Fatores relacionados com uma menor duração total do aleitamento materno

Sara Cavalcanti Mendes Ianna Karolina Véras Lobo Sarah Queiroga de Sousa Rodrigo Pinheiro de Toledo Vianna Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste artigo é identificar fatores relacionados com uma maior duração do aleitamento materno. Realizou-se um estudo caso-controle aninhado em uma coorte de mães que tiveram seus filhos nas duas maiores maternidades públicas de João Pessoa – PB quando eles tinham em torno de dois anos de idade. Os casos foram aquelas que amamentaram até o 15 mês (n = 55) e os controles as que amamentaram por mais de 15 meses (n = 48). As variáveis de exposição foram características socioeconômicas maternas, da gestação e parto e a introdução precoce de alimentação complementar. Aplicou-se o teste Qui-Quadrado para selecionar as variáveis independentes (p-valor <= 0,20) para ingressar em um modelo de regressão logística múltipla, permanecendo no modelo final somente aquelas com p-valor <= 0,05. A introdução precoce de fórmula infantil (OR = 4,71, IC95%: 1,76 – 12,63), de outros leites (OR = 3,25, IC95%: 1,27 – 8,31) e realizar menos de seis consultas pré-natal (OR = 2,73, IC95%: 1,04 – 7,07) foram fatores de risco para a menor duração do aleitamento materno. A introdução precoce de fórmulas infantis ou outros leites pode ser um indicador importante para a adoção de ações de promoção e apoio oportunas para o prolongamento da amamentação para atingir a meta da OMS de aleitamento materno por dois anos ou mais.

Aleitamento materno; Epidemiologia; Saúde da criança

Introdução

O aleitamento materno é a mais importante e eficaz estratégia para a saúde da criança, reforçando vínculo, afeto e proteção, além de garantir a nutrição adequada. Constitui a maior e mais econômica intervenção para redução da morbimortalidade infantil. Permite ainda um grandioso impacto na promoção da saúde integral da mãe e do bebê, repercutindo nos indicadores de saúde de toda a sociedade11. Rollins NC, Bhandari N, Hajeebhoy N, Horton S, Lutter CK, Martines JC, Piwoz EG, Richter LM, Victora CG; Lancet Breastfeeding Series Group. Why invest, and what it will take to improve breastfeeding practices? Lancet 2016; 387(10017):491-504.,22. Grummer-Strawn LM, Rollins N. Summarising the health effects of breastfeeding. Acta Paediatr 2015; 104(467):1-2.. Assim como a manutenção do aleitamento materno é vital, a introdução de alimentos seguros, acessíveis e culturalmente aceitos na dieta da criança, em época oportuna e de forma adequada, torna-se indispensável na promoção do desenvolvimento saudável e prevenção de distúrbios nutricionais de grande impacto na Saúde Pública33. Smith HA, Becker GE. Early additional food and fluids for healthy breastfed full-term infants. Cochrane Database Syst Rev 2016; (8):CD006462.,44. Vafa M, Moslehi N, Afshari S, Hossini A, Eshraghian M. Relationship between Breastfeeding and Obesity in Childhood. J Health Popul Nutr 2012; 30(3):303-310..

Os dados nacionais disponíveis mostram que a duração mediana do aleitamento materno exclusivo (AME) era 54,1 dias no ano de 2008. Com relação ao Aleitamento Materno Total (AMT) foi observada uma duração mediana 341,6 dias55. Venancio SI, Escuder MML, Saldiva SRDM, Giugliani ERJ. Breastfeeding practice in the Brazilian capital cities and the Federal District: current status and advances. J Pediatr (Rio J) 2010; 86(4):317-324.. Estes valores ainda são bastante inferiores às recomendações, embora tenha sido verificado um aumento significativo desta prática desde a década de 1970, fruto de ações multisetoriais bem coordenadas envolvendo a sociedade civil, o governo, os pesquisadores e os profissionais da área da saúde66. Pérez-Escamilla R, Curry L, Minhas D, Taylor L, Bradley E. Scaling up of breastfeeding promotion programs in low- and middle-income countries: the “breastfeeding gear” model. Adv Nutr Bethesda Md 2012; 3(6):790-800..

