Impacto e tendência da COVID-19 no sistema penitenciário do Brasil: um estudo ecológico

Juliane de Almeida Crispim Antônio Carlos Vieira Ramos Thaís Zamboni Berra Márcio Souza dos Santos Felipe Lima dos Santos Luana Seles Alves Fernanda Bruzadelli Paulino da Costa Ricardo Alexandre Arcêncio Sobre os autores

Resumo

Tendo em vista a rápida disseminação do novo coronavírus no sistema prisional, o presente trabalho teve como objetivos identificar aglomerados espaciais para ocorrência da COVID-19 na população privada de liberdade (PPL) e analisar a tendência temporal dos casos confirmados no sistema penitenciário do Brasil. Estudo ecológico que considerou como unidades de análise as cinco macrorregiões do Brasil, seus 26 estados e o Distrito Federal. A população foi composta por todos os casos de COVID-19 confirmados, no período de 14 de abril a 31 de agosto de 2020. A fonte de dados utilizada foi o Painel de Monitoramento dos casos de COVID-19 nos sistemas prisionais do Departamento Penitenciário Nacional. Realizou-se análise descritiva, estatística de varredura e análise da tendência temporal. Foram notificados 18.767 casos de COVID-19 na PPL, dos quais 4.724 ocorreram no estado de São Paulo. A estatística de varredura possibilitou a identificação de 14 clusters espaciais de risco para COVID-19 na PPL, sendo o aglomerado de maior risco formado pelo Distrito Federal. Embora o país finalize a série com um comportamento decrescente, observa-se que no período de investigação a tendência apresentou um comportamento maioritariamente crescente. Evidencia-se a necessidade de testagem em massa, monitoramento e registro contínuo dos casos de COVID-19 na PPL do país.

Palavras-chave:
COVID-19; Prisioneiros; Prisões; Epidemiologia

Introdução

Com o surgimento do novo coronavírus, a sociedade enfrenta um grande desafio sanitário neste século11 Silva GA, Jardim BC, Santos CVB. Excesso de mortalidade no Brasil em tempos de COVID-19. Cien Saude Colet 2020; 25(9):3345-3354.. A doença chamada de COVID-19 foi descrita inicialmente na China no final do ano de 2019 e rapidamente se disseminou em várias partes do mundo, sendo declarada uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em março de 202022 World Health Organization (WHO). Rolling updates on coronavirus disease (COVID-19). 2020. [acessado 2020 Jul 31]. Disponível em: https://www.who. int/emergencies/diseases/novel-13coronavirus-2019/ events-as-they-happen
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,33 World Health Organization (WHO). Q&A on coronaviruses (COVID-19). 2020. [acessado 2020 Jul 31]. Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/question-and-answers-hub/q-a-detail/q-a-coronaviruses
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Desde a confirmação oficial do primeiro caso de COVID-19 no Brasil, em 26 de fevereiro44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Especial. 2020. [acessado 2020 Jul 21]. Disponível em: https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/May/21/2020-05-19---BEE16---Boletim-do-COE-13h.pdf
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, estratégias vêm sendo desenvolvidas para conter o avanço da doença no país. No entanto, em decorrência de um cenário político instável, com baixa adesão ao isolamento social em determinadas regiões, ausência de um planejamento nacional integrado a Estados e municípios, além das desigualdades sociais já existentes, as perspectivas de controle e prevenção da doença não são favoráveis11 Silva GA, Jardim BC, Santos CVB. Excesso de mortalidade no Brasil em tempos de COVID-19. Cien Saude Colet 2020; 25(9):3345-3354..

Uma preocupação adicional a este contexto refere a entrada e a disseminação do coronavírus nas unidades prisionais do Brasil, cujas condições de encarceramento encontradas no país têm como características: celas superlotadas e pouco ventiladas, acesso limitado a água e saneamento básico e unidades prisionais sem módulo de saúde, contemplando salas de atendimento espalhadas por onde houver espaço disponível55 Soares Filho MM, Bueno PMMG. Demografia, vulnerabilidades e direitos à saúde da população prisional brasileira. Cien Saude Colet 2016; 21(7):1999-2010.. Essas particularidades tornam estes ambientes extremamente suscetíveis a rápida disseminação da doença, visto que já é amplamente documentado o histórico de disseminação de influenza, tuberculose e outras doenças infecciosas e respiratórias66 Sánchez A, Simas L, Diuana V, Larouze B. COVID-19 nas prisões: um desafio impossível para a saúde pública? Cad Saude Publica 2020; 36(5):e00083520.,77 Montoya-Barthelemy AG, Lee CD, Cundiff DR, Smith EB. COVID-19 and the Correctional Environment: The American Prison as a Focal Point for Public Health. Am J Prev Med 2020; 58(6):888-891..

