Vulnerabilidade e fatores associados em idosos atendidos pela Estratégia Saúde da Família

Juliana Fernandes Cabral Ageo Mário Cândido da Silva Inês Echenique Mattos Ádila de Queiroz Neves Laércio Lima Luz Daniele Bittencourt Ferreira Lívia Maria Santiago Cleber Nascimento do Carmo Sobre os autores

Resumo

Este estudo teve por objetivo analisar a prevalência de vulnerabilidade e fatores associados em idosos atendidos pelas Estratégias Saúde da Família do município de Várzea Grande (MT). Estudo transversal realizado com 377 idosos. A variável dependente, vulnerabilidade, foi investigada através do The Vulnerable Elders Survey. As variáveis independentes foram as sociodemográficas e as condições de saúde, avaliadas através dos instrumentos validados: Miniexame do Estado Mental, Escala de Katz, Escala de Lawton, Escala de Depressão Geriátrica e Miniavaliação Nutricional Reduzida. Foi realizada análise descritiva das variáveis categóricas e numéricas, análise bivariada calculando-se as Razões de Prevalência, utilizando o teste do χ2 de Mantel Haenszel e a análise múltipla usando a regressão de Poisson. Dos idosos, 49% são vulneráveis, sendo que a maior prevalência de vulnerabilidade esteve associada com a dependência em AIVD (RP = 4,43), apresentar sintomas depressivos (RP = 1,34) e estar na faixa etária de 80 anos e mais (RP = 1,34). A prevalência de vulnerabilidade encontrada no presente estudo foi alta ao se comparar com outros estudos realizados com idosos da comunidade, enquanto que o VES-13 demonstrou-se um instrumento de fácil aplicação na atenção primária em saúde e bastante prático na triagem de idosos vulneráveis.

Palavras-chave
Envelhecimento; Populações vulneráveis; Idoso

Introdução

O envelhecimento populacional é um fenômeno que ocorre em todas as regiões do mundo, progredindo mais rapidamente nos países em desenvolvimento. Em 1950, o número de pessoas com 60 anos ou mais era de 205 milhões e, em 2012, esse número chegou a quase 810 milhões de pessoas, projetando-se dois bilhões de habitantes nesta faixa etária para o ano de 205011 Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Envelhecimento no Século XXI: Celebração e Desafio. Nova York: UNFPA e Help Age International; 2012..

No Brasil, esse envelhecimento tem ocorrido de maneira ainda mais acelerada11 Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Envelhecimento no Século XXI: Celebração e Desafio. Nova York: UNFPA e Help Age International; 2012.. Em 2000, o número de idosos era de 14,2 milhões, passando para 19,6 milhões em 2010, devendo atingir 41,5 milhões em 2030 e 73,5 milhões em 206022 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mudança Demográfica no Brasil no Início do Século XXI: subsídios para as projeções da população. Rio de Janeiro: IBGE; 2015.. Isso vem trazendo importantes desafios aos profissionais e serviços de saúde, bem como a necessidade de se desenvolverem novas formas de cuidado e monitoramento para essa população. Nesse contexto, as ações de proteção e cuidados específicos vêm adquirindo relevância na agenda pública.

A manutenção da saúde do idoso está relacionada a um conjunto de aspectos físicos e mentais, independência financeira, controle e prevenção de doenças crônicas e seus agravos, além da existência de suporte social à pessoa idosa33 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília: MS; 2006..

As modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas que ocorrem no processo de envelhecimento podem tornar o indivíduo vulnerável, devido à redução da sua capacidade de adaptação ao meio ambiente44 Papaléo Netto M. O estudo da velhice: Histórico, Definição do Campo e Termos Básicos. In: Freitas EV, Py L, organizadores. Tratado de Geriatria e Gerontologia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p. 3-13.. Portanto, a identificação de grupos vulneráveis na população idosa possibilita a elaboração de políticas e estratégias de saúde adequadas para a prevenção desses desfechos indesejados e para a recuperação de incapacidades já instaladas. O Vulnerable Elders Survey (VES-13) é um instrumento elaborado com o objetivo de desenvolver uma ferramenta simples a fim de identificar os idosos com risco de deterioração da saúde e morte, para os autores dessa ferramenta, a vulnerabilidade é definida como uma condição que aumenta o risco de declínio funcional e morte em idosos55 Saliba D, Elliott M, Rubenstein LZ, Solomon DH, Young RT, Kamberg CJ, Roth C, MacLean CH, Shekelle PG, Sloss EM, Wenger NS. The Vulnerable Elders Survey: a tool for identifying vulnerable older people in the community. J Am Geriatr Soc 2001; 49(12):1691-1699.. No Brasil, sua versão adaptada e validada em português foi bem compreendida e aceita pela população de estudo, apresentando propriedades psicométricas consistentes e adequadas para sua utilização66 Luz LL, Santiago LM, Silva JFS, Mattos IE. Primeira etapa da adaptação transcultural do instrumento The Vulnerable Elders Survey (VES-13) para o Português. Cad Saude Publica 2013; 29(3):621-628.,77 Luz LL, Santiago LM, Silva JFS, Mattos IE. Psychometric properties of the Brazilian version of the Vulnerable Elders Survey-13 (VES-13). Cad Saude Publica 2015; 31(3):507-515..

