Fatores associados à violência contra o idoso: uma revisão sistemática da literatura

Maria Angélica Bezerra dos Santos Rafael da Silveira Moreira Patrícia Fernanda Faccio Gabriela Carneiro Gomes Vanessa de Lima Silva Sobre os autores

Resumo

A violência contra a pessoa idosa desenha-se como um problema de saúde pública de complexa administração. É de fundamental importância conhecer seus fatores associados, com ênfase em cada tipo de violência, para possibilitar a criação de políticas públicas baseadas em evidências. Objetivou-se realizar uma revisão sistemática da literatura de estudos epidemiológicos analíticos sobre os fatores associados à violência contra idosos. Para a pesquisa bibliográfica utilizou-se quatro bases de dados: PubMed, Scopus, Web of Science e Lilacs, sem corte de anos. A seleção dos artigos foi realizada por pares e em duas etapas: leitura dos resumos (3121) e leitura dos artigos completos (64), tendo sido selecionados 27 artigos. O risco de viés foi avaliado. Os fatores associados à violência geral foram idade, sexo, estado civil, nível de educação, renda, arranjo familiar, suporte social, solidão, transtorno mental, depressão, tentativa de suicídio, dependência para atividades da vida diária, função cognitiva, doenças crônicas, abuso de álcool ou drogas, entre outros. A violência contra idosos apresentou-se como um fenômeno multifatorial e complexo, por isso não pode ser vista de forma parcial, unidimensional e sim levando em consideração todas as dimensões e entender que há uma interdependência entre elas.

Palavras-chave
Violência; Idoso de 80 anos ou mais

Introdução

O perfil demográfico mundial passa por uma transformação e, com isso, eleva-se o número de idosos, que atualmente corresponde a 962 milhões de indivíduos com 60 anos ou mais e espera-se que esse número seja duplicado em 2050 e triplicado em 210011 United Nations (UN). Department of Economic and Social Affairs. Population Division: World Population Prospects: The 2017 Revision. New York: UN; 2017.. Paralelo ao crescimento populacional de idosos, existe também um aumento da violência nessa população, pois tornam-se mais vulneráveis e dependentes de outras pessoas, seja para a realização de atividades básicas da vida diária, economicamente ou dependência psíquica, sobretudo quando se trata de pessoas com déficit cognitivo ou com limitações naturais do próprio envelhecimento, que acarreta uma menor defesa e oportuniza a ação de agressores22 Barcelos EM, Madureira MDS. Violência contra o idoso. In: Chaimowicz F, organizador. Saúde do idoso. 2° ed. Belo Horizonte: UFMG; 2013, p. 138-149.. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), violência é considerada como a utilização da força física ou poder, em ameaça contra si, outros indivíduos, grupos ou comunidades que possa causar sofrimento, morte, dano psicológico, déficit no desenvolvimento ou privação, de origem física, psicológica, sexual, financeira, por negligência, abandono ou autonegligência33 World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002..

A Violência física caracteriza-se pelo uso da força física para obrigar a fazer algo contra a própria vontade, ferir, gerar dor, incapacidade ou óbito; Violência Psicológica é uma ofensa verbal ou gestual, para aterrorizar, humilhar, limitar a liberdade ou afastar o convívio social; A violência sexual visa obter excitação, sexo, ou condutas eróticas utilizando-se aliciamento, violência física ou ameaças, de caráter homo ou heterossexual; a Violência Financeira ou Econômica é a posse indevida e não consentida dos bens financeiros e patrimoniais do idoso44 Minayo MCS. Violência contra idosos: o avesso de respeito à experiência e à sabedoria. Brasília; Secretaria Especial dos Direitos Humanos; 2005..

Abandono é a ausência ou renúncia, por parte do governo, instituições ou família, no fornecimento de socorro a um idoso que precisa de cuidados; Negligência é a omissão de cuidados ao idoso, seja pelos familiares ou instituições; e a Autonegligência é a ausência de cuidados do próprio idoso para consigo, que possa gerar danos à saúde ou segurança33 World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.,44 Minayo MCS. Violência contra idosos: o avesso de respeito à experiência e à sabedoria. Brasília; Secretaria Especial dos Direitos Humanos; 2005.. Em relação aos maus-tratos, a OMS define como um evento pontual ou repetido ou, ainda, ausência de um ato apropriado, que ocorra diante de uma relação de confiança e que cause prejuízo, sofrimento ou angústia para a pessoa idosa55 World Health Organization (WHO). A global response to elder abuse and neglect: building primary health care capacity to deal with the problem worldwide: main report. Geneva: WHO; 2008..

Além de lesões físicas, os efeitos da violência para a saúde incluem incapacitação, depressão, problemas de saúde física, tabagismo, comportamento sexual de alto risco, consumo abusivo de álcool e drogas e uma série de outras doenças crônicas e infecciosas e que pode até levar à morte22 Barcelos EM, Madureira MDS. Violência contra o idoso. In: Chaimowicz F, organizador. Saúde do idoso. 2° ed. Belo Horizonte: UFMG; 2013, p. 138-149.. A violência exerce grande embate sobre sistemas de saúde e de justiça criminal, bem como os serviços de atendimento social. Todos os tipos de violência estão fortemente associados a determinantes sociais, normas culturais e de gênero, desemprego, desigualdade de renda, educação limitada, maior acesso a armas de fogo e a outros tipos de arma, e consumo excessivo de álcool, dentre outros66 World Health Organization (WHO). Global status report on violence prevention. Geneva: WHO; 2014..