Devido às condições de encarceramento no país, estima-se que um caso positivo contamine até 10 pessoas66 Sánchez A, Simas L, Diuana V, Larouze B. COVID-19 nas prisões: um desafio impossível para a saúde pública? Cad Saude Publica 2020; 36(5):e00083520., 80% dos casos infectados permanecerão assintomáticos ou manifestarão sintomas leves da doença, 20% progredirão para formas mais graves, necessitando de internação, dos quais, 6% em Unidades de Terapia Intensiva88 World Health Organization (WHO). Regional Office for Europe. Preparedness, prevention and control of COVID-19 in prisons and other places of detention: Interim guidance 15 March 2020. 2020. [acessado 2020 Jun 23]. Disponível em: https://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0019/434026/Preparedness-prevention-and-control-of-COVID-19-in-prisons.pdf?ua=1
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A literatura evidencia que além de se tratar de um grande risco para as pessoas privadas de liberdade, uma alta incidência de casos de COVID-19 nos presídios pode servir como fonte de infecção para a população geral99 Franco-Paredes C, Jankousky K, Schultz J, Bernfeld J, Cullen K, Quan NG, Kon S, Hotez P, Henao-Martínez AF, Krsak M. COVID-19 in jails and prisons: A neglected infection in a marginalized population. PLoS Negl Trop Dis 2020; 14(6):e0008409.. O coronavírus pode transitar entre as grades do sistema prisional e ser transmitido às comunidades locais por meio de agentes penitenciários, profissionais de saúde, visitantes, pessoas que cumpriram sua pena e foram libertadas e aquelas que foram transferidas1010 Sylverken A, El-Duah P, Owusu M, Yeboah R, Kwarteng A, Ofori L, Gorman R, Obiri-Danso K, Owusu-Dabo E. Burden of respiratory viral infections among inmates of a Ghanaian prison. Research Square 2019; [preprint]..

Países como China, Brasil, Índia, Indonésia e outras nações têm apresentado uma preocupação generalizada e esforços vêm sendo feitos para que a epidemia de COVID-19 seja controlada no sistema prisional1111 World Prisons Brief. COVID-19 in prisons: a major public health risk. 2020 Mar [acessado 2020 Jun 10]. Disponível em: https://prisonstudies.org/news/covid-19-prisons-%E2%80%93-major-public-health-risk
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. Segundo recomendação da OMS, a liberdade condicional deve ser concedida e priorizada para as pessoas que compõem o grupo de risco, desde que não ofereçam perigo à sociedade88 World Health Organization (WHO). Regional Office for Europe. Preparedness, prevention and control of COVID-19 in prisons and other places of detention: Interim guidance 15 March 2020. 2020. [acessado 2020 Jun 23]. Disponível em: https://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0019/434026/Preparedness-prevention-and-control-of-COVID-19-in-prisons.pdf?ua=1
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No Brasil, as medidas propostas pela OMS foram acatadas na Recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)1212 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação nº 62, de 17 de março de 2020. Recomenda aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus - Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo. DJe/CNJ 2020; 17 mar., que envolveu medidas de desencarceramento e de não aprisionamento de indivíduos do grupo de risco, como idosos, gestantes, pessoas com doenças crônicas, respiratórias ou com condições imunossupressoras, além de ações sanitárias como restrição de visitas, limpeza das celas e espaços comuns com maior frequência, triagem das pessoas privadas de liberdade, de funcionários e visitantes, e isolamento de casos suspeitos ou confirmados no presídio.

A partir do contexto apresentado, da pandemia que alarma o Brasil e o mundo em um momento em que as unidades prisionais são compreendidas como locais de grande desafio para a implantação das ações de prevenção e promoção da saúde55 Soares Filho MM, Bueno PMMG. Demografia, vulnerabilidades e direitos à saúde da população prisional brasileira. Cien Saude Colet 2016; 21(7):1999-2010., este estudo teve como objetivos identificar aglomerados espaciais para a ocorrência da COVID-19 na população privada de liberdade (PPL) e analisar a tendência temporal dos casos confirmados no sistema penitenciário do Brasil.

