Resumo
Objetivou-se avaliar a atenção secundária em endodontia em um Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) de Belo Horizonte (MG). A coleta de dados utilizou dois formulários: (1) sobre o tratamento endodôntico, preenchido pelos endodontistas; (2) sobre o tratamento restaurador, com dados dos prontuários. O programa SPSS 19.0 foi utilizado para analisar os resultados por meio de frequência e percentis. Foram finalizados 452 tratamentos endodônticos em pacientes adultos. Os pacientes apresentaram mediana de 39 anos de idade, a maioria era do sexo feminino (69,7%) e apresentou guia de referência da atenção básica (96,2%). A maior parte dos tratamentos endodônticos foi realizada em pré-molares superiores (23,7%), seguida de molares inferiores (22,3%), utilizando técnica mista (74,1%) e em única sessão (64,2%). O encaminhamento para o tratamento restaurador foi para o CEO em 81,2% dos casos e finalizado em 24,1% casos (n = 109). A contrarreferência após o tratamento restaurador ocorreu em 58,7% dos casos finalizados. É necessário um planejamento conjunto do tratamento odontológico entre a atenção básica e secundária e, dentro desta última, entre as especialidades, além de um adequado processo de referência e contrarreferência, visando garantir a integralidade do cuidado e a eficiência e eficácia do serviço.
Palavras-chave
Atenção secundária à saúde; Endodontia; Serviços de saúde bucal
Introdução
Com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) a atenção à saúde da população brasileira foi organizada, observando-se os princípios estabelecidos de universalização, descentralização, equidade, integralidade e participação social. As ações e serviços públicos foram se estruturando em rede em todo território nacional, com a finalidade de proporcionar melhorias das condições de vida e combate às iniquidades11 Brasil. Lei nº. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 20 set.,22 Brasil. Ministério da Saúde (MS). ABC do SUS - Doutrinas e Princípios. Brasília: MS; 1990. [acessado 2017 Jan 25]. Disponível em: http://www.pbh.gov.br/smsa/bibliografia/abc_do_sus_doutrinas_e_principios.pdf
http://www.pbh.gov.br/smsa/bibliografia/... .
A saúde bucal, como todos os serviços do SUS, deve se organizar a partir da Atenção Primária à Saúde (APS), denominada no âmbito do SUS como Atenção Básica à Saúde (ABS)33 Azevedo ALM, Costa AM. A estreita porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS):uma avaliação na Estratégia de Saúde da Família. Interface (Botucatu) 2010; 14(35):797-810., sendo a porta de entrada do sistema44 Lino PA, Werneck MAF, Lucas SD, Abreu MHNG. Análise da atenção secundária em saúde bucal no estado de Minas Gerais. Cien Saude Colet 2014; 19(9):3879-3888..
A inclusão da Equipe de Saúde Bucal (ESB) no Programa de Saúde da Família (PSF), hoje Estratégia Saúde da Família (ESF) ocorreu em 2000, visando planejar ações de saúde bucal, com base na territorialização, orientadas pelos determinantes sociais e pelas necessidades epidemiológicas da população55 Brasil. Departamento de Atenção Primária - Secretaria de Políticas de Saúde. Programa Saúde da Família. Rev Saude Publica 2000; 34(3):316-319.,66 Junqueira SR, Pannuti CM, Rode SM. Oral health in Brazil - part l: public oral health policies. Braz Oral Res 2008; 22(1):8-17..
Em 2004, o Ministério da Saúde (MS) definiu as Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal com ações de promoção, proteção e recuperação de saúde77 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasília: MS; 2004. [acessado 2017 Jan 25]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/diretrizes_da_politica_nacional_de_saude_bucal.pdf
http://189.28.128.100/dab/docs/publicaco... ,88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Cartilha de Saúde Bucal. Brasília: MS; 2015. [acessado 2017 Jan 25]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/cartilha_saude_bucal.pdf
http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab... . Nesta política, previu-se a criação dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) e os Laboratórios Regionais de Prótese Dentária (LRPDs)77 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasília: MS; 2004. [acessado 2017 Jan 25]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/diretrizes_da_politica_nacional_de_saude_bucal.pdf
http://189.28.128.100/dab/docs/publicaco...
8 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Cartilha de Saúde Bucal. Brasília: MS; 2015. [acessado 2017 Jan 25]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/cartilha_saude_bucal.pdf
http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab... -99 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 599/GM, de 23 de março de 2006. Define a Implantação de Especialidades Odontológicas (CEOs) e de Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias (LRPDs) e estabelecer critérios, normas e requisitos para seu credenciamento. Diário Oficial da União 2006; 23 mar., visando a construção da rede de atenção à saúde bucal. O CEO funciona como referência para a APS, nas atividades de média complexidade (atenção secundária), ofertando inicialmente as especialidades de periodontia, endodontia, cuidados de pacientes com necessidades especiais, estomatologia com ênfase no diagnóstico de câncer bucal e cirurgia oral menor. Posteriormente foram incluídas as especialidades de ortodontia/ortopedia e a implantodontia1010 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 718, de 20 de dezembro de 2010. Inclui ortodontia, ortopedia funcional dos maxilares e implantodontia no rol das especialidades odontológicas atendidas pelo SUS. Diário Oficial da União 2010; 20 dez..
Para o funcionamento da recente rede de atenção criada foram desenvolvidos mecanismos de organização e controle, como a sistematização da referência e contrarreferência, como elos da rede de assistência à saúde1111 Serra CG, Rodrigues PHA. Avaliação da referência e contrarreferência no Programa Saúde da Família na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RJ, Brasil). Cien Saude Colet 2010; 15(Supl. 3):S3579-S3586., permanecendo a APS como referência e organizadora do cuidado44 Lino PA, Werneck MAF, Lucas SD, Abreu MHNG. Análise da atenção secundária em saúde bucal no estado de Minas Gerais. Cien Saude Colet 2014; 19(9):3879-3888..
