Resumo
Este estudo transversal avaliou a associação de fatores biopsicossociais com a incapacidade em idosos com um novo episódio de dor lombar aguda. Foram incluídos idosos com um novo episódio de dor lombar aguda e excluídos aqueles com alterações cognitivas e deficiências motoras graves. A incapacidade foi avaliada pelo Roland Morris Disability Questionnaire. Os fatores biopsicossociais (variáveis clínicas, funcionais, estado de saúde, psicológicas e sociais) foram avaliados por um questionário estruturado multidimensional e exame físico. Regressão linear multivariada foi utilizada para análise dos dados com significância estatística de 0,05. Participaram 386 idosos com média de idade de 71,6 (±4,2) anos e incapacidade de 13,7 (±5,7) pontos. A análise de regressão linear multivariada identificou que pior saúde física e mental (avaliados através do SF-36), baixa autoeficácia em quedas, dificuldade para dormir por causa da dor, piores níveis de cinesiofobia, maiores índices de massa corporal, presença de rigidez matinal na coluna lombar, maior intensidade de dor, sexo feminino e pior mobilidade funcional foram significativamente associados com incapacidade (p < 0,05). Incapacidade relacionada à dor lombar está significativamente associada com piores condições biopsicossociais de saúde em idosos.
Dor lombar; Incapacidade; Idosos; Envelhecimento
Introdução
A dor lombar (DL) é a principal causa de incapacidade física11. Hoy D, March L, Brooks P, Blyth F, Woolf A, Bain C, Williams G, Smith E, Vos T, Barendregt J, Murray C, Burstein R, Buchbinder R. The global burden of low back pain: estimates from the Global Burden of Disease 2010 study. Ann Rheum Dis 2014; 73(6):968-974., entre adultos de todas as idades. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), as morbidades musculoesqueléticas são as condições com maior carga incapacitante22. Klijs B, Nusselder WJ, Looman CW, Mackenbach JP. Contribution of chronic disease to the burden of disability. PLoS One [periódico na Internet] 2011 [acessado 2015 Jan 16]; 6(9):[cerca de 8p.]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC 3178640/pdf/pone.0025325.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article... ,33. Smith E, Hoy DG, Cross M, Vos T, Naghavi M, Buchbinder R, Woolf AD, March L. The global burden of other musculoskeletal disorders: estimates from the Global Burden of Disease 2010 study. Ann Rheum Dis 2014; 73(8):1462-1469.. Dentre 209 condições de saúde, a DL é a morbidade que mais contribui para incapacidade global e ocupa a sexta colocação em termos da carga global das doenças mensurada pelos Disability-Adjusted Life Year (DALYs)11. Hoy D, March L, Brooks P, Blyth F, Woolf A, Bain C, Williams G, Smith E, Vos T, Barendregt J, Murray C, Burstein R, Buchbinder R. The global burden of low back pain: estimates from the Global Burden of Disease 2010 study. Ann Rheum Dis 2014; 73(6):968-974.. Os pacientes com DL aguda apresentam maior gravidade em relação aos sintomas de dor e incapacidade, quando comparados com pessoas acometidas pela DL crônica44. Costa LCM, Maher CG, Hancock MJ, McAuley JH, Herbert RD, Costa LO. The prognosis of acute and persistent low-back pain: a meta-analysis. CMAJ 2012; 184(11):E613-E624.. Nesta lógica, é importante diferenciar os pacientes com queixas agudas e crônicas nas pesquisas e investigações sobre DL55. Balague F, Mannion AF, Pellise F, Cedraschi C. Non-specific low back pain. Lancet 2012; 379(9814):482-491..
A prevalência da DL de maior gravidade aumenta com o envelhecimento66. Dionne CE, Dunn KM, Croft PR. Does back pain prevalence really decrease with increasing age? A systematic review. Age Ageing 2006; 35(3):229-234.,77. Docking RE, Fleming J, Brayne C, Zhao J, Macfarlane GJ, Jones GT. Epidemiology of back pain in older adults: prevalence and risk factors for back pain onset. Rheumatology (Oxford) 2011; 50(9):1645-1653., contribuindo de forma significativa para incapacidades e piora das condições de saúde já presentes na população idosa88. Hoy D, Bain C, Williams G, March L, Brooks P, Blyth F, Woolf A, Vos T, Buchbinder R. A systematic review of the global prevalence of low back pain. Arthritis Rheum 2012; 64(6):2028-2037.. Idosos com incapacidades não conseguem manter as atividades no dia-a-dia e tendem a se afastar do convívio social, impactando negativamente o seu estado de saúde99. Rudy TE, Weiner DK, Lieber SJ, Slaboda J, Boston JR. The impact of chronic low back pain on older adults: a comparative study of patients and controls. Pain 2007; 131(3):293-301.. A DL compromete a funcionalidade, autonomia e independência dos idosos1010. Weiner DK, Haggerty CL, Kritchevsky SB, Harris T, Simonsick EM, Nevitt M, Newman A. How does low back pain impact physical function in independent, well-functioning older adults? Evidence from the Health ABC Cohort and implications for the future. Pain Med 2003; 4(4):311-320. e constitui uma das razões mais comuns para procura dos cuidados primários de saúde1111. Cayea D, Perera S, Weiner D. Cronic low back pain in older adultes: what physicians kow, what they think they kwow, and what they should be taught. J Am Geriatr Soc 2006; 54(11):1772-1777.. Cayea et al.1111. Cayea D, Perera S, Weiner D. Cronic low back pain in older adultes: what physicians kow, what they think they kwow, and what they should be taught. J Am Geriatr Soc 2006; 54(11):1772-1777. relataram que 36% dos idosos comunitários com 65 anos ou mais foram acometidos por um episódio de DL ao ano e destes 21% procuram os cuidados de saúde. Além do mais, os custos sociais e econômicos relacionados às incapacidades decorrentes da DL são enormes, onerando ainda mais os sistema de saúde e previdência social1212. Salvetti MG, Pimenta CA, Braga PE, Correa CF. Disability related to chronic low back pain: prevalence and associated factors. Rev Esc Enferm USP 2012; 46(n. esp):16-23..
