Fatores associados aos padrões alimentares no segundo semestre de vida

Factors associated with dietary patterns in the second half of life

Carolina Abreu de Carvalho Poliana Cristina de Almeida Fonseca Luciana Neri Nobre Mariane Alves Silva Milene Cristine Pessoa Andréia Queiroz Ribeiro Silvia Eloiza Priore Sylvia Franceschini Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste artigo é identificar padrões alimentares de crianças com 6, 9 e 12 meses e sua associação com variáveis socioeconômicas, comportamentais, de nascimento e nutrição. Estudo transversal com crianças de uma coorte em Viçosa-MG, sendo 112 crianças com 6 meses, 149 com 9 meses e 117 com 12 meses. O consumo alimentar foi avaliado por um recordatório de 24 horas e os padrões extraídos por análise de agrupamentos. O leite materno foi identificado em pelo menos um padrão alimentar em todos os meses. Houve baixa participação de alimentos ultraprocessados nos padrões alimentares identificados. No 6º mês, crianças com menor renda familiar tiveram menos chance de pertencer ao padrão alimentar composto por fórmulas lácteas. Já o sobrepeso/obesidade foi 3,69 vezes maior em crianças que compunham o padrão 2 (fórmulas lácteas, verduras, legumes, carne bovina e pera). Aos 12 meses o déficit de estatura (RP = 3,28) e o uso de mamadeira (RP = 4,51) estiveram associados ao padrão alimentar composto por fórmulas lácteas e leite de vaca. Os padrões alimentares identificados refletiram a importante participação do leite materno na alimentação das crianças. Padrões alimentares com a presença de outros tipos de leite, foram associados a desvios nutricionais e uso de mamadeiras.

Palavras-chave
Análise de padrão alimentar; Nutrição de crianças; Leite

Abstract

The aim of this paper is to identify eating patterns of children aged 6, 9 and 12 months and their association with socioeconomic, behavioral, birth and nutrition variables. Cross-sectional study with children from a cohort in Viçosa-MG, with 112 children at 6 months, 149 at 9 months and 117 at 12 months. Food intake was assessed by a 24-hour recall and patterns extracted by cluster analysis. Breast milk was identified in at least one dietary pattern every month. There was a low participation of ultra-processed foods in the identified dietary patterns. At month 6, children with lower family income were less likely to belong to the dietary pattern composed of milk formulas. Already overweight/obesity was 3.69 times higher in children who made up the pattern 2 (dairy formulas, vegetables, vegetables, beef and pear). At 12 months height deficit (PR = 3.28) and bottle use (PR = 4.51) were associated with the dietary pattern composed of milk formulas and cow’s milk. The dietary patterns identified reflected the important participation of breast milk in children’s diets. Dietary patterns with the presence of other types of milk were associated with nutritional deviations and bottle feeding.

Key words
Analysis of eating habits; Nutrition of children; Milk

Introdução

A avaliação do consumo alimentar na infância é de grande relevância, uma vez que os hábitos alimentares adquiridos nessa fase tendem a se estender à adolescência e vida adulta, além de poder influenciar no crescimento e desenvolvimento da criança11 Robinson S, Fall C. Infant nutrition and later health: a review of current evidence. Nutrients 2012; 4(8):859-874..

Nos últimos anos, o interesse pelo estudo de padrões alimentares tem crescido e, desde 1998, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o consumo alimentar seja estudado com base nos alimentos e não apenas em nutrientes isolados22 World Health Organization (WHO). Preparation and use of food basead dietary guidelines. Geneva: WHO; 1998. (WHO Technical Report Series 880).. O padrão alimentar é definido como o conjunto de alimentos consumidos frequentemente por um determinado grupo33 Hu FB. Dietary pattern analysis: a new direction in nutritional epidemiology. Curr Opin Lipidol 2002; 13(1):3-9.. A dieta é avaliada de uma perspectiva mais ampla, o que possibilita intervenções mais eficazes em direção à promoção da alimentação saudável e prevenção de doenças crônicas e agravos nutricionais44 Matos SM, Barreto ML, Rodrigues LC, Oliveira VA, Oliveira LP, D’Innocenzo S, Teles CA, Pereira SR, Prado MS, Assis AM. Dietary patterns of children under five years of age living in the State capital and other counties of Bahia State, Brazil, 1996 and 1999-2000. Cad Saude Publica 2014; 30(1):44-54..

