. Zarini GG, Vaccaro JA, Canossa Terris MA, Exebio JC, Tokayer L, Antwi J, Ajabshir S, Cheema A, Huffman FG. Lifestyle behaviors and self-rated health: the living for health program. J Environ Public Health 2014; 2014:315042.,1111. Agostinho MR, Oliveira MC, Pinto MEB, Balardin GU, Harzheim E. Autopercepção da saúde entre usuários da Atenção Primária em Porto Alegre, RS. Rev Bras Med Fam e Comum 2010; 5(17):9-15., ao diagnóstico de alguma DCNT55. Peres MA, Masiero AV, Longo GZ, Rocha GC, Matos IB, Najnie K, Oliveira MC, Arruda MP, Peres KG. Auto-avaliação da saúde em adultos no Sul do Brasil. Rev Saude Publica 2010; 44(5):901-911.,66. Park JM. Health status and health services utilization in elderly Koreans. Int J Equity Health 2014; 13:73.,99. Lim WY, Ma S, Heng D, Bhalla V, Chew SK. Gender, ethnicity, health behaviour & self-rated health in Singapore. BMC Public Health 2007; 7:184.,1111. Agostinho MR, Oliveira MC, Pinto MEB, Balardin GU, Harzheim E. Autopercepção da saúde entre usuários da Atenção Primária em Porto Alegre, RS. Rev Bras Med Fam e Comum 2010; 5(17):9-15. a não estar trabalhando44. Barros MBA, Zanchetta LM, Moura EC, Malta DC. Auto-avaliação da saúde e fatores associados, Brasil, 2006. Rev Saude Publica 2009; 43(Supl. 2):27-37. e à inatividade física44. Barros MBA, Zanchetta LM, Moura EC, Malta DC. Auto-avaliação da saúde e fatores associados, Brasil, 2006. Rev Saude Publica 2009; 43(Supl. 2):27-37.,1010. Mood C. Life-style and self-rated global health in Sweden: A prospective analysis spanning three decades. Prev Med 2013; 57(6):802-806.,1212. Pagotto V, Nakatani AYK, Silveira EA. Fatores associados à autoavaliação de saúde ruim em idosos usuários do Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica 2011; 27(8):1593-1602., o que sugere que de fato a probabilidade de autopercepção negativa da saúde seja maior nesses grupos.

Dos estudos disponíveis na literatura, nenhum avaliou uma possível associação entre insegurança alimentar e autopercepção negativa da saúde. A insegurança alimentar e nutricional se caracteriza como a falta de acesso regular, permanente e em quantidade suficiente, a alimentos de qualidade1717. Brasil. Lei n° 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Diário Oficial da União 2006; 18 set.. Além da importante prevalência da insegurança alimentar, tanto em Pelotas, RS, como em todo o país, cujos índices variam entre 10 e 30%1818. Santos JV, Domingues MR, Gigante DP. Prevalência de insegurança alimentar em Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, e estado nutricional de indivíduos que vivem nessa condição. Cad Saude Publica 2010; 26(1):41-49.,1919. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher – PNDS 2006. Brasília: MS; 2008., tal condição pode estar associada a uma maior probabilidade de autopercepção negativa da saúde. Nesta pesquisa observou-se que os inseguros apresentaram maior probabilidade do desfecho, o que é plausível, tendo em vista que em tal análise são considerados critérios de acesso à alimentação1515. Bickel G, Nord M, Price C, Hamilton W, Cook J. Measuring food security in the United States. Guide to measuring household food security. Revised 2000. Alexandria: United States Department of Agriculture; 2000. e, naturalmente, os indivíduos que não se alimentam em quantidade e/ou qualidade suficientes, podem mostrar uma predisposição a autoperceber sua saúde como negativa.