Tendo em vista a importância de melhor compreender esse fenômeno, o presente estudo teve como objetivo analisar a prevalência e fatores associados à vulnerabilidade de idosos da comunidade atendidos na atenção primária à saúde do município de Várzea Grande, Mato Grosso.

Métodos

Trata-se de um estudo de delineamento transversal com idosos de 60 anos ou mais, cadastrados nas Estratégias de Saúde da Família (ESF) do município de Várzea Grande (MT), situado na região metropolitana de Cuiabá, Estado de Mato Grosso. O projeto de pesquisa que originou este estudo atendeu às diretrizes da Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller em Cuiabá.

Por meio do modelo de amostragem por conglomerados, foram selecionadas 11 Estratégias de Saúde da Família (ESF) das 15 existentes no município, e o tamanho da amostra foi dividido equitativamente pelas mesmas, de acordo com a população de idosos cadastrados em cada uma. O tamanho da amostra seguiu os procedimentos propostos para populações finitas88 Luiz RR, Magnanini MMF. A lógica da determinação da amostra em investigação epidemiológica. Cad Saúde Colet 2000; 8(2):9-28., utilizando nível de confiança de 0,95, erro tolerável de amostragem de 0,05 e prevalência assumida de vulnerabilidade de 0,50. Ao número obtido, acrescentou-se mais 10% para compensar possíveis perdas. Idosos com déficit cognitivo e sequelas de Acidente Vascular Encefálico (AVE), com grave comprometimento na linguagem, visão ou audição, foram excluídos da amostra. Nos casos de recusa e, quando o idoso selecionado não se encontrava em casa no momento da entrevista ou apresentava um dos critérios de exclusão, este era substituído pelo residente mais próximo, que também estivesse cadastrado na ESF. O déficit cognitivo foi avaliado pelo Miniexame do Estado Mental (MEEM), sendo utilizada a versão do instrumento adaptada para a população brasileira, considerando dois pontos de corte diferentes, de acordo com o nível de escolaridade99 Lourenço RA, Veras RP. Mini-Exame do Estado Mental: características psicométricas em idosos ambulatoriais. Rev Saude Publica 2006; 40(4):712-719.. Foram excluídos e repostos 213 idosos identificados com déficit cognitivo e 30 idosos que se recusaram a participar. A população de estudo ficou constituída por 377 idosos. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A coleta de dados ocorreu entre março e junho de 2016, por meio de entrevistas estruturadas realizadas no domicílio do idoso, por profissionais de saúde treinados e padronizados.

A variável dependente do estudo foi a vulnerabilidade, avaliada pelo instrumento The Vulnerable Elders Survey - VES-13, instrumento desenvolvido com a finalidade de identificar indivíduos de 65 anos ou mais de idade que estejam em risco de perda de capacidade funcional e/ou morte55 Saliba D, Elliott M, Rubenstein LZ, Solomon DH, Young RT, Kamberg CJ, Roth C, MacLean CH, Shekelle PG, Sloss EM, Wenger NS. The Vulnerable Elders Survey: a tool for identifying vulnerable older people in the community. J Am Geriatr Soc 2001; 49(12):1691-1699.. É composto por 13 itens que contemplam: idade, saúde autorreferida, capacidade física e capacidade funcional e seu escore varia entre 0 e 13 pontos, sendo a pontuação igual ou maior que três (3,0) considerada como ponto de corte para classificar o indivíduo como vulnerável55 Saliba D, Elliott M, Rubenstein LZ, Solomon DH, Young RT, Kamberg CJ, Roth C, MacLean CH, Shekelle PG, Sloss EM, Wenger NS. The Vulnerable Elders Survey: a tool for identifying vulnerable older people in the community. J Am Geriatr Soc 2001; 49(12):1691-1699.. Utilizou-se a versão desse instrumento adaptada e validada para uso na população brasileira66 Luz LL, Santiago LM, Silva JFS, Mattos IE. Primeira etapa da adaptação transcultural do instrumento The Vulnerable Elders Survey (VES-13) para o Português. Cad Saude Publica 2013; 29(3):621-628.,77 Luz LL, Santiago LM, Silva JFS, Mattos IE. Psychometric properties of the Brazilian version of the Vulnerable Elders Survey-13 (VES-13). Cad Saude Publica 2015; 31(3):507-515..

As variáveis independentes foram características sociodemográficas: sexo (masculino; feminino), faixa etária (60 a 69 anos; 70 a 79 anos e 80 anos e mais), renda per capita (até ½ salário mínimo; de ½ a 1 salário mínimo; > 1 salário mínimo), raça/cor (pardo; preto e branco), arranjo familiar (vive acompanhado; vive sozinho) e estado civil (vive sem companheiro; vive com companheiro). A variável escolaridade, obtida originalmente por meio das perguntas Sabe ler ou escrever um bilhete simples? e Até que grau o (a) Sr. (a) estudou?, foi recategorizada em “alfabetizado” e “não alfabetizado”, devido à baixa condição educacional da população estudada. As condições de saúde foram: funcionalidade em atividades de vida diária (independente; dependente), funcionalidade em atividades instrumentais de vida diária (independente; dependente), depressão (sem sintomas depressivos; com sintomas depressivos), estado nutricional (desnutrido e em risco nutricional; sem risco nutricional), comorbidade (sem comorbidade com grau de gravidade 3 ou 4; com comorbidade com grau de gravidade 3 ou 4) e polifarmácia (sim; não).