Ao considerar que a violência contra a pessoa idosa desenha-se como um problema de saúde pública de complexa administração, é de fundamental importância conhecer seus fatores associados, sobretudo, para cada tipo de violência, para assim possibilitar a criação de políticas publicas baseadas em evidências, fundamentadas.

Apenas 17% dos 133 países estudados no relatório mundial sobre a prevenção da violência, em 2014, realizaram pesquisas nacionais representativas de base populacional sobre abuso contra idosos, ou seja, a maioria dos países criam suas estratégias para conter a violência sem ter estudado essa problemática66 World Health Organization (WHO). Global status report on violence prevention. Geneva: WHO; 2014.. A identificação de tais fatores contribui para prevenção da violência, através de formas para diminuir riscos, ou gerar proteção para a população idosa.

Dessa forma, objetivou-se realizar uma revisão sistemática da literatura de estudos epidemiológicos analíticos sobre os fatores associados à violência contra idosos.

Método

Foi realizada uma revisão sistemática da literatura, de acordo com as diretrizes dos Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Meta-análises (PRISMA)77 Liberati A, Altman DG, Tetzlaff J, Mulrow C, Gøtzsche PC, Ioannidis JPA, Clarke M, Devereaux PJ, Kleijnen J, Moher D. The PRISMA Statement for Reporting Systematic Reviews and Meta-Analyses of Studies That Evaluate Health Care Interventions: Explanation and Elaboration. BMJ 2009; 339: b2700. e da Meta-análise de estudos observacionais em epidemiologia (MOOSE)88 Stroup DF, Berlin JA, Morton SC, Olkin I, Williamson GD, Rennie D, Moher D, Becker BJ, Sipe, TA, Thacker SB. Meta-analysis of Observational Studies in Epidemiology - MOOSE. JAMA 2000; 283(15):2008-2012.. A revisão foi orientada pela seguinte pergunta: “Quais os fatores associados à violência em idosos, presente na literatura em estudos epidemiológicos analíticos?”.

Como critérios de inclusão, identificou-se estudos epidemiológicos observacionais do tipo coorte, caso-controle ou seccional, cujo desfecho (variável dependente) foi a violência contra o idoso. Como exposição (fatores associados à violência) foram consideradas as variáveis associadas ao desfecho encontradas em cada estudo. Como critérios de exclusão: estudos de idosos com doenças específicas; estudos sem análise multivariada; e estudos com população especial (idosos institucionalizados ou no home care).

A busca bibliográfica foi guiada pelos descritores “violência” e “idoso de 80 anos ou mais” e seus correspondentes na língua inglesa “violence” e “aged, 80 and over”, localizados na lista dos Descritores em Ciências da Saúde, disponível no Portal da Biblioteca Virtual em Saúde (http://decs.bvs.br) e no Medical Subject Headings – Mesh, disponível na U.S. National Library of Medicine (http://www. nlm.nih.gov/mesh/). Para a pesquisa bibliográfica foram utilizadas quatro bases de dados: Pubmed, Scopus, Web of Science e Lilacs. Na base Pubmed, foi utilizada a seguinte chave de busca: ((aged, 80 and over[MeSH Terms])) AND violence[MeSH Terms] No Scopus a chave de busca foi: ( KEY ( violence ) AND KEY ( aged, 80 AND over ) ) . No Web of science a busca foi orientada pela seguinte chave: Tópico: (violence) AND Tópico: (aged, 80 and over). Já no Lilacs a chave de busca foi: “VIOLÊNCIA” [Descritor de assunto] and “idoso de 80 anos ou mais” [Descritor de assunto]. Todas as buscas foram realizadas no dia 12 de julho de 2017, e não houve limites de período nem idiomas, com intuito de identificar a maior quantidade possível de artigos sobre a temática da revisão.

A partir dos descritores, a busca nas bases de dados selecionadas levou à identificação de 3.121 artigos potenciais para inclusão na revisão sistemática. A seleção desses artigos foi realizada em duas etapas: leitura de resumos e leitura de artigo completo. Inicialmente foi realizado um estudo piloto com a leitura dos 100 primeiros resumos encontrados para adequar os critérios de inclusão e exclusão da pesquisa e, posteriormente, com a leitura dos demais resumos. A leitura dos resumos foi realizada por dois pesquisadores, autores deste estudo (MABS e PFF), de forma independente, com base nos critérios de inclusão e exclusão pré-definidos no protocolo da pesquisa.

Após a leitura dos resumos, foi aplicado o Índice de Kappa para análise da concordância entre os dois pesquisadores e validação dos critérios de seleção do protocolo. Para o piloto dos 100 primeiros resumos foi encontrado um Kappa = 0,81, e para todos os 3.121 resumos o Kappa foi de 0,57, representando uma concordância quase perfeita e moderada, respectivamente. Dos 3.121 resumos lidos, houve concordância de 33 para inclusão na leitura completa do artigo e 3.040 para exclusão. Houve divergência em 48 resumos que foram lidos por um terceiro pesquisador, também autor do presente estudo (VLS), e foi realizada uma reunião de consenso com os três leitores para aprimorar a compreensão dos critérios pré-definidos. Após a reunião, houve consenso para a inclusão de 31 resumos e exclusão de 17. Ao final, 64 resumos foram incluídos para a segunda etapa da seleção, etapa esta da leitura completa dos artigos.

