Castro M. A praga: o holocausto da hanseníase. Histórias emocionantes de isolamento, morte e vida nos leprosários do Brasil. São Paulo: Geração Editorial; 2017.

Isabela Colem Castelo Borges Carla Jorge Machado Sobre os autores
2017

Crônica, infectocontagiosa, cujo agente etiológico é o Mycobacterium leprae , a hanseníase é capaz de gerar lesões neurais, incapacidade e está ligada à pobreza e ao estigma 11. Brasil . Ministério da Saúde (MS) . Secretaria de Vigilância em Saúde . Hanseníase . Boletim Epidemiológico . Vol. 49 ( 4 ). 2018 . 12 p. [ acessado 2018 Maio 20 ] Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/janeiro/31/2018-004-Hanseniase-publicacao.pdf
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,22. Souza EA , Ferreira AAF , Boigny RN , Alencar CH , Heukelbach J , Martins-Melo FR , Barbosa JC , Ramos Júnior AN . Hanseníase e gênero no Brasil: tendências em área endêmica da região Nordeste, 2001-2014 . Rev Saude Publica 2018 ; 52 ( 20 ): 1 - 12 . De magnitude ainda elevada, permanece como um problema de saúde pública 11. Brasil . Ministério da Saúde (MS) . Secretaria de Vigilância em Saúde . Hanseníase . Boletim Epidemiológico . Vol. 49 ( 4 ). 2018 . 12 p. [ acessado 2018 Maio 20 ] Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/janeiro/31/2018-004-Hanseniase-publicacao.pdf
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. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2016, mais de 140 países reportaram quase 215 mil casos novos de hanseníase e, no Brasil, no mesmo ano, foram notificados pouco mais de 25 mil novos casos, sendo o país o segundo maior no mundo em termos de casos registrados 11. Brasil . Ministério da Saúde (MS) . Secretaria de Vigilância em Saúde . Hanseníase . Boletim Epidemiológico . Vol. 49 ( 4 ). 2018 . 12 p. [ acessado 2018 Maio 20 ] Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/janeiro/31/2018-004-Hanseniase-publicacao.pdf
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A Estratégia Global para Hanseníase 2016-2020 da OMS, da qual o Brasil é signatário, está baseada no fortalecimento do controle e da parceria governamental, no combate da hanseníase e de suas complicações, e no enfrentamento da discriminação com promoção da inclusão social 11. Brasil . Ministério da Saúde (MS) . Secretaria de Vigilância em Saúde . Hanseníase . Boletim Epidemiológico . Vol. 49 ( 4 ). 2018 . 12 p. [ acessado 2018 Maio 20 ] Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/janeiro/31/2018-004-Hanseniase-publicacao.pdf
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. Enfrentar o preconceito e o estigma, obtendo a sensibilização da comunidade também é um objetivo da referida Estratégia 11. Brasil . Ministério da Saúde (MS) . Secretaria de Vigilância em Saúde . Hanseníase . Boletim Epidemiológico . Vol. 49 ( 4 ). 2018 . 12 p. [ acessado 2018 Maio 20 ] Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/janeiro/31/2018-004-Hanseniase-publicacao.pdf
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. Entre ações brasileiras concretas incluídas nesta estratégia encontra-se o ‘Projeto Abordagens Inovadoras para intensificar esforços para um Brasil livre da Hanseníase’, elaborado pelo Ministério da Saúde em parceria com a OMS e Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) com apoio do Japão. A iniciativa busca reduzir a carga de hanseníase em vinte municípios com o maior número de casos de diagnosticados em menores de quinze anos do estados do Maranhão, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí e Tocantins. Foi baseado em projeto anterior no município de Palmas, cujo objetivo foi treinar profissionais da atenção básica do município, capacitando-os diagnosticar e tratar pacientes com hanseníase 33. Organização Panamericama de Saúde (OPAS) , Organização Mundial de Saúde (OMS) . OPAS/OMS apresenta estratégia global e projeto para livrar Brasil da hanseníase . [ acessado 2018 Maio 27 ]: cerca de 2 p. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5531:opas-oms-apresenta-estrategia-global-e-projeto-para-livrar-brasil-da-hanseniase&Itemid=812
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É nesse contexto de informar e sensibilizar os leitores que a obra A Praga , de Manuela Castro, mostra-se como um meio de trazer ao público o resultado de uma pesquisa feita pela autora, que é jornalista, sobre a história da hanseníase no Brasil. Segundo a própria autora, o documentário filmado para expor tal realidade pareceu não ter sido suficiente para tratar a riqueza de informações coletada sobre o tema. Assim, o livro faz uma abordagem multifocal sobre aspectos políticos, históricos, sociais e humanitários, com capítulos curtos e entremeados por imagens, o que o torna uma maneira completa, contudo, fácil, de se aprender sobre a doença e sobre o seu impacto na história brasileira.