Os padrões alimentares podem ser influenciados por fatores de cunho social, econômico, biológico e nutricional. Os fatores socioeconômicos parecem interferir na conformação dos padrões alimentares na infância e em outras fases da vida55 Mayen AL, Marques-Vidal P, Paccaud F, Bovet P, Stringhini S. Socioeconomic determinants of dietary patterns in low- and middle-income countries: a systematic review. Am J Clin Nutr 2014; 100(6):1520-1531.. Porém, aspectos comportamentais da criança, variáveis de nascimento e nutrição foram pouco estudadas em sua associação com padrões alimentares em crianças brasileiras.

Apesar da relevância da temática dos padrões alimentares, os estudos brasileiros realizados com crianças por abordagem a posteriori, ainda são poucos66 Santos NH, Fiaccone RL, Barreto ML, Silva LA, Silva RC. Association between eating patterns and body mass index in a sample of children and adolescents in Northeastern Brazil. Cad Saude Publica 2014; 30(10):2235-2245.

7 Carvalho CA, Fonseca PC, Nobre LN, Priore SE, Franceschini SCC. Methods of a posteriori identification of food patterns in Brazilian children: a systematic review. Cien Saude Colet 2016; 21(1):143-154.
-88 Kupek E, Lobo AS, Leal DB, Bellisle F, Assis MA. Dietary patterns associated with overweight and obesity among Brazilian schoolchildren: an approach based on the time-of-day of eating events. Br J Nutr 2016; 116(11):1954-1965.. Especialmente no primeiro ano de vida a alimentação infantil sofre muitas modificações, passando do aleitamento exclusivo à alimentação da família99 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Dez passos para uma alimentação saudável: guia alimentar para crianças menores de dois anos: um guia para o profissional da saúde na atenção básica. Brasília: MS; 2010., justificando a importância do estudo dos padrões alimentares em faixas-etárias estratificadas durante o primeiro ano de vida. Além disso, sabe-se que nos últimos anos ocorreram profundas modificações no padrão alimentar da população brasileira, que afetaram inclusive a alimentação infantil1010 Conde WL, Monteiro CA. Nutrition transition and double burden of undernutrition and excess of weight in Brazil. Am J Clin Nutr 2014; 100(6):1617S-1622S.. Diante dessas questões é relevante investigar como essas tendências se refletem no padrão alimentar de crianças menores de um ano.

Sabe-se que o perfil antropométrico pode ter associação com o padrão alimentar, conforme já documentado para escolares, adolescentes e adultos brasileiros66 Santos NH, Fiaccone RL, Barreto ML, Silva LA, Silva RC. Association between eating patterns and body mass index in a sample of children and adolescents in Northeastern Brazil. Cad Saude Publica 2014; 30(10):2235-2245.,88 Kupek E, Lobo AS, Leal DB, Bellisle F, Assis MA. Dietary patterns associated with overweight and obesity among Brazilian schoolchildren: an approach based on the time-of-day of eating events. Br J Nutr 2016; 116(11):1954-1965.,1111 Arruda SPM, Silva AAM, Kac G, Vilela AAF, Goldani M, Bettiol H, Barbieri MA. Dietary patterns are associated with excess weight and abdominal obesity in a cohort of young Brazilian adults. Eur J Nutr 2016; 55(6):2081-2091.. Todavia, não encontramos nenhum trabalho que tenha avaliado a associação de padrões alimentares com o estado nutricional de crianças brasileiras menores de um ano77 Carvalho CA, Fonseca PC, Nobre LN, Priore SE, Franceschini SCC. Methods of a posteriori identification of food patterns in Brazilian children: a systematic review. Cien Saude Colet 2016; 21(1):143-154..

Diante do exposto, o presente estudo tem como objetivo identificar padrões alimentares de crianças com seis, nove e doze meses e avaliar sua associação com variáveis socioeconômicos, comportamentais, de nascimento e nutrição.

