Resumo
Este artigo revisa os fatores limitadores e facilitadores do acesso aos serviços públicos de saúde no Brasil na área da atenção ao câncer de colo de útero (CCU). Nesta revisão, foram utilizadas a base de dados bibliográficos Medline (interface com Biblioteca Virtual de Saúde/BVS e PubMed) e os portais Lilacs e SciELO. Buscou-se publicações referentes ao período 2011-2016, a partir do uso de termos específicos das fontes consultadas, relativos a ‘neoplasias do colo do útero’ e ‘acesso aos serviços de saúde’. Foram inicialmente encontrados 704 artigos, mas, considerando os critérios adotados, foram selecionados 31 artigos, dos quais foram incluídos 19. Foram mencionados aspectos facilitadores do acesso como ampla cobertura do exame Papanicolaou e de biopsias equivalente ao número de preventivos alterados. Entretanto, aspectos limitadores de acesso como periodicidade inadequada do Papanicolau, dificuldades para agendamento de consultas e exames, alto índice de estadiamento avançado e atrasos no diagnóstico e no início de tratamento, também foram apresentados.
Palavras-chave
Acesso aos serviços de saúde; Neoplasias do colo do útero; Sistema Único de Saúde; Brasil; Revisão
Introdução
O câncer de colo de útero (CCU) é uma importante questão de sáude pública, sendo causa de morte para 5.430 mulheres no Brasil em 2013 e, sendo estimado para 2016 o surgimento de 16.340 novos casos com um risco estimado de 15,85 casos a cada 100 mil mulheres11 Instituto Nacional de Câncer (INCA). Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2015..
Este câncer é causado, majoritariamente, por infecção persistente via subtipos oncogênicos do Papilomavírus Humano (HPV), transmitido sexualmente, sendo esta infecção responsável por cerca de 70% dos cânceres cervicais22 Instituto Nacional de Câncer (INCA). Controle do câncer do colo do útero: Fatores de risco. Rio de Janeiro: INCA; 2017.. Sua prevenção primária, portanto, envolve uso de preservativos e vacinação contra HPV associados a ações de promoção à saúde; e, sua prevenção secundária, ou detecção precoce, condiz com a realização de diagnóstico precoce, via coleta do exame Papanicolaou, possuindo como público-alvo mulheres de 25 a 64 anos22 Instituto Nacional de Câncer (INCA). Controle do câncer do colo do útero: Fatores de risco. Rio de Janeiro: INCA; 2017.,33 Instituto Nacional de Câncer (INCA). Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero. 2ª ed. Rio de Janeiro: INCA; 2016..
O controle do CCU no setor público condiz com ações de gestão e dos profissionais de saúde, organizadas segundo os níveis hierárquicos do Sistema único de Saúde (SUS), de modo articulado, compondo uma atenção à saúde na perspectiva de integralidade44 Brasil. Presidência da República. Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 20 set.. Nesse sentido, o controle do CCU é norteado por uma linha de cuidado55 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria n.º 2.439/GM, de 08 de dezembro de 2005. Institui a Política Nacional de Atenção Oncológica: Promoção, Prevenção, Diagnóstico, Tratamento, Reabilitação e Cuidados Paliativos, a ser implantada em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. Diário Oficial da União 2005; 8 dez.
6 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Controle dos cânceres do colo de útero e da mama. 2ª ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2013. (Cadernos de Atenção Básica, n. 13).-77 Instituto Nacional de Câncer (INCA). ABC do câncer: abordagens básicas para o controle do câncer. 2ª ed. Rio de Janeiro: INCA; 2012. que sinaliza o fluxo assistencial e os correspondentes protocolos e diretrizes clínicas diante aos graus de evolução da enfermidade.