A interface ideal entre os serviços de atenção primária e secundária deve levar em consideração algumas características como: equidade, quando todos os casos diagnosticados corretamente devem ser referenciados a um nível de maior complexidade sem barreiras para este referenciamento; integralidade, onde todo tratamento necessário deve estar disponível e acessível, seja no nível básico ou secundário; e eficiência e eficácia, garantindo que as referências sejam apropriadas e com mecanismos de triagem adequados; e a contrarreferência assegurada após o tratamento finalizado, ou até mesmo, ao longo do mesmo1212 Morris AJ, Burke FJT. Primary and secondary dental care: how ideal is the interface? Br Dent J 2001; 191(12):666-670..
O SISREG (Sistema de Regulação) Saúde Bucal de Belo Horizonte - MG é um programa on line que recebe os pedidos de encaminhamentos para a atenção secundária realizados na Unidade Básica de Saúde (UBS) e disponibiliza as vagas existentes de acordo com critérios e prioridades estipulados pela Secretaria Municipal de Saúde. Segundo o SISREG antes do encaminhamento do paciente para o CEO na especialidade de endodontia, deve ser realizado na UBS o controle da infecção bucal, por meio da adequação do meio bucal (raspagem e polimento coronário, selamento de cavidades e extração de restos radiculares) e o cuidado prévio com o dente a ser tratado endodonticamente (remoção de tecido cariado, acesso coronário, curativo e selamento da cavidade). Em todos os casos deve ser avaliado se o dente é passível de restauração protética e se a pessoa poderá receber o tratamento. As prioridades de encaminhamentos são definidas como alta ou média. Os casos considerados de alta prioridade são os dentes anteriores; incisivos, caninos e pré-molares, em indivíduos de qualquer idade, inclusive retratamentos; bem como os molares de usuários, de qualquer idade, sem perda dentária no arco em que se localiza o dente a ser tratado, visando evitar a indicação de prótese. Já os casos considerados de média prioridade são os molares suportes de prótese parcial removível já existente e que sejam o último recurso para manter a dimensão vertical de oclusão. Molares com extensa destruição coronária e/ou doença periodontal apresentando mobilidade, terceiros molares que não são suporte para prótese pré-existente e primeiros molares permanentes com rizogênese incompleta, não devem ser encaminhados. As marcações são feitas por um funcionário da UBS, de acordo com a necessidade apresentada no local1313 Belo Horizonte. Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMS-BH). Sistema de Regulação - Saúde Bucal (SISREG). Belo Horizonte: SMS; 2014. [acessado 2017 Jan 25]. Disponível em: file:///C:/Users/Windows%207/Downloads/SISREG_prioridades_saudebucal__2012.pdf
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Após a realização do tratamento endodôntico no CEO, os dentes passíveis de restaurações diretas devem ser encaminhados para restauração na APS. Os dentes com necessidades de restaurações indiretas devem ser encaminhados para o tratamento especializado dentro do CEO1313 Belo Horizonte. Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMS-BH). Sistema de Regulação - Saúde Bucal (SISREG). Belo Horizonte: SMS; 2014. [acessado 2017 Jan 25]. Disponível em: file:///C:/Users/Windows%207/Downloads/SISREG_prioridades_saudebucal__2012.pdf
file:///C:/Users/Windows%207/Downloads/S... . Em Belo Horizonte, a especialidade de prótese bucal foi incluída no CEO para dar suporte a casos especiais de prótese total, normalmente executada pela APS, e próteses unitárias, muitas vezes indicadas após a conclusão do tratamento endodôntico.
O tratamento endodôntico é um procedimento intermediário, não tem um fim em si mesmo. Após concluído, o dente precisa ser restaurado para sua recuperação total, evitando a possibilidade de fraturas, novas lesões cariosas ou até mesmo a sua extração. Em vista da possibilidade desta finalização indesejada, é preciso conhecer como o serviço dá continuidade ao tratamento executado.
O conhecimento de como são ofertados os serviços pelo SUS, quando o paciente necessita de atendimento especializado (CEO), possibilita um melhor planejamento de ações e estratégias que possam trazer para a realidade os princípios da universalização, equidade e integralidade. Sendo assim, o objetivo desse trabalho foi avaliar a atenção secundária em endodontia em um Centro de Especialidades Odontológicas (CEO).
Métodos
Este estudo transversal, de abordagem quantitativa, teve sua coleta de dados realizada no CEO, da regional Centro-Sul, em Belo Horizonte - MG. Optou-se por coletar os dados deste CEO por ser o primeiro e o maior entre os existentes no município. A opção permitiu viabilizar o estudo, concentrando a coleta em um só local.
Por ter sido escolhido previamente o local, esta é uma amostra de conveniência, não probabilística. Realizou-se o cálculo amostral pelo método de estimativa de proporções considerando uma prevalência de necessidade de tratamento endodôntico de 50%, nível de confiança e precisão de 5%, resultando em uma amostra mínima de 384 pacientes. A este valor foi acrescentado 20% referente às perdas que poderiam ocorrer durante o estudo, totalizando uma amostra de 461 pacientes. Por ser um estudo exploratório, o cálculo serviu exclusivamente para nortear um número adequado de casos para o estudo.
Foram coletados os dados relacionados a pacientes, maiores de idade, que constavam na lista do SISREG1313 Belo Horizonte. Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMS-BH). Sistema de Regulação - Saúde Bucal (SISREG). Belo Horizonte: SMS; 2014. [acessado 2017 Jan 25]. Disponível em: file:///C:/Users/Windows%207/Downloads/SISREG_prioridades_saudebucal__2012.pdf
file:///C:/Users/Windows%207/Downloads/S... e foram encaminhados da APS para o tratamento endodôntico no CEO em estudo, no período de maio a novembro de 2016 e que concordaram em participar do estudo. Optou-se pela população adulta porque, segundo dados do último inquérito nacional de saúde bucal1414 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Pesquisa Nacional de Saúde Bucal. Brasília: MS; 2012. [acessado 2017 Jan 25]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pesquisa_nacional_saude_bucal.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe... , os adultos (35-44 anos) têm 3,2 vezes mais necessidades endodônticas que os adolescentes (15-19 anos).