A leitura completa dos artigos também foi realizada de forma independente pelos mesmos dois leitores da etapa anterior. Houve com isso, concordância de 19 artigos para inclusão na revisão e 32 para exclusão. Aconteceu divergência em 13 artigos que foram lidos por terceiro pesquisador (VLS), e em reunião de consenso com os três leitores houve inclusão de 8 artigos das divergências. Foram identificadas 4 duplicações de artigos e 4 artigos com população especial, que foram excluídos, restando 27 artigos. (Figura 1). O índice de Kappa dessa etapa foi de 0,59 representando uma concordância moderada.

Figura 1
Fluxograma da seleção de artigos da revisão sistemática.

Foram selecionados 27 artigos para compor a presente revisão sistemática, todos da base de dados PubMed e Scopus. A extração de dados dos artigos foi realizada de forma independente por dois leitores (MABS e PFF), por meio de um protocolo elaborado pelos pesquisadores. Os dados extraídos foram: autor (es), ano, título, idioma da publicação, país, objetivo do estudo, população do estudo, idade estudada, desenho do estudo, período do estudo, tamanho amostral (idosos), tipo de violência, como a violência foi medida, tipo de agressor, medida da violência, análise estatística, fatores associados e conclusão dos autores. Os dados estatísticos foram expressos em: risco relativo (RR), odds ratio (OR), razão de prevalência ajustada (RPA), Intervalo de confiança (IC95%) e p < 0,05. Com os dados extraídos foi realizada a análise do risco de viés dos artigos, por meio da The Newcastle-Ottawa Scale (NOS)99 Wells GA, Shea B, O'Connell D, Peterson J, Welch V, Losos M, Tugwell P. The Newcastle-Ottawa Scale (NOS). 2014 [cited 2018 jan 31]. Available from: http://www.ohri.ca/programs/clinical_epidemiology/oxford. asp
http://www.ohri.ca/programs/clinical_epi...
. A escala NOS mede a qualidade metodológica de um estudo pelo número de estrelas recebidas quanto à seleção dos grupos do estudo, comparabilidade dos grupos e verificação da exposição/desfecho. Para estudos de coorte a escala original foi utilizada. Para os estudos seccionais, utilizou-se uma versão adaptada da escala do estudo caso-controle. O risco de viés foi avaliado para cada questão da escala conforme o seguinte julgamento: “Sim, para baixo risco de viés” e uma estrela foi alocada (*) e “Não, para alto risco de viés” e uma estrela não foi alocada. Todos os itens valem uma estrela (*), exceto a comparabilidade que pode receber até duas estrelas. Estudos seccionais podem receber até oito estrelas e os de coorte, nove estrelas (Quadro 1).

Quadro 1
Análise do risco de viés dos estudos incluídos na revisão.

Resultados

Foram incluídos nesta revisão sistemática 27 estudos, sendo 23 de desenho seccional, dois caso-controle e dois coorte. A maioria dos artigos selecionados foram desenvolvidos nos Estados Unidos, seguidos da China, Coréia e Espanha, os demais países apresentaram apenas um estudo cada (Quadro 2). Os países estudados fazem parte de três continentes do mundo: América, Ásia e Europa. Não foram encontrados estudos realizados no continente Africano e Oceania. Apenas um artigo realizado no Brasil estava escrito no idioma português e um da Coréia estava em coreano, todos os outros foram escritos na língua inglesa. O tamanho da amostra dos estudos variou de 164 a 24.343 idosos e o ano de publicação dos artigos variou de 1997 a 2016 (Quadro 2).

Quadro 2
Características dos estudos incluídos na revisão sistemática.

Com relação à população estudada, a maioria dos estudos incluídos trabalhou a população idosa como um todo. Dentre esses, o ponto de corte de 60 anos ou mais foi mais prevalente em relação ao ponto de corte de 65 anos ou mais. Observou-se que apenas um estudo abordou idosos com 75 anos ou mais e que nenhum artigo fez o recorte para idosos longevos, com 80 anos ou mais (Quadro 2).

Os tipos de violência estudados variaram de acordo com os artigos, a maioria dos estudos generalizou e falou em violência geral, maus-tratos ou abusos, outros foram mais específicos e citaram os tipos de violência estudados, porém o abuso emocional ou psicológico e abuso financeiro foram os mais prevalentes, seguidos pelo abuso físico, a negligência, a autonegligência, o abuso sexual e a agressão verbal (Quadro 2).

A medida da violência foi realizada através de inúmeras formas, os dados foram obtidos por meio de questionários, entrevistas, formulários ou dados secundários. O instrumento mais utilizado foi o questionário Escala de Táticas e Conflitos (CTS)/(CTS2), em quatro estudos1010 De Donder L, Lang G, Ferreira-Alves J, Penhaled B, Tamutienee I, Luomaf M. Risk factors of severity of abuse against older women in the home setting: A multinational European study. J Women Aging 2016; 28(6):540-554.

11 Burnes D, Pillemer K, Caccamise PL, Mason A, Henderson Junior CR, Berman J, Cook AM, Shukoff D, Brownell P, Powell KM, Salamone A, Lachs MS. Prevalence of and Risk Factors for Elder Abuse and Neglect in the Community: A Population-Based Study. J Am Geriatr Soc 2015; 63(9):1906-1912.