À atenção básica e à atenção especializada - média e alta complexidade - correspondem modalidades de atenção à saúde, sendo: promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos. A promoção diz respeito a ações transversais visando promover melhorias na saúde da população, controlar doenças e agravos à saúde, incluindo ações que ampliem a informação e reduzam as dificuldades de acesso a serviços de saúde. A prevenção envolve as ações anteriormente mencionadas. O diagnóstico, para os casos com Papanicolaou alterado, condiz com a realização de exames para investigação diagnóstica, como colposcopias, biópsias, entre outros. O tratamento envolve a realização de cirurgias oncológicas, radioterapia, quimioterapia e braquiterapia. A reabilitação envolve ação multiprofissional visando reestabelecer funcionalidades físico-orgânicas prejudicadas pela enfermidade. Os cuidados paliativos condizem com ações e procedimentos de baixa, média e alta complexidade, com vista à prevenção e alívio do sofrimento - controle dos sintomas, alívio da dor, suporte espiritual, apoio ao cuidador - junto aos casos de não resposta clínica aos tratamentos realizados e, portanto, com risco de vida77 Instituto Nacional de Câncer (INCA). ABC do câncer: abordagens básicas para o controle do câncer. 2ª ed. Rio de Janeiro: INCA; 2012.
8 Instituto Nacional de Câncer (INCA). Controle do câncer do colo do útero: Promoção da saúde. Rio de Janeiro: INCA; 2017.-99 Instituto Nacional de Câncer (INCA). Controle do câncer do colo do útero: Detecção precoce. Rio de Janeiro: INCA; 2017..
O controle do CCU é condicionado pelas desigualdades socioeconômicas e culturais1010 Instituto Nacional de Câncer (INCA). Programa nacional de controle do câncer do colo do útero. Rio de Janeiro: INCA; 2010. e pelo grau de desempenho do sistema de saúde, sendo o acesso aos serviços de saúde uma das dimensões que compõe este desempenho1111 Viacava F, Almeida C, Caetano R, Fausto M, Macinko J, Martins M, Noronha JC, Novaes HMD, Oliveira ES, Porto SM, Silva LMV, Szwarcwald CL. Uma metodologia de avaliação do desempenho do sistema de saúde de saúde brasileiro. Cien Saude Colet 2004; 9(3):711-724..
O acesso aos serviços de saúde diz respeito ao processo de busca por serviços de saúde, realizado por indivíduos que possuem necessidades de saúde, e a concomitante resposta que esses serviços geram a tais necessidades, expressa pelo atendimento prestado aos indivíduos, ou seja, o acesso aos serviços de saúde diz respeito à relação estabelecida entre indivíduos/comunidade e os serviços de saúde1212 Aday LA, Andersen R. A framework for the study of access to medical care. Health Services Res 1974; (3):208-220.
13 Andersen RM. Revisiting the behavioral model and access to medical care: does it matter? J Health Soc Behav 1995; 36(1):1-10.-1414 Travassos C, Castro MSM. Determinantes e desigualdades sociais no acesso e na utilização de serviços de saúde. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato, LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistemas de saúde no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2012. p. 183-206..
Os serviços de saúde estão inseridos em um contexto local, regional e/ou nacional, facilitador ou limitador desse acesso e de sua boa organização, sendo as práticas desenvolvidas nesses serviços norteadas por preceitos definidores da política de saúde no território de estudo, dos programas e das políticas específicas de cada área da saúde e/ou tipo/grupo de adoecimento1313 Andersen RM. Revisiting the behavioral model and access to medical care: does it matter? J Health Soc Behav 1995; 36(1):1-10..
Os estudos sobre acesso aos serviços de saúde podem encontrar-se compreendidos em ‘domínio restrito’, ou seja, detendo-se somente na relação entre procura por serviços de saúde e a entrada nestes. No entanto, há estudos que ampliam um pouco mais, envolvendo também a continuidade assistencial, inseridos em ‘dominio intermediário’. Outros estudos, mais abrangentes, se atêm ao processo que se inicia com o desejo de obter cuidado de saúde, passando pela procura por serviços de saúde, pela entrada nestes, pela continuidade assistencial, alcançando os seus resultados, sendo compreendidos como de ‘domínio amplo’1414 Travassos C, Castro MSM. Determinantes e desigualdades sociais no acesso e na utilização de serviços de saúde. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato, LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistemas de saúde no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2012. p. 183-206.. Estes últimos condizem com a definição de acesso enquanto “utilização de serviços de saúde adequados à necessidade da pessoa, em tempo e local apropriados”1414 Travassos C, Castro MSM. Determinantes e desigualdades sociais no acesso e na utilização de serviços de saúde. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato, LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistemas de saúde no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2012. p. 183-206..