Para a coleta de dados foram utilizados dois formulários: (1) sobre o tratamento endodôntico, preenchido pelos endodontistas que concordaram em participar do estudo e (2) dados dos prontuários dos pacientes, sobre o tratamento restaurador realizado, coletados pelos pesquisadores.
As questões sobre o encaminhamento para o tratamento endodôntico abordaram as definições do SISREG: UBS de origem, data de nascimento, sexo (masculino/feminino), presença de guia de referência (sim/não) e data, adequação do meio bucal (sim/não), se o dente encontrava-se dentro dos critérios de prioridade de encaminhamento do serviço (sim/não). As questões relativas ao tratamento realizado incluíram: data de início e finalização do tratamento endodôntico, grupos de dente(s) tratado(s) (anteriores, pré-molares e molares; superiores e inferiores), técnica endodôntica utilizada (manual, rotatória, mista), número de sessões para finalizar o tratamento (1, 2, 3 ou mais), intercorrências durante o tratamento endodôntico, relacionadas ao paciente ou ao próprio serviço (sim/não), data de encaminhamento para restauração do dente tratado, local de encaminhamento para restaurar o dente tratado endodonticamente (UBS, CEO).
Após a finalização do tratamento endodôntico, foram coletadas informações nos prontuários dos pacientes para o preenchimento dos dados do tratamento restaurador, como: local onde o tratamento restaurador foi/está sendo realizado (UBS, CEO, consultório particular), data de início e finalização do tratamento restaurador, intercorrências durante o tratamento restaurador, relacionadas ao paciente ou ao próprio serviço (sim/não), contrarreferência para a APS após tratamento restaurador (sim/não).
Um estudo piloto foi realizado a fim de treinar os endodontistas para que preenchessem os dados de maneira uniforme, evitando perdas. As questões que geraram dúvidas foram reformuladas para o estudo principal.
Os resultados foram analisados de forma descritiva utilizando o programa estatístico Statistical Package for Social Sciences – versão 22.0. Os dados quantitativos tiveram sua normalidade analisada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov e como não apresentaram uma distribuição normal (p < 0,001) foram identificados por meio de percentis. Os dados categóricos foram analisados por meio de frequência.
Este estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Os pacientes não foram contatados pela pesquisadora, além do momento do esclarecimento e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
Durante o período de coleta de dados, 466 tratamentos endodônticos foram iniciados no CEO estudado. Destes, 14 foram excluídos por não terem sido finalizados dentro do período de coleta de dados, resultando em uma amostra de 452 tratamentos endodônticos finalizados, em pacientes adultos.
Os pacientes que realizaram tratamento endodôntico apresentaram mediana de 39 anos de idade, a maioria era do sexo feminino (69,7%), se apresentaram portando a guia de referência da APS (96,2%) e vieram encaminhados em maior volume de Centros de Saúde da regional Nordeste de Belo Horizonte (29,2%). A maioria dos pacientes não apresentava o meio bucal adequado (60,4%), apresentando placa e/ou cálculo, cavidades e restos radiculares, mas encontrava-se dentro dos critérios de prioridade de referência do serviço (SISREG) (84,8%). No entanto, mesmo os que não se encontravam dentro dos critérios de adequação do meio ou de prioridade de encaminhamento foram atendidos pelos endodontistas (Tabela 1).
Análise descritiva dos pacientes encaminhados para o tratamento endodôntico no CEO, de acordo com o sexo, regional de origem, presença de guia de encaminhamento, adequação do meio e critérios de referência para o serviço. Belo Horizonte, 2016.
A maior parte dos tratamentos endodônticos realizados foi em pré-molares superiores (23,7%), seguidos de molares inferiores (22,3%), utilizando uma técnica mista (74,1%) e em uma única sessão (64,2%). As intercorrências mais citadas em relação aos tratamentos endodônticos foram falta de material (6,9%), seguida de problemas inflamatórios como presença de lesão periapical, exsudato e/ou edema (6,0%). Quando se avaliou a continuidade do tratamento observou-se que 81,2% dos pacientes foram encaminhados para o próprio CEO e 18,8% foram contra-referenciados para a UBS para a realização do tratamento restaurador (Tabela 2).
Análise descritiva dos pacientes encaminhados para o tratamento endodôntico no CEO de acordo com tipo de dente tratado, técnica de instrumentação utilizada, número de sessões utilizadas, intercorrências, local de encaminhamento para o tratamento restaurador. Belo Horizonte, 2016.
Dos 452 tratamentos endodônticos finalizados, 109 (24,1%) tiveram seu tratamento restaurador finalizado (94 no CEO, 14 na UBS e 1 em consultório particular), 123 (27,2%) encontravam-se em tratamento (118 no CEO, 2 na UBS e 3 em consultório particular), e 220 (48,7%) não apresentavam informação sobre o tratamento restaurador até o período de finalização da coleta de dados (33,4%; n = 151 encaminhados para o CEO e 15,3%; n = 69 encaminhados para a UBS).
O tratamento restaurador seguiu a tendência mostrada pela referência, onde a maioria dos tratamentos finalizados e em andamento foi ou estava sendo executada no CEO (46,9%). Dentre as intercorrências mais citadas durante o tratamento restaurador, a necessidade de encaminhamento para o aumento de coroa clínica (3,5%) teve destaque. Foi observado que a contrarreferência após o tratamento restaurador no CEO aconteceu em 58,7% dos casos (Tabela 3).
Análise descritiva dos pacientes encaminhados para o tratamento endodôntico no CEO, de acordo com o local para realização do tratamento restaurador, situação do tratamento restaurador, intercorrências, contra referência. Belo Horizonte, 2016.