A definição de incapacidade proposta pela Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) da OMS, postula que incapacidades relacionadas às condições de saúde são influenciadas por múltiplos fatores. Na CIF, as incapacidades decorrem da interação entre disfunções na estrutura e função do corpo, limitação da atividade e restrição na participação social, sendo também influenciada por aspectos pessoais e ambientais1313. Escorpizo R. Defining the principles of musculoskeletal disability and rehabilitation. Best Pract Res Clin Rheumatol 2014; 28(3):367-375.. Waddell e colaboradores, em 1992, analisaram a DL sob a ótica do modelo biopsicossocial1414. Waddell G. Biopsychosocial analysis of low back pain. Baillieres Clin Rheumatol 1992; 6(3):523-557., e desde então essa abordagem vem sendo difundida e aprimorada1515. Weiner BK. Spine update: the biopsychosocial model and spine care. Spine (Phila Pa 1976) 2008; 33(2):219-223.,1616. Gatchel RJ, Peng YB, Peters ML, Fuchs PN, Turk DC. The biopsychosocial approach to chronic pain: scientific advances and future directions. Psychol Bull 2007; 133(4):581-624.. Segundo o modelo biopsicossocial, a incapacidade em indivíduos com DL pode ser influenciada por aspectos biológicos, psicológicos e socioambientais, devendo ser analisada neste contexto amplo e integrativo1414. Waddell G. Biopsychosocial analysis of low back pain. Baillieres Clin Rheumatol 1992; 6(3):523-557..
A literatura dispõe de evidências que demostram a importância do modelo biopsicossocial na abordagem da DL na população geral1717. Bath B, Trask C, McCrosky J, Lawson J. A biopsychosocial profile of adult Canadians with and without chronic back disorders: a population-based analysis of the 2009-2010 Canadian Community Health Surveys. Biomed Res Int [periódico na Internet] 2014 [acessado 2016 Jan 12]; 2014:[cerca de 11p.]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4058275/pdf/BMRI2014-919621.pdf
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18. Hulla R, Moomey M, Garner T, Ray C, Gatchel RJ. Biopsychosocial Characteristics, Using a New Functional Measure of Balance, of an Elderly Population with CLBP. Healthcare (Basel) [periódico na Internet] 2016 [acessado 2017 Mar 9]; 4(3):[cerca de 9p.]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5041060/pdf/healthcare-04-00059.pdf
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19. Pensri P, Janwantanakul P, Worakul P, Sinsongsook T. Biopsychosocial factors and perceived disability in saleswomen with concurrent low back pain. Saf Health Work 2010; 1(2):149-157.-2020. Koenig AL, Kupper AE, Skidmore JR, Murphy KM. Biopsychosocial functioning and pain self-efficacy in chronic low back pain patients. J Rehabil Res Dev 2014; 51(8):1277-1286.. No entanto, publicações especificas sobre a associação de fatores biopsicossociais com incapacidade em pacientes com DL ainda são limitadas. Os poucos dados disponíveis apontam para influência de fatores físicos, psicológicos e socioambientais na incapacidade auto relatada em adultos com DL aguda1919. Pensri P, Janwantanakul P, Worakul P, Sinsongsook T. Biopsychosocial factors and perceived disability in saleswomen with concurrent low back pain. Saf Health Work 2010; 1(2):149-157.. Em idosos, o único estudo disponível sobre modelo biopsicossocial e DL, demostrou associação de aspectos biopsicossociais negativos com piores resultados funcionais e recomendou o uso da abordagem biopsicossocial em pesquisas futuras sobre DL em idosos1818. Hulla R, Moomey M, Garner T, Ray C, Gatchel RJ. Biopsychosocial Characteristics, Using a New Functional Measure of Balance, of an Elderly Population with CLBP. Healthcare (Basel) [periódico na Internet] 2016 [acessado 2017 Mar 9]; 4(3):[cerca de 9p.]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5041060/pdf/healthcare-04-00059.pdf
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No entanto, ainda são escassos os estudos sobre DL e incapacidades na população idosa, principalmente sob a ótica biopsicossocial. Nesse sentido, torna-se necessário a realização de pesquisas que investiguem a associação de fatores biopsicossociais com DL e suas consequências entre os idosos. Assim, o objetivo do presente estudo foi identificar os principais fatores biopsicossociais associados com a incapacidade em idosos acometidos por um novo episódio de DL aguda.
Métodos
Desenho do estudo
O presente estudo faz parte do consórcio internacional de estudos epidemiológicos Back Complaints in the Elders – BACE, que inclui pesquisadores da Austrália, Brasil e Holanda. O objetivo do consórcio é estudar o perfil clínico, funcional, sócio demográfico, bem como investigar o curso da DL em idosos dos serviços de atenção à saúde nos países envolvidos, detalhes do protocolo já foram previamente publicados2121. Scheele J, Luijsterburg PA, Ferreira ML, Maher CG, Pereira L, Peul WC, Van Tulder MW, Bohnen AM, Berger MY, Bierma-Zeinstra SM, Koes BW. Back complaints in the elders (BACE); design of cohort studies in primary care: an international consortium. BMC Musculoskelet Disord [periódico na Internet] 2011[acessado 2011 Out 23]; 12:[cerca de 9p. ]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3182961/pdf/1471-2474-12-193.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article... . O projeto BACE-Brasil (BACE-B) é um estudo de coorte prospectivo com coleta de dados realizada no período entre outubro de 2011 e setembro de 2015. O recrutamento do BACE-B permitiu a construção de uma grande base de dados, possibilitando a realização tanto de trabalhos transversais como longitudinais (prospectivos). O presente estudo é do tipo transversal observacional e utilizou dados da avaliação de baseline da coorte BACE-B.
O estudo BACE-B foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, e recrutou uma amostra consecutiva de idosos com queixas agudas DL e residentes na comunidade da região metropolitana de Belo Horizonte. Os idosos com sintomas de dores na coluna foram identificados por profissionais de saúde (médicos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, entre outros) do serviço público e/ou privado e, foram direcionados para equipe de pesquisa BACE-B. Aqueles que procuraram a equipe treinada de pesquisadores do BACE-B, foram triados e convidados a participar do estudo.
