Conhecimento, atitudes e práticas de agentes comunitários de saúde sobre tuberculose pulmonar em uma capital do Nordeste do Brasil

Lucijane Maria da Silva Gaspar Cynthia Braga Gabriela Diniz Militão de Albuquerque Maria Patrícia Nascimento Silva Magda Maruza Ulisses Ramos Montarroyos Maria de Fátima Pessoa Militão de Albuquerque Sobre os autores

Resumo

Esse artigo analisa o conhecimento, atitudes e práticas sobre tuberculose de agentes comunitários de saúde (ACS) no Recife, município com altas taxas de incidência e de abandono do tratamento no Brasil. O estudo transversal foi conduzido em uma amostra representativa dos ACS utilizando questionário padronizado. Descreveram-se as frequências das variáveis referentes ao conhecimento, atitudes e práticas e analisou-se a associação do conhecimento satisfatório e práticas adequadas com características dos ACS. Dos 401 ACS elegíveis, 385 (96,0%) foram entrevistados. A maioria era composta por mulheres (87,5%), com idade ≥ 40 anos (66,0%) e desempenhando a função há mais de nove anos (74,5%). Um percentual de 61,7% tinha conhecimento satisfatório e esse conhecimento (75,8%) esteve associado às práticas adequadas (p = 0,008). Quanto às atitudes, 97,1% dos ACS acreditavam estar sob risco de contrair tuberculose e 53,2% atribuíram o risco à função. Parcela significativa dos ACS apresentou conhecimento satisfatório sobre tuberculose e esse conhecimento esteve associado às práticas adequadas. Esse resultado sugere a necessidade de investimentos em ações de capacitação que podem contribuir para a melhoria dos indicadores de tuberculose no município.

Palavras-chave
Tuberculose; Agentes comunitários de saúde; Conhecimento; Atitudes e práticas em saúde

Introdução

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que um terço da população mundial esteja infectada pelo bacilo da tuberculose (TB) e que em torno de 10 milhões são portadores da doença, a maioria oriunda de países em desenvolvimento11 World Health Organization (WHO). Global Tuberculosis Report 2016 [Internet]. Geneva: WHO; 2016. [cited 2017 Aug 28]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/250441/1/9789241565394-eng.pdf
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. O Brasil, com coeficiente de incidência anual girando em torno de 40 por 100 mil habitantes22 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Boletim Epidemiológico sobre Tuberculose [Internet]. Brasília; 2017; 48(8). [acessado 2017 Ago 22]. Disponível em: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/marco/23/2017-V-48-N-8-Indicadores-priorit--rios-para-o-monitoramento-do-Plano-Nacional-pelo-Fim-da-Tuberculose-como-Problema-de-Sa--de-P--blica-no-Brasil.pdf
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, responde por aproximadamente um terço dos casos notificados nas Américas, integrando a lista dos 22 países com maior carga de doença no mundo11 World Health Organization (WHO). Global Tuberculosis Report 2016 [Internet]. Geneva: WHO; 2016. [cited 2017 Aug 28]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/250441/1/9789241565394-eng.pdf
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,33 Pan American Health Organization (PAHO). Tuberculosis in the Americas; Regional Report 9 (Epidemiology, Control, and Financing) [Internet]. Geneva: WHO; 2014. [cited 2017 May 12]. Available from: http://www.paho.org/hq/index.php?option=com_docman&task=doc_view&Itemid=270&gid=29807&lang=pt
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No Brasil, considerando a elevada magnitude da TB e em consonância com as metas internacionais de detectar 70% dos casos bacilíferos, e de curar pelo menos 85% dos casos tratados44 World Health Organization (WHO). Global Tuberculosis Control (Surveillance, Planning, Financing) [Internet]. Geneva: WHO; 2008. [cited 2017 Jul 12]. Available from: http://apps.who.int/bookorders/MDIbookJPG/Book/11503659.jpg
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, o Ministério da Saúde (MS) instituiu o Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) em 2004, que possui como diretrizes a descentralização e horizontalização das ações de vigilância, prevenção e controle da TB para a rede básica de saúde, particularmente a Estratégia de Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS)55 Santos J. Resposta brasileira ao controle da tuberculose. Rev Saude Publica 2007; 41(Supl. 1):89-93.,66 Hijjar MA, Gerhardt G, Teixeira GM, Procópio MJ. Retrospecto do controle da tuberculose no Brasil. Rev Saude Publica 2007; 41(Supl. 1):50-58.. Desse modo, com a instituição do PNCT, importantes ações, como a vacinação BCG de recém-nascidos, a vigilância, prevenção e tratamento da TB tornaram-se atribuições da rede básica de saúde77 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil [Internet]. Brasília, 2011. [acessado 2017 Jul 22]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_controle_tuberculose_brasil.pdf
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. Assim, as atividades de identificação dos sintomáticos respiratórios, de acompanhamento do tratamento (evitando o abandono) e de orientação de medidas preventivas aos membros da família passaram a ser realizadas pelos agentes comunitários de saúde (ACS)77 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil [Internet]. Brasília, 2011. [acessado 2017 Jul 22]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_controle_tuberculose_brasil.pdf
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Em 2015, a OMS lançou a estratégia global para enfrentamento da TB (“End TB Strategy”) que tem como meta reduzir 90% da incidência de tuberculose, que não deve atingir patamares superiores a 10 casos novos por 100 mil, e 95% das mortes pela doença, que não pode ultrapassar o limite de incidência de um óbito por 100 mil, até 203588 World Health Organization (WHO). Implementing the end TB strategy: the essentials [Internet]. WHO Document Production Services. Geneva: WHO, 2015. [cited 2017 Aug 20]. Available from: http://www.who.int/tb/publications/2015/The_Essentials_to_End_TB/en/
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. No mesmo ano, com o propósito de atingir as metas estabelecidas pela OMS, o Ministério da Saúde lançou o Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose que tem por base três pilares de ações: Pilar 1, de prevenção e cuidado integrado com foco no paciente, com ênfase no diagnóstico precoce da doença; Pilar 2, de estímulo à instituição de políticas arrojadas e de fortalecimento da participação social; e Pilar 3, que preconiza a intensificação da pesquisa e inovação99 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Plano nacional pelo fim da tuberculose [Internet]. Brasília: 2017. [acessado 2017 Jul 22]. Disponível em: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/fevereiro/24/Plano-Nacional-Tuberculose.pdf
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. Nesse contexto, o ACS, juntamente com outros profissionais que compõem as equipes de saúde da ESF, assume papel relevante nas ações de controle da TB no âmbito local.

