Níveis pressóricos e fatores associados em gestantes do Estudo MINA-Brasil

Blood pressure levels and associated factors among pregnant women of the MINA-Brazil Study

Ana Alice de Araújo Damasceno Maíra Barreto Malta Paulo Augusto Ribeiro Neves Bárbara Hatzlhoffer Lourenço Andréa Ramos da Silva Bessa Danúzia da Silva Rocha Márcia Caldas de Castro Marly Augusto Cardoso Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste estudo foi investigar os fatores associados aos níveis pressóricos em gestantes participantes do Estudo MINA-Brasil, inscritas no pré-natal da Estratégia de Saúde da Família em Cruzeiro do Sul, Acre, Amazônia Ocidental Brasileira. Modelos múltiplos de regressão linear foram utilizados, adotando-se nível de significância de 5%. A maioria das gestantes participantes tinha média de idade de 24 anos (DP 6,3), 44,0% eram primigestas e 59,1% das gestantes apresentaram ganho de peso gestacional semanal excessivo. A ocorrência de hipertensão arterial foi de 0,7%. Os fatores associados positivamente aos níveis de pressão arterial sistólica foram: índice de massa corporal pré-gestacional (β = 0,984, IC95%: 0,768-1,200) e ganho de peso gestacional semanal (β = 6,816, IC95%: 3,368-10,264). Para os níveis de pressão arterial diastólica foram positivamente associados idade da gestante (β = 0,111, IC95%: 0,002-0,221), escolaridade (β = 2,194, IC95%: 0,779-3,609), índice de massa corporal pré-gestacional (β = 0,589, IC95%: 0,427-0,751) e ganho de peso gestacional semanal (β = 3,066, IC95%: 0,483-5,650). Esses resultados reforçam a necessidade de maior atenção pré-natal no cuidado materno para prevenção de distúrbios hipertensivos no final da gravidez.

Palavras-chave
Pressão arterial; Complicações na gravidez; Hipertensão induzida pela gravidez

Abstract

The scope of this study was to investigate the factors associated with blood pressure levels among pregnant women participating in the MINA-Brazil Study, registered in the Family Health Strategy in Cruzeiro do Sul in the Western Brazilian Amazon. Multiple linear regression models were used, adopting a level of significance of 5%. The majority of pregnant participants were less than 24 years of age, 44% were primigravidae, and 59.1% had excessive weekly gestational weight gain. The frequency of hypertension was 0.7%. Factors positively associated with systolic blood pressure levels in pregnancy were pre-pregnancy body mass index (β = 0.984, CI95%: 0.768-1.200), and weekly gestational weight gain (β = 6.816, CI95%: 3.368-10.264). Diastolic blood pressure levels in pregnancy were positively associated with maternal age (β = 0.111, CI95%: 0.002-0.221), maternal schooling (β = 2.194, CI95%: 0.779-3.609), pre-pregnancy body mass index (β = 0.589, CI95%: 0.427-0.751), and weekly gestational weight gain (β = 3.066, CI95%: 0.483-5.650). These findings stress the importance of the role of antenatal care to prevent hypertensive disorders during pregnancy.

Key words
Blood pressure; Complications in pregnancy; Pregnancy-induced hypertension

Introdução

O período gravídico é um processo fisiológico na vida da mulher, e geralmente culmina em desfechos bem sucedidos. Apesar disso, algumas gestantes, por serem portadoras de alguma doença ou sofrerem algum agravo nesse período, podem apresentar maiores probabilidades de evolução desfavorável, tais como, descolamento placentário prematuro, síndrome de HELLP, hemorragia, parto prematuro, óbito materno e morbimortalidade neonatal11 Pereira MUL, Lamy Filho F, Anunciação PS, Lamy ZC, Gonçalves LLMG, Madeira HGR. Óbitos neonatais no município de São Luís: causas básicas e fatores associados ao óbito neonatal precoce neonatal. Rev Pesqui em Saúde 2018; 18(1):18-23.

2 Demitto MO, Gravena AAF, Dell'Agnolo CM, Antunes MB, Pelloso SM. High risk pregnancies and factors associated with neonatal death. Rev Esc Enferm USP 2017; 51:e03208.
-33 Brito KKG, Moura JRP, Sousa MJ, Brito JV, Oliveira SHDS, Soares MJGO. The prevalence of hypertensive syndromes particular of pregnancy (GHS). Rev Pesqui Cuid Fundam Online 2015; 7(3): 2717-2725..