Métodos

Estudo transversal realizado com crianças de uma coorte de nascimento do município de Viçosa-MG. Convidou-se a participar todas as mães ou responsáveis pelas crianças nascidas no único hospital maternidade da cidade e que eram residentes em Viçosa, de outubro de 2011 a outubro de 2012. Dentro da coorte, o acompanhamento das crianças até os 12 meses, ocorreu até outubro de 2013. Um membro da equipe de pesquisa ficava no hospital aguardando a internação das gestantes para a realização do convite à pesquisa e agendamento das avaliações.

Foi realizado um estudo piloto na Policlínica Municipal de Viçosa, no mês anterior ao início da pesquisa, a fim de testar a aplicação dos questionários semi-estruturado, aferição de medidas antropométricas e aplicação dos recordatórios de 24 horas (R24h). Para tal, avaliou-se crianças de mesma faixa etária e com características similares as do presente estudo.

Os critérios de inclusão foram: ser residente em Viçosa-MG, ter nascido no único hospital-maternidade da cidade, não possuir doenças crônicas ou episódios de doenças agudas que alterassem o estado nutricional infantil; não ser gestação gemelar; e não consumir medicamentos continuamente. Crianças que ao longo do seguimento desenvolveram algum tipo de doença crônica ou episódios de doenças agudas que alterassem o estado nutricional infantil, ou passaram a consumir medicamentos continuamente, foram excluídas. Essas crianças foram acompanhadas, porém seus dados não foram incluídos no estudo.

No início do estudo foram acompanhadas 460 crianças do município, entretanto, para esse manuscrito foram selecionadas apenas aquelas que possuíam todos os recordatórios de 24 horas devidamente preenchidos. Dessa forma foram analisadas, 112 crianças com seis meses, 149 com nove meses e 117 com doze meses, que não necessariamente eram as mesmas ao longo dos meses.

Para a identificação de padrões alimentares, recomenda-se que o número de indivíduos seja igual ou superior a cinco para cada alimento/grupo de alimentos do Questionário de Frequência de Consumo Alimentar (QFCA) ou R24h77 Carvalho CA, Fonseca PC, Nobre LN, Priore SE, Franceschini SCC. Methods of a posteriori identification of food patterns in Brazilian children: a systematic review. Cien Saude Colet 2016; 21(1):143-154.. Neste estudo foram identificados, respectivamente, 18, 21 e 24 grupos de alimentos aos seis, nove e doze meses; assim, seria necessário 90, 105 e 120 crianças nas respectivas idades estudadas.

Variáveis analisadas

As avaliações das crianças foram realizadas na Policlínica Municipal, local de referência para imunização na cidade, na ocasião das vacinações das mesmas. A participação da criança ocorria antes ou após a vacinação, a depender da disponibilidade das mães. A equipe de avaliadores foi previamente treinada para a obtenção das medidas antropométricas e aplicação dos questionários. Em cada avaliação foram obtidos dados antropométricos, dietéticos e informações socioeconômicas e comportamentais das crianças. As variáveis socioeconômicas analisadas foram: escolaridade da mãe (categorizada em > 8 anos e ≤ 8 anos) e renda familiar (categorizada em > p75 e ≤ p75). As variáveis comportamentais incluídas foram o uso de chupeta e de mamadeira, ambas categorizadas em sim ou não.

As medidas antropométricas avaliadas foram peso e comprimento. O peso foi mensurado pela equipe de coleta, utilizando-se balança eletrônica e digital, pediátrica, com capacidade de 15kg e precisão de 10 gramas, sempre sem roupas ou fralda, seguindo as técnicas padronizadas pela OMS1212 Onis M, Onyango AW, Van den Broeck J, Chumlea WC, Martorell R. Measurement and standardization protocols for anthropometry used in the construction of a new international growth reference. Food Nutr Bull 2004; 25(Supl. 1):S27-S36.. O comprimento foi aferido com a criança despida, utilizando-se um antropômetro infantil de madeira, com régua graduada de zero a 100 cm, precisão de um milímetro, seguindo as técnicas da OMS1212 Onis M, Onyango AW, Van den Broeck J, Chumlea WC, Martorell R. Measurement and standardization protocols for anthropometry used in the construction of a new international growth reference. Food Nutr Bull 2004; 25(Supl. 1):S27-S36.. O peso ao nascer foi obtido do cartão da criança no momento da primeira avaliação (1º mês de vida), sendo considerado baixo peso ao nascer para crianças nascidas com peso < 2500g.