Esses estudos analisam - de modo isolado ou articulado - a oferta de serviços de saúde; as características da relação entre procura e utilização dos serviços de saúde, reconhecendo aspectos e/ou dimensões que atuam como facilitadores ou obstrutores dessa utilização por potenciais usuários; e, os resultados da prestação de serviços de saúde. Na perspectiva do segundo aspecto mencionado, Donabedian1515 Donabedian A. The quality of care. JAMA 1988; 260(12):23/30. apresentou duas dimensões a serem analisadas: a socio-organizacional e a geográfica. A primeira relativa às condições sociais, culturais, políticas e/ou econômicas; e, a segunda referente ao tempo-espaço, expresso na distância física entre usuários e serviços. Travassos e Castro1414 Travassos C, Castro MSM. Determinantes e desigualdades sociais no acesso e na utilização de serviços de saúde. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato, LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e sistemas de saúde no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2012. p. 183-206. corroborando-as e ampliando-as, denominaram tais dimensões de barreiras de acesso, sendo especificadas em barreiras geográficas, financeiras, organizacionais e de informação.
No que diz respeito aos resultados, Aday e Andersen1212 Aday LA, Andersen R. A framework for the study of access to medical care. Health Services Res 1974; (3):208-220. reconhecem a satisfação do usuário dos serviços de saúde como um tipo de resultado do processo de acesso a esses serviços, sendo corroborado por Donabedian1515 Donabedian A. The quality of care. JAMA 1988; 260(12):23/30. e reafirmado em Andersen1313 Andersen RM. Revisiting the behavioral model and access to medical care: does it matter? J Health Soc Behav 1995; 36(1):1-10.. Donabedian compreende não apenas a satisfação dos usuários, mas, também, a qualidade dos serviços como expressões da estreita relação entre estrutura e processo de implementação das ações de saúde sendo resultados desta relação.
Diante disso, esta revisão buscou sintetizar achados de estudos brasileiros sobre o acesso aos serviços públicos de saúde no Brasil na área da atenção ao câncer de colo de útero no período 2011-2016, identificando os fatores limitadores e/ou facilitadores desse acesso. Assim, visou ressaltar as barreiras de acesso aos serviços de saúde para o controle do CCU e registrar avanços referentes a este acesso, sinalizados em artigos que tratassem do sistema de saúde público brasileiro e publicados em período recente, relacionados à prevenção secundária ou detecção precoce, ao diagnóstico e ao tratamento do CCU.
Métodos
Este estudo foi delineado a partir dos critérios estabelecidos no guia Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA), considerando o diagrama de fluxo e o checklist PRISMA1616 Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DG. Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: the PRISMA statement. PLoS Medicine 2009; 6(7):1-6.,1717 Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DG. Principais itens para relatar revisões sistemáticas e meta-análises: a recomendação PRISMA. Epidemiol. e Serviços de Saúde 2015; 24(2):335-342.. Assim, possuiu uma pergunta norteadora da busca de artigos e da análise, sendo: Quais os fatores limitadores e/ou facilitadores do acesso aos serviços de saúde para atenção ao câncer de colo de útero?
O levantamento de artigos foi realizado na base de dados bibliográficos Medline (interface com Biblioteca Virtual de Saúde/BVS e PubMed) e nos portais Lilacs (interface com a BVS) e Scielo Brasil.
No portal Lilacs e na base Medline/BVS, os termos de busca usados foram ‘acesso aos serviços de saúde’ AND ‘câncer de colo de útero’ OR ‘neoplasia de colo de útero’ OR ‘câncer cervicouterino’ OR ‘câncer cervical’ OR ‘câncer de colo uterino’; e, utilizados os seguintes filtros: tipo de publicação: artigo, ano de publicação: 2011 a 2016; país como assunto: Brasil; limites: feminino. Na Medline/PubMed, a busca envolveu os termos: ‘access of health services’ OR ‘health services accessibility’ AND ‘uterine neoplasms’ OR ‘cervical cancer’ AND Brasil AND 2011-2016 (ano de publicação). No portal Scielo Brasil, os termos de busca foram apenas “acesso aos serviços de saúde”, com uso apenas de filtro referente ao ano de publicação, pois a associação com o termo neoplasia de colo de útero ou sinônimos não produziu resultados.