Ainda, a probabilidade da autopercepção negativa da saúde foi menor entre aqueles com maior escolaridade, assim como em outros grupos populacionais estudados33. Dachs JNW, Santos APR. Auto-avaliação do estado de saúde no Brasil: análise dos dados da PNAD/2003. Cien Saude Colet 2006; 11(4):887-894.,55. Peres MA, Masiero AV, Longo GZ, Rocha GC, Matos IB, Najnie K, Oliveira MC, Arruda MP, Peres KG. Auto-avaliação da saúde em adultos no Sul do Brasil. Rev Saude Publica 2010; 44(5):901-911.,77. Baruth M, Becofsky K, Wilcox S, Goodrich K. Health characteristics and health behaviors of african american adults according to self-rated health status. Ethn Dis 2014; 24(1):97-103.,1111. Agostinho MR, Oliveira MC, Pinto MEB, Balardin GU, Harzheim E. Autopercepção da saúde entre usuários da Atenção Primária em Porto Alegre, RS. Rev Bras Med Fam e Comum 2010; 5(17):9-15.. Foi menor também naqueles que relataram maior número de moradores no domicílio, o que, embora diferente da literatura1212. Pagotto V, Nakatani AYK, Silveira EA. Fatores associados à autoavaliação de saúde ruim em idosos usuários do Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica 2011; 27(8):1593-1602., é plausível, uma vez que o convívio direto com outras pessoas, bem como o apoio recebido destas, pode melhorar a percepção da própria saúde.

Não foram observadas diferenças para a idade, da mesma forma que nos outros estudos realizados com usuários da ABS1111. Agostinho MR, Oliveira MC, Pinto MEB, Balardin GU, Harzheim E. Autopercepção da saúde entre usuários da Atenção Primária em Porto Alegre, RS. Rev Bras Med Fam e Comum 2010; 5(17):9-15.,1212. Pagotto V, Nakatani AYK, Silveira EA. Fatores associados à autoavaliação de saúde ruim em idosos usuários do Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica 2011; 27(8):1593-1602.. Entretanto, a maioria das pesquisas com população geral aponta para o efeito positivo da idade avançada sobre a ocorrência da autopercepção negativa da saúde44. Barros MBA, Zanchetta LM, Moura EC, Malta DC. Auto-avaliação da saúde e fatores associados, Brasil, 2006. Rev Saude Publica 2009; 43(Supl. 2):27-37.,66. Park JM. Health status and health services utilization in elderly Koreans. Int J Equity Health 2014; 13:73.,77. Baruth M, Becofsky K, Wilcox S, Goodrich K. Health characteristics and health behaviors of african american adults according to self-rated health status. Ethn Dis 2014; 24(1):97-103.,99. Lim WY, Ma S, Heng D, Bhalla V, Chew SK. Gender, ethnicity, health behaviour & self-rated health in Singapore. BMC Public Health 2007; 7:184.. É possível que tal distinção se deva ao fato de que os usuários das ABS, justamente por estarem buscando atendimento, percebem, naquele momento, sua saúde de forma mais negativa, independentemente da idade. A situação se repete na análise da renda dos entrevistados, pois a mesma não apresentou efeito sobre o desfecho corroborando os achados de outro estudo realizado somente com adultos atendidos no sistema público de saúde1111. Agostinho MR, Oliveira MC, Pinto MEB, Balardin GU, Harzheim E. Autopercepção da saúde entre usuários da Atenção Primária em Porto Alegre, RS. Rev Bras Med Fam e Comum 2010; 5(17):9-15., mas destoando dos resultados de estudos feitos com população geral33. Dachs JNW, Santos APR. Auto-avaliação do estado de saúde no Brasil: análise dos dados da PNAD/2003. Cien Saude Colet 2006; 11(4):887-894.,55. Peres MA, Masiero AV, Longo GZ, Rocha GC, Matos IB, Najnie K, Oliveira MC, Arruda MP, Peres KG. Auto-avaliação da saúde em adultos no Sul do Brasil. Rev Saude Publica 2010; 44(5):901-911.,99. Lim WY, Ma S, Heng D, Bhalla V, Chew SK. Gender, ethnicity, health behaviour & self-rated health in Singapore. BMC Public Health 2007; 7:184..