Os dados de peso e comprimento foram convertidos nos índices peso/idade (P/I), comprimento/idade (C/I) e Índice de Massa Corporal/idade (IMC/I), em escore-Z. Para os cálculos de escore-Z foi utilizado o software Who-Antro versão 3.2.21313 World Health Organization (WHO). WHO Anthro for personal computers Manual: Software for assessing growth of the world’s children [página na Internet]. Geneva: WHO ; 2005. [acessado 2014 Abr 20]. Disponível em: http://www.who.int/growthref/tools/en
http://www.who.int/growthref/tools/en...
. Para a classificação do estado nutricional foram utilizados os pontos de corte recomendados pela OMS1414 World Health Organization (WHO). WHO Child Growth Standards Length/height-for-age, weight-for-age, weight-for-length, weight-for-height and body mass index-for-age Methods and development. Genebra: WHO; 2006.. Para o indicador IMC/idade as categorias "baixo peso", "eutrofia", "risco de sobrepeso" foram reunidas em uma mesma categoria denominada "sem excesso de peso"; e as classificações "sobrepeso" e "obesidade" foram categorizados em "Sobrepeso/Obesidade".

Identificação dos padrões alimentares

Para a avaliação do consumo alimentar, as mães responderam a um único R24h referente à alimentação das crianças em cada mês, especificando a refeição, horário, alimentos consumidos (com as marcas, quando aplicável) e quantidade. Os dados do consumo alimentar obtidos pelo R24h foram tabulados e processados no software Avanutri®.

Os alimentos consumidos pelas crianças foram mensurados em gramas/dia (g/d) ou mililitros/dia (mL/d). Foram reunidos em 18, 21 e 24 alimentos isolados ou grupos, por semelhança nutricional, aos seis, nove e doze meses, respectivamente. Estes grupos estão detalhados na Tabela 1.

Tabela 1
Agrupamento dos alimentos utilizados na análise dos padrões alimentares conforme semelhança nutricional - Viçosa (MG), 2011-2013.

Os alimentos que representaram menos de 5% do consumo na amostra foram excluídos da análise, pois considera-se que a ingestão destes tem baixa probabilidade de ter contribuição significativa para o padrão alimentar1515 Grieger JA, Scott J, Cobiac L. Dietary patterns and breast-feeding in Australian children. Public Health Nutr 2011; 14(11):1939-1947.. Portanto, eles não compõem os 24 grupos descritos na Tabela 1.

Os padrões alimentares foram derivados a posteriori, por meio de análise de agrupamento no software SPSS versão 20. Os grupos ou alimentos isolados possuíam medidas diferentes (g/d e mL/d), por isso seus valores foram convertidos em escore-Z. O objetivo desse procedimento foi evitar que os clusters se formassem sob a influência de componentes dietéticos de maior magnitude, devido as diferentes unidades de medida existentes nos dados77 Carvalho CA, Fonseca PC, Nobre LN, Priore SE, Franceschini SCC. Methods of a posteriori identification of food patterns in Brazilian children: a systematic review. Cien Saude Colet 2016; 21(1):143-154..

Para a formação dos agrupamentos utilizou-se o método hierárquico de Ward e a medida de similaridade foi a distância euclidiana quadrada. Foram testadas soluções de agrupamento com dois a cinco clusters, e a solução final foi escolhida considerando-se que cada cluster deveria conter mais que 5% dos indivíduos da amostra, pois clusters muito pequenos tendem a ser pouco informativos.

Análises estatísticas

As análises estatísticas foram realizadas no software Stata 14.0. O teste Shapiro Wilk foi usado para verificar a normalidade na distribuição das variáveis. Utilizou-se o teste Kruskal-Wallis para comparar a ingestão de alimentos dentro de cada padrão alimentar, nas crianças de seis e nove meses. Nas crianças de doze meses foi usado o teste Mann-Whitney.