A seleção dos artigos foi norteada por critérios de inclusão, sendo: artigos cujos títulos e/ou resumos indicassem se tratar de um estudo sobre acesso aos serviços de saúde para atenção ao câncer de colo de útero (CCU), no setor público da saúde, sendo relativo à prevenção, diagnóstico e/ou tratamento. Tais artigos poderiam estudar o acesso aos serviços significando a entrada em serviços de saúde e/ou continuidade da assistência e cobertura referente à atenção ao CCU. A cobertura diz respeito ao “alcance de uma medida sanitária”1818 Noronha JC. Cobertura universal de saúde: como misturar conceitos, confundir objetivos, abandonar princípios. Cad Saude Publica 2013; 29(5):847-849. como, por exemplo, a proporção de mulheres que realizaram o exame Papanicolau em determinado ano e território. O alcance da cobertura de uma ação de saúde é associado ao cumprimento da prestação desta ação e, portanto, ao acesso e uso dos serviços de saúde. Mas, também, pode significar apenas a possibilidade de obter a prestação de ações de saúde, podendo ocorrer ou não1818 Noronha JC. Cobertura universal de saúde: como misturar conceitos, confundir objetivos, abandonar princípios. Cad Saude Publica 2013; 29(5):847-849.. Nesta revisão os artigos incluídos que abordaram ‘cobertura’, estiveram em sintonia com o primeiro sentido acima mencionado.
A identificação dos artigos ocorreu em março de 2017. A triagem dos estudos foi realizada mediante a leitura e a análise dos títulos e resumos de todos os artigos identificados em cada base de dados, sendo norteada pelos critérios de inclusão e exclusão adotados. Em fase de elegibilidade, após definição dos artigos a serem incluídos de cada base de dados, foram excluídos os artigos duplicados. A seguir, procedeu-se à leitura na íntegra dos estudos incluídos e a elaboração da síntese das principais informações em uma planilha, para viabilizar suas análises descritivas e críticas. A análise dos artigos os distinguiu segundo marcos da linha de cuidados referentes ao controle do CCU, sendo: ‘prevenção’, ‘diagnóstico e/ou tratamento’.
Resultados e discussão
Características dos artigos revisados
Dos 704 artigos sobre acesso aos serviços de saúde para atenção ao câncer de colo de útero (CCU), publicados no período 2011 - 2016, inicialmente identificados, 19 foram incluídos na nesta revisão (Figura 1). Os artigos excluídos extrapolaram os critérios de elegibilidade adotados, referindo-se a outras enfermidades e políticas ou a outros objetos de estudos relativos ao câncer de colo de útero (CCU), como mortalidade, sobrevida e qualidade/adequação da ação de profissionais de saúde inseridos na assistência à saúde (Figura 1).
Foram publicados em média, aproximadamente, 3,2 artigos/ano; majoritariamente em português (78,9%). Os Cadernos de Saúde Pública, a Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia e a Revista Saúde em Debate foram os periódicos mais profícuos, tendo publicado, 26,3%, 21 % e 21% dos artigos, respectivamente (Quadro 1).
O acesso foi majoritariamente abordado em termos das barreiras à detecção precoce do câncer de colo de útero, correspondendo a 63,2% dos artigos. Limites no acesso ao diagnóstico e ao tratamento do CCU foram abordados por 36,8% dos artigos. Nos artigos que abordaram a detecção precoce, os objetos de estudo se referiram à cobertura de Papanicolaou e/ou fatores relacionados a não realização deste exame (58,3%) e à detecção precoce diante os segmentos pobres e/ou vulneráveis da população (41,7%). Nos artigos que trataram do diagnóstico e/ou tratamento, os objetos de estudo foram integralidade/continuidade da atenção ao CCU (57,1%), fatores relacionados ao diagnóstico tardio (28,6) e tempo de espera para tratamento (14,3%) (Quadro 1).