Para avaliação da realização das Atividades Básicas de Vida Diária (AVD) e das Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD), foram utilizadas, respectivamente, as escalas de Katz e de Lawton e Brody, ambas adaptadas e validadas para uso na população brasileira1010 Lino VTS, Pereira SEM, Camacho LAB, Filho STR, Buksman S. Adaptação transcultural da Escala de Independência em Atividades da Vida Diária (Escala de Katz). Cad Saude Publica 2008; 24(1):103-112.,1111 Santos RL, Virtuoso Júnior JS. Confiabilidade da versão brasileira da escala de atividades instrumentais de vida diária. Rev Bras Promoç Saude 2008; 21(4):290-296.. Para avaliação da depressão, usou-se a Escala de Depressão Geriátrica 15 (GDS - 15)1212 Almeida OP, Almeida SA. Short versions of the geriatric depression scale: a study of their validity for the diagnosis of a major depressive episode according to ICD-10 and DSM-IV. Int J Geriatr Psychiatry 1999; 14(10):858-865.. O estado nutricional foi avaliado pela Miniavaliação Nutricional Reduzida (MANR)1313 Kaiser MJ, Bauer JM, Ramsch C, Uter W, Guigoz Y, Cederholm T, Thomas DR, Anthony P, Charlton KE, Maggio M, Tsai AC, Grathwohl D, Vellas B, Sieber CC. Validation of the Mini Nutritional Assessment Short-Form (MNA-SF): a practical tool for identification of nutritional status. J Nutr Health Aging 2009; 13(9):782-788.. A comorbidade foi ponderada pela escala Cumulative Illness Rating Scale for Geriatrics (CIRS-G)1414 Miller MD, Paradis CF, Houck PR, Mazumdar S, Stack JA, Rifai AH, Mulsant B, Reynolds III CF. Rating chronic medical illness burden in geropsychiatric practice and research: application of the Cumulative Illness Rating Scale. Psychiatry Res 1992; 41(3):237-248.. A polifarmácia foi definida como a utilização de cinco ou mais medicamentos de forma contínua1515 Carlson JE. Perils of polypharmacy: 10 steps to prudent prescribing. Geriatrics 1996; 51(7):26-35.. O uso de medicamento foi autorreferido; porém, visando à redução de viés de memória, foi solicitada a apresentação dos rótulos ou prescrições dos medicamentos utilizados.

Os questionários foram codificados e digitados duplamente no programa Epi Info versão 3.5.2 e os erros de digitação foram corrigidos após sua detecção no aplicativo Data Compare. Foi empregado o STATA versão 13.0 em todas as análises.

Para a análise descritiva das características da população de estudo, foram usadas frequências absolutas e relativas para variáveis categóricas e médias, medianas e desvios-padrão para variáveis numéricas. Na análise bivariada, foram calculadas as Razões de Prevalência (com IC 95%) como medida de associação entre a variável dependente (vulnerabilidade) e as variáveis independentes, empregando-se o teste do χ22 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mudança Demográfica no Brasil no Início do Século XXI: subsídios para as projeções da população. Rio de Janeiro: IBGE; 2015. de Mantel Haenszel.

Na análise múltipla, foi utilizada a regressão de Poisson, sendo incluídas as variáveis que apresentaram p-valor < 0,20. Usou-se um modelo exploratório, no qual foram mantidas todas as variáveis que se mostraram estatisticamente significantes (p ≤ 0,05) ou que tinham importância biológica e clínica.

Resultados

A média de idade da população foi de 69,6 (±7,5) anos. A maioria dos idosos era do sexo feminino (60,2%), estava na faixa etária de 60 a 69 anos (56,8%) e se autodeclarou parda (59,2%). Aproximadamente, 44% dos indivíduos não tinham companheira e 72% eram analfabetos. A maior parte relatava renda per capita entre 56% e recebia de ½ a 1 salário mínimo (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas dos idosos da amostra em estudo, Várzea Grande, MT, 2016 (N = 377).

A prevalência de vulnerabilidade na população em estudo correspondeu a 49%. Observou-se que a maioria dos idosos era independente para Atividades Básicas da Vida Diária (72,7%), porém apresentava dependência funcional para Atividades Instrumentais da Vida Diária (62,3%). Em relação a outras dimensões avaliadas, a grande parte não mostrava sintomas depressivos (68,7%) ou comorbidade grave (60,5%), não estava em risco nutricional (54,4%) e não fazia uso de polifarmácia (78,3%) (Tabela 2).

Tabela 2
Condições de saúde dos idosos da amostra em estudo, Várzea Grande, MT, 2016 (N = 377).

Com base nas análises bivariadas (Tabela 3), observou-se maior risco de vulnerabilidade, com significância estatística, no sexo feminino (RP = 1,41, IC95% 1,12-1,78), com idade de 80 anos ou mais (RP = 1,81, IC95% 1,44-2,27) e analfabetos (RP = 1,50, IC95% 1,23-1,83) (Tabela 3).

Tabela 3
Prevalência e Razão de Prevalência de vulnerabilidade segundo características sociodemográficas dos idosos da amostra em estudo, Várzea Grande, MT, 2016 (N = 377).

