Pandemia exacerba desigualdades na Saúde

Maria Cecília de Souza Minayo Neyson Pinheiro Freire Sobre os autores

Resumo

Vivemos uma pandemia global sem precedentes em nossa geração. São tempos difíceis para os trabalhadores da Saúde. Estamos todos sob a mesma tempestade e participamos do mesmo esforço coletivo contra a COVID-19. Mas não estamos no mesmo barco. A desigualdade determina a forma como cada categoria de trabalhadores da Saúde é atingida pelo novo coronavírus no Brasil. Expostos ao contágio na linha de frente do combate ao novo coronavírus, os técnicos e auxiliares sentem, de forma desproporcional e alarmante, os efeitos da pandemia. São mais de 1,3 milhão de técnicos e quase 420 mil auxiliares de Enfermagem, que realizam cuidados essenciais em unidades de Saúde e não contam com a retaguarda assistencial e financeira para mitigar os efeitos da COVID-19 sobre si e seus familiares. Oito em cada dez destes profissionais são mulheres, que além de serem provedoras também assumem, na maioria das vezes, o papel de cuidadoras primárias de crianças, idosos e enfermos em suas famílias. Os baixos salários dificultam o acesso a alternativas mais seguras de transporte e cuidado para seus dependentes. É esta a realidade da maioria dos profissionais que mantêm o sistema de Saúde funcionando, em plena pandemia.

Palavras-chave
Pandemia; COVID-19; Desigualdades; Saúde

Vivemos uma pandemia global sem precedente em nossa geração. Atravessamos uma tempestade sanitária, guiados por diretrizes ainda experimentais – extraídas de um conhecimento científico rudimentar, em construção – ao tempo em que tentamos conter a pulsão de morte dos que boicotam o isolamento social, com a propagação de notícias falsas que encorajam a população a ignorar recomendações sanitárias, e relutam em garantir os investimentos indispensáveis para fazer frente à pandemia. São tempos difíceis para os trabalhadores da Saúde.

Estamos todos sob a mesma tempestade e participamos do mesmo esforço coletivo para não deixar a população à deriva. Mas não estamos no mesmo barco. A desigualdade social encontrada no Brasil é um terreno fértil para a disseminação da COVID-19, dificultando o isolamento social, restringindo acesso a insumos básicos para higiene e proteção, e dificultando a própria assistência aos serviços de Saúde. A disparidade entre o número de leitos e respiradores per capita na rede pública e privada gera distorções que dificultam a distribuição eficaz de recursos, contribuindo para a mortalidade.

A desigualdade influencia, também, a forma como cada categoria da Saúde é atingida pelo novo coronavírus. O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) contabiliza mais de 13 mil afastamentos associados à COVID-19 e 101 mortes de profissionais de Enfermagem11 Conselho Federal de Enfermagem (Cofen). Observatório da Enfermagem [Internet]. [acessado 2020 Maio 01]. Disponível em: http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br/
http://observatoriodaenfermagem.cofen.go...
. O risco é agravado pela escassez de Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs), subdimensionamento das equipes e manutenção de profissionais integrantes dos grupos de maior risco na linha de frente do atendimento. Os dados coletados são apenas a ponta do iceberg, alerta o Conselho, que aponta subnotificação. Sem acesso a testes, muitos casos de coronavírus entre enfermeiros, técnicos e auxiliares de Enfermagem não são contabilizados. A própria capacidade de processamento dos dados varia conforme a região.

Expostos ao contágio na linha de frente do combate ao novo coronavírus, os técnicos e auxiliares sentem, de forma desproporcional e alarmante, os efeitos da pandemia. São mais de 1,3 milhão de técnicos e quase 420 mil auxiliares de enfermagem22 Conselho Federal de Enfermagem (Cofen). Enfermagem em Números [Internet]. [acessado 2020 Maio 01]. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-numeros
http://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-nu...
, que realizam cuidados essenciais em unidades de Saúde e não contam com a retaguarda assistencial e financeira para mitigar os efeitos da COVID-19 sobre si e seus familiares.

A situação é ainda mais grave quando consideramos que oito em cada dez destes profissionais são mulheres, que além de serem provedoras também assumem, na maioria das vezes, o papel de cuidadoras primárias de crianças, idosos e enfermos em suas famílias. Os baixos salários dificultam o acesso a alternativas mais seguras de transporte e cuidado para seus dependentes. Beiram, às vezes, a insegurança alimentar. É esta a realidade da maioria dos profissionais que mantêm o sistema de Saúde funcionando, em plena pandemia.

É indecente que os profissionais acima de 60 anos e integrantes de grupos de risco não tenham, ainda, sido afastados das funções que exigem contato direto com casos suspeitos e confirmados de COVID-19, contrariando diretrizes do próprio Ministério da Saúde. Vitória judicial garantiu, liminarmente, o afastamento daqueles que atuam em hospitais e institutos administrados diretamente pela União. São uma ínfima parcela do contingente. Será mesmo preciso judicializar o óbvio?

Seguimos juntos na tempestade, mas não estamos no mesmo barco. As embarcações mais frágeis levam aquelas que são, quase sempre, as primeiras a receber os pacientes em unidades de Saúde, que estão ao seu lado 24h por dia. Aquelas que, após longos plantões, seguem em transportes coletivos até a periferia, onde enfrentam dupla jornada, ainda mais árdua com o necessário fechamento das escolas. A velha lei do mar, incorporada a todas as convenções e legislações posteriores, obriga embarcações a prestarem socorro mútuo.

Sejamos solidários!

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Set 2020

Histórico

  • Recebido
    08 Maio 2020
  • Aceito
    11 Maio 2020
  • Publicado
    13 Maio 2020
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