O desenho de estudo quantitativo foi majoritário (73,7% dos artigos). Todos os artigos que enfatizaram a detecção precoce do CCU adotaram a abordagem quantitativa, diferentemente dos artigos que enfatizaram o diagnóstico e/ou tratamento de CCU, que mostraram-se diversificados, pois 57,1% destes elaboraram suas análises a partir de abordagem qualitativa, seguidos pelos que adotaram abordagens quantitativas (28,6%) e quanti-qualitativas (14,3%). A entrevista foi fonte de dados e método mais utilizada (73,7% dos artigos), seguida pela análise documental (31,6%), uso de banco de dados secundários (21%), observação direta ou participante (10,5%), dados de pesquisa prévia (10,5%). Valendo ressaltar que aproximadamente 47,4% dos artigos utilizaram a composição de mais de um método/fonte (Quadro 1).
Acesso aos serviços para detecção precoce do câncer de colo de útero
A maioria dos artigos referentes à prevenção do câncer de colo de útero sinalizou a presença de cobertura de exame Papanicolaou acima de 80% da população estudada, sendo ressaltado aumento nesta cobertura, especialmente, junto a segmentos vulneráveis ou que vinham apresentando baixa adesão ao exame preventivo, como mulheres solteiras, negras e de baixo nível de escolaridade. No entanto, um dos artigos1919 Gomes CHR, Silva JA, Ribeiro JA, Penna, MM. Câncer cervicouterino: correlação entre diagnóstico e realização prévia de exame preventivo em serviços de referência no norte de Minas Gerais. Rev. Bras. de Cancerologia 2012; 58(1):41-45., apontou altas taxas de não realização de exame Papanicolaou e grande número de casos em estadiamento avançado, o que reforça a importância da realização do exame preventivo e remete à presença de segmentos da população feminina ainda nestas circunstâncias. A cobertura e também a periodicidade adequada dos exames de Papanicolau encontram-se condicionadas pelas disparidades socioeconômicas e demográficas, havendo predomínio de rastreamento oportunístico2020 Ozawa C, Mercopito LF. Teste de Papanicolaou: cobertura em dois inquéritos domiciliários realizados no município de São Paulo em 1987 e em 2001-2002. Rev. Bras. Ginecol. e Obstet. 2011; 33(5):238-245.
21 Gasperin SI, Boing AF, Kupek E. Cobertura e fatores associados à realização do exame de detecção do câncer de colo de útero em área urbana no Sul do Brasil: estudo de base populacional. Cad Saude Publica 2011; 27(7):1312-1322.
22 Borges MFSO, Dotto LMG, Koifman RJ, Cunha MA, Muniz PT. Prevalência do exame preventivo de câncer de colo de útero em Rio Branco, Acre, Brasil, e fatores associados à não-realização do exame. Cad Saude Publica 2012; 28(6):1156-1166.-2323 Augusto EF, Rosa ML, Cavalcanti SM, Oliveira LH. Barriers to cervical cancer screening in women attending the Family Medical Program in Niterói, Rio de Janeiro. Arch. of Gynecol. and Obstet. 2013; 287(1):53-58. (Quadro 2).
Síntese dos limites e dos facilitadores de acesso a serviços, segundo marcos da linha de cuidado do câncer de colo de útero.
A grande maioria das mulheres conhece o ‘exame preventivo’, mas mesmo assim parte das mulheres não o realiza. A periodicidade adequada, de modo diferente, não é amplamente conhecida2424 Correa MS, Silveira DS, Siqueira FV, Facchini LA, Piccini RX, Thumé E, Tomasi E. Cobertura e adequação do exame citopatológico de colo uterino em estados das regiões Sul e Nordeste do Brasil. Cad Saude Publica 2012; 28(12):1841-1853., sendo a não informação uma barreira a seu cumprimento.