O estudo BACE-B incluiu idosos com um novo episódio de DL aguda. A DL foi definida como queixas de dor, tensão ou rigidez localizada na região compreendida entre as últimas costelas e a linha glútea, com ou sem irradiação da dor para os membros inferiores (MMII)2222. Dionne CE, Dunn KM, Croft PR, Nachemson AL, Buchbinder R, Walker BF, Wyatt M, Cassidy JD, Rossignol M, Leboeuf-Yde C, Hartvigsen J, Leino-Arjas P, Latza U, Reis S, Gil Del Real MT, Kovacs FM, Oberg B, Cedraschi C, Bouter LM, Koes BW, Picavet HS, Van Tulder MW, Burton K, Foster NE, Macfarlane GJ, Thomas E, Underwood M, Waddell G, Shekelle P, Volinn E, Von KM. A consensus approach toward the standardization of back pain definitions for use in prevalence studies. Spine (Phila Pa 1976) 2008; 33(1):95-103.. Um novo episódio de DL foi definido como aquele no qual o idoso não tivesse procurado tratamento para DL nos seis meses anteriores às queixas de dores atuais2121. Scheele J, Luijsterburg PA, Ferreira ML, Maher CG, Pereira L, Peul WC, Van Tulder MW, Bohnen AM, Berger MY, Bierma-Zeinstra SM, Koes BW. Back complaints in the elders (BACE); design of cohort studies in primary care: an international consortium. BMC Musculoskelet Disord [periódico na Internet] 2011[acessado 2011 Out 23]; 12:[cerca de 9p. ]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3182961/pdf/1471-2474-12-193.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article... . Por sua vez, os sintomas agudos foram definidos como crise de DL no período máximo de seis semanas antes da avaliação de baseline2323. Koes B, van TM. Acute low back pain. Am Fam Physician 2006; 74(5):803-805.. Apenas os idosos com esses critérios foram incluídos no estudo BACE-B.
Foram excluídos os participantes que apresentaram deficiência visual, motora e auditiva, ou disfunções cognitivas2424. Bertolucci PH, Brucki SMD, Campacci SR, Juliano Y. O mini-exame do estado mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arq Neuropsiquiatr [periódico na Internet] 1994 [acessado 2013 Maio 01]; 52(1):[cerca de 7p.]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/anp/v52n1/01.pdf
http://www.scielo.br/pdf/anp/v52n1/01.pd... que pudessem influenciar os idosos responderem os questionários ou realizarem os testes físicos e funcionais adequadamente.
A amostra do presente estudo foi constituída por participantes do baseline do BACE-B com idade ≥ 65 anos. A escolha deste recorte amostral levou em consideração três aspectos: (1) o marco cronológico proposto pela OMS que considera idosos as pessoas com idade igual ou superior a 65 anos; (2) a facilidade de comparações com dados internacionais; (3) a menor variabilidade da amostra por sua maior homogeneidade em relação a idade.
Instrumentos de medidas e procedimentos
Os participantes avaliados quanto aos critérios de inclusão/exclusão que concordaram em participar do estudo, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e foram incluídos no estudo.
Todos foram submetidos a um questionário padronizado, estruturado e multidimensional, para caracterização da amostra e avaliação das queixas de DL. Também realizaram exame físico e funcional, de acordo com as diretrizes do consórcio BACE. Todos os procedimentos detalhados foram descritos e publicados anteriormente no protocolo do consórcio BACE2121. Scheele J, Luijsterburg PA, Ferreira ML, Maher CG, Pereira L, Peul WC, Van Tulder MW, Bohnen AM, Berger MY, Bierma-Zeinstra SM, Koes BW. Back complaints in the elders (BACE); design of cohort studies in primary care: an international consortium. BMC Musculoskelet Disord [periódico na Internet] 2011[acessado 2011 Out 23]; 12:[cerca de 9p. ]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3182961/pdf/1471-2474-12-193.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article... .
A medida de desfecho do presente estudo foi incapacidade relacionada à DL, avaliada por meio do Questionário de Incapacidade Roland Morris (RMDQ). O RMDQ consiste em 24 itens relativos à influência das dores na coluna durante atividades do cotidiano e mensura o nível de incapacidade associada a DL. O escore do RMDQ varia de 0-24, sendo que os maiores escores indicam um pior nível de incapacidade. Este questionário apresenta boa confiabilidade teste-reteste e entre examinadores (r = 0,88 e 0,86; respectivamente)2525. Nusbaum L, Natour J, Ferraz M, Goldenberg J. Translation, adaptation and validation of the Roland-Morris questionnaire - Brazil Roland-Morris. Braz J Med Biol Res 2001; 34(2):203-210.,2626. Roland M, Morris R. A study of the natural history of back pain. Part I: development of a reliable and sensitive measure of disability in low-back pain. Spine (Phila Pa 1976) 1983; 8(2):141-144..
Os fatores biopsicossociais potencialmente elegíveis para associação com a incapacidade foram selecionados da avalição de baseline segundo relevância clínica e/ou teórica. Seguindo a lógica da abordagem biopsicossocial para DL estes fatores foram categorizados da seguinte forma: fatores biológicos, fatores psicológicos e fatores sócio demográficos/estilo de vida1414. Waddell G. Biopsychosocial analysis of low back pain. Baillieres Clin Rheumatol 1992; 6(3):523-557..