Os estudos sobre conhecimento, atitudes e práticas (CAP) utilizam metodologia específica e são delineados com o objetivo de mensurar o que as pessoas sabem, sentem e como se comportam sobre determinado assunto1010 World Health Organization (WHO). Advocacy, communication and social mobilization for TB control: a guide to developing knowledge, attitude and practice surveys [Internet]. Geneva: WHO; 2008. [cited 2017 Aug 24]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/43790/1/9789241596176_eng.pdf
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. Esse tipo de estudo auxilia o planejamento, a execução e avaliação das ações de saúde e possibilitam a identificação de problemas e barreiras, bem como soluções visando à melhoria da qualidade da atenção à saúde. Considerando a potencial contribuição dos estudos CAP para a maior efetividade dos programas e ações voltadas à prevenção e controle da TB, a OMS elaborou um guia metodológico para o desenvolvimento de estudos CAP sobre esta doença1010 World Health Organization (WHO). Advocacy, communication and social mobilization for TB control: a guide to developing knowledge, attitude and practice surveys [Internet]. Geneva: WHO; 2008. [cited 2017 Aug 24]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/43790/1/9789241596176_eng.pdf
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. Tendo em vista a importância e multiplicidade de atribuições dos ACS no PNCT77 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil [Internet]. Brasília, 2011. [acessado 2017 Jul 22]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_controle_tuberculose_brasil.pdf
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,1111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Cartilha para o Agente Comunitário de Saúde: tuberculose [Internet]. Brasília, 2017. [acessado 2017 Jul 10]. Disponível em: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/julho/03/cartilha_acs_tb_11jun17_site_100ex.pdf
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, supõe-se que o conhecimento, atitudes e práticas (CAP) desses profissionais possam interferir na qualidade e efetividade de suas ações e, consequentemente, nos indicadores da doença no âmbito local.