As diversas complicações que podem ocorrer no período gravídico puerperal estão relacionadas à existência de fatores geradores de risco gestacional, sendo que alguns desses fatores podem estar presentes antes da gravidez ou devido a condições e complicações que podem aparecer no transcorrer do curso gravídico44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco: manual técnico. 5a ed. Brasília: MS; 2012..

A taxa de mortalidade materna nos países em desenvolvimento em 2015 foi de 239 por 100 mil nascidos vivos, enquanto nos países desenvolvidos foi de 12 por 100 mil nascidos vivos. Além disso, a mortalidade materna é mais elevada entre mulheres que vivem em comunidades mais pobres55 Say L, Chou D, Gemmill A, Tunçalp Ö, Moller A, Daniels J, Gülmezoglu AM, Temmerman M, Alkema L. Global causes of maternal death: a WHO systematic analysis. Lancet 2014; 122(6):323-333.,66 Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)/Organização Mundial da Saúde (OMS) Brasil. Folha informativa - Mortalidade materna [Internet]. 2018 [acessado 2018 Out 22]. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5741:folha-informativa-mortalidade-materna&Itemid=820
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A hipertensão arterial ou Síndromes Hipertensivas na Gravidez (SHG) é a doença que mais frequentemente compromete o período gravídico, acometendo aproximadamente 10% das gestações, sendo considerada uma das principais causas de óbito materno no mundo66 Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)/Organização Mundial da Saúde (OMS) Brasil. Folha informativa - Mortalidade materna [Internet]. 2018 [acessado 2018 Out 22]. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5741:folha-informativa-mortalidade-materna&Itemid=820
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,77 World Health Organization (WHO). WHO recommendations for prevention and treatment of pre-eclampsia and eclampsia. Geneva: WHO; 2011.. Sua definição considera os valores absolutos de pressão arterial sistólica (PAS) ≥ 140 mmHg e/ou diastólica (PAD) ≥ 90 mmHg, medidas em duas ocasiões com 4 horas de intervalo, sendo classificada como hipertensão crônica (estado hipertensivo registrado antes do início da gestação), hipertensão gestacional (hipertensão após a 20ª semana de gestação), pré-eclâmpsia (surgimento de hipertensão e proteinúria ≥ 300 mg de proteína em urina de 24h depois da 20ª semana de gestação), eclâmpsia (pré-eclâmpsia complicada por convulsões) e pré-eclâmpsia superposta à hipertensão crônica (elevação aguda da pressão arterial, com presença de proteinúria, trombocitopenia ou anormalidades da função hepática após a 20ª semanas de gestação em portadoras de hipertensão crônica)88 Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Arq Bras Cardiol 2016; 107(3):1-104..

Vários fatores associados são descritos na literatura, entre os quais estão: primiparidade, gestação gemelar, história familiar de SHG, diabetes mellitus, hipertensão arterial crônica, gestação molar, idade materna maior que 35 anos, uso de método anticoncepcional de barreira, aborto prévio, sobrepeso ou obesidade pré-gestacional e ganho de peso gestacional excessivo99 Kerber FG, Melere C. Prevalência de síndromes hipertensivas gestacionais em usuárias de um hospital no Sul do Brasil. Rev Cuid 2017; 8(3):1899-1906.,1010 Ebbing C, Rasmussen S, Skjaerven R, Irgens LM. Risk factors for recurrence of hypertensive disorders of pregnancy, a population-based cohort study. Acta Obstet Gynecol Scand 2017; 96(2):243-250..

A maioria das complicações no período gravídico podem ser prevenidas. Todas as gestantes precisam ter acesso a cuidados pré-natais, cuidados especializados durante e após o parto1111 Antunes MB, Demitto MO, Gravena AAF, Padovani C, Pelloso SM. Hypertensive syndrome and perinatal outcomes in high-risk pregnancies. REME 2017; 21:e-1057.. Sendo assim, estudos que busquem identificar as características das gestantes, bem como ampliar o conhecimento sobre riscos e complicações no período gestacional são essenciais para favorecer uma assistência de qualidade prestada às gestantes e a seus neonatos, visando à melhoria das condições de saúde dessa população.