Mesmo sendo um processo fisiológico natural, o aleitamento materno é diretamente influenciado pela cultura e por fatores socioeconômicos e demográficos. Importantes estudos verificaram fatores associados à interrupção precoce do AME, como escolaridade materna, mães primíparas, tipo de parto, baixo peso ao nascer77. Venancio SI, Saldiva SRDM, Mondini L, Levy RB, Escuder MML. Early interruption of exclusive breastfeeding and associated factors, state of São Paulo, Brazil. J Hum Lact Off J Int Lact Consult Assoc 2008; 24(2):168-174., uso de chupeta88. Silva MB, Albernaz EP, Mascarenhas MLW, Silveira RB. Influence of breastfeeding support on the exclusive breastfeeding of babies in the first month of life and born in the city of Pelotas, State of Rio Grande do Sul, Brazil. Rev Bras Saúde Materno Infant 2008; 8(3):275-284., participação do companheiro, orientação durante pré-natal, nascer em hospital amigo da criança99. Vieira TO, Vieira GO, Oliveira NF, Mendes CMC, Giugliani ERJ, Silva LR. Duration of exclusive breastfeeding in a Brazilian population: new determinants in a cohort study. BMC Pregnancy Childbirth 2014; 14:175., entre outros, sendo possível ter uma visão ampla da complexa rede de relações que afetam esta prática1010. Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MIC. Factors associated with exclusive breastfeeding in the first six months of life in Brazil: a systematic review. Rev Saude Publica 2015; 49.. A facilidade de realização de estudos de acompanhamento do nascimento até os seis meses de idade, somado à iniciativa de diagnóstico das práticas alimentares de menores de um ano durante as campanhas nacionais de vacinação ajudou a enriquecer as evidencias sobre os fatores relacionados ao AME1111. Saldiva SRDM, Escuder MM, Mondini L, Levy RB, Venancio SI. Feeding habits of children aged 6 to 12 months and associated maternal factors. J Pediatr (Rio J) 2007; 83(1):53-58..

Considerando a duração do AMT, o número de estudos sobre seus fatores de risco e proteção é reduzido, especialmente considerando estudos longitudinais sobre o tema, persistindo ainda lacunas importantes que atrapalham o processo de elaboração de programas e ações de promoção desta prática. O presente estudo acompanhou uma coorte de nascimentos na cidade de João Pessoa, região Nordeste do Brasil com a finalidade de identificar os fatores relacionados com o sucesso da amamentação até o segundo ano de vida.

Métodos

Trata-se de um estudo caso-controle aninhado em uma coorte de binômios mãe-filhos acompanhados do nascimento até o segundo ano de vida do lactente de junho de 2013 até novembro de 2015. As mães foram identificadas no momento da internação para o parto nas duas maiores maternidades públicas de João Pessoa-PB, Instituto Cândida Vargas, unidade de Referência Norte-Nordeste e Maternidade Frei Damião, Referência Estadual. Todas as parturientes eram elegíveis para ingressar na coorte com exceção das mães portadoras de HIV, doenças raras, partos gemelares, nascimentos prematuros, recém-nascidos (RN) com malformações congênitas ou com doenças metabólicas graves. Estas apresentavam estes agravos importantes que poderiam influenciar diretamente nas práticas alimentares dos neonatos.

Foram testadas, para verificar possível associação com a maior duração do aleitamento materno, as características socioeconômicas maternas, características da mãe, gestação e parto e a introdução precoce de alimentação complementar. Estas informações foram coletadas através de entrevista direta na maternidade logo após o parto e em uma visita domiciliar em torno de quatro meses após o nascimento do bebe, realizada por entrevistadores previamente treinados para cada etapa.