A região Nordeste tem historicamente se caracterizado pelas elevadas incidências de tuberculose no Brasil1212 Oliveira GP, Torrens AW, Bartholomay P, Barreira D. Tuberculosis in Brazil: last ten years analysis - 2001-2010. Brazilian J Infect Dis 2013; 17(2):218-233.. Nesta região, a cidade do Recife, capital do estado de Pernambuco, possui uma cobertura de ESF de cerca de 50%1313 Prefeitura do Recife. Secretaria de Saúde. Plano Municipal de Saúde 2014-2017 [Internet]. Recife, 2014. 84 p. [acessado 2017 Aug 22]. Disponível em: http://www2.recife.pe.gov.br/sites/default/files/plano_municipal_de_saude_2015_revisado_menor.pdf
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e uma das maiores taxas de incidência, de mortalidade e de abandono do tratamento por TB no Brasil99 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Plano nacional pelo fim da tuberculose [Internet]. Brasília: 2017. [acessado 2017 Jul 22]. Disponível em: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/fevereiro/24/Plano-Nacional-Tuberculose.pdf
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. Segundo dados da secretaria municipal de saúde, a incidência de TB tem variado em patamares elevados, em torno de 100 por 100 mil habitantes1313 Prefeitura do Recife. Secretaria de Saúde. Plano Municipal de Saúde 2014-2017 [Internet]. Recife, 2014. 84 p. [acessado 2017 Aug 22]. Disponível em: http://www2.recife.pe.gov.br/sites/default/files/plano_municipal_de_saude_2015_revisado_menor.pdf
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. Quanto às taxas de cura, abandono e de mortalidade, de 71,9%, 8,2%, e 7,7/100 mil habitantes, respectivamente, situando-se em patamares distantes das metas mundiais, que estabelece percentuais de cura de 85%, de abandono de 5% e coeficientes de mortalidade de cerca de 2/100 mil habitantes22 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Boletim Epidemiológico sobre Tuberculose [Internet]. Brasília; 2017; 48(8). [acessado 2017 Ago 22]. Disponível em: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/marco/23/2017-V-48-N-8-Indicadores-priorit--rios-para-o-monitoramento-do-Plano-Nacional-pelo-Fim-da-Tuberculose-como-Problema-de-Sa--de-P--blica-no-Brasil.pdf
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,44 World Health Organization (WHO). Global Tuberculosis Control (Surveillance, Planning, Financing) [Internet]. Geneva: WHO; 2008. [cited 2017 Jul 12]. Available from: http://apps.who.int/bookorders/MDIbookJPG/Book/11503659.jpg
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Assim, considerando a magnitude da TB na região e o importante papel do ACS nas atividades de controle da doença no âmbito local, torna-se oportuna a realização de um estudo CAP para a identificação de problemas e obtenção de informações que auxiliem o planejamento e a avaliação das ações de controle da doença em municípios com elevada carga de doença. Esse estudo tem por objetivo analisar o conhecimento, atitudes e práticas sobre TB pulmonar dos ACS da cidade do Recife.

Métodos

Estudo transversal realizado em uma amostra representativa dos ACS que atuavam nas USF do município do Recife, entre maio e julho de 2016.

Recife possui uma população estimada de 1,6 mil habitantes1414 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo demográfico 2010. Características da população e dos domicílios [Internet]. [acessado 2016 Mar 8]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/
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e está dividida em oito regiões políticas administrativas, que correspondem à área territorial dos distritos sanitários de saúde (DS). O programa municipal de controle de TB, em conformidade com o PNCT, tem como diretriz a descentralização das ações de controle para a atenção básica, especificamente a ESF e PACS1313 Prefeitura do Recife. Secretaria de Saúde. Plano Municipal de Saúde 2014-2017 [Internet]. Recife, 2014. 84 p. [acessado 2017 Aug 22]. Disponível em: http://www2.recife.pe.gov.br/sites/default/files/plano_municipal_de_saude_2015_revisado_menor.pdf
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. Assim, as unidades básicas de saúde constituem a porta de entrada do usuário no sistema de saúde sendo responsáveis pelo tratamento e encaminhamento dos casos de TB aos serviços de saúde de maior complexidade, quando necessário. Em 2016, o município contava com 126 Unidades de Saúde da Família (USF), onde atuavam 269 equipes da ESF com 1.509 ACS1313 Prefeitura do Recife. Secretaria de Saúde. Plano Municipal de Saúde 2014-2017 [Internet]. Recife, 2014. 84 p. [acessado 2017 Aug 22]. Disponível em: http://www2.recife.pe.gov.br/sites/default/files/plano_municipal_de_saude_2015_revisado_menor.pdf
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O cálculo do tamanho da amostra foi realizado com base nos seguintes parâmetros: frequência esperada do evento (conhecimento satisfatório) de 50%, erro amostral de 5% e Intervalo de Confiança 95% e um percentual de perdas de 30%, obtendo-se uma n amostral de 390. A amostragem foi por conglomerados e equiprobabilística, ou seja, proporcional ao número de ACS em cada DS1515 Betty K, Jonathan ACS. Essential of Medical Statistics. 2nd ed. Hoboken: Blackwell Science Ltd; 2003.. As ESF foram sorteadas aleatoriamente em cada DS e todos os ACS que atuavam nas equipes foram incluídos no estudo.

Os dados foram coletados nas USF por uma equipe previamente treinada utilizando questionário semiestruturado e padronizado que foi aplicado após os ACS serem informados sobre os objetivos do estudo, lerem e assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O instrumento de coleta de dados foi elaborado com base no guia para estudos CAP em tuberculose da OMS1010 World Health Organization (WHO). Advocacy, communication and social mobilization for TB control: a guide to developing knowledge, attitude and practice surveys [Internet]. Geneva: WHO; 2008. [cited 2017 Aug 24]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/43790/1/9789241596176_eng.pdf
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e na cartilha sobre TB para ACS, publicada pelo Ministério da Saúde1616 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Tuberculose: informações para agentes comunitários de saúde [Internet]. Brasília, 2001. [acessado 2016 Mar 8]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/tuberculose.pdf
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, e continha quatro blocos de informações: (1) Demográficas e relativas ao trabalho; (2) Conhecimento; (3) Atitudes e (4) Práticas sobre TB pulmonar. Esse instrumento foi previamente avaliado por especialistas e testado em estudo piloto com 20 ACS que não faziam parte da amostra, para a adequação das perguntas, verificação da compreensão do seu conteúdo e ajustes finais.