Tendo em vista que a pré-eclâmpsia é diagnosticada após a 20ª semana de gestação e a hipertensão crônica é diagnosticada antes da gestação ou até a 20ª semana de gestação, o início do terceiro trimestre gestacional tem sido indicado para estimativa de prevalência de doenças crônicas não transmissíveis visando prevenção de eventos adversos no final da gravidez88 Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Arq Bras Cardiol 2016; 107(3):1-104.. Desta forma, com o intuito de contribuir com o conhecimento sobre os riscos e complicações no período gestacional e também favorecer assistência à saúde de qualidade prestada as gestantes e seus neonatos, o presente estudo teve por objetivo investigar os fatores associados aos níveis pressóricos em gestantes participantes do Estudo MINA-Brasil, inscritas na Estratégia de Saúde da Família (ESF) em Cruzeiro do Sul, Amazônia Ocidental Brasileira.

Métodos

Estudo de delineamento transversal realizado com gestantes inscritas no pré-natal da ESF, na área urbana do município de Cruzeiro do Sul, Acre. Trata-se de análise de dados de parte do Estudo MINA-Brasil: Saúde e Nutrição Materno-INfantil em Cruzeiro do Sul, Acre, que estuda os fatores que influenciam a saúde e a nutrição de mães e crianças, desde o período gravídico até os dois anos de idade, conforme descrição em estudo anterior1212 Pincelli A, Neves PAR, Lourenco BH, Corder RM, Malta MB, Sampaio-Silva J, Souza RM, Cardoso MA, Catro MC, Ferreira MU, MINA-Brazil Working Group. The hidden burden of Plasmodium vivax malaria in pregnancy in the Amazon: an observational study in Northwestern Brazil. Am J Trop Med Hyg 2018; 99:73-83..

A equipe de trabalho de campo foi composta por entrevistadores (estudantes de graduação de enfermagem e medicina), enfermeiros, médicos residentes, técnicos de laboratório, motorista e assistentes de pesquisa (estudantes de pós-graduação em Nutrição em Saúde Pública). Toda equipe foi treinada seguindo o protocolo de padronização para coleta de dados do estudo e supervisionada periodicamente pelos assistentes e coordenadores de campo. O rastreamento de gestantes foi realizado em todas as 13 Unidades Básicas de Saúde (UBS) da zona urbana de Cruzeiro do Sul, entre fevereiro de 2015 a fevereiro de 2016. Um período piloto do estudo foi conduzido em duas UBS da área rural, porém, devido dificuldades de acesso e limitações de recursos, as gestantes inscritas em pré-natal em UBS da zona rural não foram incluídas neste estudo.

O convite para participação das mulheres no projeto foi realizado pela equipe responsável pela coleta de dados, por telefone, a partir dos dados recebidos por meio do rastreamento realizado pelas UBS urbanas. A partir do aceite à participação, foram realizadas visitas domiciliares às gestantes que atenderam aos critérios de inclusão do estudo matriz para aplicação de questionário sociodemográfico e de história de saúde. Nesse momento, as gestantes também foram convidadas pela equipe do projeto a participar das avaliações clínicas realizadas entre março de 2015 a abril de 2016. Para estimativa do tamanho amostral esperado para o presente estudo, foram utilizados dados oficiais do total de nascimentos registrados no município no ano de 2013: do total de 1.818 nascimentos, 94% ocorreram na maternidade de Cruzeiro do Sul. Considerando-se que 60% desses partos eram de mulheres residentes na área urbana e uma cobertura da ESF de 80%1313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). DATASUS - Tecnologia da informação a serviço do SUS [Internet]. Brasília: MS; 2014 [acessado 2017 Out 26]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/, esperava-se rastrear cerca de 856 mulheres inscritas no pré-natal.

A primeira avaliação clínica do Estudo MINA foi realizada entre 16 e 20 semanas de idade gestacional. Entre 24 e 33 semanas de gestação as mulheres foram convidadas a participar da segunda avaliação clínica. Nesse momento, foi utilizada a melhor estimativa da idade gestacional (data da última menstruação ou ultrassonografia realizada na primeira avaliação).

Para a presente análise foram incluídas gestantes que participaram da segunda avaliação com idade gestacional entre o segundo e terceiro trimestres, com residência fixa e cadastro na ESF da zona urbana do município de Cruzeiro do Sul. Foram excluídas do estudo as mulheres com gestação gemelar, abortos, natimortos e mudança para outro município ou para a zona rural devido à dificuldade de contato e comparecimento ao local de realização das avaliações.