Na maternidade foram coletadas informações de antecedentes gestacionais (primípara vs multípara), características do parto (normal vs cesáreo), idade da mãe, sexo do bebe e o número de consultas pré-natal (até seis consultas vs seis consultas ou mais). Nos domicílios foram registradas as características socioeconômicas: tipo de domicílio (alvenaria vs outros), acesso a água encanada (sim vs não), acesso a esgotamento sanitário (sim vs não), pessoa de referência na família, ocupação materna, renda familiar per capita, escolaridade materna, licença maternidade (sim vs não) e a introdução de outros alimentos além do leite materno. Foi investigada a introdução de água, chá, suco, leite e fórmula infantil e nos casos positivos foi referida, pela mãe, a idade da criança no momento da introdução de cada alimento. Posteriormente estas variáveis foram dicotomizadas com base no tempo mediano estimado do aleitamento materno exclusivo de todas as crianças do estudo. Ao final do primeiro ano de vida do bebe as mães receberam uma ligação telefônica para perguntar se ainda estavam amamentando seus filhos e em caso negativo até quando haviam amamentado. Aquelas que ainda amamentavam ao final do primeiro ano receberam outra ligação ao final do segundo ano do bebe para a mesma investigação.

Para a formação dos grupos de casos e de controles, estavam disponíveis informações completas de 103 binômios mãe-filhos que foram classificados em função da duração mediana do aleitamento materno. Mães com duração total menor ou igual que a mediana, 15 meses, foram classificadas como casos (n = 55) e aquelas com duração maior que a mediana foram classificadas como controles (n = 48).

As análises foram feitas utilizando o programa estatístico StataSE, versão 14. Foi efetuada análise descritiva de todas as variáveis e as inconsistências observadas foram corrigidas observando o questionário original ou buscando a informação junto à mãe entrevistada. Em casos onde nenhuma destas ações foi possível, o dado foi considerado perdido.

Para as variáveis categóricas foi feita a distribuição de frequência e para as contínuas foram calculados os valores de média e intervalo de confiança 95%. A duração do aleitamento materno foi calculada por análise de sobrevivência, utilizando a técnica de Kaplan-Meyer, calculando tempo mediano de aleitamento materno exclusivo e do tempo total de aleitamento materno.

Para verificar a associação dos diversos fatores de exposição com os casos e os controles foi aplicado o teste Qui-Quadrado, selecionando as variáveis que apresentaram p-valores menores que 20% no referido teste para compor um modelo de regressão logística binária múltiplo. As variáveis foram incluídas progressivamente no modelo de acordo com a estatística Wald e aquelas que apresentaram significância estatística (p-valor < 0,05) permaneceram no modelo final.

O projeto aprovado ao Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde – UFPB. Todos os procedimentos foram adotados de acordo com a Resolução CNS nº 466 que regulamenta pesquisas envolvendo seres humanos. Todas as mães receberam e assinaram TCLE no momento do recrutamento na maternidade.

Resultados

O grupo dos controles, mães que amamentaram por mais de 15 meses, foi formado por 48 mulheres com idade média de 26,3 anos e o grupo dos casos, mães que amamentaram até 15 meses, com 55 mulheres com idade média de 25,4 anos, sem diferença estatística entre eles. Praticamente a totalidade dos binômios mãe/filho residia em moradias com água encanada (98,1%), esgotamento sanitário adequado (93,1%), seja rede pública de esgoto ou fossa séptica, e construídas em alvenaria (95,1%). A renda familiar per capita média foi de R$ 352,00 (IC 95%: R$ 302,73 – R$ 401,24), o que representava menos de meio salário mínimo per capita na época da entrevista domiciliar (Salário mínimo no ano de 2015 era igual a R$ 788,00). As características socioeconômicas maternas são mostradas na Tabela 1.

Tabela 1
Características maternas e sócio econômicas. João Pessoa, 2015.

As 103 crianças do estudo tiveram distribuição semelhante com relação ao sexo, bem como o numero de mães primíparas foi próximo do número daquelas com mais de um filho. Já com relação aos partos, observou-se 63,2% realizado dos cirurgicamente, ou partos cesarianos. O número recomendado de consultas de pré-natal, seis ou mais, foi realizado para 69,9% das mulheres (Tabela 2).

Tabela 2
Características da mãe e do nascimento. João Pessoa, 2015.

A frequência de crianças que ainda estavam sendo amamentadas no momento da última entrevista telefônica foi 22,3%. A mediana do tempo de aleitamento materno exclusivo foi de 60 dias (IC 95%: 46,7 – 73,3 dias) e o tempo total de aleitamento materno foi igual à 15 meses (IC 95%: 10,7 – 19,2 meses), tempo utilizado para a classificação dos casos e dos controles.