Quanto aos capítulos, são, ao todo, vinte e quatro, cujos títulos não escondem a questão do isolamento e segregação. São exemplos os títulos fortes e explícitos dos capítulos II, V, XVI e XXII, respectivamente: Você não pode nem encostar no seu bebê ; Sete irmãos condenados ao isolamento ; Mais ignorados que os doentes, só as leis ; Ninhada de leprosos. Percebe-se, ainda, no vocabulário utilizado, uma ferramenta eficaz de sensibilização, ao que se observa pelo título do capítulo X Uma história que estremece tudo por onde passa .

A respeito das imagens, elas foram uma estratégia eficiente não apenas de trazer leveza à leitura como também de realçar o caráter jornalístico da obra. Manuela Castro coleta relatos, que, de tão impactantes, parecem quase afastar-se da realidade; mas, as fotos relembram o leitor da concreticidade de todo o sofrimento e auxiliam na construção de um quadro imaginário de como foi, principalmente, o cenário durante a época dos leprosários. Também cabe comentar que muitas das imagens são fotografias da própria jornalista realizando as entrevistas, o que aproxima o leitor do processo de construção da pesquisa.

Ainda sobre a configuração da obra, pode-se dizer que a organização escolhida pela autora para a apresentação dos dados não se deu de forma completamente cronológica, o que pode ser um desafio para alguns leitores mais afeitos à ordenação temporal dos fatos: a narrativa sobre as políticas públicas é intercalada com a dos protagonistas dos relatos, a do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) e com a história, também, das diferentes colônias. Todavia, ao final do livro, Castro retoma os assuntos dos primeiros capítulos, o que sugere zelo e cuidado ao se escolher a ordem dos temas abordados. A autora, por exemplo, traz uma narrativa relativamente recente já no segundo capítulo; isso contribui para provocar empatia no leitor, podendo auxiliar a suscitar mais interesse sobre o tema e, assim, trazer mais atenção a momentos em que se fala sobre leis, conferências e projetos.

Em uma análise mais técnica, mostra-se interessante tratar sobre os métodos utilizados por Castro, a entrevista e a análise de documentos, a exemplo. Conforme já exposto, a pesquisa realizada procurou abordar as diversas perspectivas da hanseníase, incluindo aspectos estatísticos e o uso de indicadores, especialmente no capítulo XX – Doze mil requerimentos de vítimas da hanseníase . No entanto, não se pode descartar o caráter predominantemente qualitativo de sua cientificidade: a autora sistematiza seu trabalho com um foco veemente no indivíduo ou em sua comunidade, trazendo, a partir deles, a dimensão da doença, o que é uma virtude, pois o livro manifesta claramente uma forte relação com as Ciências Sociais, aprofundando cada aspecto, não sendo apenas formado por tópicos esparsos sobre a hanseníase. A obra de Manuela Castro, portanto, remete ao trabalho de Maria Cecília Minayo, do ano de 2010, que ressaltou o fato de que nas Ciências Sociais existe uma identidade entre o sujeito que conduz a pesquisa e seu objeto, tendo um substrato comum de identidade com o pesquisador, que se solidariza com a causa de seu trabalho 44. Minayo MCS . Pesquisa Social: teoria, método e criatividade . 29ª ed. Petrópolis : Vozes ; 2010 . . O livro ainda está em sintonia com ideia lançada há mais de 30 anos pelo filósofo Mcluhan de que os meios de comunicação de massa são, de fato, janelas, que mostram a realidade ao mundo 55. Mclunhan , M . Os meios de comunicação como extensão do homem (undestanding media) . Rio de Janeiro : Editora Vozes Ltda ; 1993 . .