A cor da pele autorreferida não se mostrou associada ao desfecho, o que está em consonância com a literatura33. Dachs JNW, Santos APR. Auto-avaliação do estado de saúde no Brasil: análise dos dados da PNAD/2003. Cien Saude Colet 2006; 11(4):887-894.,1212. Pagotto V, Nakatani AYK, Silveira EA. Fatores associados à autoavaliação de saúde ruim em idosos usuários do Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica 2011; 27(8):1593-1602., assim como o consumo de bebida alcoólica1111. Agostinho MR, Oliveira MC, Pinto MEB, Balardin GU, Harzheim E. Autopercepção da saúde entre usuários da Atenção Primária em Porto Alegre, RS. Rev Bras Med Fam e Comum 2010; 5(17):9-15.. Por outro lado, não foi identificada associação entre o estado nutricional e a autopercepção negativa da saúde diferentemente de outros estudos44. Barros MBA, Zanchetta LM, Moura EC, Malta DC. Auto-avaliação da saúde e fatores associados, Brasil, 2006. Rev Saude Publica 2009; 43(Supl. 2):27-37.,77. Baruth M, Becofsky K, Wilcox S, Goodrich K. Health characteristics and health behaviors of african american adults according to self-rated health status. Ethn Dis 2014; 24(1):97-103.,99. Lim WY, Ma S, Heng D, Bhalla V, Chew SK. Gender, ethnicity, health behaviour & self-rated health in Singapore. BMC Public Health 2007; 7:184., assim como para o hábito de fumar44. Barros MBA, Zanchetta LM, Moura EC, Malta DC. Auto-avaliação da saúde e fatores associados, Brasil, 2006. Rev Saude Publica 2009; 43(Supl. 2):27-37.,99. Lim WY, Ma S, Heng D, Bhalla V, Chew SK. Gender, ethnicity, health behaviour & self-rated health in Singapore. BMC Public Health 2007; 7:184.1111. Agostinho MR, Oliveira MC, Pinto MEB, Balardin GU, Harzheim E. Autopercepção da saúde entre usuários da Atenção Primária em Porto Alegre, RS. Rev Bras Med Fam e Comum 2010; 5(17):9-15., hábitos alimentares não saudáveis88. Zarini GG, Vaccaro JA, Canossa Terris MA, Exebio JC, Tokayer L, Antwi J, Ajabshir S, Cheema A, Huffman FG. Lifestyle behaviors and self-rated health: the living for health program. J Environ Public Health 2014; 2014:315042.,99. Lim WY, Ma S, Heng D, Bhalla V, Chew SK. Gender, ethnicity, health behaviour & self-rated health in Singapore. BMC Public Health 2007; 7:184. e situação conjugal1212. Pagotto V, Nakatani AYK, Silveira EA. Fatores associados à autoavaliação de saúde ruim em idosos usuários do Sistema Único de Saúde. Cad Saude Publica 2011; 27(8):1593-1602., o que sugere, considerando a análise hierarquizada, que tais fatores não apresentam efeito sobre a ocorrência da autopercepção negativa da saúde.

A comparação dos resultados com outros dados disponíveis aponta para a necessidade de estudos adicionais especificamente com adultos e idosos usuários das ABS, com o objetivo de melhor elucidar as inconsistências, especialmente por que a autopercepção negativa da saúde pode influenciar na demanda por atendimentos de saúde e, em algumas situações, na adesão ao tratamento de saúde, principalmente em pacientes crônicos, os quais necessitam de mudança de estilo de vida. Sendo assim, determinar como esta população autopercebe sua situação de saúde também pode ser útil ao planejamento em saúde, além de contribuir para o sucesso das intervenções realizadas por profissionais de saúde.

Como pontos positivos ressaltam-se o baixo percentual de perdas e o poder estatístico adequado para a maioria das comparações realizadas, além da sua contribuição com o conhecimento referente à autopercepção da saúde, especificamente entre adultos e idosos atendidos nas ABS, tema este ainda pouco explorado.

Dentre as limitações do estudo está sua natureza transversal, o que permite apenas a identificação da associação entre fatores e desfecho, além da possibilidade de causalidade reversa para algumas variáveis. Ainda, o fato de as entrevistas terem sido realizadas na sala de espera dos serviços de saúde, pode ter sub ou superestimado algumas observações.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2019

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2016
  • Revisado
    06 Fev 2017
  • Aceito
    08 Fev 2017
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