O bloco de informações demográficas e relativas ao trabalho incluiu informações sobre sexo, idade, nível de escolaridade, tempo de trabalho, número de famílias sob sua responsabilidade, satisfação no trabalho, o Distrito Sanitário onde atuava e histórico de treinamentos (treinamento sobre TB, tempo do último treinamento em anos e número de treinamentos, tipo de cursos realizados nos últimos cinco anos).

Para minimizar o viés de informação, as questões sobre conhecimento e atitudes, um total de 30, foram autoaplicáveis, enquanto que as relativas às práticas, um total de 10, foram obtidas por entrevista.

As questões CAP abordaram diferentes dimensões do conhecimento sobre TB (situação epidemiológica local, definição da doença, transmissão, sintomas sugestivos e investigação de contatos com casos de TB, além de questões sobre prevenção, diferenciação entre infecção e doença, exames laboratoriais, vacinação BCG, tratamento, inclusive TDO, e condutas relacionadas ao abandono do tratamento). As questões foram de múltipla escolha com apenas uma resposta correta e destas apenas treze receberam pontuação, uma vez que duas delas não se relacionavam ao conhecimento sobre TB. A cada resposta correta foram atribuídos escores com valores de 1 a 2, dependendo da relevância do assunto. A pontuação máxima, correspondente a 100% de acertos, foi igual a 18. Considerando-se a média de acertos dos ACS, a soma de escores ≥ 15 (83,3%) foi classificada como conhecimento satisfatório.

As cinco questões sobre as atitudes foram autoaplicáveis, não pontuadas, e se referiam aos sentimentos e impressões do ACS em relação à TB e sobre suas impressões a respeito da maneira como o doente era tratado na comunidade.

O bloco de perguntas relativas às práticas compreendeu 10 questões de múltipla escolha que abordaram informações sobre as ações do ACS com relação à detecção de casos novos e contatos de TB, encaminhamentos e tratamento dos casos, realização do TDO e de atividades educativas a respeito da doença. Entre estas questões, cinco foram pontuadas com escores de valor igual a dois. A pontuação máxima, correspondente a 100% de acertos, foi igual a 10. Quatro ou mais respostas corretas ou soma de escores de valor ≥ 8 (80%), sendo considerado a média de acertos, foi classificada como prática adequada.

Análise dos dados

Realizou-se a análise descritiva das características demográficas, relativas ao trabalho, conhecimento, atitudes e práticas do ACS. A associação entre o conhecimento satisfatório e de práticas adequadas com características individuais dos ACS foi analisada utilizando o teste do Qui-quadrado de Pearson, adotando-se um nível de significância de 5%. O programa EPI INFO, versão 7, foi utilizado para entrada e análise dos dados.

Considerações éticas

O projeto foi submetido à apreciação e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães, Fiocruz.

Resultados

De um total de 401 ACS elegíveis, 385 (96%) foram entrevistados e 16 (4%) não participaram do estudo porque se recusaram a participar (n = 4) ou porque estavam ausentes na data da entrevista (n = 12). A maioria era do sexo feminino (87,5%), possuía idade superior a 40 anos e havia concluído o ensino médio (67,8%) ou superior (16,3%) (Tabela 1). Com relação às características relativas ao trabalho, mais de 70% dos ACS possuíam 10 ou mais anos de atuação, a maioria era responsável por mais de 150 famílias (77,7 %) e referiu estar satisfeita com o trabalho (75,0%). Cerca de 30% relataram existir casos de TB em sua área de atuação. Quanto à capacitação sobre TB, 159 (44,7%) informaram ter realizado pelo menos um treinamento nos últimos dois anos. Ao serem questionados sobre as fontes de informações sobre TB, 210 (54,8%) informaram ter recebido por meio de colegas de trabalho e 175 (45,7%) pela leitura de panfletos, textos de internet, rádio ou TV (dados não apresentados em tabela).

Tabela 1
Caracterização demográfica e relativa ao trabalho dos ACS. Recife, Pernambuco, 2016.

Entre os participantes, 292 (61,4%) possuíam conhecimento satisfatório sobre TB pulmonar, o qual não se associou estatisticamente com sexo, faixa etária, escolaridade, tempo de serviço, treinamento prévio em TB e local de atuação (DS) (Tabela 2).

Tabela 2
Conhecimento satisfatório sobre TB pulmonar de ACS de acordo com características demográficas, tempo de serviço, treinamento anterior e DS. Recife, Pernambuco, 2016.