12 Chokkanathan S. Factors associated with elder mistreatment in rural Tamil Nadu, India: a cross-sectional survey. Int J Geriatr Psychiatry 2014; 29(8):863-869.
-1313 Naughton C, Drennan J, Lyons I, Lafferty A, Treacy M, Phelan A, O'Loughlin A, Delaney L. Elder abuse and neglect in Ireland: results from A national prevalence survey. Age and Ageing 2012; 41(1):98-103. (Quadro 2).

A identificação dos fatores associados à violência foi organizada em dois eixos, a partir do desfecho de cada estudo incluído. Inicialmente foram identificados os fatores associados à qualquer tipo de violência. Em seguida foi realizada a identificação de fatores associados a tipos específicos de violência (autonegligência, negligência, violência verbal, violência emocional ou psicológica, violência financeira, violência sexual e violência física).

Os Fatores associados à violência geral foram idade, sexo, estado civil, nível de educação, renda, arranjo familiar, relação familiar, suporte social, solidão, transtorno mental, depressão, tentativa de suicídio, dependência para AVD, função cognitiva, doenças crônicas, abuso de álcool ou drogas e higiene pobre do corpo ou boca (Quadro 3).

Quadro 3
Fatores associados à violência geral em idosos.

A idade foi estudada em quatro pesquisas, em dois artigos viu-se que ser menor de 70 anos é risco para sofrer violência1010 De Donder L, Lang G, Ferreira-Alves J, Penhaled B, Tamutienee I, Luomaf M. Risk factors of severity of abuse against older women in the home setting: A multinational European study. J Women Aging 2016; 28(6):540-554.,1414 Oh J, Kimb HS, Martinsb D, Kimc H. A study of elder abuse in Korea. A study of elder abuse in Korea. International Journal of Nursing Studies 2006; 43:203-214., o que divergiu com outros dois artigos que demonstraram ser proteção1212 Chokkanathan S. Factors associated with elder mistreatment in rural Tamil Nadu, India: a cross-sectional survey. Int J Geriatr Psychiatry 2014; 29(8):863-869.,1515 Gil APM, Kislaya I, Santos AJ, Nunes B, Nicolau R, Fernandes AA. Elder Abuse in Portugal: Findings From the First National Prevalence Study. J Elder Abuse Negl 2014; 27(3):174-195., além disso, três estudos afirmaram que ser do sexo feminino é risco para violência1616 Duque AM, Leal MCC, Marques APO, Eskinazi FMV, Amanda Marques, Duque AM. Violência contra idosos no ambiente doméstico: prevalência e fatores associados (Recife/PE). Cien Saude Colet 2012; 17(8):2199-2208.

17 Friedman LS, Avila S, Tanouye K, Joseph K. A Case-Control Study of Severe Physical Abuse of Older Adults. J Am Geriatr Soc 2011; 59(3):417-422.
-1818 Perez-Carceles MD, Rubio L, Pereniguez JE, Perez-Flores D, Osuna E, Luna A. Suspicion of elder abuse in South Eastern Spain: The extent and risk factors. Arch Gerontol Geriatr 2009; 49(1):132-137., o que divergiu de outro artigo1414 Oh J, Kimb HS, Martinsb D, Kimc H. A study of elder abuse in Korea. A study of elder abuse in Korea. International Journal of Nursing Studies 2006; 43:203-214. (Quadro 3).

Estudo demonstrou que quem vive sozinho ou com filhos tem dez vezes mais chances de ser suspeita de sofrer abuso1818 Perez-Carceles MD, Rubio L, Pereniguez JE, Perez-Flores D, Osuna E, Luna A. Suspicion of elder abuse in South Eastern Spain: The extent and risk factors. Arch Gerontol Geriatr 2009; 49(1):132-137.. Discutir e viver em conflito com familiares ou amigos também foram considerados grande riscos para violência1818 Perez-Carceles MD, Rubio L, Pereniguez JE, Perez-Flores D, Osuna E, Luna A. Suspicion of elder abuse in South Eastern Spain: The extent and risk factors. Arch Gerontol Geriatr 2009; 49(1):132-137.,1919 Shugarman LR, Fries BE, Wolf RS, Morris JN. Identifying Older People at Risk of Abuse During Routine Screening Practices. J Am Geriatr Soc 2003; 51(1):24-31., bem como quem possui algum transtorno mental, com nove vezes mais chances de sofrer violência, comparando com quem não tem1717 Friedman LS, Avila S, Tanouye K, Joseph K. A Case-Control Study of Severe Physical Abuse of Older Adults. J Am Geriatr Soc 2011; 59(3):417-422. (Quadro 3).