Em relação às condições de saúde (Tabela 4), notou-se maior risco de vulnerabilidade entre os idosos que revelavam deficiência nas seis dimensões avaliadas, com associações estatisticamente significativas com dependência em Atividades Básicas da Vida Diária (RP = 1,62, IC95% 1,33-1,96), dependência em Atividades Instrumentais da Vida Diária (RP = 4,99, IC95% 3,29-7,55), presença de sintomas depressivos (RP = 1,87, IC95% 1,54-2,26), em risco nutricional/desnutrido (RP = 1,31, IC95% 1,07-1,61), com comorbidade grave (RP = 1,33, IC95% 1,09-1,63) e uso de polifarmácia (RP = 1,30, IC95% 1,04-1,61).

Tabela 4
Prevalência e Razão de Prevalência de vulnerabilidade segundo condições de saúde dos idosos da amostra em estudo, Várzea Grande, MT, 2016 (N = 377).

Na regressão múltipla, as variáveis: idade mais avançada (RP = 1,32, IC95% 1,07-1,63), dependência em AIVD (RP = 4,12, IC95% 2,69-6,33) e presença de sintomas depressivos (RP = 1,29, IC95% 1,10-1,52) mantiveram-se associadas à vulnerabilidade (Tabela 5).

Tabela 5
Modelo de regressão múltipla com razões de prevalência ajustadas nos idosos da amostra em estudo, Várzea Grande, MT, 2016 (N = 377).

Discussão

A prevalência de vulnerabilidade observada neste estudo foi elevada, atingindo quase a metade da população avaliada. Em estudo realizado em João Pessoa (Paraíba), com população semelhante à do presente estudo e também utilizando o instrumento VES-13, percebeu-se prevalência de vulnerabilidade pouco maior (52,2%)1616 Barbosa KTF. Vulnerabilidade física, social e programática de idosos atendidos na Atenção Primária de Saúde do município de João Pessoa, Paraíba [dissertação]. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba; 2015.. Na análise de validação do instrumento VES-13, feita nos EUA com 6.205 idosos da comunidade na faixa etária de 65 anos ou mais, a prevalência foi de 32,3%55 Saliba D, Elliott M, Rubenstein LZ, Solomon DH, Young RT, Kamberg CJ, Roth C, MacLean CH, Shekelle PG, Sloss EM, Wenger NS. The Vulnerable Elders Survey: a tool for identifying vulnerable older people in the community. J Am Geriatr Soc 2001; 49(12):1691-1699.. Na Irlanda, em outro estudo com 2.033 idosos da comunidade, com idade similar, foi encontrada prevalência de 32,1%1717 McGee HM, O'Hanlon A, Barker M, Hickey A, Montgomery A, Conroy R, O'Neill D. Vulnerable older people in the community: relationship between the Vulnerable Elders Survey and health service use. J Am Geriatr Soc 2008; 56(1):8-15.. Cabe ressaltar que no presente estudo, assim como naquele desenvolvido na Paraíba, foram incluídos indivíduos a partir de 60 anos de idade, população idosa mais jovem e, mesmo assim, as prevalências de vulnerabilidade foram maiores do que as observadas na Irlanda e nos Estados Unidos.

Esta elevada prevalência de vulnerabilidade entre os idosos brasileiros pode ser explicada, entre outras coisas, pelas diferenças nas condições socioeconômicas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, levando em conta as histórias de vida e as conjunturas sociais diversificadas que contribuíram para as condições de saúde das populações analisadas1818 Néri AL, Achioni M. Velhice bem-sucedida e educação. In: Néri AL, Debert GG, organizadores. Velhice e sociedade. São Paulo: Papirus; 1999. p. 113-140..

Outras prováveis explicações relacionam-se às baixas condições sanitárias e de saúde da população estudada. Atualmente, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município de Várzea Grande encontra-se abaixo das medianas das cidades onde os outros estudos foram realizados1919 United Nations Development Programme (UNDP). Work for human development Briefing note for countries on the 2015 [serial on the internet] 2015 [cited 2016 Nov 02]. Available from: http://hdr.undp.org/sites/all/themes/hdr_theme/country-notes/USA.pdf
http://hdr.undp.org/sites/all/themes/hdr...
, indicando piores condições de vida da população deste estudo. Além disso, é conhecido que em nosso país nem sempre a atenção à saúde é executada de maneira satisfatória, com piores qualidades no acesso à atenção primária e aos serviços de referência de média e alta complexidade2020 Souza ECF. Acesso e acolhimento na atenção básica: uma análise da percepção dos usuários e profissionais de saúde. Cad Saude Publica 2008; 24(Supl.):S100-S110.. Nesse sentido, se faz necessária a melhoria do cuidado e das práticas de saúde local para a identificação precoce dos agravos e fatores de risco associados à perda da capacidade funcional do idoso2121 Caldas CP, Veras RP, Motta LB, Lima KC, Kisse CBS, Trocado CVM, Guerra ACLC. Rastreamento do risco de perda funcional: uma estratégia fundamental para a organização da Rede de Atenção ao Idoso. Cien Saude Colet| 2013; 18(12):3495-3506., condição de saúde intensamente associada à situação de vulnerabilidade, objeto de nosso estudo.