O rastreio do CCU sofre a interferência de fatores de ordem social e subjetivo-cultural, vivenciados pelas mulheres, do contexto organizacional e das características das ações dos profissionais de saúde (Quadro 2). Nesse sentido, barreiras organizacionais e desigualdades sociais, econômicas, culturais e raciais condicionam tal ação1919 Gomes CHR, Silva JA, Ribeiro JA, Penna, MM. Câncer cervicouterino: correlação entre diagnóstico e realização prévia de exame preventivo em serviços de referência no norte de Minas Gerais. Rev. Bras. de Cancerologia 2012; 58(1):41-45.,2323 Augusto EF, Rosa ML, Cavalcanti SM, Oliveira LH. Barriers to cervical cancer screening in women attending the Family Medical Program in Niterói, Rio de Janeiro. Arch. of Gynecol. and Obstet. 2013; 287(1):53-58.,2525 Girianelli VR, Thuler LC, Silva GA. Adesão ao rastreamento do câncer cervical em mulheres de comunidades atendidas pela Estratégia de Saúde da Família da Baixada Fluminense, Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Rev. Bras. Ginecol. e Obstet. 2014; 36(5):198-204.
26 Goes EF, Nascimento ER. Mulheres negras e brancas e os níveis de acesso aos serviços preventivos de saúde: uma análise sobre as desigualdades. Saúde Debate 2013; 37(99):571-579.
27 Bairros FS, Meneghel SN, Dias-da-Costa JS, Bassani DG, Menezes AMB, Gigante DP, Olinto MTA. Racial inequalities in access to women's health care in Southern Brazil. Cad Saude Publica 2011; 27(12):2364-2372.
28 Oliveira MV, Guimarães MD, França EB. Fatores associados a não realização de Papanicolau entre mulheres quilombolas. Cien Saude Colet 2014; 19(11):4535-4544.
29 Freitas MCM, Ribeiro LC, Vieira MT, Teixeira MTB, Bastos RR, Leite ICG. Fatores associados à utilização do teste de Papanicolaou entre mulheres idosas no interior do Brasil. Rev. Bras. Ginecol. e Obstet. 2012; 34(9):432-437.
30 Sadovsky ADI, Poton WL, Reis-Santos B, Barcelos MRB, Silva ICM. Índice de Desenvolvimento Humano e prevenção secundária de câncer de mama e do colo do útero: um estudo ecológico. Cad Saude Publica 2015; 31(7):1539-1550.
31 Soares MC, Mishima SM, Silva RC, Ribeiro CV, Meinckes SMK, Corrêa ACL. Câncer de colo uterino: atenção integral à mulher nos serviços de saúde. Rev. Gaúcha de Enferm 2011; 32(3):502-508.
32 Brito-Silva K, Bezerra AFB, Chaves LDP, Tanaka O. Integralidade no cuidado ao câncer do colo do útero: avaliação do acesso. Rev Saude Publica 2014; 48(2):240-248.
33 Silva MRF, Braga JPR, Moura JFP, Lima JTO. Continuidade assistencial a mulheres com câncer de colo de útero em redes de atenção à saúde: estudo de caso, Pernambuco. Saúde Debate 2016; 40(110):107-119.-3434 Carvalho BG, Domingos CM, Leite, FS. Integralidade do cuidado no Programa de Controle do Câncer de Colo Uterino: visão das usuárias com alteração na citologia oncótica. Saúde Debate 2015; 39(106):707-717..
Acesso aos serviços para diagnóstico do câncer de colo de útero
O diagnóstico de câncer de colo de útero ocorre tardiamente no Brasil, estando os ‘casos avançados’ especialmente associados à idade igual ou maior que 50 anos, ao fato de viverem sem companheiro e de possuírem cor da pele preta e baixo nível educacional3535 Thuler LCS, Aguiar SS, Bergmann A. Determinantes do diagnóstico em estádio avançado do câncer do colo de útero no Brasil. Rev. Bras. Ginecol. e Obstet. 2014; 36(6):237-243.. No sentido de diagnósticos em estágios avançados, Nascimento e Silva3636 Nascimento MI, Silva GA. Tempo de espera para radioterapia em mulheres com câncer de colo de útero. Rev Saude Publica 2015; 49:92. detectaram 78.9% das mulheres pesquisadas em estágios intermediários e 5% em estágio avançado da doença, corroborando a perspectiva de que idades mais avançadas e desigualdades sociais e raciais possuem correlações com maior risco e prevalência para CCU.