Em relação às medidas antropométricas, todas as aferições foram realizadas por dois nutricionistas, membros da equipe de pesquisa. Aferição do peso gestacional foi realizada com balança digital portátil, marca Tanita Corporation, Tóquio, Japão, modelo UM061, com capacidade para 150 kg e variação de 0,1 kg. Para mensurar a altura, foi utilizado um estadiômetro portátil Alturaexata stadiometer com precisão de 0,1 cm. Todas as aferições foram realizadas em duplicata e seguiram as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS)1414 World Health Organization (WHO). World Health Organization Collaborative Study (1995). Maternal anthropometry and pregnancy outcomes. Geneva: WHO; 1995..

Para classificação antropométrica, o peso pré-gestacional autorreferido pelas gestantes foi obtido no momento da primeira avaliação clínica. Para as gestantes com idade ≥ 19 anos foi utilizado o peso pré-gestacional em kg dividido pela altura em metros ao quadrado para o cálculo do IMC pré-gestacional1414 World Health Organization (WHO). World Health Organization Collaborative Study (1995). Maternal anthropometry and pregnancy outcomes. Geneva: WHO; 1995.. Para as gestantes com idade < 19 anos, a classificação nutricional foi realizada com auxílio do programa WHO Anthro Plus1515 World Health Organization (WHO). WHO Anthro Plus for personal computers: Software for assessing growth of the world's children and adolescents. Geneva: WHO; 2009. que calcula IMC considerando a idade, peso e altura e o classifica em unidades de escore z para idade em adolescentes em relação à curva de referência da OMS, considerando-se os seguintes pontos de corte para sua classificação: baixo peso (escore z ≤ -2); eutrofia (escore z > -2 a escore z <+1); sobrepeso (escore z ≥ +1 a escore z <+2); obesidade (escore z ≥ +2)1616 Mercedes O, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmanna J. Growth curves for school - aged children and adolescentes. Bull World Health Organ 2007, 85(9):660-667..

Para a avaliação do ganho de peso gestacional considerou o peso gestacional aferido na segunda avaliação subtraído pelo peso gestacional aferido na primeira avaliação, dividido pela idade gestacional na segunda avaliação subtraída pela idade gestacional primeira avaliação, seguindo as recomendações do Institute of Medicine1717 Institute of Medicine (IOM). Weight Gain During Pregnancy: Reexamining the Guidelines. Washington: National Academy of Sciences; 2009.. O cálculo utilizado para obtenção do ganho de peso gestacional semanal considerou o peso gestacional aferido na segunda avaliação subtraído pelo peso gestacional aferido na primeira avaliação, dividido pela idade gestacional na segunda avaliação subtraída pela idade gestacional primeira avaliação.

Para análise da variável dependente (nível pressórico sistólico e diastólico) a medida da pressão arterial foi sistematizada e padronizada para todas as gestantes participantes do estudo, seguindo as recomendações do Manual de Pré-Natal de Alto Risco44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco: manual técnico. 5a ed. Brasília: MS; 2012.. A pressão arterial foi mensurada no braço direito, com a gestante sentada, com os pés no chão e com o braço no mesmo nível do coração e com um manguito de tamanho apropriado, após pelo menos cinco minutos de repouso. Foram realizadas três medidas, com intervalo de um minuto entre elas e calculada a média da pressão arterial.

As variáveis independentes consideradas na análise foram: idade (contínua ou categorizada em < 19 anos, de 19 a 24 anos, de 25 a 34 anos ou ≥ 35 anos); idade gestacional (contínua ou categorizada em 24 a 26 semanas, 27 a 28 semanas ou 29 a 33 semanas); cor da pele autorreferida (branca, negra, parda, indígena ou amarela); situação conjugal (vive ou não com companheiro); escolaridade (contínua ou categorizada em ≤ 9 anos, 10 a 12 anos ou > 12 anos); exerce ocupação remunerada (não ou sim); gestante é a chefe do domicílio (não ou sim); recebe auxílio governamental Bolsa Família (não ou sim); idade da menarca (9 a 12 anos ou ≥ 13 anos); número de gestações (primigesta, 2 gestações ou 3 ou mais gestações); uso de método contraceptivo (não ou sim); fumo na gestação (não ou sim); consumo de álcool na gestação (não ou sim); consumo semanal superior a 3 vezes na semana de alimentos ultraprocessados (industrializados, guloseimas, refrigerantes e bebidas açucaradas) durante a gestação (não ou sim); 150 minutos semanais de caminhada no lazer ( não atinge ou atinge); IMC pré-gestacional (contínuo ou categorizado em baixo peso, eutrofia ou sobrepeso/obesidade); ganho de peso gestacional semanal (contínuo ou categorizado em insuficiente, adequado ou excessivo).