Na Tabela 3 são mostrados os principais alimentos que são iniciados na alimentação infantil e sua frequência de introdução até o final do segundo mês de vida do bebe, período que corresponde ao tempo mediano de aleitamento materno exclusivo. Até este momento o item mais introduzido é a água (45,6%), seguido do leite de vaca e da fórmula infantil (ambos em torno de 30,0%). Ao quarto mês de vida das crianças, período da entrevista domiciliar, somente 17,5% delas ainda permaneciam amamentando exclusivamente.

Tabela 3
Alimentos já introduzidos na dieta do recém nascido até os primeiros 60 dias de vida. João Pessoa, 2015.

O modelo de regressão logística binária teve a inclusão de três variáveis em três etapas consecutivas, entrando no modelo a variável introdução precoce de fórmula infantil, em seguida a introdução precoce de outro leite e por último a realização de menos de seis consultas de pré-natal. Os valores de OR, brutos e ajustados, são apresentados na Tabela 4, mostrando o efeito independente de cada um destes fatores de risco para um menor tempo de aleitamento materno, tendo, no caso destas análises, a mediana do tempo total de aleitamento materno como referência. Realizar menos que seis consultas de pré-natal, comparado com as mães que realizaram seis ou mais consultas aumenta 2,76 vexes a chance de amamentar por menos tempo. A introdução precoce, antes do segundo mês de vida do bebe, de outro leite ou fórmula infantil, além da interrupção precoce do aleitamento materno exclusivo, aumentam em 3,25 e 4,71 vezes, respectivamente, a chance de realizar o aleitamento materno por um tempo menor.

Tabela 4
Modelo final com os valores de Odds Ratio, bruto e ajustado, dos fatores de risco para a diminuição do tempo de aleitamento materno. João Pessoa, 2015. (n = 102)

Discussão

A duração do AMT observada neste grupo de mães foi bastante inferior às recomendações da Organização Mundial de Saúde, porém, segue a tendência nacional registrada na última pesquisa das Capitais, de 200855. Venancio SI, Escuder MML, Saldiva SRDM, Giugliani ERJ. Breastfeeding practice in the Brazilian capital cities and the Federal District: current status and advances. J Pediatr (Rio J) 2010; 86(4):317-324.. Comparando com os dados estaduais, pesquisa realizada em 14 municípios da Paraíba verificou prevalência de aleitamento materno em lactentes de seis a 12 meses de idade próxima a 50%1212. Palmeira PA, Santos SMC, Vianna RPT. Feeding practice among children under 24 months in the semi-arid area of Paraíba, Brazil. Rev Nutr 2011; 24(4):553-563..

Uma das limitações de estudos que avaliam os fatores relacionados com a duração total do aleitamento materno é a dificuldade de acompanhar mães durante dois anos ou mais, período recomendado para a prática da amamentação, desta forma os estudos caso-controle são uma alternativa metodológica viável. Mesmo sem ter representatividade populacional, os resultados das análises possibilitam obter conclusões importantes dos fatores que podem vir a afetar um determinado desfecho, no caso deste trabalho uma maior ou menor duração de aleitamento materno. A diferença das frequências dos fatores de exposição de cada grupo ocorridos previamente é forte evidencia de eventos causais dos desfechos estudados1313. Rothman KJ, Lash TL, Greenland S. Modern Epidemiology. 3th ed. Philadelphia: LWW; 2012..

As informações analisadas dos fatores de exposição foram coletadas por entrevista face-face na maternidade ou durante uma visita domiciliar. Para aquelas mães que ainda amamentavam durante a visita domiciliar, a duração do aleitamento materno foi calculada pela resposta das mães a uma breve entrevista telefônica. O método de entrevista por telefone tem se mostrado uma alternativa barata, eficiente e confiável, sendo utilizada em diversos inquéritos epidemiológicos1414. Francisco PMSB, Barros A, De MB, Segri NJ, Alves MCGP, Cesar CLG, Malta DC. Comparação de estimativas para o auto-relato de condições crônicas entre inquérito domiciliar e telefônico - Campinas (SP), Brasil. Rev Bras Epidemiol 2011; 14:5-15.