Métodos

Estudo ecológico1313 Kleinbaum DG, Kupper LL, Morgenstern H. Epidemiologic Research: Principles and Quantitative Methods. Hoboken: John Wiley & Sons; 1982. realizado no Brasil, que tem mais de 773 mil pessoas privadas de liberdade em unidades prisionais e ocupa o 3º lugar no ranking dos países com a maior PPL do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China1414 Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. Dados sobre população carcerária do Brasil são atualizados. [acessado 2020 Ago 11]. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/justica-e-seguranca/2020/02/dados-sobre-populacao-carceraria-do-brasil-sao-atualizados#:~:text=Considerando%20presos%20em%20estabelecimentos%20penais,liberdade%20em%20todos%20os%20regimes
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,1515 Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Conselho Nacional do Ministério Público. A visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro. Vol. 3. Brasília: Conselho Nacional do Ministério Público; 2018. [acessado 2020 Ago 23]. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2019/BOOK_SISTEMA_PRISIONAL.pdf.

Considerou-se como unidades de análise as cinco macrorregiões (Sudeste, Sul, Nordeste, Norte e Centro-Oeste) do Brasil, seus 26 estados e o Distrito Federal (DF).

A população do estudo foi composta por todos os casos de COVID-19 confirmados nas unidades prisionais do país, no período de 14 de abril a 31 de agosto de 2020.

A coleta de dados foi realizada no Painel de Monitoramento dos casos de COVID-19 nos sistemas prisionais do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), que monitora e disponibiliza os dados dos casos suspeitos e confirmados de COVID-19 nas unidades prisionais dos estados brasileiros e a atualização ocorre diariamente através da autodeclaração dos gestores das unidades prisionais através do formulário disponível na web1616 Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. Painéis de Monitoramento. [acessado 2020 Ago 31]. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYThhMjk5YjgtZWQwYS00ODlkLTg4NDgtZTFhMTgzYmQ2MGVlIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9
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. Para cada estado, o status dos casos é classificado em suspeito, detectado/confirmado e óbito.

No processo de coleta dos dados, as informações foram tabuladas em planilhas utilizando o software Microsoft Excel®, no qual foi realizada a conferência diária do total de casos de COVID-19 detectados nas unidades prisionais por macrorregiões e estados.

Após validação do banco de dados, foi realizada a análise descritiva dos casos de COVID-19 confirmados na PPL, com cálculo das frequências absolutas, relativas e taxa de incidência por estado. Para o cálculo da taxa, considerou-se a PPL de cada estado1616 Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. Painéis de Monitoramento. [acessado 2020 Ago 31]. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYThhMjk5YjgtZWQwYS00ODlkLTg4NDgtZTFhMTgzYmQ2MGVlIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9
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com fator de multiplicação por 100.000 habitantes.

Com o objetivo de identificar em quais estados do Brasil a PPL apresenta maior risco de infecção pelo coronavírus foi utilizada a técnica de análise espacial denominada estatística de varredura, desenvolvida por Kulldorff e Nagarwalla1717 Kulldorff M, Nagarwalla N. Spatial disease clusters: Detection and inference. Stat Med 1995; 14(8):799-810..

Na estatística de varredura, a busca por aglomerados é realizada através do posicionamento de um círculo de raio variável em torno do centroide de cada estado e então é calculado o número de casos observados e esperados dentro de cada círculo. O chamado cluster é identificado quando o valor observado na área delimitada pelo círculo for maior ou menor do que o valor esperado1818 Kulldorff M. SaTScan User Guide for version 9.6. 2018. [acessado 2020 Jun 29]. Disponível em: https://www.satscan.org/cgi-bin/satscan/register.pl/SaTScan_Users_Guide.pdf?todo=process_userguide_download
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Considera-se como hipótese nula (H0) a não existência de cluster de alto ou baixo risco, ou seja, toda a PPL possui a mesma probabilidade de contrair COVID-19, independentemente de sua localidade; enquanto H1 (hipótese alternativa) assume a existência de clusters que são áreas nas quais a PPL teria maior ou menor probabilidade de contrair a doença1717 Kulldorff M, Nagarwalla N. Spatial disease clusters: Detection and inference. Stat Med 1995; 14(8):799-810..