A dependência para as atividades de vida diária (AVD) também foi vista como risco para violência em três estudos1515 Gil APM, Kislaya I, Santos AJ, Nunes B, Nicolau R, Fernandes AA. Elder Abuse in Portugal: Findings From the First National Prevalence Study. J Elder Abuse Negl 2014; 27(3):174-195.,1818 Perez-Carceles MD, Rubio L, Pereniguez JE, Perez-Flores D, Osuna E, Luna A. Suspicion of elder abuse in South Eastern Spain: The extent and risk factors. Arch Gerontol Geriatr 2009; 49(1):132-137.,2020 Choi NG, Kim J, Asseff J. Self-Neglect and Neglect of Vulnerable Older Adults: Reexamination of Etiology. J Gerontol Soc Work 2009; 52(2):171-187., apenas um artigo divergiu e afirmou uma proteção de 4% para quem tem AVD mais baixa1414 Oh J, Kimb HS, Martinsb D, Kimc H. A study of elder abuse in Korea. A study of elder abuse in Korea. International Journal of Nursing Studies 2006; 43:203-214.. O abuso de álcool foi considerado expressivo para a violência geral, com o risco oito vezes maior para quem abusa do álcool1919 Shugarman LR, Fries BE, Wolf RS, Morris JN. Identifying Older People at Risk of Abuse During Routine Screening Practices. J Am Geriatr Soc 2003; 51(1):24-31., assim como quem possui higiene pobre do corpo ou boca, com doze vezes mais chances de sofrer abuso1818 Perez-Carceles MD, Rubio L, Pereniguez JE, Perez-Flores D, Osuna E, Luna A. Suspicion of elder abuse in South Eastern Spain: The extent and risk factors. Arch Gerontol Geriatr 2009; 49(1):132-137. (Quadro 3).

Quanto aos fatores associados a tipos específicos de violência, a idade maior que 80 anos foi associada ao risco de autonegligência leve, moderada e severa2121 Dong X. Sociodemographic and socioeconomic characteristics of elder self-neglect in an US Chinese aging population. Arch Gerontol Geriatr 2016; 64:82-89.. Ser homem preto ou mulher preta, configuraram seis e quatro vezes mais chances para autonegligência, respectivamente2222 Dong X, Simon MA, Evans DA. Prevalence of Self-Neglect across Gender, Race, and Socioeconomic Status: Findings from the Chicago Health and Aging Project. Gerontology 2012; 58(3):258-268., bem como ter menos tempo de estudo, visto em dois estudos como fator de risco2121 Dong X. Sociodemographic and socioeconomic characteristics of elder self-neglect in an US Chinese aging population. Arch Gerontol Geriatr 2016; 64:82-89.,2222 Dong X, Simon MA, Evans DA. Prevalence of Self-Neglect across Gender, Race, and Socioeconomic Status: Findings from the Chicago Health and Aging Project. Gerontology 2012; 58(3):258-268. e renda mais baixa, considerada cinco vezes mais chances para autonegligência2222 Dong X, Simon MA, Evans DA. Prevalence of Self-Neglect across Gender, Race, and Socioeconomic Status: Findings from the Chicago Health and Aging Project. Gerontology 2012; 58(3):258-268. (Quadro 4).

Quadro 4
Fatores associados às violências específicas.

Ser separado ou divorciado, corresponde a um risco duas vezes maior do idoso sofrer negligência, como também, viver abaixo da linha da pobreza, demonstrado como risco em dois estudos1111 Burnes D, Pillemer K, Caccamise PL, Mason A, Henderson Junior CR, Berman J, Cook AM, Shukoff D, Brownell P, Powell KM, Salamone A, Lachs MS. Prevalence of and Risk Factors for Elder Abuse and Neglect in the Community: A Population-Based Study. J Am Geriatr Soc 2015; 63(9):1906-1912.,1414 Oh J, Kimb HS, Martinsb D, Kimc H. A study of elder abuse in Korea. A study of elder abuse in Korea. International Journal of Nursing Studies 2006; 43:203-214.. Quem vive com outros membros da família teve cinco vezes mais chances de sofrer negligência, comparado a quem vive sozinho2323 Garre-Olmo J, Planas-Pujol X, Lopez-Pousa S, Juvinya D, Vila A,Vilalta-Franch J. Prevalence and Risk Factors of Suspected Elder Abuse Subtypes in People Aged 75 and Older. J Am Geriatr Soc 2009; 57(5):815-822. e quem teve depressão, duas vezes mais chances2424 Wu L, Chen H, Hu Y, Xiang H, Yu X, Zhang T, Cao Z, Wang Y. Prevalence and Associated Factors of Elder Mistreatment in a Rural Community in People's Republic of China: A Cross- Sectional Study. PLoS ONE 2012; 7(3): e33857. (Quadro 4).

O nível econômico mais baixo gera um risco três vezes maior para violência verbal, já a relação familiar muito boa, conferiu proteção em 100% dos casos1414 Oh J, Kimb HS, Martinsb D, Kimc H. A study of elder abuse in Korea. A study of elder abuse in Korea. International Journal of Nursing Studies 2006; 43:203-214. (Quadro 4).

