As condições genéticas e as Ciências Sociais e Humanas em saúde: contributos para um debate

Rogério Lima Barbosa Reni Barsaglini Susan Kelly Sobre os autores

Nas últimas décadas as publicações em torno das chamadas “doenças raras”, dentro das Ciências Sociais e Humanas, vêm aumentando gradualmente. No entanto, poucos são os trabalhos que voltam a atenção para as pessoas que diretamente convivem, sentem e interpretam a sua própria condição com respectivas repercussões. O cuidado, centrado nas ações de pais/mães ou institucionalizado em associações civis, coloca a pessoa com o diagnóstico como um indivíduo necessitado de ajuda e dependente das ações de outrem. As consequências dessa perspectiva encobrem a dimensão subjetiva, intersubjetiva e organizativa daqueles/as que vivem cotidianamente os sintomas da condição e resistem ao imperativo da normalidade11 Jutel A. Truth and lies: Disclosure and the power of diagnosis. Soc Sci Med 2016; 165:92-98.. O resultado é a (re)produção de um discurso impregnado pela visão caritativa e do sofrimento contínuo, que condena a pessoa com o diagnóstico à doença e à incapacidade de lutar por seus direitos, o qual é posto pelo ventriloquismo em que se fala pelo Outro.

Por outro lado, ao olharmos para o campo das “doenças raras” vemos que a sua vinculação às “doenças” genéticas, faz com que pais/mães envidem esforços em torno da elucidação da cura pela consertação da cadeia genética – fato, em certa medida, estimulado pela divulgação das tecnologias diagnósticas existentes ávidas por mercados. Essa busca gera uma discrepância dentro do campo das doenças raras, onde a prioridade das ações termina por ser direcionada àquelas que fazem parte dos 3% das condições genéticas que já possuem tratamento medicamentoso, encobrindo/invisibilizando/ofuscando/sobrepujando as necessidades diversas e diárias daqueles que, mesmo com o diagnóstico e sintomas, se enxergam como pessoas ativas e não doentes. Essa diferença produz lacunas que somente serão preenchidas a partir de uma visão multi e interdisciplinar atenta à relação entre o conceito biomédico e a concepção sociocultural de doença e o contexto no qual transcorrem. Neste sentido, a “doença” determinada pelo gene coloca em cheque o próprio entendimento sobre o processo saúde-doença, o diagnóstico, o cuidado ampliado e equânime, bem como a construção histórica, política e social envolvida nestes elementos22 Le Breton D. Genetic Fundamentalism or the Cult of the Gene. Body Soc 2004; 10(4):1-20..

Neste cenário, a proposta do presente número temático tem como objetivo agrupar contributos de diferentes pesquisadores/as sobre as condições genéticas em uma perspectiva dos estudos da deficiência e/ou a pesquisa qualitativa. Os/as autores/as provém de diferentes regiões e instituições internacionais e nacionais contribuindo com textos de natureza teórica, metodológica e empírica sobre a temática. A linha estrutural dos trabalhos assenta-se sobre a perspectiva da pessoa com o diagnóstico de uma condição genética e tensionam refletir sobre o entendimento de “doença”, seu impacto e os efeitos nas experiências e na organização da própria vida. Também, não deixam de considerar a perspectiva daqueles/as que vivenciam e agem (individual ou coletivamente) diante das repercussões da “doença”, seja no plano pessoal, familiar, profissional, organizacional/associativo e institucional com os diversos modos de cuidado envolvidos.

Desta maneira, o número temático pode contribuir, ainda, para alargar os debates sobre as condições genéticas e somar esforços para a conquista de direitos e reconhecimento da pessoa, e não do medicamento, como o epicentro de qualquer ação no campo das “doenças raras”.

Referências

  • 1
    Jutel A. Truth and lies: Disclosure and the power of diagnosis. Soc Sci Med 2016; 165:92-98.
  • 2
    Le Breton D. Genetic Fundamentalism or the Cult of the Gene. Body Soc 2004; 10(4):1-20.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Out 2019
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