A associação entre vulnerabilidade e dependência em AVD e AIVD era esperada em nosso estudo, já que a capacidade funcional é um dos componentes avaliados pelo VES-13, sendo que a AIVD foi a variável mais fortemente associada à vulnerabilidade. De maneira geral a perda de capacidade funcional em AIVD, relacionada às funções mais complexas, antecede a dependência em AVD, que se desenvolve mais tardiamente2222 Rodrigues MAP, Facchini LA, Thumé E, Maia F. Gender and incidence of functional disability in the elderly: a systematic review. Cad Saude Publica 2009; 25(Supl. 3):464-547.,2323 Santos AA, Pavarini SC. Functionality of elderly people with cognitive impairments in different contexts of social vulnerability. Acta Paul Enferm 2011; 24(4):520-526.. Também não se pode excluir a colinearidade existente entre as variáveis AIVD e AVD, visto que os dois instrumentos medem, de maneira concomitante, a perda de capacidade funcional. Em estudo com idosos em tratamento para câncer de próstata, desenvolvido nos Estados Unidos, foi percebida a associação entre dependência em AVD e vulnerabilidade2424 Mohile SG, Bylow K, Dale W, Dignam J, Martin K, Petrylac DP, Stadler WM, Rodin M. A pilot study of the Vulnerable Elders Survey-13 compared with the Comprehensive Geriatric Assessment for identifying disability in older patients with prostate cancer who receive androgen ablation. Cancer 2007; 109(4):802-810.. Em outro estudo com 864 pacientes idosos hospitalizados, elaborado na Polônia, também foram encontradas essas mesmas associações2525 Kroc L, Socha K, Soltysik BK, Cies'lak-Skubel A, Piechocka-Wochniak E, Blaszczak R, Kostka T. Validation of the Vulnerable Elders Survey-13 (VES-13) in hospitalized older patients. European Geriatric Medicine 2016; 7(5):449-453.. O processo de envelhecimento acarreta diminuição gradual e progressiva da capacidade funcional e, muitas vezes, a perda dessa função pode ser a única alteração de saúde identificada nos idosos, especialmente nos mais saudáveis2626 Brito FC, Nunes MI, Yuaso DR. Multidimensionalidade em Gerontologia II: instrumentos de avaliação. In: Papaléo Netto M. Tratado de Gerontologia. 2ª ed. São Paulo: Atheneu; 2007. p. 133-147.. Deste modo, a definição da capacidade funcional do idoso e a classificação de seu grau de independência, autonomia e qualidade de vida2727 Del Duca GF, Silva MC, Hallal PC. Incapacidade funcional para atividades básicas e instrumentais da vida diária em idosos. Rev Saude Publica 2009; 43(5):796-805., são importantes para a identificação dos indivíduos mais vulneráveis.

A presença de sintomas depressivos também se manteve associada à vulnerabilidade, como em outros estudos que utilizaram o VES-13. Em investigação realizada na Itália, usando a GDS para aferir a presença desses sintomas, foi constatada moderada correlação entre os sintomas depressivos e a vulnerabilidade2828 Luciani A, Ascione G, Bertuzzi C, Marussi D, Codecà C, Di Maria G, Caldiera SE, Floriani I, Zonato S, Ferrari D, Foa P. Detecting disabilities in older patients with cancer: comparison between Comprehensive Geriatric Assessment and Vulnerable Elders Survey-13. J Clinic Oncol 2010; 28(12):2046-2050.. Outras pesquisas também encontraram associações entre sintomas depressivos e vulnerabilidade1717 McGee HM, O'Hanlon A, Barker M, Hickey A, Montgomery A, Conroy R, O'Neill D. Vulnerable older people in the community: relationship between the Vulnerable Elders Survey and health service use. J Am Geriatr Soc 2008; 56(1):8-15.,2929 Bell SP, Schnelle J, Nwosu SK, Schildcrout J, Goggins K, Cawthon C, Mixon AS, Vasilevskis EE, Kripalani S. Development of a multivariable model to predict vulnerability in older American patients hospitalised with cardiovascular disease. BMJ 2015; 5(8):1-8.. Os transtornos depressivos constituem um grupo de entidades distintas ou síndromes independentes que são manifestados pelo humor deprimido. Nos idosos, esses transtornos são comumente atribuídos às perdas das funções físicas e mentais que acompanham o processo de envelhecimento, sendo importante seu diagnóstico precoce como maneira de se evitar a progressão da depressão para estágios mais avançados3030 Becattini AC. Baterias breves para avaliação cognitiva no diagnóstico diferencial de demência e depressão. In: Veras R, Lourenço R. Formação humana em Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: UnATI/UERJ; 2010. p. 238-242., que, concomitante à presença de vulnerabilidade, levam a piores condições de saúde.

No modelo múltiplo, a faixa etária de 80 anos ou mais se associou à vulnerabilidade. Deve-se destacar que indivíduos com idade igual ou acima de 85 anos são automaticamente classificados como vulneráveis por fazerem parte do ponto de corte estabelecido pelo VES-13. A literatura também refere maiores prevalências de vulnerabilidade nas faixas etárias maiores55 Saliba D, Elliott M, Rubenstein LZ, Solomon DH, Young RT, Kamberg CJ, Roth C, MacLean CH, Shekelle PG, Sloss EM, Wenger NS. The Vulnerable Elders Survey: a tool for identifying vulnerable older people in the community. J Am Geriatr Soc 2001; 49(12):1691-1699.,1717 McGee HM, O'Hanlon A, Barker M, Hickey A, Montgomery A, Conroy R, O'Neill D. Vulnerable older people in the community: relationship between the Vulnerable Elders Survey and health service use. J Am Geriatr Soc 2008; 56(1):8-15.,3131 Luz LL. Avaliação multidimensional da saúde de idosos com câncer de próstata e o 'The Vulnerable Elders Survey 13' (VES-13) como instrumento de triagem em oncogeriatria [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2015.. Estudo de coorte de base populacional realizado com idosos residentes no município de São Paulo (SP) também observou prevalências de vulnerabilidades maiores na faixa etária de 80 anos e mais, apesar de utilizar outro instrumento para avaliação de vulnerabilidade3232 Maia FOM. Vulnerabilidade e envelhecimento: panorama dos idosos residentes no município de São Paulo - Estudo SABE [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2011.. Importante destacar que idosos mais velhos também têm maiores probabilidades de apresentarem piores escores nas demais dimensões de saúde global3333 Balducci L, Colloca G, Cesari M, Gambassi G. Assessment and treatment of elderly patients with cancer. Surg Oncol 2010; 19(3):117-123..