O tempo de espera mediano para o paciente iniciar o tratamento endodôntico após a referência da UBS para a atenção secundária foi de 5 meses. Quando se considerou o tempo mediano para realização do tratamento endodôntico e para o encaminhamento para o tratamento restaurador este foi de 0 dia, ou seja, em 50% dos casos o paciente iniciou e finalizou o tratamento endodôntico no mesmo dia (única sessão), e no mesmo dia da finalização do tratamento endodôntico foi encaminhado para o tratamento restaurador. Após o encaminhamento para o tratamento restaurador o paciente esperou uma mediana de 57 dias para ser atendido, e este tratamento teve uma mediana de 17 dias de duração (Tabela 4).
Análise descritiva dos pacientes encaminhados para o tratamento endodôntico no CEO, de acordo com o tempo de espera e duração dos tratamentos endodôntico e restaurador. Belo Horizonte, 2016.
Discussão
A evolução da cárie dentária é a causa mais comum de indicação de tratamento endodôntico. Muitas vezes os pacientes com necessidade de tratamento endodôntico passam por quadros de dor e relatam busca por tratamentos de urgência recorrentes e espera por atendimento especializado1515 Souza GC, Lopes MLDS, Roncalli AG, Medeiros-Junior A, Clara-Costa IC. Referência e contrarreferência em saúde bucal: regulação do acesso aos centros de especialidades odontológicas. Rev Salud Publica 2015; 17(3):416-428.. Desta forma, o tratamento endodôntico é considerado um meio seguro de manter na arcada dentes que de outra forma seriam extraídos. O índice de sucesso destes tratamentos chega a 95% e são considerados indicativos de cura a ausência de dor, edema, fístula, comprometimento periodontal, e imagem radiográfica de normalidade periapical1616 Manfredi M, Figini L, Gagliani M, Lodi G. Single versus multiple visits for endodontic treatment of permanent teeth. Cochrane Database Syst Rev 2016; 12:CD005296..
As mulheres representaram a maioria dos indivíduos que participaram deste estudo (69,7%) e este é um dado bem relatado na literatura1717 Souza LF, Chaves SCL. Política nacional de saúde bucal: acessibilidade e utilização de serviços odontológicos especializados em um município de médio porte na Bahia. Rev Baiana Saude Publica 2010; 34(20):371-387.,1818 Dörr DD, Grecca FS, Giordani JMA. Avaliação dos atendimentos endodônticos em um Centro de Especialidades Odontológicas em Porto Alegre, RS. Rev ABENO 2016; 16(3):85-95.. Além de outros fatores já conhecidos, a existência de programas específicos para mulheres como, o pré-natal ou a prevenção de câncer (colo do útero e mama) pode facilitar a aproximação das mulheres com o serviço de saúde1919 Bertoldi AD, Barros AJD, Hallal PC, Lima RC. Utilização de medicamentos em adultos: prevalência e determinantes individuais. Rev Saude Publica 2004; 38(2):228-238..
A maior parte dos encaminhamentos veio da Regional Nordeste (quase 30%). Os encaminhamentos são feitos de acordo com o número de vagas existentes, e não há cotas estabelecidas para as Regionais de Saúde. Este é o maior CEO do município, funcionando em dois locais distintos. Esta regional pode apresentar uma maior demanda por tratamento endodôntico ou maior facilidade em inserir o nome das pessoas na fila eletrônica do SISREG. Para que um usuário seja encaminhado da UBS para atenção especializada é necessário que um funcionário da UBS faça a inserção do nome do paciente na fila eletrônica do SISPREG1313 Belo Horizonte. Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMS-BH). Sistema de Regulação - Saúde Bucal (SISREG). Belo Horizonte: SMS; 2014. [acessado 2017 Jan 25]. Disponível em: file:///C:/Users/Windows%207/Downloads/SISREG_prioridades_saudebucal__2012.pdf
file:///C:/Users/Windows%207/Downloads/S... . Sendo assim, a forma como a gestão é feita no serviço pode contribuir para um maior ou menor encaminhamento para a atenção especializada.
Um dado positivo observado foi que 96,2% dos casos referenciados para a atenção secundária em endodontia, no período do estudo, apresentaram a guia de referência da UBS para o CEO. Este é um indicador de que a central de marcação de consultas funciona de forma adequada1717 Souza LF, Chaves SCL. Política nacional de saúde bucal: acessibilidade e utilização de serviços odontológicos especializados em um município de médio porte na Bahia. Rev Baiana Saude Publica 2010; 34(20):371-387.. Além disso, o sistema bem regulado contribui com a equidade1212 Morris AJ, Burke FJT. Primary and secondary dental care: how ideal is the interface? Br Dent J 2001; 191(12):666-670., já que fatores pessoais ou outros interesses parecem não estar interferindo neste processo.
O encaminhamento para o tratamento endodôntico realizado pelo SISREG segue prioridades e critérios estipulados pela Secretaria Municipal de Saúde1313 Belo Horizonte. Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMS-BH). Sistema de Regulação - Saúde Bucal (SISREG). Belo Horizonte: SMS; 2014. [acessado 2017 Jan 25]. Disponível em: file:///C:/Users/Windows%207/Downloads/SISREG_prioridades_saudebucal__2012.pdf
file:///C:/Users/Windows%207/Downloads/S... . Neste estudo, 60,4% dos indivíduos não se apresentaram com o meio bucal adequado e dos encaminhamentos feitos, 84,9% estavam dentro dos critérios de prioridade estabelecidos pelo serviço. Entretanto, mesmo os pacientes que foram encaminhados e não se enquadravam nos critérios de adequação do meio e de prioridade de encaminhamento foram incluídos no atendimento. Isto pode acarretar interferência no planejamento e sobrecarga de trabalho nos serviços especializados, como a realização de procedimentos que devem ser feitos na APS (adequação do meio). A dificuldade de se recusar um paciente que já se deslocou para o atendimento é real. Muitas vezes as regras são violadas, ou por uma postura profissional humanizada ou para se evitar o estresse da recusa no momento do atendimento.