Fatores biológicos
(1) Intensidade da DL na última semana, avaliada pela Numeric Rating Scale (NRS), com escore variando de 0 (sem dor) a 10 (dor máxima); (2) queixas de irradiação das dores para os MMII (sim/não); (3) relato de dor durante os movimentos ativos do tronco - flexão anterior, flexão lateral e rotação do tronco (sim/não); (4) dificuldade de dormir por causa da dor lombar (sim/não); (5) flexibilidade anterior do tronco, avaliada pelo teste distância dedo-chão (TDC), que mensura a distância em cm do terceiro dedo de uma das mãos até o chão durante o movimento de flexão anterior máxima do tronco; (6) positividade no teste de Lasègue (sim/não); (7) relato de rigidez matinal na coluna lombar (sim/não); (8) mobilidade funcional, avaliada pelo Timed up and Go (TUG), que mensura o tempo em segundos para o idoso realizar a tarefa de levantar a partir da posição sentada, deambular três metros, girar, retornar para a cadeira e sentar-se novamente. Tempos superiores a 12-14 segundos são associados com maior risco de quedas em idosos2727. Podsiadlo D, Richardoson S. The timed Up & Go: a test of basic functional mobility for frail elderly persons. J Am Geriatr Soc 1991; 39(2):142-148.; (9) número de comorbidades, avaliado por meio do self-administered comorbidity questionnaire (SCQ), sendo considerado as seguintes morbidades: doença cardíaca, hipertensão arterial sistêmica, doença pulmonar, diabetes, doença no estômago, doença renal, doença hepática, doenças do sangue, câncer, depressão, osteoartrite (quadril, joelho ou mão), artrite reumatoide, queixas de dor nos ombros e coluna cervical2828. Sangha O, Stucki G, Liang MH, Fossel AH, Katz JN. The Self-Administered Comorbidity Questionnaire: a new method to assess comorbidity for clinical and health services research. Arthritis Rheum 2003; 49(2):156-163.; (10) saúde física, avaliada pelo domínio físico do Short Form Health Status Questionnaire - 36 (SF-36), composto por questões genéricas do estado de saúde física, com escore variando de 0 a 100, sendo que os menores valores representam piores resultados2929. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos MS, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol 1999; 39(3):143-150.; (11) história prévia de DL (sim/não); (12) índice de massa corporal (IMC); (13) relato do uso de medicação para DL nas últimas 6 semanas (sim/não); (14) consulta com médico especialista por causa da DL nas últimas 6 semanas (sim/não); (15) realização de exames de imagem para coluna lombar nas últimas 6 semanas (sim/não).
Fatores psicológicos
(1) Cinesiofobia, avaliada pelo Fear Avoidance Beliefs Questionnaire, que mensura o medo, as crenças e os comportamentos de evitação do movimento em pessoas com DL. A subescala atividade física, utilizada nesta investigação, é composta por 4 itens, com escore de 0 a 24, sendo os maiores valores representando os piores resultados3030. Abreu AM, Faria CD, Cardoso SM, Teixeira-Salmela LF. Versão brasileira do Fear Avoidance Beliefs Questionnaire. Cad Saude Publica 2008; 24(3):615-623.,3131. Coudeyre E, Tubach F, Rannou F, Baron G, Coriat F, Brin S, Revel M, Poiraudeau S. Fear-avoidance beliefs about back pain in patients with acute LBP. Clin J Pain 2007; 23(8):720-725., (2) sintomas depressivos, avaliados pela Depression scale Center for Epidemiological Studies (CES-D) que aborda questões sobre o humor, sintomas somáticos, interações, e funcionamento motor. Esta escala considera os sintomas vivenciados na última semana e o escore final varia de 0 a 60 pontos, sendo o ponto de corte >11 positivo para sintomas depressivos na população brasileira3232. Batistoni SST, Neri AL, Dalziel WB. Validade da escala de depressão do Center for Epidemiological Studies entre idosos brasileiros. Rev Saude Publica 2007; 41(4):598-605.; (3) saúde mental, avaliada pelo domínio mental do Short Form Health Status Questionnaire -36 (SF-36), composto por questões genéricas do estado de saúde mental, com escore variando de 0 a 100, sendo que os menores valores representam piores resultados2929. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos MS, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol 1999; 39(3):143-150.; e (4) autoeficácia em quedas, avaliada por meio do questionário Falls Efficacy Scale - International (FES-I), que registra a preocupação do idoso em cair durante o desempenho de 16 atividades, possui escores variando de 16 a 64, sendo que a maior pontuação representa menor senso de auto eficácia em quedas3333. Camargos FF, Dias RC, Dias JM, Freire MT. Cross-cultural adaptation and evaluation of the psychometric properties of the Falls Efficacy Scale-International Among Elderly Brazilians (FES-I-BRAZIL). Rev Bras Fisioter 2010; 14(3):237-243..
Fatores sociodemográficos e estilo de vida
(1) Idade em anos; (2) sexo (masculino/feminino); (3) estado civil (categorias: casado/mora junto, solteiro/divorciado; viúvo); (4) nível de escolaridade (categorias: baixa, média e alta); (5) renda (categorias: baixa – até 2 salários, média – de 2 a 5 salários e alta – 5 ou mais salários); (6) uso de álcool (sim/não); (7) tabagismo (sim/não), (8) trabalho remunerado (sim/não) e (9) nível de atividade física na última semana, utilizando o International Physical Activity Questionnaire (IPAQ), que avalia o nível de atividade física das populações em diversas atividades, inclusive aquelas realizadas no tempo de lazer, como deslocamento de um lugar ao outro, serviços domésticos e atividades ocupacionais, sendo os indivíduos categorizados em três níveis de atividade: inativos, moderadamente ativos e ativos (IPAQ)3434. Craig CL, Marshall AL, Sjostrom M, Bauman AE, Booth ML, Ainsworth BE, Pratt M, Ekelund U, Yngve A, Sallis JF, Oja P. International physical activity questionnaire: 12-country reliability and validity. Med Sci Sports Exerc 2003; 35(8):1381-1395..
Análise estatística
Estatística descritiva foi utilizada para reportar os dados de caracterização da amostra, considerando medidas de tendência central e de frequência dos desfechos.
Um modelo de regressão linear multivariada foi construído para analisar os fatores associados com a incapacidade pela DL. Inicialmente, foi realizada análise bivariada, para examinar a existência de relações das variáveis independentes (contínuas e dicotômicas) com a variável incapacidade (outcome). Depois disso, vários modelos de regressão linear múltipla do tipo stepwise foram empregados para definir a melhor combinação das variáveis no modelo final. As potenciais variáveis explicativas foram selecionadas segundo critérios teóricos e incluídas nos modelos de regressão conforme critérios estatísticos. Todas variáveis com significância estatística (p ≤ 0,2) na análise bivariada foram inseridas no modelo de regressão, com exceção das variáveis idade, sexo, escolaridade, que foram incluídas no modelo de regressão independentemente da existência de correlação significativa na análise bivariada.
O modelo de regressão final foi definido após verificados e respeitados os seguintes pressupostos: presença de relação linear das variáveis independentes com a variável dependente, independência das variáveis explicativas (fatores associados); ausência de multicolinearidade, verificada por meio da tolerância e do fator de inflação da variância (VIF); variância constante dos erros (homocedasticidade dos erros); distribuição independente dos erros (teste Durbin-Watson) e normalidade dos resíduos (análise gráfica e teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov).