Em nosso estudo, foi constatada maior prevalência de vulnerabilidade no sexo feminino. O envelhecimento populacional brasileiro é caracterizado pela feminização3434 Camarano AA, Kanso S. Envelhecimento da população brasileira: uma contribuição demográfica. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p. 58-73., onde as mulheres apresentam piores condições de saúde, maior isolamento social, viuvez e transtornos emocionais3535 Lima LCV, Bueno CMLB. Envelhecimento e gênero: a vulnerabilidade de idosas no Brasil. Rev Saúde e Pesquisa 2009; 2(2):273-280.. Em investigação realizada na Irlanda com idosos da comunidade1717 McGee HM, O'Hanlon A, Barker M, Hickey A, Montgomery A, Conroy R, O'Neill D. Vulnerable older people in the community: relationship between the Vulnerable Elders Survey and health service use. J Am Geriatr Soc 2008; 56(1):8-15., o sexo feminino também mostrou maior prevalência dessa condição, o mesmo sendo observado em estudo feito nos EUA, com idosos hospitalizados por problemas cardiovasculares2929 Bell SP, Schnelle J, Nwosu SK, Schildcrout J, Goggins K, Cawthon C, Mixon AS, Vasilevskis EE, Kripalani S. Development of a multivariable model to predict vulnerability in older American patients hospitalised with cardiovascular disease. BMJ 2015; 5(8):1-8..

Idosos não alfabetizados expuseram maior prevalência de vulnerabilidade nesta investigação, resultado similar ao percebido em outros estudos2929 Bell SP, Schnelle J, Nwosu SK, Schildcrout J, Goggins K, Cawthon C, Mixon AS, Vasilevskis EE, Kripalani S. Development of a multivariable model to predict vulnerability in older American patients hospitalised with cardiovascular disease. BMJ 2015; 5(8):1-8.,3131 Luz LL. Avaliação multidimensional da saúde de idosos com câncer de próstata e o 'The Vulnerable Elders Survey 13' (VES-13) como instrumento de triagem em oncogeriatria [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2015.. A escolaridade é um dos determinantes em saúde e maiores níveis educacionais estão relacionados a estilos de vida mais saudáveis e maior procura pelos níveis de saúde preventiva3636 Viegas APB, Carmo RF, Luz ZMP. Fatores que influenciam o acesso aos serviços de saúde na visão de profissionais e usuários de uma unidade básica de referência. Saude Soc 2015; 24(1):100-112.,3737 Pellegrini Filho A, Buss PM, Esperidião MA. Promoção da Saúde e seus Fundamentos: Determinantes Sociais de Saúde, Ação Intersetorial e Políticas Públicas Saudáveis. In: Paim JS, Almeida-Filho N, organizadores. Saúde coletiva: teoria e prática. Rio de Janeiro: MedBook; 2014. p. 305-326.. Importante destacar que o nível de escolaridade da população estudada é baixo, não permitindo a análise estratificada por níveis de escolaridade, o que explicaria melhor o efeito de sua influência sobre a vulnerabilidade.

Em relação às condições de saúde, a presença de comorbidade, risco nutricional e uso de polifarmácia apresentaram associações com vulnerabilidade somente na análise bivariada do presente estudo. Todavia, a associação entre essas variáveis e a vulnerabilidade tem sido observada em outros estudos.

Pesquisadores italianos, que utilizaram tanto a CIRS-G como o VES-13 para avaliar 419 idosos com câncer e idade de 70 anos ou mais, verificaram a presença de associação entre comorbidade e vulnerabilidade2828 Luciani A, Ascione G, Bertuzzi C, Marussi D, Codecà C, Di Maria G, Caldiera SE, Floriani I, Zonato S, Ferrari D, Foa P. Detecting disabilities in older patients with cancer: comparison between Comprehensive Geriatric Assessment and Vulnerable Elders Survey-13. J Clinic Oncol 2010; 28(12):2046-2050.. Em outros estudos, nos quais foram usados instrumentos diferentes para avaliação da comorbidade, também foram observadas associações entre essa variável e a vulnerabilidade mensurada pelo VES-132424 Mohile SG, Bylow K, Dale W, Dignam J, Martin K, Petrylac DP, Stadler WM, Rodin M. A pilot study of the Vulnerable Elders Survey-13 compared with the Comprehensive Geriatric Assessment for identifying disability in older patients with prostate cancer who receive androgen ablation. Cancer 2007; 109(4):802-810.,3838 Mangram AJ, Cornielle MG, Moyer MM, Stienstra A, Collins M, Chaliki S, Chaliki K, Stienestra S, Wycoff J, Veale K, Dzandu JK. Pre-injury VES-13 score at admission predicts discharge disposition for geriatric trauma patients. Ann Gerontol Geriatric Res 2014; 1(2):1010.. A comorbidade também é preditora importante de outras complicações e resultados desfavoráveis em idosos3939 Kadam UT, Croft PR. Clinical multimorbidity and physical function in older adults: a record and health status linkage study in general practice. Fam Pract 2007; 24(5):412-419.. Como exemplo, estudo que acompanhou uma coorte de 104 idosos brasileiros hospitalizados encontrou associação entre comorbidade e maior risco de morte após a hospitalização4040 Sousa-Muñoz RL, Ronconi DE, Dantas GC, Lucena DMS, Silva IBA. Impacto de multimorbidade sobre mortalidade em idosos: estudo de coorte pós-hospitalização. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2013; 16(3):579-589..