A necessidade da adequação do meio bucal previamente ao encaminhamento para o serviço especializado apresenta questões que vão além da interferência na organização do serviço, pois este procedimento leva à diminuição da contagem de microrganismos na cavidade oral. A adequação do meio bucal deve ser realizada na APS para que o usuário tenha seu encaminhamento para o CEO com a atividade de doença bucal controlada. Procedimentos que diminuam o nível de infecção na cavidade bucal, como os preconizados2020 Pagani PR, Alves M U, Haas NAT. Adequação do meio bucal através de tratamento restaurador atraumático modificado em pacientes pediátricos infectados pelo vírus da Imunodeficiência Humana Adquirida (SIDA). Pesqui Bras Odontopediatria Clin Integr 2007; 7(1):21-27., são imprescindíveis antes do início do tratamento endodôntico.
No presente estudo, os dentes mais tratados endodonticamente foram os pré-molares superiores, seguidos dos molares inferiores. Considerando grupos de dentes (anteriores e posteriores), cerca de 75% dos dentes tratados foram posteriores (36,8% de pré-molares, 38,9% de molares,). Hollanda et al.2121 Hollanda ACB, Alencar AHG, Estrela CRA, Bueno MR, Estrela C. Prevalence of endodontically treated teeth in a brazilian adult population. Braz Dent J 2008; 19(4):313-317. avaliando radiografias utilizadas em tratamentos odontológicos, constataram resultados semelhantes. Em 6.313 dentes tratados endodonticamente, 70,4% representava dentes posteriores sendo 40,4% pré-molares e 30% molares.
A prioridade alta do SISREG para realização do tratamento endodôntico é para dentes anteriores e pré-molares ou molares quando não houver perdas dentárias no arco em que se localiza o dente a ser tratado. Estes dados sugerem uma nova discussão sobre as prioridades estabelecidas, principalmente se considerarmos que dentes posteriores são os mais frequentes em indicação para endodontia2121 Hollanda ACB, Alencar AHG, Estrela CRA, Bueno MR, Estrela C. Prevalence of endodontically treated teeth in a brazilian adult population. Braz Dent J 2008; 19(4):313-317. e fundamentais para manutenção da funcionalidade na mastigação. Sobretudo com relação aos pré-molares, no caso de perdas precoces de molares, deve-se procurar garantir a capacidade mastigatória, pelo menos por meio do arco dentário reduzido, evitando-se a necessidade de prótese. O arco dentário reduzido2222 Witter DJ, Palenstein Helderman WH, Creugers NH, Käyser AF. The shortened dental arch concept and its implications for oral health care. Community Dent Oral Epidemiol 1999; 27(4):249-258. é consequência da perda de um ou mais molares e pode garantir minimamente a mastigação, por meio dos dentes anteriores e pré-molares remanescentes.
De uma forma geral, os pacientes após serem referenciados da atenção primária para o tratamento especializado em endodontia esperaram uma mediana de 5 meses (P25%=3,23; Md=4,98; P75%=7,32). Outros estudos têm encontrado um tempo de espera menor, em torno de 30 dias para uma consulta no serviço especializado, inclusive na especialidade de endodontia1717 Souza LF, Chaves SCL. Política nacional de saúde bucal: acessibilidade e utilização de serviços odontológicos especializados em um município de médio porte na Bahia. Rev Baiana Saude Publica 2010; 34(20):371-387.,2323 Vasquez FL, Guerra LM, Vitor ESA, Ambrosano GMB, Mialhe FL, Pereira AC. Referência e contrarreferência na atenção secundária em odontologia. Campinas, SP, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(1):245-255.,2424 Martins RC, Reis CMR, Machado ATGM, Amaral JHL, Werneck MAF, Abreu MHNGA. Relationship between primary and secondary dental care in public health services in Brazil. Plos One 2016; 18(10):1-12.. É importante ressaltar que no presente estudo, o cálculo do tempo de espera para o tratamento endodôntico considerou a data da guia de referência da UBS para o CEO e o dia de início do tratamento endodôntico, diferente dos outros estudos1717 Souza LF, Chaves SCL. Política nacional de saúde bucal: acessibilidade e utilização de serviços odontológicos especializados em um município de médio porte na Bahia. Rev Baiana Saude Publica 2010; 34(20):371-387.,2323 Vasquez FL, Guerra LM, Vitor ESA, Ambrosano GMB, Mialhe FL, Pereira AC. Referência e contrarreferência na atenção secundária em odontologia. Campinas, SP, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(1):245-255.,2424 Martins RC, Reis CMR, Machado ATGM, Amaral JHL, Werneck MAF, Abreu MHNGA. Relationship between primary and secondary dental care in public health services in Brazil. Plos One 2016; 18(10):1-12., que utilizaram relato de pacientes e profissionais do serviço para estimar o tempo de espera pelo tratamento especializado.
Melgaço-Costa et al.2525 Melgaço-Costa JLB, Martins RC, Ferreira EF, Sobrinho APR. Patients' perceptions of endodontic treatment as part of public health services: a qualitative study. Int J EnvironRes Public Health 2016; 13(5):1-9. avaliando a percepção dos usuários sobre o tratamento endodôntico realizado em serviços públicos de saúde, encontraram que os pacientes consideram o tempo de espera de 3 a 4 meses longo, principalmente quando existe a presença de dor. Um período de 5 meses de espera por um tratamento endodôntico, como encontrado neste estudo, pode gerar várias consequências negativas como a busca constante do paciente por tratamentos de urgência com intuito de alívio da dor1717 Souza LF, Chaves SCL. Política nacional de saúde bucal: acessibilidade e utilização de serviços odontológicos especializados em um município de médio porte na Bahia. Rev Baiana Saude Publica 2010; 34(20):371-387., sobrecarregando a APS com esta demanda, além da possibilidade de ocorrer fratura do elemento dental e/ou desistência do paciente pelo tratamento. Estes dois últimos fatores podem resultar na exodontia do elemento dentário.