Para fins de cálculo amostral utilizamos como referência a seguinte fórmula: n = 10 x (K + 1), onde K é o número de variáveis explicativas incluídas no modelo de regressão múltipla e n é o tamanho da amostra do estudo. Assim, foi necessária uma amostra mínima de 300 participantes para realização das análises de regressão linear múltipla com até 30 variáveis explicativas.
Todas as análises foram realizadas pelo programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para Windows (Versão 22.0), e o nível de significância adotado foi de 5%.
Resultados
Participaram desta investigação idosos provenientes da linha de base da coorte BACE-B, a Figura 1 ilustra o processo de seleção dos participantes para o presente estudo. A amostra foi composta por 386 idosos, com média de idade de 71,6 ± 4,2 anos, sendo a maioria do sexo feminino (84,5%), com baixos níveis de escolaridade (67,6%) e renda (71%). Em relação as características relacionadas a queixa, os idosos apresentaram incapacidade média de 13,7(± 5,7) ao RMDQ, intensidade média da dor de 7,1(± 2,6) à NRS e duração média do novo episódio de DL de 18,9 (± 12,5) dias. As características descritivas da amostra são apresentadas nas Tabelas 1 e 2.
O modelo de regressão linear múltipla calculado possibilita a predição dos níveis de incapacidade baseado na interação de múltiplas variáveis explicativas. A equação de regressão encontrada no modelo final foi [F (10, 366) = 48,813, p < 0,000], com um R22. Klijs B, Nusselder WJ, Looman CW, Mackenbach JP. Contribution of chronic disease to the burden of disability. PLoS One [periódico na Internet] 2011 [acessado 2015 Jan 16]; 6(9):[cerca de 8p.]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC 3178640/pdf/pone.0025325.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article... de 0,622. Assim, aproximadamente 62% da variabilidade da incapacidade foi explicada pelos 10 preditores do modelo de regressão. Os fatores preditivos maior intensidade de dor (0,7%), dificuldade para dormir por causa da DL (2,8%) ocorrência de rigidez matinal na coluna lombar (3,4%) pior mobilidade funcional (2,5%), pior saúde física (13,9%), maiores níveis de IMC (1,9%), cinesiofobia (0,8%), baixa auto eficácia em quedas (0,6%), pior saúde mental (35%) e sexo feminino (0,6%), influenciaram significativamente a incapacidade na amostra investigada. O aumento dos níveis de incapacidade esteve associado com pior desempenho nos escores das medidas biopsicossociais de saúde no modelo final de regressão linear múltipla (Tabela 3).
Discussão
Este estudo transversal analisou a associação de fatores biopsicossociais com a incapacidade em idosos com um novo episódio de DL aguda. Múltiplos fatores preditivos foram associados com a incapacidade na amostra investigada. O modelo de regressão múltipla identificou dez fatores preditivos que, em conjunto, explicaram 62,2% da variabilidade da incapacidade. Esses dados evidenciam a característica multifatorial da incapacidade em idosos com DL e corrobora com dados de estudos prévios sobre incapacidade na população geral com indivíduos acometidos por DL3535. Frymoyer JW. Predicting disability from low back pain. Clin Orthop Relat Res 1992; 279:101-109.,3636. Stewart WJ, Ng N, Peltzer K, Yawson A, Biritwum R, Maximova T, Wu F, Arokiasamy P, Kowal P, Chatterji S. Risk Factors and Disability Associated with Low Back Pain in Older Adults in Low- and Middle-Income Countries. Results from the WHO Study on Global AGEing and Adult Health (SAGE). PLoS One [periódico na Internet] 2015 [acessado 2016 Abr 27]; 10(6):[cerca de 21p.]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4456393/pdf/pone.0127880.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article... .
Recentemente, um estudo realizado pela OMS – Study on Global AGEing and Adult Health (SAGE), avaliou fatores de risco para incapacidade em adultos e idosos com DL. Os autores incluíram mais de 30 mil participantes (50,2% com idade entre 50-59 anos e 49,8% com 60 anos ou mais) com relato de DL nos últimos 30 dias. Os fatores de risco para incapacidade identificados foram ser do sexo feminino, ter baixa escolaridade, maior número de comorbidades, maior intensidade da dor, aumento da idade e baixo nível de atividade física3636. Stewart WJ, Ng N, Peltzer K, Yawson A, Biritwum R, Maximova T, Wu F, Arokiasamy P, Kowal P, Chatterji S. Risk Factors and Disability Associated with Low Back Pain in Older Adults in Low- and Middle-Income Countries. Results from the WHO Study on Global AGEing and Adult Health (SAGE). PLoS One [periódico na Internet] 2015 [acessado 2016 Abr 27]; 10(6):[cerca de 21p.]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4456393/pdf/pone.0127880.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article... . Esses dados corroboram com os resultados do presente estudo em relação multidimensionalidade da incapacidade. No entanto, diferenças entre os tipos de fatores associados com a incapacidade divergem entre os estudos. No presente estudo não houve associação da incapacidade com escolaridade, comorbidades, idade e nível de atividade física. Diferenças no perfil da amostra e no questionário utilizado para mensurar a incapacidade podem justificar essas diferenças. Sewart et al. utilizaram um questionário genérico proposto pela OMS (WHO Disability Assessment Schedule - WHODAS) para avaliação da incapacidade numa população mista (adultos e idosos) com DL crônica e aguda3636. Stewart WJ, Ng N, Peltzer K, Yawson A, Biritwum R, Maximova T, Wu F, Arokiasamy P, Kowal P, Chatterji S. Risk Factors and Disability Associated with Low Back Pain in Older Adults in Low- and Middle-Income Countries. Results from the WHO Study on Global AGEing and Adult Health (SAGE). PLoS One [periódico na Internet] 2015 [acessado 2016 Abr 27]; 10(6):[cerca de 21p.]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4456393/pdf/pone.0127880.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article... , enquanto no presente estudo foi usado um questionário específico para mensurar incapacidades exclusivamente em idosos (65 anos ou mais) com DL aguda2525. Nusbaum L, Natour J, Ferraz M, Goldenberg J. Translation, adaptation and validation of the Roland-Morris questionnaire - Brazil Roland-Morris. Braz J Med Biol Res 2001; 34(2):203-210.,2626. Roland M, Morris R. A study of the natural history of back pain. Part I: development of a reliable and sensitive measure of disability in low-back pain. Spine (Phila Pa 1976) 1983; 8(2):141-144..
