O Programa Nacional de Imunizações (PNI) foi criado em 1973, fruto de uma iniciativa que, em um contexto político adverso, contou, em sua concepção, com a convergência de sanitaristas comprometidos com a saúde da população e de uma burocracia pública nacionalista. Seu nascimento ocorria como desdobramento natural do sucesso da Campanha de Erradicação da Varíola (CEV) e da crescente preocupação com a disponibilidade de imunobiológicos como fator importante para a constituição de um sistema nacional de saúde, no contexto de projeto autoritário de construção da nação11 Temporão JG. O Programa Nacional de Imunizações (PNI): origens e desenvolvimento. História, Ciências, Saúde-Manguinhos 2003; 10(Supl. 2):601-617..
Alguns elementos permitem, no entanto, destacar que, em vez de um fato fortuito na história, a emergência deste programa refletia o crescente enraizamento de um movimento na sociedade para garantir o acesso à saúde. Já na Lei 6.259 de 1975 se estabelecia a gratuidade para as vacinas consideradas obrigatórias. Na fase inicial do Programa, as vacinas contra difteria, tétano e coqueluche (DTP), poliomielite, tuberculose (BCG) e sarampo passaram a ser aplicadas de modo sistemático mediante calendários de vacinação.
O PNI já possuía alguns dos alicerces dos princípios defendidos na VIII Conferência Nacional de Saúde que culminaram na criação do SUS na Constituição de 1988. O crescente número de vacinas incorporadas ao Programa deveria garantir o acesso universal gratuito, constituía um direito compartilhado por toda população e requeria uma ação integrada no território, envolvendo diferentes níveis de complexidade tecnológica. Representavam uma apropriação do conhecimento em saúde pela sociedade, tendo a participação importante de instituições científicas públicas, com destaque para a Fundação Oswaldo Cruz e para o Instituto Butantan.
Pode-se afirmar que esta matriz embrionária que articulava ciência, tecnologia e acesso universal se realizou com plenitude após a conformação do SUS, sendo uma das marcas mais reconhecidas e exemplares22 Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Relatório 30 anos de SUS, que SUS para 2030? Brasília: OPAS; 2018. da possibilidade de constituição, nos trópicos, do maior sistema universal do mundo em termos populacionais. No presente, no calendário de vacinação de 2020, está prevista a oferta de 18 vacinas, cobrindo mais de 20 doenças infecciosas. Todo rol de vacinas essenciais disponíveis em termos internacionais é ofertado para a população.
A marca que alia a ciência, a tecnologia e a produção nacional deu sustentação a este Programa. Sem uma base produtiva e tecnológica nacional o acesso universal não teria sido possível33 Gadelha CAG, Braga PSC, Montenegro KBM, Cesário BB. Acesso a vacinas no Brasil no contexto da dinâmica global do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Cad Saude Publica 2020; 36(Supl. 2):e00154519.. O PNI, de fato, marcou uma profunda inovação tecnológica e social no Brasil, aliando as forças do conhecimento e da produção nacional aos desafios do acesso universal.
No contexto atual, em que a vacina para o novo coronavírus torna-se essencial para a vida e para a saída da crise, novos desafios se colocam para a continuidade e a superação dialética desta história de sucesso. O domínio sobre o conhecimento e a inovação torna-se fator decisivo para as chances do SUS do Futuro. O conhecimento e a ciência nunca foram tão centrais e decisivos para garantir o acesso universal para nossa população. As respostas aos desafios da saúde pública, tão bem expressas no PNI, têm que ser reinventadas. Aliar soberania, ciência e saúde, como na tradição original do PNI, em um contexto democrático pautado pelo direito ao conhecimento, ao desenvolvimento e à vida, é o grande desafio para o Século XXI. Mais uma vez, o PNI deve se constituir em uma semente transformadora para um futuro equânime... que tem pressa.
Referências 4234
- 1Temporão JG. O Programa Nacional de Imunizações (PNI): origens e desenvolvimento. História, Ciências, Saúde-Manguinhos 2003; 10(Supl. 2):601-617.
- 2Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Relatório 30 anos de SUS, que SUS para 2030? Brasília: OPAS; 2018.
- 3Gadelha CAG, Braga PSC, Montenegro KBM, Cesário BB. Acesso a vacinas no Brasil no contexto da dinâmica global do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Cad Saude Publica 2020; 36(Supl. 2):e00154519.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
06 Nov 2020 - Data do Fascículo
Nov 2020