Com o advento de recursos tecnológicos, como os localizadores apicais e as limas rotatórias de níquel-titânio, aumentou a possibilidade da realização de tratamentos endodônticos em sessão única2626 Patil AA, Joshp SB, Bhagwt SV, Patil Sanjana A. Incidence of postoperative pain after single visit and two visit root canal therapy: a randomized controlled trial. J Clin Diagn Res 2016; 10(5):ZC9-12.
27 Kashefinejad M, Harandi A, Eram S, Bijani A. Comparison of single visit post endodontic pain using Mtwo rotary and hand K-file instruments: a randomized clinical trial. J Dent (Tehran) 2016; 13(1):10-17.
28 Schwendicke F, Gostemeyer G. Cost-effectiveness of single versus multistep root canal treatment. J Endod 2016; 42(10):1446-1452.-2929 Gill GS, Bhuyan AC, Kalita CDL, Kataki R, Bhuyan D. Single versus multi visit endodontic treatment of teeth with apical periodontitis: an in vivo study with 1-year evaluation. Ann Med Health Sci Res 2016; 6(1):9-26.. De uma forma geral, os tratamentos foram finalizados em uma única sessão, e utilizando uma técnica de instrumentação mista (manual e rotatória).
A opção de realizar o tratamento endodôntico em uma ou mais sessões independe da presença ou ausência de lesão periapical ou necrose pulpar. Esta é uma decisão clínica e depende da escolha do caso, condições do dente, tempo disponível para realizar as etapas necessárias, domínio por parte do profissional, e limitações do paciente como história médica e considerações anatômicas2626 Patil AA, Joshp SB, Bhagwt SV, Patil Sanjana A. Incidence of postoperative pain after single visit and two visit root canal therapy: a randomized controlled trial. J Clin Diagn Res 2016; 10(5):ZC9-12.
27 Kashefinejad M, Harandi A, Eram S, Bijani A. Comparison of single visit post endodontic pain using Mtwo rotary and hand K-file instruments: a randomized clinical trial. J Dent (Tehran) 2016; 13(1):10-17.
28 Schwendicke F, Gostemeyer G. Cost-effectiveness of single versus multistep root canal treatment. J Endod 2016; 42(10):1446-1452.-2929 Gill GS, Bhuyan AC, Kalita CDL, Kataki R, Bhuyan D. Single versus multi visit endodontic treatment of teeth with apical periodontitis: an in vivo study with 1-year evaluation. Ann Med Health Sci Res 2016; 6(1):9-26..
Múltiplas sessões não têm mostrado redução na incidência da dor pós-operatória em relação à sessão única, o que confirma a segurança do tratamento endodôntico realizado em sessão única2626 Patil AA, Joshp SB, Bhagwt SV, Patil Sanjana A. Incidence of postoperative pain after single visit and two visit root canal therapy: a randomized controlled trial. J Clin Diagn Res 2016; 10(5):ZC9-12.,2727 Kashefinejad M, Harandi A, Eram S, Bijani A. Comparison of single visit post endodontic pain using Mtwo rotary and hand K-file instruments: a randomized clinical trial. J Dent (Tehran) 2016; 13(1):10-17.. Excetuam-se os casos que envolvam a presença de abscesso agudo, que podem necessitar de mais de uma sessão2626 Patil AA, Joshp SB, Bhagwt SV, Patil Sanjana A. Incidence of postoperative pain after single visit and two visit root canal therapy: a randomized controlled trial. J Clin Diagn Res 2016; 10(5):ZC9-12.
27 Kashefinejad M, Harandi A, Eram S, Bijani A. Comparison of single visit post endodontic pain using Mtwo rotary and hand K-file instruments: a randomized clinical trial. J Dent (Tehran) 2016; 13(1):10-17.
28 Schwendicke F, Gostemeyer G. Cost-effectiveness of single versus multistep root canal treatment. J Endod 2016; 42(10):1446-1452.-2929 Gill GS, Bhuyan AC, Kalita CDL, Kataki R, Bhuyan D. Single versus multi visit endodontic treatment of teeth with apical periodontitis: an in vivo study with 1-year evaluation. Ann Med Health Sci Res 2016; 6(1):9-26..
Outro benefício no tratamento em sessão única, é a melhor relação custo benefício, tanto para o paciente como para o dentista1616 Manfredi M, Figini L, Gagliani M, Lodi G. Single versus multiple visits for endodontic treatment of permanent teeth. Cochrane Database Syst Rev 2016; 12:CD005296.,2828 Schwendicke F, Gostemeyer G. Cost-effectiveness of single versus multistep root canal treatment. J Endod 2016; 42(10):1446-1452., ou neste caso para o serviço público. O tratamento endodôntico em sessão única implica em menos gastos com material de consumo2828 Schwendicke F, Gostemeyer G. Cost-effectiveness of single versus multistep root canal treatment. J Endod 2016; 42(10):1446-1452. e em menos deslocamentos do paciente e/ou faltas ao trabalho para finalizar este procedimento. Além disso, a finalização do tratamento endodôntico em sessão única leva à otimização dos recursos humanos, o que por sua vez, permite a ampliação do acesso aos usuários, pois mais pacientes podem ser atendidos quando se diminuiu o número de sessões para o atendimento de um único paciente.
A tecnologia e o conhecimento devem ser utilizados para o aumento da efetividade do serviço, como observamos neste estudo. No entanto, a experiência do profissional não pode ser desconsiderada, pois normalmente resulta em um preparo mais rápido e com menos erros de procedimentos, como fratura de instrumentos e formação de degraus3030 Vieira EP, França EC, Martins RC, Bahia MGA, Buono VTL. Influence of multiple clinical use on fatigue resistance of ProTaper rotary nickel-titanium instruments. Int Endod J 2008; 41(2):163-172., diminuindo o tempo de tratamento. Os endodontistas que trabalham no CEO em estudo já estão nesta função há mais de 10 anos, o que pode ter facilitado o curto tempo de tratamento endodôntico observado.