Para analisar os fatores associados aos padrões alimentares no sexto e nono mês foi utilizada regressão multinomial multivariada, pois nesses meses foram identificados três padrões alimentares. No 12º mês, utilizou-se a regressão de Poisson com variância robusta para avaliar a associação entre os padrões alimentares identificados e as variáveis socioeconômicas, comportamentais, de nascimento e nutrição. Padrões com a presença de leite materno foram considerados a categoria de referência. Para as crianças de nove meses o padrão considerado de referência foi aquele que apresentou o leite materno e maior variedade de alimentos em sua composição.

As variáveis escolaridade da mãe, renda familiar, uso de mamadeira e de chupeta, peso ao nascer, comprimento/idade, peso/idade, IMC/idade foram incluídas na análise multivariada. Calculou-se intervalos de 95% de confiança (IC95%) e para todas as análises considerou-se p < 0,05 como nível de significância estatística.

Para recuperar a composição inicial da amostra, devido às perdas ocorridas no estudo, foi empregada a ponderação pelo inverso da probabilidade de seleção. Esse procedimento consiste em calcular, por meio de uma regressão logística, as variáveis que predizem a participação do indivíduo no seguimento. A partir dessa predição é gerada uma probabilidade de seleção e o peso incluído para a ponderação é o inverso dessa probabilidade. O comando svy do Stata foi usado para realizar as análises ponderadas.

Todas as crianças envolvidas no estudo tiveram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pela mãe ou responsável. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Viçosa.

Resultados

Aos seis meses cada padrão alimentar formado foi caracterizado pela presença de um tipo de leite. O padrão 1 composto apenas por leite materno; o padrão 2 caracterizado por fórmulas lácteas e outros alimentos; e o padrão 3 formado por leite de vaca e outros alimentos (Tabela 2).

Tabela 2
Médias e desvio padrão do consumo de alimentos nos padrões alimentares identificados para crianças de 6 e 9 meses. Viçosa, Minas Gerais, 2011-2013.

Em crianças de nove meses também houve a separação de padrões com leite materno (padrão 1 e 2) do terceiro padrão com a presença de leite de vaca e fórmulas lácteas. O padrão 1 foi considerado mais saudável, devido a sua composição por leite materno e maior variedade de frutas (Tabela 2).

Aos doze meses foram identificados dois padrões alimentares, o padrão 1 caracterizado pela presença de leite materno, pão, carne de porco, sucos, laranja e bebidas açucaradas; e o padrão 2 composto por fórmulas lácteas, leite de vaca, farináceos, legumes, sopas e mamão (Tabela 3).

Tabela 3
Médias e desvio padrão do consumo de alimentos nos padrões alimentares identificados para crianças de 12 meses. Viçosa, Minas Gerais, 2011-2013.

Entre as crianças de seis meses, 52,99% eram meninos e 85,47% filhos de mães adultas (> 19 anos). Na Tabela 4, são apresentados os percentuais para outras variáveis socioeconômicas, comportamentais da criança, de nascimento e nutrição, de acordo com cada padrão alimentar. A análise de regressão multinominal multivariada para crianças de seis meses mostrou que crianças com excesso de peso tinham 3,69 vezes mais chance (IC95% 1,13-12,07) de pertencer ao padrão alimentar 2, caracterizado pelo maior consumo de fórmula infantil (Tabela 4).

Tabela 4
Análise de regressão multinominal multivariada dos fatores associados aos padrões alimentares de crianças aos 6 meses de vida. Viçosa, Minas Gerais, 2011-2013.

Entre as crianças aos nove meses, 52,98% eram meninas, 82,35% filhos de mães adultas e 58,94% tinham mães com escolaridade maior que oito anos. Na análise de regressão multinomial multivariada não foi observada associação entre os padrões alimentares identificados e as demais variáveis (Tabela 5).

Tabela 5
Análise multivariada dos fatores associados aos padrões alimentares de crianças aos 9 e 12 meses de vida. Viçosa, Minas Gerais, 2011-2013.

