Reformas de sistemas de saúde se caracterizam por um conjunto de mudanças substantivas nas diversas instâncias e funções do setor saúde com o propósito de aumentar a equidade na prestação de serviços, a eficiência na gestão e a efetividade de suas ações para obter a satisfação das necessidades de saúde da população11. Organización Panamericana de la Salud (OPS). La cooperación de la Organización Panamericana de la Salud ante los procesos de reforma sectorial. Washington: OPAS; 1997.. Certamente, a maior reforma incremental da história do Sistema Único Brasileiro foi feita criação do Piso de Atenção Básica Variável (PAB-Variável), instituído pela NOB-96 e criado pela portaria GM/MS nº 1.882, de 18/12/1997, em vigência a partir de fevereiro de 1998, que pavimentou os caminhos para a inclusão de mais de 140 milhões de brasileiros a Estratégia Saúde da Família22. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Relatório 30 anos de SUS, que SUS para 2030? Brasilia: OPAS; 2018.. Em menos de 10 anos os municípios de pequeno porte responderam rapidamente à indução financeira e ampliaram suas coberturas de atenção primária próximas a 100%. De maneira mais tardia e envolta em lutas de classe, os municípios de grande porte demoraram a conseguir aderir a esta mudança de modelo. No início do século XXI não faltavam evidências nacionais e internacionais sobre as vantagens do cuidado de uma equipe de saúde sob a égide dos atributos da atenção primária e sobre as vantagens do modelo saúde da família com os demais tipos de prestação de serviço de saúde.
Dentre as capitais brasileiras, Teresina, João Pessoa, Aracajú, Vitória e Florianópolis e Belo Horizonte foram as primeiras alcançar coberturas superiores a 70%, enquanto que nesta mesma época Salvador, Rio de Janeiro e Brasília se destacavam pela baixa cobertura e constantes crises no SUS local, a fragmentação do sistema e a ausência de atenção primária estruturada, o que gerava insatisfação e sobrecarga em toda a rede tornando o sistema ainda mais insustentável.
De 2009 a 2017, o Rio de Janeiro realizou um incremento na sua cobertura chegando a 70%, deixando nas ultimas posições praticamente isoladas Salvador e o Distrito Federal.
Hildebrand33. Hildebrand SM. O modelo político-tecnológico da atenção à saúde da família no Distrito Federal: 1997 a 2006 [tese]. Brasília: Universidade de Brasília; 2008., analisando o modelo de atenção primária a saúde do DF constituídos pelos programas Saúde em Casa (1997 e 1998), Programa Saúde da Família (1999 a 2003) e Programa Família Saudável (2004-2006), verificou como baixa a adesão à politica nacional e a opção equivocada de modelo paralelo à rede de saúde, focado em algumas ações programáticas e um grupo populacional muito pequeno, o que foi reforçado por Kashiwakura et al.44. Kashiwakura HK, Gonçalves AO, Silva RMP. Atenção Primária à Saúde: elementos de continuidade e mudanças na saúde do Distrito Federal. Saúde Debate 2016; 40(111):49-62. em artigo de análise das prioridades orçamentarias de 2005 a 2014 do DF. Esses autores ressaltaram as contradições entre o discurso em defesa da APS e a manutenção das metas de construção de novos hospitais apresentada a cada nova gestão, classificando como “descontínuas e desarticuladas” as iniciativas de fortalecer a APS até então.
Em 2017, as Portarias SES-DF nº 77 e 78 enunciaram os conceitos e atributos da APS e da ESF para as unidades de atenção primária, vinte anos após a regulamentação do PAB variável, pela primeira vez em sua história, o Governo do GDF aderiu fortemente à Politica Nacional de Atenção Básica (PNAB), proporcionando uma ampliação de acesso real para quase 70% da população da capital do País.
Também é importante destacar o incremento no papel de coordenação do cuidado das equipes de saúde da família, com a criação da regulação pelos médicos de família que começam a ser realmente o centro do sistema. Reformas deste tipo são classificadas por Gérvas e Fernándes55. Gérvas J, Fernándes MP. Organização da Atenção Primária à Saúde. In: Gusso G, Lopes JMC, organizadores. Tratado da Medicina da Família e Comunidade. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed: 2019. p. 42-51. como pró-coordenação, as quais, mais que outras, necessitam de um grande compromisso politico daqueles que as empenham pois na maioria das vezes enfrentam resistência do modelo hegemônico no Brasil.
Certamente, a ampliação do acesso e organização da rede mediante os atributos da APS gerarão um impacto muito positivo nos indicadores de saúde do DF; estes ganhos já podem ser sentidos na satisfação dos usuários e das equipes. Entretanto, é necessário um conjunto de pesquisas e avaliações estruturadas para demostrar os resultados alcançados e otimizar a rede com ajustes finos necessários, além do fortalecimento e ampliação da residência em medicina de família e enfermagem da família.
Brasília demonstrou a todo País que é possível utilizar as melhores evidências científicas na implementação de politicas de saúde, em busca de um sistema de saúde mais equânime e integrado.
Referências
- 1Organización Panamericana de la Salud (OPS). La cooperación de la Organización Panamericana de la Salud ante los procesos de reforma sectorial Washington: OPAS; 1997.
- 2Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Relatório 30 anos de SUS, que SUS para 2030? Brasilia: OPAS; 2018.
- 3Hildebrand SM. O modelo político-tecnológico da atenção à saúde da família no Distrito Federal: 1997 a 2006 [tese]. Brasília: Universidade de Brasília; 2008.
- 4Kashiwakura HK, Gonçalves AO, Silva RMP. Atenção Primária à Saúde: elementos de continuidade e mudanças na saúde do Distrito Federal. Saúde Debate 2016; 40(111):49-62.
- 5Gérvas J, Fernándes MP. Organização da Atenção Primária à Saúde. In: Gusso G, Lopes JMC, organizadores. Tratado da Medicina da Família e Comunidade 2ª ed. Porto Alegre: Artmed: 2019. p. 42-51.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
27 Jun 2019 - Data do Fascículo
Jun 2019