Os dados foram analisados por meio do pacote estatístico SPSS, versão 24.0. Foram obtidas as medidas de tendência central e dispersão. As variáveis dependentes foram testadas para normalidade usando-se o teste de Shapiro-Wilk. As diferenças entre as médias foram observadas por meio do teste t Student ou análise de variância (ANOVA) quando pertinente. Quando encontrada diferença significativa por meio da ANOVA, foi adotado o teste de Bonferroni para verificação. Foram adotados modelos múltiplos de regressão linear para os desfechos de interesse analisados, pressão arterial sistólica e diastólica, estimando-se medidas de efeito ajustadas e respectivos intervalos com 95% de confiança. Para a seleção inicial das variáveis independentes foram consideradas aquelas que apresentaram valor de p < 0,20 em análise bruta de comparação entre médias ou proporções. As variáveis independentes permaneceram no modelo múltiplo final com base no nível de significância ou alteração de pelo menos 10% no valor do coeficiente de determinação (R2). O nível de significância estatística adotado foi de 5%.

Este estudo seguiu os aspectos éticos da resolução do CNS nº 466 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Ressalta-se ainda que foi obtido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de todas as participantes.

Resultados

No período de estudo foram rastreadas 860 gestantes, destas, 161 gestantes foram consideradas não elegíveis: 71 mulheres rastreadas com idade gestacional acima de 20 semanas, 35 residentes em área rural do município em estudo, 17 residiam em outro município e 38 abortos ocorreram antes do aceite e assinatura do TCLE da pesquisa, totalizando 699 gestantes elegíveis. Entre as gestantes elegíveis, houve 111 perdas e 41 recusas à participação, totalizando assim 588 gestantes para o seguimento. Nesse período, 20 gestantes foram excluídas: 5 abortos, 5 mudanças para outro município e 10 mudanças para a zona rural. Além disso, houve 40 perdas de seguimento. Na segunda avaliação, 16 gestantes foram excluídas: 4 abortos ou natimortos, 3 mudanças para outro munícipio, 6 mudanças para zona rural, 3 gestações gemelares e houve 55 perdas adicionais, totalizando 457 gestantes (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma do rastreamento das gestantes nas Unidades Básicas de Saúde da zona urbana do município de Cruzeiro do Sul-Acre, 2015-2016.

As gestantes que participaram do estudo eram na maioria jovens com média de idade de 24,9 anos (DP 6,3) e média de 10,5 anos estudados, 76,6% se consideraram pardas, 78,8% afirmaram viver com companheiro, 86,4% não eram chefes do domicílio e 39,0% recebiam auxílio governamental. Em relação às características reprodutivas, 90,3% das mulheres tiveram a primeira menstruação a partir dos 13 anos e 44% eram primigestas (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas e reprodutivas das gestantes atendidas no pré-natal, Cruzeiro do Sul, Acre, 2016.

A Tabela 2 apresenta as características de estilo de vida das gestantes, na qual 3,5% afirmaram fazer uso de cigarro durante a gestação, 5,5% ingeriram álcool na gravidez e 24,1% referiram consumo semanal de alimentos ultraprocessados. Em relação à prática de atividade física 92,6% não haviam atingido 150 minutos de caminhada no lazer na última semana. O IMC pré-gestacional de 31,0% das mulheres foi classificado como sobrepeso ou obesidade, além disso, 59,1% das gestantes apresentaram ganho de peso gestacional semanal excessivo.

Tabela 2
Características de saúde das gestantes atendidas no pré-natal. Cruzeiro do Sul, Acre, 2016.