Com relação às atitudes, 374 (97,1%) relataram acreditar estar sob risco de contrair TB, dos quais 174 (46,3%) atribuíam esse risco à função que desempenhava, e uma elevada proporção (46,5%) relatou preocupação caso contraísse a doença. Quanto aos sentimentos em relação à TB, a maioria (66,2%) relatou compaixão ou desejo de ajudar o doente, enquanto que 30% referiu ausência de qualquer sentimento. Em relação à percepção do ACS sobre o comportamento da comunidade em relação aos pacientes de TB, cerca de 70% afirmou que era amigável e que demonstrava apoio (dados não apresentados em tabela).

Um total de 292 (75,8%) ACS realizava práticas adequadas, ou seja, de acordo com o recomendado pelo PNCT, as quais estiveram estatisticamente associadas ao conhecimento satisfatório sobre TB (p = 0,008) (Tabela 3). A maioria dos ACS informou realizar busca ativa de sintomáticos respiratórios (tosse há mais de três semanas) em sua área de abrangência e que os encaminhava para investigação na USF. Uma pequena proporção (13,8%) informou solicitar baciloscopia para confirmação diagnóstica (Tabela 4).

Tabela 3
Associação entre práticas adequadas sobre TB pulmonar dos ACS e conhecimento sobre TB, escolaridade, tempo de serviço, treinamento sobre a doença e tempo do último treinamento. Recife, Pernambuco, 2016.
Tabela 4
Frequência de práticas sobre TB pulmonar de ACS. Recife, Pernambuco, 2016.

Entre os ACS que possuíam casos de TB em sua área, todos relataram realizar TDO com uma frequência de 1 a 2 (48%) ou 3 a 5 visitas semanais (52%). Cerca de 80% dos ACS informaram fornecer orientações sobre prevenção de TB nos contatos e mais 60% relataram orientar os doentes sobre o esquema de tratamento (Tabela 4). Uma pequena proporção deles (20,5%) realizava atividades educativas sobre TB com frequência (Tabela 4).

Discussão

A tuberculose acomete a humanidade desde a antiguidade até os dias atuais e constitui uma das principais causas de morte por doenças infecciosas nos países em desenvolvimento11 World Health Organization (WHO). Global Tuberculosis Report 2016 [Internet]. Geneva: WHO; 2016. [cited 2017 Aug 28]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/250441/1/9789241565394-eng.pdf
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. A estratégia “Stop-TB”, lançada pela OMS, tem por meta o controle da epidemia global e propõe ações como o aumento da detecção de casos novos, a luta contra o estigma e, sobretudo, o maior acesso à assistência ao diagnóstico e tratamento precoces1717 Lonnroth K, Castro KG, Chakaya JM, Chauhan LS, Floyd K, Glaziou P, Raviglione MC. Tuberculosis control and elimination 2010-50: cure, care and social development. Lancet 2010; 375(9728):1814-1829.. Nesse contexto, o ACS assume importante papel, tendo em vista as suas atribuições no PNCT.

O estudo mostrou que o nível de escolaridade da maioria dos ACS era elevado e que cerca de 60% possuía conhecimento satisfatório sobre TB pulmonar, não se observando relação deste conhecimento com o nível de escolaridade, tempo de serviço e treinamento anterior deste profissional. Níveis semelhantes de conhecimento sobre TB foram encontrados na Etiópia, país africano, onde se observou que 60% dos ACS possuía nível satisfatório de conhecimento1818 Temesgen C, Demissie M. Knowledge and practice of tuberculosis infection control among health professionals in Northwest Ethiopia; 2011. BMC Health Serv Res 2014; 14:593.,1919 Gizaw GD, Alemu ZA, Kibret KT. Assessment of Knowledge and practice of health workers towards tuberculosis infection control and associated factors in public health facilities of Addis Ababa, Ethiopia: A cross-sectional study. Arch Public Health 2015; 73(1):15., e no Brasil, nas cidades de Vitória, Espírito Santo2020 Maciel ELN, Vieira RDCA, Milani EC, Brasil M, Fregona G, Dietze R. O agente comunitário de saúde no controle da tuberculose: conhecimentos e práticas. Cad Saude Publica 2008; 24(6):1377-1386. e Belo Horizonte, Minas Gerais2121 Rocha GSS, Lima MG, Moreira JL, Ribeiro KC, Ceccato MGB, Carvalho WS, Silveira MR. Conhecimento dos agentes comunitários de saúde sobre tuberculose, suas medidas de controle e tratamento diretamente observado. Cad Saude Publica 2015; 31(7):1483-1496., onde cerca de 60% e 80%, respectivamente, tinham conhecimento satisfatório sobre a doença. Entretanto, torna-se importante ressaltar que uma parcela considerável dos ACS estudados (38,3%) demonstrou baixo nível de conhecimento sobre a doença, fato que pode ter consequências negativas na qualidade de suas práticas, como a demora ou dificuldade de identificação de casos suspeitos, manejo inadequado no acompanhamento dos pacientes em tratamento, dentre outros problemas, que podem contribuir para o baixo desempenho nos indicadores do Programa no Recife.