Nossos resultados mostraram que os maiores níveis de incapacidade foram associados com maior intensidade de dor à NRS, corroborando resultados semelhantes de outros estudos1919. Pensri P, Janwantanakul P, Worakul P, Sinsongsook T. Biopsychosocial factors and perceived disability in saleswomen with concurrent low back pain. Saf Health Work 2010; 1(2):149-157.,3636. Stewart WJ, Ng N, Peltzer K, Yawson A, Biritwum R, Maximova T, Wu F, Arokiasamy P, Kowal P, Chatterji S. Risk Factors and Disability Associated with Low Back Pain in Older Adults in Low- and Middle-Income Countries. Results from the WHO Study on Global AGEing and Adult Health (SAGE). PLoS One [periódico na Internet] 2015 [acessado 2016 Abr 27]; 10(6):[cerca de 21p.]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4456393/pdf/pone.0127880.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article... ,3737. Weiner DK, Rudy TE, Kim YS, Golla S. Do medical factors predict disability in older adults with persistent low back pain? Pain 2004; 112(1-2):214-220.. Idosos com DL de maior gravidade, possivelmente, experimentam maior intensidade de dor e consequentemente maiores níveis de incapacidade. Esta hipótese é corroborada pelo estudo de Weiner et al.3737. Weiner DK, Rudy TE, Kim YS, Golla S. Do medical factors predict disability in older adults with persistent low back pain? Pain 2004; 112(1-2):214-220. que encontraram correlação da incapacidade com maior intensidade (r = 0,370, p = 0,001) e duração da dor (r = -360, p = 003) ao avaliar 100 idosos (média de idade 74,3 anos) da comunidade com DL crônica.
Na amostra do presente estudo os valores médios de incapacidade (13,7 ± 5,7) e dor (7,1 ± 2,6) foram superiores a outros estudos sobre DL com população específica de idosos. Jarvik et al.3838. Jarvik JG, Comstock BA, Heagerty PJ, Turner JA, Sullivan SD, Shi X, Nerenz DR, Nedeljkovic SS, Kessler L, James K, Friedly JL, Bresnahan BW, Bauer Z, Avins AL, Deyo RA. Back pain in seniors: the Back pain Outcomes using Longitudinal Data (BOLD) cohort baseline data. BMC Musculoskelet Disord [periódico na Internet] 2014 [acessado 2015 Nov 10]; 15:[cerca de 11p. ]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4021204/pdf/1471-2474-15-134.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article... encontraram intensidade média da DL de 5,0 (± 2,8) à NRS e incapacidade média de 9,5 (± 6,4) ao RMDQ numa investigação com 5.239 idosos (média de idade 73,8 ± 6,9 anos) americanos com DL. Já Scheele et al.3939. Scheele J, Enthoven WT, Bierma-Zeinstra SM, Peul WC, Van Tulder MW, Bohnen AM, Berger MY, Koes BW, Luijsterburg PA. Characteristics of older patients with back pain in general practice: BACE cohort study. Eur J Pain 2014; 18(2):279-287. encontraram intensidade média da DL de 4,0(± 2,8) à NRS e incapacidade média de 9,8 (± 5,8) ao RMDQ em um estudo com 675 idosos holandeses (média de idade de 66,4 ± 7.6 anos) com um novo episódio de DL3939. Scheele J, Enthoven WT, Bierma-Zeinstra SM, Peul WC, Van Tulder MW, Bohnen AM, Berger MY, Koes BW, Luijsterburg PA. Characteristics of older patients with back pain in general practice: BACE cohort study. Eur J Pain 2014; 18(2):279-287.. Diferenças nas características das amostras podem justificar esses dados. No presente estudo foram incluídos apenas idosos com episódio de DL aguda, já nos estudos com idosos americanos e holandeses participaram também idosos com DL subaguda e crônica. Habitualmente, os pacientes com DL subaguda e crônica apresentam sintomas de dor e incapacidade de menor intensidade do que aqueles com DL aguda44. Costa LCM, Maher CG, Hancock MJ, McAuley JH, Herbert RD, Costa LO. The prognosis of acute and persistent low-back pain: a meta-analysis. CMAJ 2012; 184(11):E613-E624..
Contraditoriamente aos resultados do presente estudo, Stewart et al. (2015) não encontraram associação da obesidade com incapacidade, mas esses autores avaliaram a obesidade utilizando a circunferência da cintura (OR = 0,3; p > 0,1)3636. Stewart WJ, Ng N, Peltzer K, Yawson A, Biritwum R, Maximova T, Wu F, Arokiasamy P, Kowal P, Chatterji S. Risk Factors and Disability Associated with Low Back Pain in Older Adults in Low- and Middle-Income Countries. Results from the WHO Study on Global AGEing and Adult Health (SAGE). PLoS One [periódico na Internet] 2015 [acessado 2016 Abr 27]; 10(6):[cerca de 21p.]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4456393/pdf/pone.0127880.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article... . Weiner et al.3737. Weiner DK, Rudy TE, Kim YS, Golla S. Do medical factors predict disability in older adults with persistent low back pain? Pain 2004; 112(1-2):214-220. também não encontraram associação do IMC (r = 0,030; p = 0,270) com incapacidade. O presente estudo contraria esses dados ao evidenciar a associação do IMC e incapacidade na amostra de idosos com DL aguda investiga. Neste aspecto é importante destacar que associação do IMC com DL em idosos, embora não especificamente com a incapacidade devido a DL, já foi descrita anteriormente99. Rudy TE, Weiner DK, Lieber SJ, Slaboda J, Boston JR. The impact of chronic low back pain on older adults: a comparative study of patients and controls. Pain 2007; 131(3):293-301.,1010. Weiner DK, Haggerty CL, Kritchevsky SB, Harris T, Simonsick EM, Nevitt M, Newman A. How does low back pain impact physical function in independent, well-functioning older adults? Evidence from the Health ABC Cohort and implications for the future. Pain Med 2003; 4(4):311-320.. Essas contradições sugerem que a relação da obesidade com a DL ainda é controversa na população idosa.