15. Ferreira AD, César CC, Malta DC, Sousa Andrade AC, Ramos CGC, Proietti FA, Bernal RTI, Caiaffa WT. Validade de estimativas obtidas por inquérito telefônico: comparação entre VIGITEL 2008 e inquérito Saúde em Beagá. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(Supl. 1):16-30.
-1616. Carvalho AM, Piovezan LG, Selem SSC, Fisberg RM, Marchioni DML. Validation and calibration of self-reported weight and height from individuals in the city of São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2014; 17(3):735-746..

No caso deste estudo os fatores de risco para menor tempo de aleitamento materno foram as mães que realizaram menos que seis consultas pré-natal1717. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Protocolos da Atenção Básica: Saúde das Mulheres [Internet]. Brasília: MS; 2016. [cited 2017 May 30]. 230 p. Available from: http://www.http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/protocolo_saude_mulher.pdf
http://www.http://189.28.128.100/dab/doc...
e interromper o aleitamento materno exclusivo precocemente, antes do segundo mês de vida do bebe, com a introdução de outro leite ou fórmula infantil. Este resultado é especialmente importante, pois identifica um evento que pode ser monitorado durante o puerpério que é a introdução precoce de outro leite ou fórmula infantil. Este fato pode ser um preditor de menores tempos de aleitamento materno e as mães que optaram por iniciar com substitutos do leite materno nos primeiros meses de vida do bebe necessitam de apoio e orientação oportuna para manter o aleitamento materno até o segundo ano de vida dos seus filhos ou mais.

Estudo realizado em Porto Alegre, acompanhando uma coorte de 151 crianças durante seus cinco primeiros anos de vida, identificou que os fatores que favorecem a duração do AMT por dois anos ou mais são: mãe permanecer com seus filhos durante os seis primeiros meses de vida, não dar chupeta ao bebê, não conviver com o pai ou companheiro e adiar a oferta de água e chá, bem como de outros leites1818. Martins EJ, Giugliani ERJ. Which women breastfeed for 2 years or more? J Pediatr (Rio J) 2012; 88(1):67-73.. Estes últimos resultados corroboram os achados do presente estudo com relação à introdução precoce de leite, embora o efeito observado pela água e chá não tenha sido observado no presente estudo. Os demais fatores descritos no estudo de Porto Alegre não foram investigados neste trabalho.

As diferenças de cada alimento introduzido na dieta do lactente necessita ser estudada mais detalhadamente, pois os resultados observados neste estudo mostram que as fórmulas infantis ou outros leites competem diretamente com a duração total do aleitamento materno e este comportamento, entretanto, não foi observado para os demais produtos como água, talvez por ter a função exclusiva de saciar a sede e não de alimentar, ou dos chás, quase sempre com finalidades terapêuticas. Assim o impacto e as consequências da introdução precoce dos alimentos na duração total do aleitamento materno dependeriam do tipo de alimento. Esta discussão, claro, não se aplica ao aleitamento materno exclusivo que é interrompido precocemente sempre que qualquer outro alimento é introduzido na dieta da criança antes dela completar seis meses de idade.

Outro estudo realizado em Belo Horizonte comparou fatores relacionados ao desmame em cinco coortes históricas desde o ano de 1980 até 2004, período no qual a duração mediana do aleitamento materno passou de cinco para 11 meses. Em todos os momentos investigados, o reconhecimento da mãe de que o tempo de aleitamento materno exclusivo deveria ser menor que seis meses foi fator de risco para o desmame. Outros fatores estiveram relacionados especialmente com problemas no inicio da amamentação e, somente no estudo de 2004, a opinião desfavorável do pai influenciou negativamente na manutenção da amamentação1919. Alves CRL, Goulart EMA, Colosimo EA, Goulart LMHF. Risk factors for weaning among users of a primary health care unit in Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil, from 1980 to 2004. Cad Saude Publica 2008; 24(6):1355-1367., tal como foi observado no estudo de Martins e Giugliani1818. Martins EJ, Giugliani ERJ. Which women breastfeed for 2 years or more? J Pediatr (Rio J) 2012; 88(1):67-73., talvez pelo fato da duração total do aleitamento haver atingido períodos maiores. Entretanto os resultados destas coortes confirmam que a interrupção precoce do aleitamento materno exclusivo, seja pelo julgamento materno ou pela prática realizada pelas mães, independente do tipo de alimento introduzido, é fator de risco para menores tempos de amamentação.