Entre as crianças com doze meses, 54,33% eram meninas, 81,10% filhos de mães adultas e 61,42% tinham mães com escolaridade maior que oito anos. Na análise de regressão multivariada, observou-se 4,51 vezes mais chance de crianças que usam mamadeira pertencerem ao padrão 2 (IC95% 2,01-10,13). Crianças que estavam com baixo comprimento para idade tiveram 3,28 vezes mais chance (IC95% 1,50-7,16) de pertencerem ao padrão 2 (Tabela 5).

Discussão

Positivamente, em todos as faixas-etárias analisadas foram identificados padrões alimentares compostos por leite materno. Ademais, a presença de alimentos ultraprocessados nos padrões alimentares identificados foi baixa. Padrões alimentares caracterizados pela ausência de leite materno estiveram associados ao uso de mamadeira e a desvios nutricionais como excesso de peso e déficit de comprimento.

No Brasil, o estudo de Matos et al.44 Matos SM, Barreto ML, Rodrigues LC, Oliveira VA, Oliveira LP, D’Innocenzo S, Teles CA, Pereira SR, Prado MS, Assis AM. Dietary patterns of children under five years of age living in the State capital and other counties of Bahia State, Brazil, 1996 and 1999-2000. Cad Saude Publica 2014; 30(1):44-54. extraiu o padrão alimentar de crianças dos seis aos onze meses de idade em Salvador. Para essa faixa-etária, o leite materno apresentou carga fatorial negativa, enquanto o leite de vaca obteve carga positiva, o que indica a substituição leite materno pelo leite de vaca. Este manuscrito concorda com o presente trabalho ao destacar a participação do leite de vaca na alimentação de crianças dessa faixa-etária. Entretanto, o baixo impacto do leite materno, observado no estudo de Matos et al.44 Matos SM, Barreto ML, Rodrigues LC, Oliveira VA, Oliveira LP, D’Innocenzo S, Teles CA, Pereira SR, Prado MS, Assis AM. Dietary patterns of children under five years of age living in the State capital and other counties of Bahia State, Brazil, 1996 and 1999-2000. Cad Saude Publica 2014; 30(1):44-54., difere do resultado que encontramos, pois o leite materno foi relevante nos padrões alimentares de todas as faixas-etárias. Semelhante ao presente estudo, Gatica et al.1616 Gatica G, Barros AJ, Madruga S, Matijasevich A, Santos IS. Food intake profiles of children aged 12, 24 and 48 months from the 2004 Pelotas (Brazil) birth cohort: an exploratory analysis using principal components. Int J Behav Nutr Phys Act 2012; 9:43. encontraram cargas fatoriais positivas para o leite materno entre crianças de 12 e 24 meses, em Pelotas.

Em todos os meses foi observada a presença do leite de vaca em um dos padrões alimentares identificados. O consumo precoce de leite de vaca, além de ser fator de risco independente para o desenvolvimento de anemia ferropriva está associado ao consumo excessivo de proteínas, podendo causar alergias e desvios nutricionais1717 Griebler U, Bruckmuller MU, Kien C, Dieminger B, Meidlinger B, Seper K, Hitthaller A, Emprechtinger R, Wolf A, Gartlehner G. Health effects of cow’s milk consumption in infants up to 3 years of age: a systematic review and meta-analysis. Public Health Nutr 2016; 19(2):293-307.,1818 Hopkins D, Steer CD, Northstone K, Emmett PM. Effects on childhood body habitus of feeding large volumes of cow or formula milk compared with breastfeeding in the latter part of infancy. Am J Clin Nutr 2015; 102(5):1096-1103.. Portanto, sua introdução no primeiro ano de vida não é recomendada99 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Dez passos para uma alimentação saudável: guia alimentar para crianças menores de dois anos: um guia para o profissional da saúde na atenção básica. Brasília: MS; 2010..