A realização do tratamento endodôntico em sessão única, quando possível, é a conduta de primeira escolha no CEO Centro Sul. Caso o endodontista precise de uma nova sessão, a data de retorno para o tratamento endodôntico fica a critério da administração do CEO. Por isso, apesar de 50% dos tratamentos endodônticos terem sido realizados em 1 dia, houve casos em que este tempo levou até 41 dias (P75%). Esta demora se deve em função da agenda estar fora do controle do endodontista.
Como intercorrências durante o tratamento endodôntico, os endodontistas citaram falta de material e problemas no próprio tratamento (anatomia do sistema de canais radiculares, procedimentos intermediários necessários, e outros). A falta de material nos serviços de saúde é um sério problema que pode comprometer a eficiência e qualidade dos mesmos. A priorização de outros setores em detrimento da saúde bucal, com redução dos recursos, pode levar à queda na produção de serviços odontológicos3131 Volpato LER, Scatena JH. Análise da política de saúde bucal do Município de Cuiabá, Estado de Mato Grosso, Brasil, a partir do banco de dados do Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA-SUS). Epidemiol Serv Saude 2006; 15(2):47-55.. As outras intercorrências citadas, como problemas de origem inflamatória e anatomia do sistema de canais radiculares são imprevisíveis, mas podem dificultar ou até mesmo comprometer o sucesso do tratamento endodôntico.
Entre os procedimentos intermediários foi citado o aumento de coroa clínica, que restabelece o espaço biológico para assegurar a saúde dos tecidos periodontais, facilitando o uso dos grampos para isolamento absoluto no tratamento endodôntico e a preservação do dente3232 Pilalas I, Tsalikis L, Tatakis DN. Pre-restorative crown lengthening surgery outcomes: a systematic review. J Clin Periodontol 2016; 43(12):1094-1108.. Uma melhor inter-relação entre atenção básica e secundária poderia auxiliar neste problema. Além disso, o adequado diálogo entre as especialidades como endodontia, periodontia e prótese facilita o encaminhamento adequado do paciente e a agenda conjugada pode diminuir o tempo de espera por um determinado tratamento.
Dos 452 pacientes que tiveram o tratamento endodôntico finalizado no CEO, 81,2% foram encaminhados para realização do tratamento restaurador no CEO e 18,8% na própria UBS de origem, com indicação de restauração direta, como é recomendado pela Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, com guia de contrarreferência do endodontista que realizou o procedimento. Esse dado mostra que 81,2% dos dentes com tratamento endodôntico necessitavam de uma restauração complexa, provavelmente por causa do esforço mastigatório a que são submetidos ou porque apresentavam alto comprometimento de sua estrutura3333 Dietschi D, Duc O, Krejci I, Sadan A. Biomechanical considerations for the restoration of endodontically treated teeth: a systematic review of the literature--Part 1. Composition and micro- and macrostructure alterations. Quintessence Int 1997; 38(9):733-743..
Até o final da coleta de dados, 109 pacientes havia restaurado o dente (24,1%), 123 estavam em tratamento (27,2%), ou seja, uma expectativa de resolução do tratamento como um todo (endodôntico e restaurador) de 51,3%. Entretanto, 48,7% dos casos não havia informação se o tratamento restaurador tinha sido iniciado ou não, ou por falta de dados no prontuário do paciente em relação ao tratamento restaurador encaminhado para o próprio CEO (33,4%), ou no caso dos pacientes encaminhados para realizar o tratamento restaurador na UBS (15,3%), por falta de informação da mesma, mesmo após várias tentativas de se obter informações por telefone ou e-mail. Esta dificuldade de acesso à informação entre a APS e serviço especializado denota a necessidade de uma melhor interface de comunicação entre estes dois níveis de atenção, considerando que devem funcionar em uma rede, garantindo a integralidade da assistência1212 Morris AJ, Burke FJT. Primary and secondary dental care: how ideal is the interface? Br Dent J 2001; 191(12):666-670..
O desfecho favorável dos dentes tratados endodonticamente acontece quando esse volta a fazer parte da oclusão do paciente, tendo a sua função mastigatória restabelecida. Para que isso ocorra é necessário que a restauração definitiva seja realizada em um menor tempo possível, para que se consiga preservar os elementos dentais3434 Torabinejad M, Ung B, Kettering JD. In vitro bacterial penetration of coronally unsealed endodontically treated teeth. J Endod 1990; 16(12):566-569..
A maioria dos tratamentos restauradores foi ou estava sendo realizada no CEO (46,9%) e, de forma geral, o paciente foi encaminhado para o tratamento restaurador no mesmo dia em que finalizou o tratamento endodôntico. A espera pelo início desta fase do tratamento foi de quase dois meses (Md = 57dias). Provavelmente, alguns tratamentos contabilizados como “sem informação” estivessem ainda na espera, após o término da coleta de dados.
Após o início do tratamento restaurador, este teve uma duração aproximada de 17-30 dias (Md = 17; P75% = 30 dias), o que pode significar mais ausências ao trabalho e mais gastos com a condução. Excluindo os referenciados das UBS da regional Centro Sul, todos fazem um deslocamento de sua moradia, com custo mínimo de 8 a 16 reais aproximados, em cada consulta.