A variável sexo feminino esteve associada com a incapacidade e permaneceu no modelo de regressão final. Sabidamente mulheres apresentam mais problemas de saúde e incapacidades. Murtagh e Hubert4040. Murtagh KN, Hubert HB. Gender differences in physical disability among an elderly cohort. Am J Public Health 2004; 94(8):1406-1411. descreveram maior prevalência de incapacidades relacionadas aos problemas de saúde em mulheres do que em homens idosos. Chenot et al.4141. Chenot JF, Becker A, Leonhardt C, Keller S, Donner-Banzhoff N, Hildebrandt J, Basler HD, Baum E, Kochen MM, Pfingsten M. Sex differences in presentation, course, and management of low back pain in primary care. Clin J Pain 2008; 24(7):578-584. encontraram maior gravidade da DL em mulheres e demostraram a associação do sexo feminino com baixa capacidade funcional e pior prognóstico da DL, inclusive em idosos, que representaram 22% da sua amostra. Assim, é possível inferir que ser do sexo feminino é uma característica negativa na população idosa acometida por DL.
Os resultados do presente estudo também demonstraram associação de cinesiofobia com incapacidade e estão em conformidade com dados de estudos prévios que avaliaram idosos com DL crônica4242. Basler HD, Luckmann J, Wolf U, Quint S. Fear-avoidance beliefs, physical activity, and disability in elderly individuals with chronic low back pain and healthy controls. Clin J Pain 2008; 24(7):604-610.
43. Champagne A, Prince F, Bouffard V, Lafond D. Balance, Falls-Related Self-Efficacy, and Psychological Factors amongst Older Women with Chronic Low Back Pain: A Preliminary Case-Control Study. Rehabil Res Pract [periódico na Internet] 2012 [acessado 2016 Mar 29]; 2012:[cerca de 8p.]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3425864/pdf/RERP2012-430374.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article... -4444. Sions JM, Hicks GE. Fear-avoidance beliefs are associated with disability in older American adults with low back pain. Phys Ther 2011; 91(4):525-534. e adultos com DL aguda3131. Coudeyre E, Tubach F, Rannou F, Baron G, Coriat F, Brin S, Revel M, Poiraudeau S. Fear-avoidance beliefs about back pain in patients with acute LBP. Clin J Pain 2007; 23(8):720-725.. Esta associação entre cinesiofobia e incapacidade pode ser melhor compreendida com base no seguinte pressuposto: a experiência negativa com dor induz ao medo do aparecimento/aumento da dor em consequência ao movimento e com isso os indivíduos evitam o movimento/atividade, perpetuando o quadro de incapacidade4343. Champagne A, Prince F, Bouffard V, Lafond D. Balance, Falls-Related Self-Efficacy, and Psychological Factors amongst Older Women with Chronic Low Back Pain: A Preliminary Case-Control Study. Rehabil Res Pract [periódico na Internet] 2012 [acessado 2016 Mar 29]; 2012:[cerca de 8p.]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3425864/pdf/RERP2012-430374.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article... . Nesta perspectiva, é possível supor que idosos com DL e comportamento cinesiofóbico reduzam a mobilidade e as atividades do cotidiano, favorecendo o isolamento social e as incapacidades.
Hall et al.4545. Hall AM, Kamper SJ, Maher CG, Latimer J, Ferreira ML, Nicholas MK. Symptoms of depression and stress mediate the effect of pain on disability. Pain 2011; 152(5):1044-1051. demonstraram que aproximadamente 30% da relação entre DL e incapacidade são mediados por sintomas psicológicos. Os autores concluíram que esta relação depende também de outros fatores, tendo em vista que apenas 30% da variabilidade da incapacidade foram explicados por questões psicológicas. Nossos resultados corroboram com essa constatação, pois apesar da variável sintomas depressivos (avaliados pela CES-D) não permanecer no modelo de regressão final, o pior estado de saúde mental (mensurada pelo SF-36) foi o preditor que mais explicou a variação da incapacidade, demostrando a existência de importante associação das características psicológicas com a incapacidade na amostra investigada. A hipótese é que exista um ciclo vicioso, sendo que a presença da DL e suas incapacidades aumentam o sofrimento psíquico, influenciando a piora do estado de saúde mental. Por outro lado, os idosos com um pior estado de saúde mental, podem ter mais dificuldades no enfrentamento e resolução da DL, percebendo então maiores níveis de incapacidade quando comparados com idosos sem alterações emocionais4646. Rippentrop EA, Altmaier EM, Chen JJ, Found EM, Keffala VJ. The relationship between religion/spirituality and physical health, mental health, and pain in a chronic pain population. Pain 2005; 116(3):311-321..
O aumento da incapacidade esteve associado com menor senso autoeficácia em quedas (FES-I). Verma e Pal4747. Verma S, Pal BP. Correlation Between Pain, Fear of Falling and Disability in Low Back Pain. Ann Rehabil Med 2015;39(5):816-820. ao estudar uma amostra de 100 pacientes, com DL aguda (últimas 6 semanas), com idade variando de 40 a 73 anos, também encontraram associação entre incapacidade e auto eficácia em quedas. Corroborando os nossos resultados, os autores concluíram que o aumento da incapacidade em pacientes com DL esteve associado com a menor senso de auto eficácia em quedas4747. Verma S, Pal BP. Correlation Between Pain, Fear of Falling and Disability in Low Back Pain. Ann Rehabil Med 2015;39(5):816-820.. Ainda em relação a funcionalidade, a mobilidade funcional, avaliada pelo TUG, apresentou associação negativa e significativa com a incapacidade, reforçando dados de estudos prévios que encontraram associação da DL com diminuição da mobilidade funcional em idosos4343. Champagne A, Prince F, Bouffard V, Lafond D. Balance, Falls-Related Self-Efficacy, and Psychological Factors amongst Older Women with Chronic Low Back Pain: A Preliminary Case-Control Study. Rehabil Res Pract [periódico na Internet] 2012 [acessado 2016 Mar 29]; 2012:[cerca de 8p.]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3425864/pdf/RERP2012-430374.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article... ,4848. Queiroz BZ, Pereira DS, Rosa NM, Lopes RA, Felicio DC, Pereira DG, Dias JM, Dias RC, Pereira LS. Functional performance and plasma cytokine levels in elderly women with and without low back pain. J Back Musculoskelet Rehabil 2015; 28(2):343-349..