Em estudo realizado por Robinson et al.1919 Robinson S, Marriott L, Poole J, Crozier S, Borland S, Lawrence W, Law C, Godfrey K, Cooper C, inskip H, Southampton Women’s Survey Study Group. Dietary patterns in infancy: the importance of maternal and family influences on feeding practice. Br J Nutr 2007; 98(5):1029-1037., com crianças de seis meses, no Reino Unido, os autores encontraram padrões alimentares com maior variedade e presença do leite materno (alta frequência de consumo de vegetais, frutas, carne e peixe e leite materno). Observaram também padrões não-saudáveis caracterizados, predominantemente, pelo maior consumo de alimentos ricos em sódio e açúcares (pães, salgadinhos, biscoitos, abóbora, cereais matinais e baixa frequência de consumo de leite materno).

Smithers et al.2020 Smithers LG, Brazionis L, Golley RK, Mittinty MN, Northstone K, Emmett P, McNaughton SA, Campbell KJ, Lynch JW. Associations between dietary patterns at 6 and 15 months of age and sociodemographic factors. Eur J Clin Nutr 2012; 66(6):658-666., estudando crianças do sudeste da Inglaterra com seis meses de idade, identificaram um padrão alimentar composto por leite materno, semelhante ao presente estudo. Entretanto, encontraram também um padrão alimentar composto por alimentos não-saudáveis, tais como biscoitos, batatas fritas, chocolate, doces, pão, coca-cola, outras bebidas gasosas e açucaradas. Esses resultados demonstram as diferenças nos padrões alimentares encontrados em crianças brasileiras e os identificados em estudos internacionais, uma vez que foi evidenciada a inserção muito mais precoce de alimentos não saudáveis nestes últimos. Positivamente, no presente estudo o consumo de alimentos ultraprocessados não foi relevante em nenhuma das faixas-etárias.

Crianças com menor renda familiar tiveram menos chance de pertencer ao padrão alimentar composto por fórmulas infantis. O maior custo das fórmulas infantis em relação a outros tipos de leite como leite de vaca e o leite materno, explica essa associação2121 Carvalho CA, Fonseca PCA, Nobre LN, Silva MA, Pessoa MC, Ribeiro AQ, Priore SE, Franceschini SDCC. Sociodemographic, perinatal and behavioral factors associated to types of milk consumed by children under in six months: birth coort. Cien Saude Colet 2017; 22(11):3699-3710.,2222 Araújo MFM, Del Fiaco A, Pimentel LS, Schmitz BAS. Custo e economia da prática do aleitamento materno para a família. Rev Bras Saude Matern Infant 2004; 4(2):135-141..

Aos doze meses, o uso de mamadeira foi associado à maior chance de consumir alimentos do padrão 2, composto por leite de vaca. A probabilidade de receber aleitamento materno parece ser menor em crianças que usam mamadeira, ao passo que aumenta a possibilidade da introdução de outros tipos de leite, principalmente o leite de vaca2323 Rigotti RR, Oliveira MIC, Boccolini CS. Association between the use of a baby’s bottle and pacifier and the absence of breastfeeding in the second six months of life. Cien Saude Colet 2015; 20(4):1235-1244..

O estudo de Rigotti et al.2323 Rigotti RR, Oliveira MIC, Boccolini CS. Association between the use of a baby’s bottle and pacifier and the absence of breastfeeding in the second six months of life. Cien Saude Colet 2015; 20(4):1235-1244., com crianças de seis a onze meses, no Rio de Janeiro, encontrou que o uso de mamadeira (RP = 1,6; IC95%:1,273-2,023) esteve associado a ausência de aleitamento materno. Segundo os autores, essa relação possivelmente deve-se a confusão de bicos, classicamente associada ao uso de chupetas e mamadeiras. Ademais, a interpretação equivocada do choro do bebê pode levar a menor sucção da mama e menor produção de leite materno, o que facilita a introdução do aleitamento artificial.