Quatro estudos demonstraram que ter mais idade é fator de proteção para violência emocional ou psicológica1111 Burnes D, Pillemer K, Caccamise PL, Mason A, Henderson Junior CR, Berman J, Cook AM, Shukoff D, Brownell P, Powell KM, Salamone A, Lachs MS. Prevalence of and Risk Factors for Elder Abuse and Neglect in the Community: A Population-Based Study. J Am Geriatr Soc 2015; 63(9):1906-1912.,1414 Oh J, Kimb HS, Martinsb D, Kimc H. A study of elder abuse in Korea. A study of elder abuse in Korea. International Journal of Nursing Studies 2006; 43:203-214.,2424 Wu L, Chen H, Hu Y, Xiang H, Yu X, Zhang T, Cao Z, Wang Y. Prevalence and Associated Factors of Elder Mistreatment in a Rural Community in People's Republic of China: A Cross- Sectional Study. PLoS ONE 2012; 7(3): e33857.,2525 Beach SR, Schulz R, Castle NG, Rosen J. Financial Exploitation and Psychological Mistreatment Among Older Adults: Differences Between African Americans and Non African Americans in a Population-Based Survey. Gerontologist 2010; 50(6):744-757., já dois estudos mostraram que ser solteiro, divorciado ou separado são fatores de risco1111 Burnes D, Pillemer K, Caccamise PL, Mason A, Henderson Junior CR, Berman J, Cook AM, Shukoff D, Brownell P, Powell KM, Salamone A, Lachs MS. Prevalence of and Risk Factors for Elder Abuse and Neglect in the Community: A Population-Based Study. J Am Geriatr Soc 2015; 63(9):1906-1912.,2424 Wu L, Chen H, Hu Y, Xiang H, Yu X, Zhang T, Cao Z, Wang Y. Prevalence and Associated Factors of Elder Mistreatment in a Rural Community in People's Republic of China: A Cross- Sectional Study. PLoS ONE 2012; 7(3): e33857., divergindo com uma pesquisa, onde esses fatores foram de proteção2525 Beach SR, Schulz R, Castle NG, Rosen J. Financial Exploitation and Psychological Mistreatment Among Older Adults: Differences Between African Americans and Non African Americans in a Population-Based Survey. Gerontologist 2010; 50(6):744-757.. Enquanto ter baixa escolaridade foi proteção para dois estudos1111 Burnes D, Pillemer K, Caccamise PL, Mason A, Henderson Junior CR, Berman J, Cook AM, Shukoff D, Brownell P, Powell KM, Salamone A, Lachs MS. Prevalence of and Risk Factors for Elder Abuse and Neglect in the Community: A Population-Based Study. J Am Geriatr Soc 2015; 63(9):1906-1912.,2424 Wu L, Chen H, Hu Y, Xiang H, Yu X, Zhang T, Cao Z, Wang Y. Prevalence and Associated Factors of Elder Mistreatment in a Rural Community in People's Republic of China: A Cross- Sectional Study. PLoS ONE 2012; 7(3): e33857. e risco para outro2525 Beach SR, Schulz R, Castle NG, Rosen J. Financial Exploitation and Psychological Mistreatment Among Older Adults: Differences Between African Americans and Non African Americans in a Population-Based Survey. Gerontologist 2010; 50(6):744-757.. O nível econômico mais baixo conferiu um risco quatro vezes maior para abuso emocional1414 Oh J, Kimb HS, Martinsb D, Kimc H. A study of elder abuse in Korea. A study of elder abuse in Korea. International Journal of Nursing Studies 2006; 43:203-214., enquanto quem teve o diagnóstico de depressão foi vítima de violência emocional sete vezes mais do que quem não teve2424 Wu L, Chen H, Hu Y, Xiang H, Yu X, Zhang T, Cao Z, Wang Y. Prevalence and Associated Factors of Elder Mistreatment in a Rural Community in People's Republic of China: A Cross- Sectional Study. PLoS ONE 2012; 7(3): e33857. (Quadro 4).

O abuso financeiro foi três vezes maior em idosos maiores de 85 anos2323 Garre-Olmo J, Planas-Pujol X, Lopez-Pousa S, Juvinya D, Vila A,Vilalta-Franch J. Prevalence and Risk Factors of Suspected Elder Abuse Subtypes in People Aged 75 and Older. J Am Geriatr Soc 2009; 57(5):815-822., nove vezes maior em quem teve o nível econômico mais baixo1414 Oh J, Kimb HS, Martinsb D, Kimc H. A study of elder abuse in Korea. A study of elder abuse in Korea. International Journal of Nursing Studies 2006; 43:203-214. e duas vezes maior para quem tem risco de depressão2525 Beach SR, Schulz R, Castle NG, Rosen J. Financial Exploitation and Psychological Mistreatment Among Older Adults: Differences Between African Americans and Non African Americans in a Population-Based Survey. Gerontologist 2010; 50(6):744-757. ou deficiência física2424 Wu L, Chen H, Hu Y, Xiang H, Yu X, Zhang T, Cao Z, Wang Y. Prevalence and Associated Factors of Elder Mistreatment in a Rural Community in People's Republic of China: A Cross- Sectional Study. PLoS ONE 2012; 7(3): e33857. (Quadro 4).

Estudo demonstrou que ser solteiro foi risco duas vezes maior para a violência sexual e três vezes maior para quem não tem renda2626 Cannell MB, Manini T, Spence-Almaguer E, Maldonado-Molina M, Andresen EM. U.S. Population Estimates and Correlates of Sexual Abuse of Community-Dwelling Older Adults. J Elder Abuse Negl 2014; 26(4):398-413.. Enquanto outro estudo mostrou que o apoio social baixo é um risco quatro vezes maior para esse tipo de violência2727 Hernandez-Tejada MA, Amstadter A, Muzzy W, Acierno R. The National Elder Mistreatment Study: Race and Ethnicity Findings. J Elder Abuse Negl 2013; 25(4):281-293. (Quadro 4).