Nossos resultados demostraram associação da rigidez matinal na coluna e alteração do sono por causa da dor com o aumento da incapacidade. Estudos prévios realizados na população geral demostraram associação de alterações na qualidade do sono4949. Alsaadi SM, McAuley JH, Hush JM, Maher CG. Prevalence of sleep disturbance in patients with low back pain. Eur Spine J 2011; 20(5):737-743. e ocorrência de rigidez matinal na coluna com pior quadro clínico em pacientes com DL5050. Scheele J, de Schepper EI, van Meurs JB, Hofman A, Koes BW, Luijsterburg PA, Bierma-Zeinstra SM. Association between spinal morning stiffness and lumbar disc degeneration: the Rotterdam Study. Osteoarthritis Cartilage 2012; 20(9):982-987.. Frymoyer3535. Frymoyer JW. Predicting disability from low back pain. Clin Orthop Relat Res 1992; 279:101-109. destacou a importância dos fatores físicos na predição da incapacidade em pacientes com DL, no entanto, não encontramos estudos específicos sobre alterações de sono ou rigidez matinal e suas relações especificamente com incapacidade em idosos com DL, dificultando as comparações com nossos resultados.
Finalizando a análise dos nossos resultados, o estado de saúde física, mensurado pelo domínio físico do SF-36, foi significativamente associado com a incapacidade. Dados prévios que apontam a influência do estado de saúde na incapacidade decorrente da DL estão em conformidade com esse resultado99. Rudy TE, Weiner DK, Lieber SJ, Slaboda J, Boston JR. The impact of chronic low back pain on older adults: a comparative study of patients and controls. Pain 2007; 131(3):293-301.,4646. Rippentrop EA, Altmaier EM, Chen JJ, Found EM, Keffala VJ. The relationship between religion/spirituality and physical health, mental health, and pain in a chronic pain population. Pain 2005; 116(3):311-321.. No entanto, é importante ressaltar que a literatura disponível sobre DL na população geral tem demostrado uma importante participação de questões psicológicas e sociais em detrimento de questões clínicas e biológicas1818. Hulla R, Moomey M, Garner T, Ray C, Gatchel RJ. Biopsychosocial Characteristics, Using a New Functional Measure of Balance, of an Elderly Population with CLBP. Healthcare (Basel) [periódico na Internet] 2016 [acessado 2017 Mar 9]; 4(3):[cerca de 9p.]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5041060/pdf/healthcare-04-00059.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
19. Pensri P, Janwantanakul P, Worakul P, Sinsongsook T. Biopsychosocial factors and perceived disability in saleswomen with concurrent low back pain. Saf Health Work 2010; 1(2):149-157.-2020. Koenig AL, Kupper AE, Skidmore JR, Murphy KM. Biopsychosocial functioning and pain self-efficacy in chronic low back pain patients. J Rehabil Res Dev 2014; 51(8):1277-1286.,3737. Weiner DK, Rudy TE, Kim YS, Golla S. Do medical factors predict disability in older adults with persistent low back pain? Pain 2004; 112(1-2):214-220.,4444. Sions JM, Hicks GE. Fear-avoidance beliefs are associated with disability in older American adults with low back pain. Phys Ther 2011; 91(4):525-534.. Esse fato também fica evidente no presente estudo, pois vários fatores biológicos não apresentaram associação significativa com incapacidade.
O presente estudo apresentou algumas limitações que serão discutidas a seguir: (1) Os participantes foram recrutados de forma consecutiva (não aleatória), o que pode contribuir para viés de seleção da amostra e comprometer a generalização dos resultados. Características como idade, sexo, gravidade dos sintomas, acesso aos serviços de saúde, disponibilidade e interesse dos participantes podem ter influenciado no recrutamento dos participantes e produzido discrepâncias na representatividade da amostra. Por exemplo, a amostra do presente estudo foi constituída em sua maioria por mulheres e, mesmo considerando o fenômeno de feminização da velhice, a proporção de mulheres foi superior a distribuição demográfica esperada para população de mulheres e homens idosos. Assim, há necessidade de cautela na generalização dos nossos resultados. (2) Itens do questionário utilizado para mensurar a incapacidade apresentaram similaridade com alguns fatores explicativos ou com itens de questionários utilizados para mensurá-los. Neste aspecto é importante ressaltar que, apesar de possuírem certa similaridade, os questionários utilizados no presente estudo mensuram construtos diferentes, apresentam características psicométricas e escores diferentes, com validade e confiabilidade já determinada em publicações anteriores. Além do mais, utilizamos os escores totais dos instrumentos o que minimiza problemas com a similaridade de itens isolados dos questionários. Também atentamos, durante a análise estatística, para possibilidade de multicolinariedade, não sendo encontrados indícios de violação desse pressuposto. (3) Considerando o desenho transversal do presente estudo, é importante considerar a possibilidade de causalidade reversa, tendo em vista que fatores explicativos podem ser modificados pela existência da doença, não sendo possível em estudos transversais determinar o que ocorreu primeiro - se foi a exposição ou o desfecho. Neste sentido, a intepretação dos resultados e discussões apresentadas devem ser entendidas apenas como constatação da associação entre as variáveis e não podem ser confundidas com relação de causa e efeito.
Conclusão
O presente estudo investigou múltiplos fatores biopsicossociais e suas associações com a incapacidade em uma amostra exclusiva de idosos com um novo episódio de DL aguda. Descrevemos a interação multifatorial de características biológicas, psicológicas e sócio demográficas com a incapacidade, apresentado discussões e comparações com a literatura disponível. A exploração desse tema numa população comumente excluída das pesquisas sobre DL tem um caráter inovador e destaca a importância da DL na população idosa. Concluímos que a incapacidade em idosos com DL aguda é multifatorial e está associada com pior desempenho nos escores de medidas biopsicossociais de saúde. Nossos resultados contribuem para o aumento do conhecimento científico e podem ser utilizados como subsídio por profissionais de saúde na abordagem da incapacidade em idosos com DL. No entanto, estudos longitudinais e prospectivos são necessários para validar hipóteses e testar relações de causa e efeito para incapacidade em idosos com DL.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
22 Jul 2019 - Data do Fascículo
Jul 2019
Histórico
- Recebido
06 Jun 2017 - Revisado
19 Out 2017 - Aceito
21 Out 2017