Para essa análise considerou-se o modelo discreto de Poisson, visto que se trata de uma distribuição de probabilidade de uma variável ou evento, de maneira que satisfaz as condições de que a análise calcule o número de vezes que este evento ocorre em um dado intervalo de tempo ou região, sendo que a probabilidade do evento ocorrer é a mesma para cada intervalo e o número de ocorrências do evento em um intervalo é independente do número de ocorrências em outro intervalo1818 Kulldorff M. SaTScan User Guide for version 9.6. 2018. [acessado 2020 Jun 29]. Disponível em: https://www.satscan.org/cgi-bin/satscan/register.pl/SaTScan_Users_Guide.pdf?todo=process_userguide_download
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Quanto à formação dos aglomerados, foi considerada a opção sem sobreposições geográficas. Selecionou-se ainda formação de aglomerados circulares e 999 replicações na simulação de Monte Carlo, independentemente do número de replicações o teste de hipótese não é tendencioso, resultando em um nível de significância correto1818 Kulldorff M. SaTScan User Guide for version 9.6. 2018. [acessado 2020 Jun 29]. Disponível em: https://www.satscan.org/cgi-bin/satscan/register.pl/SaTScan_Users_Guide.pdf?todo=process_userguide_download
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Para mensurar o tamanho do cluster espacial utilizou-se o coeficiente de Gini que estipulou uma população sob risco de 5%, ou seja, o número de casos é comparado aos dados da população de base e o número esperado de casos em cada estado é proporcional ao tamanho da população em risco1919 Han J, Zhu L, Kulldorff M, Hostovich S, Stinchcomb DG, Tatalovich Z, Lewis DR, Feuer EJ. Using Gini coefficient to determining optimal cluster reporting sizes for spatial scan statistics. Int J Health Geogr 2016; 15:27..

O risco relativo (RR) e seu respectivo intervalo de confiança (IC95%) de cada aglomerado foi calculado, permitindo a comparação das informações em áreas distintas. Foram considerados aglomerados estatisticamente significativos aqueles com p < 0,05.

A análise de detecção de aglomerados foi realizada no software SaTScan™ versão 9.2 e o mapa temático contendo os RRs das áreas identificadas foi construído através do software ArcGis® versão 10.5.

Para a construção e a análise de séries temporais dos casos notificados de COVID-19 no sistema penitenciário do Brasil, foi utilizado o programa R Studio® versão 3.5.2, através da biblioteca forecast.

Para a análise da tendência temporal dos casos detectados no sistema penitenciário do Brasil, inicialmente, foram construídas séries temporais dos casos de COVID-19. Séries temporais são o conjunto de observações sobre uma variável ordenado no tempo e registrado em períodos regulares, cujo objetivo é identificar padrões (crescimento, decrescimento, estacionariedade) de uma variável de interesse ao longo do tempo2020 Latorre MRDO, Cardoso MRA. Análise de séries temporais em epidemiologia: uma introdução sobre os aspectos metodológicos. Rev Bras Epidemiol 2001; 4(3):145-152.,2121 Brockwell PJ, Davis RA. Introduction to Time Series and Forecasting. 2nd ed. New York: Springer-Verlag; 2002..

Dessa maneira, para a construção das séries temporais, foram consideradas as taxas de incidência diárias por COVID-19 na PPL para o Brasil e suas cinco macrorregiões, considerando os registros de casos de 14 de abril a 31 de agosto de 2020.

Posteriormente, foi utilizado o método de decomposição sazonal de séries temporais por Loess (Seasonal Decomposition of Time Series by Loess - STL). Este método de decomposição (quebra) é baseado em uma regressão localmente ponderada (Loess), sendo um método utilizado para estimar relações não lineares, decompondo (quebrando) uma série temporal em três partes: tendência, sazonalidade e ruído2121 Brockwell PJ, Davis RA. Introduction to Time Series and Forecasting. 2nd ed. New York: Springer-Verlag; 2002.,2222 Cleveland RB, Cleveland WS, McRae JE, Terpenning I. STL: A Seasonal-Trend Decomposition Procedure Based on Loess. J Off Stat 1990: 6(1):3-73..

A tendência refere-se à direção geral segundo a qual as variáveis da série temporal se desenvolvem, de acordo com um intervalo de tempo, ou seja, a tendência de uma série temporal é definida como um padrão de crescimento/decrescimento da variável em um determinado período. Sazonalidade são padrões idênticos que uma série temporal parece obedecer e que ocorrem regularmente em períodos fixos de tempo. Por fim, o ruído são as flutuações que ocorrem ao longo do tempo da série, sendo movimentos irregulares e aleatórios perceptíveis apenas com a remoção dos demais componentes2222 Cleveland RB, Cleveland WS, McRae JE, Terpenning I. STL: A Seasonal-Trend Decomposition Procedure Based on Loess. J Off Stat 1990: 6(1):3-73..