As evidencias somadas do presente trabalho e estes dois estudos de seguimento indicam que não atender a recomendação de aleitamento materno exclusivo por seis meses, ou a introdução precoce de alimentação complementar, está relacionado com uma tendência de amamentar por tempos menores. Assim seria possível utilizar o tempo de aleitamento materno exclusivo como um importante indicador para o cuidado materno-infantil no sentido de estimular ações de promoção e acompanhamento oportunas para a manutenção do aleitamento até dois anos ou mais.

Entretanto, mais específico do que a observação simples do aleitamento materno exclusivo para prever a duração total do aleitamento materno, o monitoramento da introdução de fórmula infantil ou outros leites, que segundo os achados deste trabalho aumentam o risco de diminuição do tempo de aleitamento materno em 4,7 vezes e 3,2 vezes respectivamente, pode ser mais efetivo. Desta forma, a mensagem de que “o único leite que deve ser oferecido à criança até o seu segundo ano de vida ou mais deve ser o leite materno” pode vir a trazer melhores resultados quando se deseja alcançar a duração do aleitamento materno recomendada pela OMS.

Esta mesma recomendação já foi proposta em um estudo de seguimento conduzido na Alemanha entre os anos de 2008 a 2012, onde a introdução precoce de alimentos foi um preditor do desmame precoce e, portanto, recomendou-se que os profissionais de saúde necessitavam promover a continuidade do aleitamento materno nestes casos2020. Foterek K, Hilbig A, Alexy U. Breast-feeding and weaning practices in the DONALD study: age and time trends. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2014; 58(3):361-367.. Outro estudo, analisando os dados de dois ensaios clínicos randomizados conduzidos na Islândia, concluiu que as mães que amamentaram exclusivamente por seis meses, comparada com as que introduziram outros alimentos aos quatro meses de idade da criança, foram aquelas que tiveram maior tempo total de aleitamento materno, independente dos serviços de saúde e do apoio ao aleitamento materno oferecido, sendo elas as únicas que chegaram a atingir a recomendação de aleitamento materno da OMS2121. Jonsdottir OH, Fewtrell MS, Gunnlaugsson G, Kleinman RE, Hibberd PL, Jonsdottir JM, et al. Initiation of Complementary Feeding and Duration of Total Breastfeeding: Unlimited Access to Lactation Consultants Versus Routine Care at the Well-Baby Clinics. Breastfeed Med 2014; 9(4):196-202..

São bem conhecidos os efeitos positivos do aleitamento materno exclusivo protegendo os recém nascidos dos riscos de diferentes morbidades bem como de óbito, porém menos se sabe dos benefícios da amamentação prolongada, para além do primeiro ou segundo ano de vida, em comparação com períodos menores de aleitamento materno2222. Robinson S, Fall C. Infant Nutrition and Later Health: A Review of Current Evidence. Nutrients 2012; 4(8):859-874.. Sabe-se que maior tempo de aleitamento materno aumenta o desenvolvimento cognitivo de crianças em torno dos seis anos de idade2323. Kramer MS, Aboud F, Mironova E, Vanilovich I, Platt RW, Matush L, Igumnov S, Fombonne E, Bogdanovich N, Ducruet T, Collet JP, Chalmers B, Hodnett E, Davidovsky S, Skugarevsky O, Trofimovich O, Kozlova L, Shapiro S; Promotion of Breastfeeding Intervention Trial (PROBIT) Study Group. Breastfeeding and Child Cognitive Development: New Evidence From a Large Randomized Trial. Arch Gen Psychiatry 2008; 65(5):578-584. e diminui o risco de sobrepeso e obesidade2424. Harder T, Bergmann R, Kallischnigg G, Plagemann A. Duration of breastfeeding and risk of overweight: a meta-analysis. Am J Epidemiol 2005; 162(5):397-403., porém mais estudos necessitam ser realizados, tanto na busca de intervenções bem sucedidas como para conhecimento das suas consequências para a saúde infantil e adulta.