Para a medida da pressão arterial, 0,7% gestantes apresentaram alteração nos níveis pressóricos ≥ 140 mmHg na PAS e/ou ≥ 90 mmHg na PAD. As médias da pressão arterial e seus respectivos desvios padrão foram PAS: 109,3 (DP10,0) mmHg e PAD: 65,4 (DP7,4) mmHg.

Na Tabela 3 estão apresentadas as médias de PAS e PAD em relação aos estratos das características sociodemográficas e econômicas, de saúde e obstétricas das gestantes. Os valores médios de PAS diferiram significativamente segundo IMC pré-gestacional e ganho de peso gestacional semanal. Os valores de PAD médios diferiram significativamente segundo grupo etário, escolaridade, consumo semanal de alimentos ultraprocessados, IMC pré-gestacional e ganho de peso gestacional semanal.

Tabela 3
Valores médios de pressão arterial sistólica e diastólica (mmHg) segundo características das gestantes. Cruzeiro do Sul, Acre, 2016.

A Tabela 4 apresenta os resultados dos modelos de regressão linear múltiplos observando-se que IMC pré-gestacional (β = 0,984, IC95%: 0,768-1,200) e ganho de peso gestacional semanal (β = 6,816, IC95%: 3,368-10,264) foram associados positivamente com os valores de PAS, sendo estatisticamente significativos após ajuste para idade, escolaridade, tabagismo na gravidez, idade gestacional e consumo semanal de alimentos ultraprocessados. Para alterações nos níveis de PAD, houve associação positiva com idade da gestante (β = 0,111, IC95%: 0,002-0,221), escolaridade (β = 2,194, IC95%: 0,779-3,609), IMC pré-gestacional (β = 0,589, IC95%: 0,427-0,751) e ganho de peso gestacional semanal (β = 3,066, IC95%: 0,483-5,650), após ajuste para tabagismo, idade gestacional e consumo semanal de alimentos ultraprocessados.

Tabela 4
Fatores associados aos níveis de pressão arterial sistólica e diastólica em gestantes. Cruzeiro do Sul, Acre, 2016.

Discussão

No presente estudo foi evidenciado um padrão normal de pressão arterial entre as gestantes investigadas, com média de PAS e PAD de 109,3 mmHg e 65,4 mmHg, respectivamente, tendo como fatores associados a ambos o IMC pré-gestacional e o ganho de peso gestacional semanal.

A prevalência encontrada de hipertensão na gestação foi baixa, diferindo de outros estudos nacionais, em diferentes regiões, que encontraram prevalências superiores, com uma variação de 4,4% a 11,1%99 Kerber FG, Melere C. Prevalência de síndromes hipertensivas gestacionais em usuárias de um hospital no Sul do Brasil. Rev Cuid 2017; 8(3):1899-1906.,1818 Santos ZMSA, Carneiro RF, Silva Junior GB, Palácio JSF, Nascimento JC. Specific hypertensive disorders of pregnancy in a tertiary hospital in Northeastern Brazil epidemiological profile. Rev Bras Promo Saúde 2015; 28(4):613-620.. No contexto internacional, foi apontada uma prevalência que variou de 5,9% em Honduras a 19,4% no Zimbabwe1919 González AII, Fajardo JJC, Alvarado JAV, Rodríguez NIM, Rivas OJD, Mejía RJT, Rivas OOD, Serrano RDF, Urbina CBB. Trastornos hipertensivos del embarazo: clínica y epidemiología, hospital regional Santa Teresa 2015. Rev Med Hondur 2016; 84(3):101-106.,2020 Muti M, Tshimanga M, Notion GT, Bangure D, Chonzi P. Prevalence of pregnancy induced hypertension and pregnancy outcomes among women seeking maternity services in Harare, Zimbabwe. BMC Cardiovasc Disord 2015; 15:111.. Essas diferenças observadas entre os estudos podem estar relacionadas ao tamanho amostral, a idade gestacional das mulheres, instrumentos de avaliação, assim como devido às características peculiares de cada população estudada.