Em relação à associação do conhecimento sobre TB com a realização de treinamento específicos sobre o tema, os nossos resultados diferem dos dados reportados em estudos CAP conduzidos no Brasil2121 Rocha GSS, Lima MG, Moreira JL, Ribeiro KC, Ceccato MGB, Carvalho WS, Silveira MR. Conhecimento dos agentes comunitários de saúde sobre tuberculose, suas medidas de controle e tratamento diretamente observado. Cad Saude Publica 2015; 31(7):1483-1496. e na África1919 Gizaw GD, Alemu ZA, Kibret KT. Assessment of Knowledge and practice of health workers towards tuberculosis infection control and associated factors in public health facilities of Addis Ababa, Ethiopia: A cross-sectional study. Arch Public Health 2015; 73(1):15..2222 Bristow CC, Podewils LJ, Bronner LE, Bantubani N, Walt MV, Peters A, Manetja D. TB tracer teams in South Africa: Knowledge, practices and challenges of tracing TB patients to improve adherence. BMC Public Health 2013; 13:801., que observaram forte relação com esse fator. Porém vale comentar que esses resultados não são inteiramente comparáveis devido a diferenças no delineamento do estudo, perfil dos participantes e nível de dificuldade das perguntas aplicadas.

Concordando com outros estudos conduzidos no Brasil2121 Rocha GSS, Lima MG, Moreira JL, Ribeiro KC, Ceccato MGB, Carvalho WS, Silveira MR. Conhecimento dos agentes comunitários de saúde sobre tuberculose, suas medidas de controle e tratamento diretamente observado. Cad Saude Publica 2015; 31(7):1483-1496.,2323 Dantas DNA, Silva MPM, Oliveira DRC, Enders BC, Paiva REAP, Arcêncio RA. Ações do agente comunitário de saúde no diagnóstico da tuberculose pulmonar. Rev Rene 2011; 12(n. esp.):980-994.,2424 Crispim JA, Scatolin BE, Silva LMC, Pinto IC, Palha PF, Arcêncio RA. The Community Health Agent in the control of tuberculosis in Primary Health Care. Acta Paul Enferm 2012; 25(5):721-727., observou-se que o tempo de atuação da maioria dos ACS foi superior a 10 anos, denotando a larga experiência dos profissionais estudados. Esse resultado foi interpretado como satisfatório, considerando que o tempo de atuação prolongado na função contribui para o estreitamento do vínculo do ACS com as famílias e proporciona o respeito desses profissionais na comunidade.

A maioria (mais de 70%) dos ACS informou ser responsável por um número de famílias superior ao recomendado pelo MS, que é de até 150 famílias ou 750 pessoas2525 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria MS nº 648, de 28 de março de 2006. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União 2006; 29 mar., é reconhecidamente um fator que compromete a qualidade das ações prestadas por esse profissional, devido à quantidade de atividades e de cuidados específicos demandados por um número excessivo de moradores com diferentes agravos2626 Wai MFP, Carvalho AMP. O trabalho do agente comunitário de saúde: fatores de sobrecarga e estratégias de enfrentamento. Rev Enferm UERJ 2009; 17(4):563-568.. Conclui-se, portanto, que esse problema pode igualmente afetar a qualidade das ações desenvolvidas no âmbito do PNCT. Todavia, destaca-se que, apesar da provável sobrecarga de trabalho, a maioria declarou estar satisfeita com a função que desempenhava.

Em relação às atitudes, uma importante parcela dos ACS acreditava estar sob risco de contrair TB e atribuía esse risco à função exercida. Ao mesmo tempo, uma proporção considerável (46,5%) relatou preocupação, caso contraísse a doença. Esses resultados chamam a atenção aos riscos ocupacionais inerentes à atividade do ACS e ao maior risco de contrair TB e outras doenças transmissíveis quando comparados à população geral, conforme observado em outros estudos2727 Rodrigues PM, Moreira TR, Moraes ACL, Vieira RCA, Dietze R, Lima RCD, Maciel ELN. Infecção por Mycobacterium tuberculosis entre agentes comunitários de saúde que atuam no controle da tuberculose. J Bras Pneumol 2009; 35(4):351-358.,2828 Rogério WP, Prado TN, Souza FM, Pinheiro JS, Rodrigues PM, Sant'anna APN, Jesus KG, Junior CC, Lima RCD, Maciel ELN. Prevalência e fatores associados à infecção pelo Mycobacterium tuberculosis entre agentes comunitários de saúde no Brasil, usando-se a prova tuberculínica. Cad Saude Publica 2015; 31(10):2199-2210..