O Brasil tem uma história exemplar na condução de políticas públicas de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno2525. Araújo M de FM de, Rea MF, Pinheiro KA, Schmitz B de AS. Advances in the Brazilian norm for commercialization of infant foods. Rev Saude Publica 2006; 40(3):513-520.,2626. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde da Criança: Aleitamento Materno e Alimentação Complementar [Internet]. 2nd ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. (Cadernos de Atenção Básica). [cited 2017 Jun 1]. Available from: http://dab.saude.gov.br/portaldab/biblioteca.php?conteudo=publicacoes/cab23
http://dab.saude.gov.br/portaldab/biblio...
e continua inovando com a incorporação das unidades de atenção básica realizando ações de apoio e acompanhamento dos binômios mãe-filho2727. Oliveira MIC, Souza IEO, Santos EM, Camacho LAB. Evaluation of breastfeeding support: meanings from mothers receiving care at primary health care units in the State of Rio de Janeiro. Cien Saude Colet 2010; 15(2):599-608.. Os resultados desta pesquisa podem ajudar na elaboração de recomendações e cuidados efetivos para o prolongamento do aleitamento materno observando os fatores de risco identificados neste trabalho.

Figura 1
Função sobrevivência do tempo de aleitamento materno exclusivo (85 eventos e 18 censuras) e do tempo total de aleitamento materno (80 evento e 23 censuras). João Pessoa, 2015.

Agradecimento

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão de uma bolsa de mestrado.