Entre as características socioeconômicas e reprodutivas das gestantes verificou-se que a maioria tinha idade entre 19 e 24 anos, cor parda, vivia com companheiro, não recebia auxílios governamental bolsa família, idade da menarca a partir dos 13 anos e não era primigesta. Características semelhantes foram encontradas em outros estudos que avaliaram a pressão arterial em gestantes1818 Santos ZMSA, Carneiro RF, Silva Junior GB, Palácio JSF, Nascimento JC. Specific hypertensive disorders of pregnancy in a tertiary hospital in Northeastern Brazil epidemiological profile. Rev Bras Promo Saúde 2015; 28(4):613-620.,2121 Rebelo F, Farias DR, Mendes RH, Schlüssel MM, Kac G. Blood Pressure Variation Throughout Pregnancy According to Early Gestational BMI: a Brazilian Cohort. Arq Bras Cardiol 2015; 104(4):284-291.. É importante ressaltar o elevado percentual encontrado de gestantes com idade inferior a 19 anos. Pesquisam mostram maior risco de ocorrência de desfechos obstétricos e neonatais negativos em gestantes adolescentes2020 Muti M, Tshimanga M, Notion GT, Bangure D, Chonzi P. Prevalence of pregnancy induced hypertension and pregnancy outcomes among women seeking maternity services in Harare, Zimbabwe. BMC Cardiovasc Disord 2015; 15:111.. Estudo realizado na África do Sul observou que mães adolescentes apresentaram maior risco de eclâmpsia2222 Nathan HL, Seed PT, Hezelgrave NL, De Greeff A, Lawley E, Conti-Ramsden F, Anthony J, Steyn W, Hall DR, Chappell LC, Shennan AH. Maternal and perinatal adverse outcomes in women with pre-eclampsia cared for at facility-level in South Africa: a prospective cohort study. J Glob Health 2018; 8(2):020401..

A idade da gestante investigadas neste estudo esteve positivamente associada a alterações nos níveis de PAD. Estudos nacionais e internacionais apontam a idade materna elevada como um fator de risco para o desenvolvimento de hipertensão na gravidez. No Brasil, um estudo realizado em um Hospital Terciário do Nordeste, investigou 42.023 gestantes e identificou a idade materna acima de 35 anos, como fator de risco para o desenvolvimento da hipertensão na gravidez1818 Santos ZMSA, Carneiro RF, Silva Junior GB, Palácio JSF, Nascimento JC. Specific hypertensive disorders of pregnancy in a tertiary hospital in Northeastern Brazil epidemiological profile. Rev Bras Promo Saúde 2015; 28(4):613-620.. Na Carolina do Norte, entre os anos de 1994 a 2003, foi realizado um estudo sobre a hipertensão arterial materna e resultados da gravidez, no qual foi identificado que o risco de hipertensão arterial aumenta à medida que as mulheres envelhecem2323 Miranda ML, Swamy GK, Edwards S, Maxson P, Gelfand A, James S. Disparities in maternal hypertension and pregnancy outcomes: evidence from North Carolina, 1994-2003. Public Health Rep 2010; 125:579-587..

O Ministério da Saúde coloca, a baixa escolaridade em gestantes como uma característica individual que favorece a gestação de alto risco, pois influencia no acesso a informação que reflete negativamente na assistência pré-natal44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco: manual técnico. 5a ed. Brasília: MS; 2012.. Porém, neste estudo foi observado que a maioria das gestantes tinha entre 10 a 12 anos de estudo, sendo que mulheres com mais de 9 anos de escolaridade apresentaram valores médios de PAD maiores quando comparadas às com menos de 9 anos de estudo. Além disso, a escolaridade em sua forma contínua associou-se positivamente com a alteração nos níveis de PAD. Resultados diferentes foram encontrados em um estudo de caso-controle realizado em 373 casos de hipertensos e 507 controles normotensos, na província de Henan, China, onde o baixo nível de escolaridade materna apresentou associação estatisticamente significante com distúrbios hipertensivos na gravidez2424 Hu R, Li Y, Di H, Li Z, Zhang C, Shen X, Zhu J, Yan W. Risk factors of hypertensive disorders among Chinese pregnant women. J Huazhong Univ Sci Technolog Med Sci 2015; 35(6):801-807..