Os limites de acesso a serviços referentes ao diagnóstico do câncer de colo de útero (CCU) estiveram relacionados a barreiras organizacionais e a limites na ação de profissionais de saúde3333 Silva MRF, Braga JPR, Moura JFP, Lima JTO. Continuidade assistencial a mulheres com câncer de colo de útero em redes de atenção à saúde: estudo de caso, Pernambuco. Saúde Debate 2016; 40(110):107-119.,3737 Rangel G, Lima LD, Vargas EP. Condicionantes do diagnóstico tardio do câncer cervical na ótica das mulheres atendidas no Inca. Saúde Debate 2015; 39(107):1065-1078.,3838 Carvalho BG, Domingos CM, Leite, FS. Integralidade do cuidado no Programa de Controle do Câncer de Colo Uterino: visão das usuárias com alteração na citologia oncótica. Saúde Debate 2015; 39(106):707-717.. A realização do exame denominado ‘biopsia’, crucial na conclusão diagnóstica, foi compatível com o número de citologias alteradas, cuja frequência foi maior em mulheres mais jovens. No entanto, os diagnósticos mais graves tanto de citologias como de biopsias, prevaleceram em mulheres com idade mais avançada3232 Brito-Silva K, Bezerra AFB, Chaves LDP, Tanaka O. Integralidade no cuidado ao câncer do colo do útero: avaliação do acesso. Rev Saude Publica 2014; 48(2):240-248.,3838 Carvalho BG, Domingos CM, Leite, FS. Integralidade do cuidado no Programa de Controle do Câncer de Colo Uterino: visão das usuárias com alteração na citologia oncótica. Saúde Debate 2015; 39(106):707-717..
A adequada cobertura de biopsias, entretanto, não garantiu a continuidade de tratamento, em virtude de fragilidades no acolhimento e vínculo e de dificuldade no acesso ao tratamento3838 Carvalho BG, Domingos CM, Leite, FS. Integralidade do cuidado no Programa de Controle do Câncer de Colo Uterino: visão das usuárias com alteração na citologia oncótica. Saúde Debate 2015; 39(106):707-717.. Além disso, a demora para o estadiamento do tumor, muitas vezes, prorroga o início do tratamento3636 Nascimento MI, Silva GA. Tempo de espera para radioterapia em mulheres com câncer de colo de útero. Rev Saude Publica 2015; 49:92. (Quadro 2).
O tratamento de câncer de colo de útero pode envolver a realização de cirurgia, quimioterapia, radioterapia e/ou braquiterapia, sendo realizado predominantemente no Sistema Único de Saúde (SUS)2020 Ozawa C, Mercopito LF. Teste de Papanicolaou: cobertura em dois inquéritos domiciliários realizados no município de São Paulo em 1987 e em 2001-2002. Rev. Bras. Ginecol. e Obstet. 2011; 33(5):238-245.. No Brasil, há definição jurídico-legal de prazo máximo para início de tratamento pelo SUS de 60 dias a contar da definição do diagnóstico obtida com o resultado de biopsia3939 Brasil. Lei nº 12.732, de 22 de novembro de 2012. Dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início. Diário Oficial da União 2012; 22 nov.. Este prazo foi contemplado, segundo Nascimento e Silva3636 Nascimento MI, Silva GA. Tempo de espera para radioterapia em mulheres com câncer de colo de útero. Rev Saude Publica 2015; 49:92., considerando-se o início de radioterapia, pela maioria das ‘pacientes’. O acesso à radioterapia, segundo o mesmo estudo, ocorreu com equidade, ou seja, o tempo de espera para início de radioterapia foi menor à medida que os casos possuíam diagnóstico de estádios mais avançados. (Quadro 2).
O prazo máximo para início de tratamento de câncer no Brasil, acima mencionado, é parâmetro válido utilizado em alguns estudos, mas, Nascimento e Silva3636 Nascimento MI, Silva GA. Tempo de espera para radioterapia em mulheres com câncer de colo de útero. Rev Saude Publica 2015; 49:92. ressaltam que o tratamento deva ocorrer com a maior brevidade, não devendo adotar os 60 dias definidos juridicamente como o prazo certo. Este prazo possui relevância em termos de interpelação jurídica, porém existem países com definição de prazo menor que 30 dias, como o caso do Canadá.