Aos seis meses, observou-se a associação entre o padrão 2 (composto por fórmulas lácteas) e o sobrepeso ou obesidade pelo indicador IMC/idade. Esse resultado concorda com observado por Wen et al.2424 Wen X, Kong KL, Eiden RD, Sharma NN, Xie C. Sociodemographic differences and infant dietary patterns. Pediatrics 2014; 134(5):e1387-e1398., que estudaram crianças americanas de seis e doze meses. Eles observaram o aumento do escore-Z de IMC/idade nas crianças que pertenciam ao padrão composto por fórmulas lácteas. As crianças que consomem fórmulas lácteas são um grupo de risco para a ingestão excessiva de energia e de proteínas, o que poderia explicar sua associação com o excesso de peso2525 Lakshman R, Griffin S, Hardeman W, Schiff A, Kinmonth AL, Ong KK. Using the Medical Research Council framework for the development and evaluation of complex interventions in a theory-based infant feeding intervention to prevent childhood obesity: the baby milk intervention and trial. J Obes 2014; 2014:646504.,2626 Michaelsen KF, Greer FR. Protein needs early in life and long-term health. Am J Clin Nutr 2014; 99(3):718S-722S..

Aos 12 meses, o padrão alimentar composto por leite de vaca associou-se ao baixo comprimento/idade. De acordo com Scherbaum e Srour2727 Scherbaum V, Srour ML. The Role of Breastfeeding in the Prevention of Childhood Malnutrition. World Rev Nutr Diet 2016; 115: 82-97., existe maior risco de desnutrição em crianças em aleitamento artificial, devido a pobre higiene ambiental, especialmente em países de baixa renda. Adicionalmente, a substituição do leite materno pode aumentar a suscetibilidade imunológica da criança à infecções, o que favorece a desnutrição2727 Scherbaum V, Srour ML. The Role of Breastfeeding in the Prevention of Childhood Malnutrition. World Rev Nutr Diet 2016; 115: 82-97.. Semelhante ao presente estudo, Wen et al.2424 Wen X, Kong KL, Eiden RD, Sharma NN, Xie C. Sociodemographic differences and infant dietary patterns. Pediatrics 2014; 134(5):e1387-e1398. encontraram que crianças pertencentes a padrões alimentares compostos por leite de vaca, tiveram escores-Z de comprimento/idade menores aos seis e doze meses.

Algumas limitações do estudo precisam ser destacadas. Primeiramente, o inquérito alimentar utilizado está suscetível ao viés de memória por parte dos entrevistados e a utilização de apenas um recordatório pode não refletir o consumo habitual. Segundo, a análise de agrupamentos, assim como as demais metodologias de identificação de padrões alimentares a posteriori, é carregada de subjetividade na escolha do número de clusters e nos critérios para o agrupamento dos alimentos77 Carvalho CA, Fonseca PC, Nobre LN, Priore SE, Franceschini SCC. Methods of a posteriori identification of food patterns in Brazilian children: a systematic review. Cien Saude Colet 2016; 21(1):143-154.. E finalmente, o caráter transversal do estudo impossibilita o estabelecimento de relações causa-efeito entre associações encontradas. Portanto, esse delineamento de estudo não permite afirmar se os desvios nutricionais se instalaram antes ou após dos padrões alimentares identificados. Assim, é recomendado o desenvolvimento de estudos longitudinais que investiguem essa temática, a fim de fornecer mais informações sobre as associações encontradas no presente estudo.

Por outro lado, a relevância deste trabalho encontra-se na avaliação da associação de padrões alimentares no primeiro ano de vida e variáveis de nascimento e nutrição. Portanto, serve de base para intervenções mais efetivas na promoção da alimentação saudável e prevenção de doenças e agravos nutricionais em crianças brasileiras. A avaliação estratificada por meses também é um ponto forte, pois além de não enviesar a amostra com fatores relacionados a idade, permite interpretações mais específicas em etapas cruciais da alimentação no primeiro ano de vida.

Os resultados deste estudo reiteram a importância da manutenção do aleitamento materno no segundo semestre de vida, uma vez que padrões alimentares sem leite materno estiveram associados ao pior estado nutricional e crescimento infantil.

Agradecimentos

Às mães e crianças que gentilmente aceitaram participar deste estudo e às agências de financiamento que viabilizaram economicamente o desenvolvimento desta pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    Fev 2020

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2018
  • Aceito
    12 Jul 2018
  • Publicado
    14 Jul 2018
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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