Quanto às práticas, a maioria deles desenvolvia práticas adequadas, que, por sua vez, se associaram ao conhecimento adequado sobre TB. Esses resultados confirmam dados de estudos conduzidos no âmbito internacional1818 Temesgen C, Demissie M. Knowledge and practice of tuberculosis infection control among health professionals in Northwest Ethiopia; 2011. BMC Health Serv Res 2014; 14:593.,1919 Gizaw GD, Alemu ZA, Kibret KT. Assessment of Knowledge and practice of health workers towards tuberculosis infection control and associated factors in public health facilities of Addis Ababa, Ethiopia: A cross-sectional study. Arch Public Health 2015; 73(1):15.,2222 Bristow CC, Podewils LJ, Bronner LE, Bantubani N, Walt MV, Peters A, Manetja D. TB tracer teams in South Africa: Knowledge, practices and challenges of tracing TB patients to improve adherence. BMC Public Health 2013; 13:801.,2929 Abd Wahab F, Abdullah S, Abdullah JM, Jaafar H, Noor SSM, Mohammad WMZW, Yusoff AAM, Tharakan J, Bhaskar S, Sangu M, Mahmmod MS, Kassim F, Rafia MH, Haspani MSM, Alias A, Pando RH. Updates on Knowledge, Attitude and Preventive Practices on Tuberculosis among Healthcarem Workers. Malays J Med Sci 2016; 23(6):25-34. e nacional2020 Maciel ELN, Vieira RDCA, Milani EC, Brasil M, Fregona G, Dietze R. O agente comunitário de saúde no controle da tuberculose: conhecimentos e práticas. Cad Saude Publica 2008; 24(6):1377-1386.,2121 Rocha GSS, Lima MG, Moreira JL, Ribeiro KC, Ceccato MGB, Carvalho WS, Silveira MR. Conhecimento dos agentes comunitários de saúde sobre tuberculose, suas medidas de controle e tratamento diretamente observado. Cad Saude Publica 2015; 31(7):1483-1496. e fortalecem as evidências de que o maior nível de conhecimento sobre a doença contribui para a melhoria da qualidade das práticas desses profissionais.

Ainda com relação às práticas, a maioria informou realizar a busca de sintomáticos respiratórios durante a visita domiciliar e encaminhar os casos suspeitos à USF, conforme recomendado pelo MS77 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil [Internet]. Brasília, 2011. [acessado 2017 Jul 22]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_controle_tuberculose_brasil.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
,1111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Cartilha para o Agente Comunitário de Saúde: tuberculose [Internet]. Brasília, 2017. [acessado 2017 Jul 10]. Disponível em: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/julho/03/cartilha_acs_tb_11jun17_site_100ex.pdf
http://portalarquivos.saude.gov.br/image...
. Entretanto, apenas uma pequena parcela informou solicitar o exame de baciloscopia e fornecer orientações sobre a coleta de escarro aos sintomáticos respiratórios, sugerindo lacunas de conhecimento por parte desses profissionais ou problemas relacionados à estrutura ou organização das ações do programa no âmbito local. Estudos demonstram que os ACS necessitam estar preparados e sensibilizados para rastrear indivíduos com tosse produtiva há mais de três semanas, visando o diagnóstico e a instituição precoce do tratamento3030 Pinto ESG, Scatolin BE, Beraldo AA, Andrade RLP, Silva-Sobrinho RA, Villa TCS. O agente comunitário de saúde na detecção de casos de tuberculose. Cienc Cuid Saude 2014; 13(3):519-526.,3131 Scatolin BE, Pinto ESG, Arcêncio RA, Andrade RLP, Wysocki AD, Ponce MAZ, Arakawa T, Beraldo AA, Villa TCS, Palha PF. Busca de pacientes sintomáticos respiratórios: atuação do Agente Comunitário de Saúde no controle da tuberculose em município de grande porte, Brasil. Texto Contexto Enferm 2014; 23(2):261-269.. Essa medida contribui para reduzir o risco de infecção e adoecimento na comunidade, melhorando o prognóstico dos doentes77 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil [Internet]. Brasília, 2011. [acessado 2017 Jul 22]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_controle_tuberculose_brasil.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
. Em um município considerado prioritário, a incorporação dessa prática na rotina de visitas domiciliares dos ACS, juntamente com o provimento dos insumos necessários à coleta de escarro, além da capacitação continuada e supervisão adequada pela gestão municipal, são ações necessárias visando reduzir o risco de transmissão aos contatos.