Quanto à associação entre risco nutricional/desnutrição e vulnerabilidade, observada no presente estudo, em uma investigação realizada na Itália, na qual foram utilizados os mesmos instrumentos, também foi encontrada essa associação2828 Luciani A, Ascione G, Bertuzzi C, Marussi D, Codecà C, Di Maria G, Caldiera SE, Floriani I, Zonato S, Ferrari D, Foa P. Detecting disabilities in older patients with cancer: comparison between Comprehensive Geriatric Assessment and Vulnerable Elders Survey-13. J Clinic Oncol 2010; 28(12):2046-2050.. A deficiência nutricional é considerada um problema relevante na população idosa, sendo que as alterações fisiológicas, dentre outras, acabam interferindo no consumo alimentar e absorção nutricional, aumentando o risco de desnutrição33 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília: MS; 2006..

Ainda em relação à análise bivariada, a polifarmácia também se demonstrou associada à vulnerabilidade. Em estudo no qual foi empregado o mesmo critério para definição de polifarmácia, percebeu-se associação entre seu uso e a presença de vulnerabilidade, aferida pelo VES-132828 Luciani A, Ascione G, Bertuzzi C, Marussi D, Codecà C, Di Maria G, Caldiera SE, Floriani I, Zonato S, Ferrari D, Foa P. Detecting disabilities in older patients with cancer: comparison between Comprehensive Geriatric Assessment and Vulnerable Elders Survey-13. J Clinic Oncol 2010; 28(12):2046-2050.. Resultado similar foi observado em estudo português, realizado com 206 idosos com câncer gastrointestinal, utilizando o VES-13, porém com diferente critério (uso regular de 5 ou mais medicamentos) para definição de polifarmácia4141 Carneiro F, Sousa N, Azevedo LF, Saliba D. Vulnerability in elderly patients with gastrointestinal cancer - translation, cultural adaptation and validation of the European Portuguese version of the Vulnerable Elders Survey (VES-13). BMC Cancer 2015; 15:723.. Da mesma forma, o estudo italiano já referido acima ressaltou correlação entre vulnerabilidade e uso de múltiplas drogas2828 Luciani A, Ascione G, Bertuzzi C, Marussi D, Codecà C, Di Maria G, Caldiera SE, Floriani I, Zonato S, Ferrari D, Foa P. Detecting disabilities in older patients with cancer: comparison between Comprehensive Geriatric Assessment and Vulnerable Elders Survey-13. J Clinic Oncol 2010; 28(12):2046-2050.. O uso de polimedicação por idosos pode aumentar a ocorrência de efeitos adversos, não sendo capaz de excluir a possibilidade de que muitas comorbidades frequentes em idosos são precipitadas ou potencializadas pela ação de algum medicamento ou pela associação de mais fármacos4242 Cabrera M. Polifarmácia e Adequação do Uso de Medicamentos. In: Freitas EV, Py L, editoras. Tratado de Geriatria e Gerontologia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p. 1490-1498.. Neste sentido, a maior referência de efeitos adversos em idosos pode estar relacionada à maior ocorrência de vulnerabilidade nestes idosos.

O presente estudo revela algumas limitações, dentre elas o delineamento de corte transversal, no qual exposições e desfechos são analisados simultaneamente. Outra limitação diz respeito ao fato de que as informações coletadas foram autorreferidas, o que poderia ter contribuído para subestimar a prevalência de condições subdiagnosticadas. Neste sentido, foram tomados os devidos cuidados de confirmação dos dados junto aos familiares e/ou cuidadores dos idosos, além do treinamento dos entrevistadores e padronização na coleta de dados. Viés de memória também poderia ter ocorrido, porém seu impacto foi reduzido pela exclusão dos idosos com déficit cognitivo e pela checagem das informações, conforme já mencionado.

Como este estudo foi realizado com idosos usuários da Estratégia de Saúde da Família, é preciso cautela na extrapolação de seus resultados para o conjunto da população idosa da cidade de Várzea Grande.