Os limites de acesso a serviços para tratamento do CCU foram eminentemente de dimensão organizacional. O acolhimento e vínculo foram aspectos favoráveis, pois foram apontados como práticas presentes na fase de tratamento oncológico, realizadas somente nesta fase da linha de cuidado. Além destes, outros aspectos favoráveis ao tratamento oncológico foram sinalizados3131 Soares MC, Mishima SM, Silva RC, Ribeiro CV, Meinckes SMK, Corrêa ACL. Câncer de colo uterino: atenção integral à mulher nos serviços de saúde. Rev. Gaúcha de Enferm 2011; 32(3):502-508.,3333 Silva MRF, Braga JPR, Moura JFP, Lima JTO. Continuidade assistencial a mulheres com câncer de colo de útero em redes de atenção à saúde: estudo de caso, Pernambuco. Saúde Debate 2016; 40(110):107-119. (Quadro 2).
Desse modo, os resultados apresentados pelos artigos incluídos nesta revisão trazem implicações para a política de atenção ao câncer de colo de útero referentes à prevenção, diagnóstico e tratamento do CCU, com vistas a seu aprimoramento (Quadro 3).
Sugestões para aprimoramento do acesso à detecção precoce, diagnóstico e tratamento do câncer de colo de útero, segundo artigos incluídos na revisão.
Em relação à garantia de acesso oportuno (Quadro 3), vale ressaltar que o rastreamento oportunista deve estar associado ao rastreamento populacional em caráter complementar. Este último, diz respeito a uma ação sistematizada, permitindo maior controle de ações e informações referentes ao rastreamento, inclusive da cobertura alcançada, o que sinaliza para uma maior efetividade, equidade e eficiência. No entanto, pelas dificuldades de acesso aos serviços de saúde nesta revisão apontados, é possível que parte das mulheres, na faixa etária-alvo dos programas de rastreamento populacionais, não participe do mesmo. Assim, torna-se relevante a presença também de ações oportunas com vistas à detecção precoce, ou seja, aquela realizada quando a mulher procura o serviço de saúde por outro motivo e o profissional de saúde aproveita o momento e realiza o exame Papanicolaou4040 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Rastreamento. Brasília: MS; 2010. (Cadernos de Atenção Primária, n. 29).
Considerações finais
O controle do câncer de colo de útero (CCU) vem avançando no Brasil, pois há registros de maior cobertura de exame Papanicolau, compatibilidade entre número de biopsias e número de exames Papanicolaou alterados e tratamento oncológico para CCU realizado, majoritariamente, pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
No entanto, foram registrados segmentos da população feminina que nunca realizaram o exame preventivo, que desconhecem ou que não cumprem a periodicidade indicada deste exame. Fatos que, em alguns casos, podem estar associados a questões de âmbito individual, como medo e vergonha, difíceis de serem resolvidos, mas que também se associam a questões relativas à gestão pública e/ou aos profissionais de saúde, se configurando como desafios postos a esta gestão.
Nesse sentido, em termos transversais ao controle do câncer de colo de útero, foram ressaltadas necessidade de avaliação do funcionamento da rede de serviços, de garantia de integralidade da atenção, de criação de mecanismos de coordenação assistencial, de garantia de trâmite entre serviços com facilidade e de promoção do acolhimento-vínculo em toda a linha de cuidados para atenção CCU.
Entre as sugestões específicas, quanto à prevenção do CCU, foram sinalizados o rastreamento, em especial, junto a mulheres em situação de pobreza e/ou vulnerabilidade, com mais de 50 anos de idade e residentes em locais distantes dos serviços de saúde; a ampliação de acesso aos serviços de saúde; e a garantia de privacidade das usuárias nos serviços. Quanto ao diagnóstico em especial, faz-se necessário redução do tempo para conclusão do diagnóstico de CCU, com definição do estadiamento de tumor. Em relação ao tratamento, se sobrepõe a necessidade da garantia de seu início no menor tempo possível, com acesso rápido a exames para planejamento de tratamento e da redução de barreiras geográficas de acesso, descentralizando os centros de referência para tratamento, para assim, promover a redução das desigualdades territoriais e/ou regionais.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
05 Set 2019 - Data do Fascículo
Set 2019
Histórico
- Recebido
28 Out 2017 - Revisado
16 Fev 2018 - Aceito
18 Fev 2018