Nesse sentido, uma característica marcante do livro é o engajamento da autora, provavelmente um processo natural após o contato com tantas histórias. O aprofundamento no capítulo XXII, já citado aqui – Ninhada de Leprosos – se reflete no trecho em que Castro diz que A indenização tarda, a resposta tarda, a justiça tarda [...] São tantos anos de esforço e tantos pedidos de esforço que não tem como errar esse alvo . Este é um exemplo que reflete o sentimento de alguém que se mobilizou e que nutre esperança nas conquistas dos antigos doentes internos nos chamados leprosários.

É imprescindível destacar a relevância da obra. Um dos motivos para isso é a dimensão do próprio tema abordado: a política de isolamento compulsório envolveu um número vasto de pacientes e suas famílias, sendo mais de doze mil apenas os antigos internos que fizeram o requerimento de indenização, ou seja, a transcendência para a esfera das famílias foi de imensa magnitude. Outro motivo da relevância desse livro é que aborda um assunto pouco explorado quando comparado a outras violências respaldadas pelo Estado no passado, como a escravidão. Assim, a autora se refere à violência das separações, na qual filhos eram afastados dos pais, famílias eram condenadas socialmente, pacientes eram submetidos a tratamentos obrigatórios, muitas vezes ineficazes e dolorosos e deixa muito claro o isolamento obrigatório dos hansênicos e como isso era feito. Deste modo, esta obra é destinada a todos aqueles interessados no tema, e poderia ser facilmente adotada por docentes das áreas de doenças infecciosas e de vigilância epidemiológica, trazendo aos jovens estudiosos um livro abrangente e que suscita o desejo de aprender mais sobre o tema.

Finalmente, muito ainda há de se resolver sobre a conservação da memória histórica (o que poderia ser feito com a transformação dos antigos leprosários em museus, segundo a autora), sobre as indenizações (para filhos de internos, por exemplo) e, também, sobre as dores e sequelas que poderiam ser evitadas caso houvesse maior número de diagnósticos precoces: mais de três milhões de casos de hanseníase passam despercebidos no mundo. Ou seja, o livro não apenas relata uma história de sofrimento, mas também alerta para a necessidade de políticas governamentais mais eficientes, extensas e resolutivas. É uma obra que fala do passado, chamando a atenção para o futuro.

Referências

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    Brasil . Ministério da Saúde (MS) . Secretaria de Vigilância em Saúde . Hanseníase . Boletim Epidemiológico . Vol. 49 ( 4 ). 2018 . 12 p. [ acessado 2018 Maio 20 ] Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/janeiro/31/2018-004-Hanseniase-publicacao.pdf
    » http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/janeiro/31/2018-004-Hanseniase-publicacao.pdf
  • 2
    Souza EA , Ferreira AAF , Boigny RN , Alencar CH , Heukelbach J , Martins-Melo FR , Barbosa JC , Ramos Júnior AN . Hanseníase e gênero no Brasil: tendências em área endêmica da região Nordeste, 2001-2014 . Rev Saude Publica 2018 ; 52 ( 20 ): 1 - 12
  • 3
    Organização Panamericama de Saúde (OPAS) , Organização Mundial de Saúde (OMS) . OPAS/OMS apresenta estratégia global e projeto para livrar Brasil da hanseníase . [ acessado 2018 Maio 27 ]: cerca de 2 p. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5531:opas-oms-apresenta-estrategia-global-e-projeto-para-livrar-brasil-da-hanseniase&Itemid=812
    » https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5531:opas-oms-apresenta-estrategia-global-e-projeto-para-livrar-brasil-da-hanseniase&Itemid=812
  • 4
    Minayo MCS . Pesquisa Social: teoria, método e criatividade . 29ª ed. Petrópolis : Vozes ; 2010 .
  • 5
    Mclunhan , M . Os meios de comunicação como extensão do homem (undestanding media) . Rio de Janeiro : Editora Vozes Ltda ; 1993 .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Abr 2019
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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