Como aspectos positivos do presente estudo, destaca-se o fato de ser um dos primeiros no país a avaliar a prevalência de vulnerabilidade e fatores associados em idosos que vivem na comunidade e que são usuários da atenção primária em saúde. A importância da identificação dessa condição entre a população idosa, para fins de prevenção de danos à saúde, pode ser demonstrada pelos resultados do estudo inicial do VES-13, realizado com idosos americanos da comunidade, usuários do Medicare Current Beneficiary Survey (MCBS) e idade igual ou maior a 65 anos55 Saliba D, Elliott M, Rubenstein LZ, Solomon DH, Young RT, Kamberg CJ, Roth C, MacLean CH, Shekelle PG, Sloss EM, Wenger NS. The Vulnerable Elders Survey: a tool for identifying vulnerable older people in the community. J Am Geriatr Soc 2001; 49(12):1691-1699.. Naquela população, após seguimento de dois anos, o risco de declínio funcional e morte entre os idosos vulneráveis foi 4,2 vezes aquele entre os não vulneráveis.

O instrumento VES-13 tem sido utilizado em estudos com idosos hospitalizados e pacientes oncogeriátricos, identificando prevalências de vulnerabilidade que variaram entre 52 e 58% em estudos desenvolvidos nos Estados Unidos da América (EUA)2929 Bell SP, Schnelle J, Nwosu SK, Schildcrout J, Goggins K, Cawthon C, Mixon AS, Vasilevskis EE, Kripalani S. Development of a multivariable model to predict vulnerability in older American patients hospitalised with cardiovascular disease. BMJ 2015; 5(8):1-8.,4343 Arora VM, Johnson M, Olson J, Podrazik PM, Levine S, DuBeau CE, Sachs GA, Meltzer DO. Using assessing care of vulnerable elders quality indicators to measure quality of hospital care for vulnerable elders. J Am Geriatr Soc 2007; 55(11):1705-1711.,4444 Arora VM, Plein C, Chen S, Siddique J, Sachs GA, Meltzer DO. Relationship between quality of care and functional decline in hospitalized vulnerable elders. Med Care 2009; 47(8):895-901.. Alguns estudos de seguimento têm demonstrado boa capacidade preditiva do VES-13 para essas condições2828 Luciani A, Ascione G, Bertuzzi C, Marussi D, Codecà C, Di Maria G, Caldiera SE, Floriani I, Zonato S, Ferrari D, Foa P. Detecting disabilities in older patients with cancer: comparison between Comprehensive Geriatric Assessment and Vulnerable Elders Survey-13. J Clinic Oncol 2010; 28(12):2046-2050.,4545 Min L, Yoon W, Mariano J, Neil S, Wenger, Elliott MN, Kamberg C, Saliba D. The Vulnerable Elders-13 Survey Predicts 5-year Functional Decline and Mortality Outcomes Among Older Ambulatory Care Patients. J Am Geriatr Soc 2009; 57(11):2070-2076.. Em análises com pacientes em tratamento de câncer, realizadas nos Estados Unidos e na Itália, identificaram-se prevalências de vulnerabilidade em torno de 50%2424 Mohile SG, Bylow K, Dale W, Dignam J, Martin K, Petrylac DP, Stadler WM, Rodin M. A pilot study of the Vulnerable Elders Survey-13 compared with the Comprehensive Geriatric Assessment for identifying disability in older patients with prostate cancer who receive androgen ablation. Cancer 2007; 109(4):802-810.,2828 Luciani A, Ascione G, Bertuzzi C, Marussi D, Codecà C, Di Maria G, Caldiera SE, Floriani I, Zonato S, Ferrari D, Foa P. Detecting disabilities in older patients with cancer: comparison between Comprehensive Geriatric Assessment and Vulnerable Elders Survey-13. J Clinic Oncol 2010; 28(12):2046-2050.. Em outra investigação, empreendida no Rio de Janeiro (RJ) e em Campo Grande (MS), com idosos com câncer de próstata, foi notada prevalência semelhante à do presente estudo3131 Luz LL. Avaliação multidimensional da saúde de idosos com câncer de próstata e o 'The Vulnerable Elders Survey 13' (VES-13) como instrumento de triagem em oncogeriatria [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2015.. Entretanto, como esses estudos foram desempenhados com populações selecionadas, constituídas por idosos que apresentavam câncer ou outras doenças, a comparabilidade dos respectivos resultados é limitada.

Conclusão

A prevalência de vulnerabilidade encontrada no presente estudo foi elevada ao se comparar a outros estudos realizados com idosos da comunidade. As variáveis presença de dependência em Atividades Instrumentais de Vida Diária, referência a sintomas depressivos e faixa etária de 80 anos e mais foram associadas à vulnerabilidade. Desta maneira, é importante que idosos, triados e identificados como vulneráveis, sejam melhor acompanhados pelos profissionais da atenção primária à saúde. Sugere-se que novas abordagens à saúde de idosos residentes na comunidade, para além das políticas e programas já existentes, sejam planejadas e implementadas.

O reconhecimento prévio da condição de vulnerabilidade pode levar melhor atendimento às principais necessidades de saúde dos idosos, ao se realizar um plano de cuidados que previna o declínio funcional e a morte precoce.

A maioria dos estudos em idosos é verificada em instituições de longa permanência ou hospitais, onde os perfis sociodemográficos são diferentes e com piores quadros de morbidade. Sugere-se a realização de novos estudos de avaliação geriátrica multifuncional no âmbito da atenção primária, em especial os de metodologia longitudinal, onde seus resultados possam direcionar os serviços de saúde para o desenvolvimento de melhores ações de promoção e proteção da saúde desta população.

Agradecimentos

Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Set 2019

Histórico

  • Recebido
    23 Maio 2017
  • Aceito
    29 Jan 2018
  • Publicado
    31 Jan 2018
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br