Metade dos ACS que acompanhavam casos de TB informou realizar TDO em uma frequência de visitas de três a cinco vezes por semana, conforme preconiza o PNCT. Todavia, ao serem pesquisados dados do PNCD de 2016, fornecidos pela secretaria municipal de saúde, constatou-se que a proporção de casos novos tratados por TDO foi inferior a 50%. Estudos nacionais e internacionais demonstraram o maior sucesso do tratamento quando realizados por meio de TDO, observando-se maiores percentuais de cura e maior precocidade da negativação da baciloscopia3232 Ferreira V, Brito C, Portela M, Escosteguy C, Lima S. DOTS in primary care units in the city of Rio de Janeiro, Southeastern Brazil. Rev Saude Publica 2011; 45(1):40-48.,3333 Ibanês AS, Carneiro Junior N. Panorama internacional e nacional da estratégia do tratamento diretamente supervisionado (DOTS) nas políticas de controle da tuberculose. ABCS Health Sciences 2013; 38(1):25-32.. Desta forma, torna-se recomendável estimular e oferecer condições aos ACS e pacientes para a realização do TDO em todos os casos de TB pulmonar do município. A adoção de tal medida poderia contribuir fortemente para a redução das taxas de incidência, abandono e de morte por TB no município. Também seria importante o fornecimento de educação continuada, bem como a supervisão dos ACS por profissionais treinados e sensibilizados sobre o valor do TDO.

Mais de 80% dos ACS informaram realizar a busca ativa dos contatos, orientá-los e encaminhá-los à USF. Essa atividade é muito importante considerando o risco de adoecimento dos contatos infectados, além de constituírem fontes potenciais de infecção e de manutenção da cadeia de transmissão da doença na comunidade3434 Gazetta CE, Santos MLSG, Vendramini SHF, Poletti NAA, Pinto Neto JM, Villa TCS. Controle de comunicantes de tuberculose no Brasil: revisão de literatura (1984- 2004). Rev Latino-Am Enfermagem 2008; 16(2):306-313.. Assim, as ações de vigilância dos contatos necessitam ter especial atenção por parte dos gestores municipais do programa no sentido de estimularem as equipes de saúde e proverem as condições necessárias à realização sistemática dessa atividade.

A maioria dos ACS informou realizar ocasionalmente ou não realizar atividades educativas sobre TB pulmonar na comunidade. Dados sobre essa prática entre esses profissionais são escassos na literatura. Scatolin et al.3131 Scatolin BE, Pinto ESG, Arcêncio RA, Andrade RLP, Wysocki AD, Ponce MAZ, Arakawa T, Beraldo AA, Villa TCS, Palha PF. Busca de pacientes sintomáticos respiratórios: atuação do Agente Comunitário de Saúde no controle da tuberculose em município de grande porte, Brasil. Texto Contexto Enferm 2014; 23(2):261-269., em seu estudo com ACS em Ribeirão Preto (SP), identificou fragilidades na realização das atividades de educação em saúde pelos ACS na comunidade. Os dados mostram que as atividades educativas precisam ser incluídas na rotina de trabalho dos ACS e para tanto estes profissionais necessitam de capacitação e de supervisão continuada.

Este estudo possui potenciais limitações, particularmente o viés de informação, uma vez que a coleta dos dados não incluiu a observação em campo das práticas e atitudes dos ACS em seus locais de atuação. Ressalta-se, porém, que as perguntas relativas ao conhecimento e atitudes foram auto aplicadas, enquanto as relativas às práticas foram obtidas por meio de entrevista. Essa estratégia, além de evitar constrangimentos ao ACS, possivelmente reduziu a chance de viés de informação. Além disso, o baixo percentual de perdas e o elevado grau de aceitação dos ACS em relação ao estudo certamente contribuíram para minimizar os potenciais vieses do estudo. Assim, conclui-se que os resultados obtidos possivelmente refletem o perfil da população de referência.

Finalmente, o estudo mostrou que uma parcela considerável dos ACS possuía níveis insatisfatórios de conhecimento sobre TB. Considerando-se a relação entre o conhecimento e as boas práticas sobre TB, cujos resultados deste estudo corroboram essa evidência, conclui-se que esse problema pode estar contribuindo para a manutenção dos indicadores desfavoráveis do programa no município. Assim, ações voltadas à melhoria da gestão do programa no âmbito municipal, com ênfase nas ações de capacitação, educação continuada e supervisão do programa no nível da atenção primária, são essenciais para a melhoria dos indicadores de desempenho.

Além disso, o provimento às equipes das condições necessárias à realização da baciloscopia dos sintomáticos respiratórios pelos ACS e a supervisão efetiva de ações e resultados das equipes de saúde torna-se relevante. Torna-se igualmente necessário o aprimoramento dos mecanismos de gestão visando a ampliação do TDO, o rastreamento de infecção entre os comunicantes e a realização rotineira de atividades educativas voltadas à comunidade.

Os resultados desse estudo possivelmente refletem a realidade de outros municípios da região Nordeste do Brasil e, portanto, podem subsidiar gestores no aprimoramento das políticas e ações voltadas ao aperfeiçoamento do trabalho dos ACS no rastreamento, tratamento e cura dos casos de TB pulmonar no âmbito local.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Out 2019

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2017
  • Aceito
    23 Mar 2018
  • Publicado
    25 Mar 2018
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br