Referências

  • 1
    Rollins NC, Bhandari N, Hajeebhoy N, Horton S, Lutter CK, Martines JC, Piwoz EG, Richter LM, Victora CG; Lancet Breastfeeding Series Group. Why invest, and what it will take to improve breastfeeding practices? Lancet 2016; 387(10017):491-504.
  • 2
    Grummer-Strawn LM, Rollins N. Summarising the health effects of breastfeeding. Acta Paediatr 2015; 104(467):1-2.
  • 3
    Smith HA, Becker GE. Early additional food and fluids for healthy breastfed full-term infants. Cochrane Database Syst Rev 2016; (8):CD006462.
  • 4
    Vafa M, Moslehi N, Afshari S, Hossini A, Eshraghian M. Relationship between Breastfeeding and Obesity in Childhood. J Health Popul Nutr 2012; 30(3):303-310.
  • 5
    Venancio SI, Escuder MML, Saldiva SRDM, Giugliani ERJ. Breastfeeding practice in the Brazilian capital cities and the Federal District: current status and advances. J Pediatr (Rio J) 2010; 86(4):317-324.
  • 6
    Pérez-Escamilla R, Curry L, Minhas D, Taylor L, Bradley E. Scaling up of breastfeeding promotion programs in low- and middle-income countries: the “breastfeeding gear” model. Adv Nutr Bethesda Md 2012; 3(6):790-800.
  • 7
    Venancio SI, Saldiva SRDM, Mondini L, Levy RB, Escuder MML. Early interruption of exclusive breastfeeding and associated factors, state of São Paulo, Brazil. J Hum Lact Off J Int Lact Consult Assoc 2008; 24(2):168-174.
  • 8
    Silva MB, Albernaz EP, Mascarenhas MLW, Silveira RB. Influence of breastfeeding support on the exclusive breastfeeding of babies in the first month of life and born in the city of Pelotas, State of Rio Grande do Sul, Brazil. Rev Bras Saúde Materno Infant 2008; 8(3):275-284.
  • 9
    Vieira TO, Vieira GO, Oliveira NF, Mendes CMC, Giugliani ERJ, Silva LR. Duration of exclusive breastfeeding in a Brazilian population: new determinants in a cohort study. BMC Pregnancy Childbirth 2014; 14:175.
  • 10
    Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MIC. Factors associated with exclusive breastfeeding in the first six months of life in Brazil: a systematic review. Rev Saude Publica 2015; 49.
  • 11
    Saldiva SRDM, Escuder MM, Mondini L, Levy RB, Venancio SI. Feeding habits of children aged 6 to 12 months and associated maternal factors. J Pediatr (Rio J) 2007; 83(1):53-58.
  • 12
    Palmeira PA, Santos SMC, Vianna RPT. Feeding practice among children under 24 months in the semi-arid area of Paraíba, Brazil. Rev Nutr 2011; 24(4):553-563.
  • 13
    Rothman KJ, Lash TL, Greenland S. Modern Epidemiology. 3th ed. Philadelphia: LWW; 2012.
  • 14
    Francisco PMSB, Barros A, De MB, Segri NJ, Alves MCGP, Cesar CLG, Malta DC. Comparação de estimativas para o auto-relato de condições crônicas entre inquérito domiciliar e telefônico - Campinas (SP), Brasil. Rev Bras Epidemiol 2011; 14:5-15.
  • 15
    Ferreira AD, César CC, Malta DC, Sousa Andrade AC, Ramos CGC, Proietti FA, Bernal RTI, Caiaffa WT. Validade de estimativas obtidas por inquérito telefônico: comparação entre VIGITEL 2008 e inquérito Saúde em Beagá. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(Supl. 1):16-30.
  • 16
    Carvalho AM, Piovezan LG, Selem SSC, Fisberg RM, Marchioni DML. Validation and calibration of self-reported weight and height from individuals in the city of São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2014; 17(3):735-746.
  • 17
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Protocolos da Atenção Básica: Saúde das Mulheres [Internet]. Brasília: MS; 2016. [cited 2017 May 30]. 230 p. Available from: http://www.http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/protocolo_saude_mulher.pdf
    » http://www.http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/protocolo_saude_mulher.pdf
  • 18
    Martins EJ, Giugliani ERJ. Which women breastfeed for 2 years or more? J Pediatr (Rio J) 2012; 88(1):67-73.
  • 19
    Alves CRL, Goulart EMA, Colosimo EA, Goulart LMHF. Risk factors for weaning among users of a primary health care unit in Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil, from 1980 to 2004. Cad Saude Publica 2008; 24(6):1355-1367.
  • 20
    Foterek K, Hilbig A, Alexy U. Breast-feeding and weaning practices in the DONALD study: age and time trends. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2014; 58(3):361-367.
  • 21
    Jonsdottir OH, Fewtrell MS, Gunnlaugsson G, Kleinman RE, Hibberd PL, Jonsdottir JM, et al. Initiation of Complementary Feeding and Duration of Total Breastfeeding: Unlimited Access to Lactation Consultants Versus Routine Care at the Well-Baby Clinics. Breastfeed Med 2014; 9(4):196-202.
  • 22
    Robinson S, Fall C. Infant Nutrition and Later Health: A Review of Current Evidence. Nutrients 2012; 4(8):859-874.
  • 23
    Kramer MS, Aboud F, Mironova E, Vanilovich I, Platt RW, Matush L, Igumnov S, Fombonne E, Bogdanovich N, Ducruet T, Collet JP, Chalmers B, Hodnett E, Davidovsky S, Skugarevsky O, Trofimovich O, Kozlova L, Shapiro S; Promotion of Breastfeeding Intervention Trial (PROBIT) Study Group. Breastfeeding and Child Cognitive Development: New Evidence From a Large Randomized Trial. Arch Gen Psychiatry 2008; 65(5):578-584.
  • 24
    Harder T, Bergmann R, Kallischnigg G, Plagemann A. Duration of breastfeeding and risk of overweight: a meta-analysis. Am J Epidemiol 2005; 162(5):397-403.
  • 25
    Araújo M de FM de, Rea MF, Pinheiro KA, Schmitz B de AS. Advances in the Brazilian norm for commercialization of infant foods. Rev Saude Publica 2006; 40(3):513-520.
  • 26
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde da Criança: Aleitamento Materno e Alimentação Complementar [Internet]. 2nd ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. (Cadernos de Atenção Básica). [cited 2017 Jun 1]. Available from: http://dab.saude.gov.br/portaldab/biblioteca.php?conteudo=publicacoes/cab23
    » http://dab.saude.gov.br/portaldab/biblioteca.php?conteudo=publicacoes/cab23
  • 27
    Oliveira MIC, Souza IEO, Santos EM, Camacho LAB. Evaluation of breastfeeding support: meanings from mothers receiving care at primary health care units in the State of Rio de Janeiro. Cien Saude Colet 2010; 15(2):599-608.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Maio 2019

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2017
  • Revisado
    07 Ago 2017
  • Aceito
    09 Ago 2017
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br