Já o nível econômico mais baixo ou sentir-se desesperado gera um risco quatro vezes maior para a violência física1414 Oh J, Kimb HS, Martinsb D, Kimc H. A study of elder abuse in Korea. A study of elder abuse in Korea. International Journal of Nursing Studies 2006; 43:203-214.,2828 Jang MH, Park CG. Risk Factors Influencing Probability and Severity of Elder Abuse in Communitydwelling Older Adults: Applying Zero-inflated Negative Binomial Modeling of Abuse Count Data. J Korean Acad Nurs 2012; 42(6):819-832., e quem possui o diagnóstico de depressão tem seis vezes mais risco de ser vítima dessa violência2424 Wu L, Chen H, Hu Y, Xiang H, Yu X, Zhang T, Cao Z, Wang Y. Prevalence and Associated Factors of Elder Mistreatment in a Rural Community in People's Republic of China: A Cross- Sectional Study. PLoS ONE 2012; 7(3): e33857. (Quadro 4).

Discussão

A violência contra o idoso é um fenômeno universal, embora seja um tema relativamente novo, existem inúmeros estudos publicados. O tema maus-tratos cometidos contra idosos foi publicado pela primeira vez em 1975, como “espancamento de avós”, em revistas britânicas. Foi visto como questão social e política numa pesquisa epidemiológica de base populacional, para estimar a prevalência desses maus-tratos, nos Estados Unidos, em 19882929 Espíndula CR, Blay SL. Prevalência de maus-tratos na terceira idade: revisão sistemática. Rev Saude Publica 2007; 41(2):301-306.. Entre as décadas de 1980 e 1990, pesquisas científicas e ações governamentais foram surgindo em diversos países. A violência contra o idoso foi identificada inicialmente em países desenvolvidos, onde aconteceu a maioria dos estudos33 World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002..

Na presente revisão sistemática, os estudos foram realizados em países do continente Americano, Europeu e Asiático. Nenhum estudo foi feito na África e Oceania. Demonstra-se com isso, que os estudos sobre violência na população idosa estão concentrados em países com maior nível de desenvolvimento humano (PNUD, 2015), o que pode mascarar uma realidade de índices de violência mundial ainda maiores que os já conhecidos. Em outro estudo de revisão sistemática3030 Yon Y, Mikton C, Gassoumis ZD, Wilber KH. The Prevalence of Self-Reported Elder Abuse Among Older Women in Community Settings: A Systematic Review and Meta-Analysis. Trauma Violence Abuse 2017; 20(2):245-259. sobre violência contra pessoas idosas, a maioria dos estudos primários ocorreu em países desenvolvidos, corroborando com a presente revisão.

Ao observar a produção científica acerca da violência contra o idoso, notou-se poucos estudos com níveis de evidência elevados, a maioria dos estudos incluídos foi de desenho seccional. Tal achado demonstra a importância da violência para o meio acadêmico e social, no entanto há necessidade de estudos com maior nível de evidência, pois os estudos seccionais ainda estão na base da pirâmide de evidência.

Com relação à medida da violência, os estudos utilizaram instrumentos diversos, fato que dificulta a comparação entre as medidas da violência nos artigos. A maioria dos estudos incluídos relatou falhas e necessidade de adequação de instrumentos para cada contexto. Nessa revisão sistemática, o instrumento mais utilizado foi a Review Conflicts Tactics Scale (CTS)/(CTS2). Tal achado corrobora com o estudo de Espíndola e Blay2929 Espíndula CR, Blay SL. Prevalência de maus-tratos na terceira idade: revisão sistemática. Rev Saude Publica 2007; 41(2):301-306..

A CTS não foi criada especificamente para a população idosa, mas é o instrumento mais antigo, criado em 1979, e mais amplamente utilizado, o que pode ser explicado pelo fato de atender aos critérios de validade e confiabilidade, a CTS2 é uma versão mais atualizada, com o intuito de melhorar as falhas existentes na versão original3131 Santana IO. Violência urbana e suas implicações na qualidade de vida de pessoas idosas [tese]. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba; 2015..

Quanto aos fatores associados à violência contra idosos, ter “renda mais baixa” foi considerado fator de risco para todos os tipos de violência, geral ou específicas, de forma bastante expressiva. Tal fato indica que quanto menos dinheiro o idoso possuir, mais vulnerável será para sofrer violência.

Aglomerados de pessoas de baixa renda ou desempregadas tendem a gerar maiores índices de instabilidade habitacional, ocasionando um déficit na criação de valores e normas comuns entre indivíduos, bem como no desenvolvimento de laços sociais consistentes e redes de apoio. O controle social também fica comprometido e gera condições favoráveis para a violência, como o aumento da marginalização social e das más condições de saúde física e mental66 World Health Organization (WHO). Global status report on violence prevention. Geneva: WHO; 2014..

Ter o diagnóstico de depressão também foi um fator de risco encontrado em quase todos os tipos de violência, como a maioria dos estudos é transversal e consequentemente não veem causalidade, não há como inferir se os idosos sofrem mais violência por serem depressivos ou se são depressivos como consequência da violência sofrida.

A maioria dos estudos demonstrou risco para as mulheres idosas sofrerem violência geral. Os maus-tratos serem predominantes em mulheres poderia ser justificado por um viés de sobrevida entre os estudos transversais, que não levaram em conta a maior sobrevida delas e consequentemente o maior número de abusos entre elas.

No entanto, estimativas globais indicaram que 30% das idosas que já tiveram um parceiro, já foram vítimas de violência física e ou sexual em algum momento da vida, com variações de acordo com as regiões no mundo. Nas Regiões Africanas, do Mediterrâneo Oriental e do Sudeste Asiático, aproximadamente 37% das mulheres, foram vítimas do parceiro íntimo, seguindo-se à Região das Américas, com aproximadamente 30% das idosas que relataram exposição à violência no decorrer da vida66 World Health Organization (WHO). Global status report on violence prevention. Geneva: WHO; 2014..