Na descrição das variações de PAS e PAD entre as gestantes pesquisadas, observou-se que as mulheres com sobrepeso/obesidade antes da gestação apresentaram níveis médios mais altos de PAS e PAD. Rebelo et al. 2121 Rebelo F, Farias DR, Mendes RH, Schlüssel MM, Kac G. Blood Pressure Variation Throughout Pregnancy According to Early Gestational BMI: a Brazilian Cohort. Arq Bras Cardiol 2015; 104(4):284-291. acompanharam uma coorte de gestantes para verificar a variação da PA durante a gravidez e os resultados apontaram forte associação entre o IMC do início da gravidez e PAS/PAD. Alguns autores demonstraram o risco de resultado obstétrico desfavorável para as gestantes com desvio ponderal pré-gestacional, sendo que em gestantes obesas observou-se um risco expressivo de apresentar SHG e complicações para o neonato2525 Oliveira AC, Almeida LB, Lucca A, Nascimento V. Estudo da relação entre ganho de peso excessivo e desenvolvimento de diabetes mellitus e doença hipertensiva específica na gestação. J Health Sci Inst 2016; 34(4):231-239.,2626 Koh H, Ee TX, Malhotra R, Allen JC, Tan TC, Østbye T. Predictors and adverse outcomes of inadequate or excessive gestational weight gain in an Asian population. J Obstet Gynaecol Res 2013; 39(5):905-913..

Neste estudo, verificou-se que a maioria das mulheres apresentou ganho de peso gestacional semanal excessivo, observou-se ainda, que o ganho de peso gestacional semanal se associou positivamente com alteração dos níveis de PAS e PAD, além disso, a maioria das gestantes não atingia 150 minutos semanais de caminhada no lazer. Estudo de revisão mostrou que mulheres com sobrepeso ou obesidade têm maior risco de ganho de peso excessivo na gravidez e que a prática de atividade física nesse período é um fator de proteção para o ganho de peso gestacional elevado2727 Samura T, Steer J, Michelis LD, Carroll L, Holland E, Perkins R. Factors Associated With Excessive Gestational Weight Gain: Review of Current Literature. Glob Adv Health Med 2016; 5(1):87-93.. O ganho de peso excessivo durante a gravidez tem sido associado com distúrbios hipertensivos, diabetes gestacional, maior risco de parto cesáreo, prematuridade, recém-nascidos grandes para a idade gestacional, aumento da retenção de peso pós-parto e obesidade a longo prazo2828 Van Horn L, Peaceman A, Kwasny M, Vincent E, Fought A, Josefson J, Spring B, Neff LM, Gernhofer N. Dietary Approaches to Stop Hypertension Diet and Activity to Limit Gestational Weight: Maternal Offspring Metabolics Family Intervention Trial, a Technology Enhanced Randomized Trial. Am J Prev Med 2018; 55(5):603-614.

29 Wise LA, Palmer JR, Heffner LJ, Rosenberg L. Prepregnancy Body Size, Gestational Weight Gain, and Risk of Preterm Birth in African-American Women: Epidemiology 2010; 21(2):243-252.
-3030 Haugen M, Brantsaeter AL, Winkvist A, Lissner L, Alexander J, Oftedal B, Magnus P, Meltzer HM. Associations of pre-pregnancy body mass index and gestational weight gain with pregnancy outcome and postpartum weight retention: a prospective observational cohort study. BMC Pregnancy Childbirth 2014; 14:201..

Este é o primeiro estudo em população do interior de um estado da região Norte brasileira sobre níveis pressóricos e fatores associados durante a gravidez. Quanto às limitações, a avaliação de medidas adicionais dos níveis pressóricos durante a gravidez e no momento do parto poderia fornecer informações adicionais para a identificação de fatores associados e desfechos adversos na gestação relacionados à pressão arterial das gestantes. No entanto, o presente estudo limitou-se a uma medida da pressão arterial entre o segundo e o terceiro trimestres gestacionais.

Em conclusão, observou-se variação nos níveis normais de pressão arterial sistólica e diastólica em gestantes com IMC pré-gestacional elevado e ganho de peso gestacional semanal excessivo, o que reforça a necessidade de atenção no cuidado materno, pois apesar dos níveis médios de PAS e PAD estarem, na maioria das gestantes, dentro dos valores considerados normais, alterações referentes a essas características podem indicar possíveis resultados adversos até o fim da gravidez.

Estudos em regiões distantes dos grandes centros do país e em diferentes populações devem ser encorajados, a fim de identificar características específicas e contribuir para a melhoria da saúde e prevenção de eventos adversos na gravidez e no parto.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Nov 2020

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2018
  • Aceito
    11 Fev 2019
  • Publicado
    13 Fev 2019
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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