Dos 109 pacientes, 64 (58,7%) que finalizaram o tratamento restaurador no CEO receberam a guia de contrarreferência, para a UBS. Os casos que não foram contrarreferenciados se referem aos pacientes que já tinham sido contrarreferenciados para a UBS, após o tratamento endodôntico, para realizar o tratamento restaurador (n = 14) e ao caso que realizou o tratamento restaurador em consultório particular (n = 1). Este último caso, como tinha sido referenciado para fazer o tratamento restaurador no CEO e optou por realizar o tratamento fora do sistema, acabou não sendo contrarreferenciado para a UBS. É importante notar que 30 casos (27,5%) que finalizaram o tratamento restaurador no CEO não apresentavam informações se a contrarreferência para a UBS havia acontecido ou não. Este é um número muito aquém do esperado, quando se considera que o funcionamento do serviço depende de um adequado fluxo de referência e contrarreferência1212 Morris AJ, Burke FJT. Primary and secondary dental care: how ideal is the interface? Br Dent J 2001; 191(12):666-670.,3535 Borghi GN, Vazquez FL, Cortellazzi KL, Guerra LM, Bulgareli JV, Pereira AC. A avaliação do sistema de referência e contra referência na atenção secundária em Odontologia. RFO 2013; 18(2):154-159.. A integração neste momento se quebra, e o profissional da APS, que é o cuidador daquele paciente, perde informações para a continuidade. Profissionais e pacientes devem ter consciência desta importância. Protocolos de referência e contrarreferência são documentos que devem ser rigorosamente utilizados para garantir a eficiência e eficácia do serviço. A alta demanda dos serviços de APS e a escassez de vagas no CEO são fatores de complicação na interface dos serviços da rede1515 Souza GC, Lopes MLDS, Roncalli AG, Medeiros-Junior A, Clara-Costa IC. Referência e contrarreferência em saúde bucal: regulação do acesso aos centros de especialidades odontológicas. Rev Salud Publica 2015; 17(3):416-428..
A ausência de pacientes entre as consultas também foi citada. Múltiplas sessões de tratamento promovem deslocamentos frequentes e geram gastos como também a ausência do paciente no trabalho. Além disso, problemas técnicos que demandam a repetição do trabalho de prótese aumentam a possibilidade de absenteísmo. O tempo gasto durante o tratamento deve considerar o absenteísmo. O absenteísmo ambulatorial é causa de perda da consulta para outros usuários, originando problemas administrativos e financeiros, sendo considerado causa do aumento das filas de espera. Sua solução é um trabalho multiprofissional. Cabe aos gestores desenvolverem métodos de controle dos pacientes atendidos visando à diminuição de gastos e aumento da finalização dos tratamentos iniciados3636 Bulgarelli JV, Faria ET, Ambrosano GMB, Vazques FL, Cortellazzi KL, Meneghim MC, Mialhe FL, Pereira AC. Informações da atenção secundária em odontologia para avaliação dos modelos de atenção à saúde. Rev Odontol UNESP 2013; 42(4):229-236.
37 Saliba NA, Nayme JGR, Moimaz SAS, Cecilio LPP, Garbin CAS. Organização da demanda de um Centro de Especialidades Odontológicas. Rev Odontol UNESP 2013; 42(5):317-323.-3838 Bittar OJN, Magalhães N, Martines CM, Felizola NBG, Falcão LHB. Absenteísmo em atendimento ambulatorial de especialidades no estado de São Paulo. BEPA 2016; 13(152):19-32..
Muitos pacientes não são avisados sobre o dia de agendamento e não sabem da vaga para o procedimento especializado, levando à perda da mesma por falha na comunicação, inclusão de pessoas que não tinham sido referenciadas ou mesmo duplicação da marcação de usuários2424 Martins RC, Reis CMR, Machado ATGM, Amaral JHL, Werneck MAF, Abreu MHNGA. Relationship between primary and secondary dental care in public health services in Brazil. Plos One 2016; 18(10):1-12.. Para tanto, deve-se levar em conta o uso de instrumentos de comunicação que possam ser entendidos pelos usuários. Os mesmos devem ser esclarecidos a fim de que não tenham receio de desmarcar as consultas que não puderem comparecer2323 Vasquez FL, Guerra LM, Vitor ESA, Ambrosano GMB, Mialhe FL, Pereira AC. Referência e contrarreferência na atenção secundária em odontologia. Campinas, SP, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(1):245-255.,3636 Bulgarelli JV, Faria ET, Ambrosano GMB, Vazques FL, Cortellazzi KL, Meneghim MC, Mialhe FL, Pereira AC. Informações da atenção secundária em odontologia para avaliação dos modelos de atenção à saúde. Rev Odontol UNESP 2013; 42(4):229-236.
37 Saliba NA, Nayme JGR, Moimaz SAS, Cecilio LPP, Garbin CAS. Organização da demanda de um Centro de Especialidades Odontológicas. Rev Odontol UNESP 2013; 42(5):317-323.-3838 Bittar OJN, Magalhães N, Martines CM, Felizola NBG, Falcão LHB. Absenteísmo em atendimento ambulatorial de especialidades no estado de São Paulo. BEPA 2016; 13(152):19-32..
Este estudo apresenta limites que devem ser considerados. O local escolhido para o estudo se deve ao fato deste ser o maior e mais antigo CEO de Belo Horizonte. Como a regulação é a mesma em todo o município, considera-se que os resultados serão semelhantes em muitos aspectos.
A integralidade dos serviços ofertados ainda é um desafio para o sistema público de saúde. No caso dos dentes tratados endodonticamente, eles só terão sua função efetivamente reestabelecida na cavidade bucal quando o tratamento restaurador for finalizado. De grande importância, também, é o retorno do paciente para a atenção básica para continuação do seu tratamento e/ou manutenção da sua saúde bucal. Sendo assim, é necessário um planejamento conjunto do tratamento odontológico entre a atenção básica e secundária e, dentro desta última, entre as especialidades, visando garantir a integralidade do cuidado. É imprescindível, também, um adequado processo de referência e contrarreferência para garantir a eficiência e eficácia do serviço. Aprimorar a comunicação entre o serviço e os pacientes para que estes compareçam às consultas e finalizem o tratamento em menor tempo, é essencial, pois resulta em menor gasto para ambos, e maior possibilidade de agendamento de novas consultas.
Agradecimentos
Este estudo teve o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (PRPq/UFMG).
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
25 Nov 2019 - Data do Fascículo
Dez 2019
Histórico
- Recebido
07 Fev 2017 - Aceito
30 Abr 2018 - Publicado
02 Maio 2018