Ser idoso longevo apresentou-se risco para autonegligência e como proteção para negligência, violência verbal, psicológica, financeira e física. Tal achado pode ser devido à dificuldade para a notificação da violência, já que os agressores geralmente são os cuidadores ou pessoas próximas, então ao observar-se o fator “idade”, têm-se em mente o quão mais difícil seria para um idoso longevo denunciar alguma tipo de maltrato, tendo em vista todas as limitações naturais da idade, sem contar com demências ou incapacidades físicas e psicológicas associadas, então atribuir à autonegligência, pode ser mascarar uma possível negligência.

A negligência, conceituada como recusa, ou falta por parte do responsável pelo idoso em fornecer os cuidados necessários, pode ser doméstica ou institucional e pode gerar lesões e traumas físicos, emocionais e sociais. As pessoas negligenciam os idosos por acharem que eles não necessitam de cuidados, por já terem uma maturidade psicofisiológica, ao contrário das crianças e adolescentes, que estão em desenvolvimento. Porém, essa população possui limitações próprias do envelhecimento, como a redução da higidez dos órgãos, funções e sentidos3232 Brasil. Câmara dos Deputados, Centro de Estudos e Debates Estratégicos, Consultoria Legislativa. 2050: desafios de uma nação que envelhece. Brasília: Edições Câmara; 2017..

Quando se tratou de relações familiares, “viver com a família de um filho casado”, “viver sozinho ou com filhos”, “domicílios com seis ou mais moradores”, ter “menor apoio da família”, “discutir frequentemente com parentes” e “expressar conflito com familiares ou amigos” foram fatores de risco para violência geral. “Viver com outros membros da família” foi risco para negligência. “Viver com a família de um filho casado” e “viver com um único filho” foram risco para abuso financeiro. Enquanto “relação familiar muito ruim” foi fator de risco para negligência, violência geral, verbal, psicológica e econômica.

Segundo o relatório mundial de violência e saúde33 World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002., o idoso pode correr um maior risco de violência em morar com a pessoa que cuida dele, devido à falta de privacidade para ambos, ou à superlotação dentro do domicílio, que podem gerar conflitos dentro da família. Além disso, idosos demenciados podem ser violentos com os cuidadores e gerarem uma violência recíproca.

A sobrecarga de trabalho que a velhice pode trazer, principalmente quando o indivíduo possui dependência para as atividades da vida diária (AVD) e atividades instrumentais da vida diária (AIVD) também pode gerar um índice maior de violência, como foi visto nesse estudo, o qual demonstrou que maior dependência para AVD e AIVD foram risco para violência geral e que ter qualquer dificuldade nas AIVD foi risco também para a violência financeira.

Existe uma interdependência entre o agressor e a vítima, o idoso sofre maior risco de abuso quando é mais dependente para a realização de atividades cotidianas, e os agressores geralmente são mais dependentes dos idosos, na maioria das vezes jovens, que necessitam de moradia e assistência financeira, que geram maior risco de abusos. Idosos podem ser isolados devido à doenças físicas ou mentais, bem como pela perda de amigos e familiares. Isso diminui as chances de interação social33 World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002..

Isolamento social pode ser fator de risco para abuso, como foi visto nesse estudo por diversas variáveis que demonstraram risco para violência geral. Também pode ser pensado como consequência de abuso, tendo em vista que os idosos podem ficar acuados com a violência praticada contra eles e se isolarem.

Na presente revisão sistemática os fatores sociais foram significativos, bem como os relacionados à saúde, o que deixa claro que os riscos individuais existentes necessitam de soluções a nível macro, como investimentos para melhores condições de vida das pessoas, mais igualdade social, melhor saúde e educação para todos, para uma melhor qualidade de vida e redução da prevalência de todos os tipos de violência contra os idosos em todo o mundo.

A violência contra o idoso apresentou-se como um fenômeno multifatorial, dotada de complexidade. Há complexidade à medida que componentes distintos são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e existe uma interdependência entre a violência e seu contexto, o todo e as partes entre si3434 Ruelas-González MG, Duarte-Gómez MB, Flores- Hernández S, Ortega-Altamirano DV, Cortés-Gil JD, Taboada A, Ruano AL. Prevalence and factors associated with violence and abuse of older adults in Mexico's 2012 National Health and Nutrition Survey. Int J Equity Health 2016; 15:35..

Como limitação desta revisão, observou-se a inexistência de estudos exclusivamente com violência em idosos longevos. Todavia, vale ressaltar que se trata de mais uma contribuição essencial para o estudo da violência contra a população idosa.

Conclusão

A violência contra idosos apresentou-se como um fenômeno multifatorial. Na presente revisão foram identificados como fatores associados: idade, sexo, estado civil, nível de educação, renda, arranjo familiar, relação familiar, suporte social, solidão, transtorno mental, depressão, dependência para AVD e AIVD, entre outros.

Por isso, a violência não pode ser vista de forma parcial, unidimensional, mas deve ser levado em consideração suas diversas dimensões e entender que há uma interdependência entre todos os fatores associados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    04 Jun 2018
  • Aceito
    22 Set 2018
  • Publicado
    24 Set 2018
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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