Para o estudo, cuja série temporal diária não apresenta sazonalidade, utilizou-se a função mstl (Multiple seasonal decomposition), originada do método STL e disponível na biblioteca forecast, indicado para séries temporais não sazonais, decompondo a série temporal em tendência e ruído.

Dos componentes da série temporal, foi selecionada a tendência para caracterizar o comportamento da incidência da COVID-19 ao longo do tempo, sendo construídos gráficos para o Brasil e macrorregiões através do programa R Studio®.

Por se tratar de dados abertos ou de acesso público, com informações agregadas, sem identificação individual, o estudo não foi registrado e nem avaliado pelo Sistema CEP/CONEP2323 Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016. Diário Oficial da União 2016; 24 maio..

Resultados

A Tabela 1 apresenta as frequências absolutas e relativas relacionadas aos casos de COVID-19 detectados na PPL, bem como as taxas de incidência dos estados e DF.

Tabela 1
Casos de COVID-19 detectados na população privada de liberdade dos estados e Distrito Federal, Brasil, abril a agosto de 2020.

De abril a agosto de 2020 foram notificados 18.767 casos de COVID-19 na PPL, dos quais 4.724 (25,17%) ocorreram no estado de São Paulo, seguido pelo DF (1.774 casos; 9,45%), que apresentou a maior taxa de incidência (10695,77 por 100.000 habitantes), e Pernambuco com 1.357 casos (7,23%). O estado do Paraná teve a menor taxa de detecção, de 161,67 por 100.000 habitantes, com 48 (0,26%) casos confirmados em uma PPL de 29.690 pessoas.

A estatística de varredura possibilitou a identificação de 14 clusters espaciais de risco para COVID-19 na PPL, os quais foram classificados em cinco grupos de acordo com seu RR (Figura 1).

Figura 1
Áreas de risco para infecção por SARS-COV-2 na população privada de liberdade nos estados e Distrito Federal, Brasil, abril a agosto de 2020.

Assim, o Grupo 1 foi formado por sete aglomerados (p < 0,001), com população de 124.307 pessoas privadas de liberdade, 1.534 casos observados e 3.121 casos esperados, apresentando RR de 0.06 a 0.79 (IC95%: 0.04 - 0.83). Compõe esse grupo os estados das macrorregiões: Sudeste (Espírito Santo); Sul (Paraná); Nordeste (Alagoas, Ceará, Paraíba e Sergipe); Norte (Amazonas).

O Grupo 2 composto por três aglomerados (p < 0,001), com população de 71.852 pessoas privadas de liberdade, 2.706 casos observados e 1.804 casos esperados, com RR de 1.42 a 1.65 (IC95%: 1.30 - 1.70), foi formado por dois estados da região Nordeste (Pernambuco e Rio Grande do Norte) e três estados da região Norte (Amapá, Pará e Tocantins).

Formado por dois aglomerados (p < 0,001), o Grupo 3 foi composto por população de 40.893 pessoas privadas de liberdade, 2.068 casos observados e 1.026 casos esperados, com RR de 2.04 a 2.09 (IC95%: 1.86 - 2.17). Compõe esse grupo os estados de Santa Catarina (Sul) e Mato Grosso do Sul (Centro-Oeste).

O Grupo 4 também foi formado por dois aglomerados (p < 0,001), com população de 16.952 pessoas privadas de liberdade, 1.488 casos observados e 425 casos esperados, com RR de 3.58 a 3.71 (IC95%: 3.30 - 3.98), sendo composto pelo Piauí (Nordeste) e Mato Grosso (Centro-Oeste).

E, por fim, o Grupo 5 foi constituído por um aglomerado (p < 0,001), com população de 16.586 pessoas privadas de liberdade, 1.774 casos observados e 416 casos esperados, com RR de 4.59 (IC95%: 4.28 - 4.71), composto pelo Distrito Federal, localizado na região Centro-Oeste do país.

A Figura 2 apresenta a tendência temporal das taxas de incidência da COVID-19 entre a PPL no Brasil e nas cinco macrorregiões. No país, a tendência temporal da incidência apresentou um comportamento maioritariamente crescente, atingindo os valores máximos de incidência por volta do centésimo dia e finalizando a série com um comportamento decrescente, com uma taxa de incidência de 19,65 casos por 100.000 habitantes.

Figura 2
Tendência da incidência da COVID-19 entre a população privada de liberdade segundo Brasil e as macrorregiões, abril a agosto de 2020.

Observa-se na Figura 2 que as regiões Sudeste e Sul finalizaram a série temporal com tendências decrescente. A região Sudeste apresentou alternâncias entre comportamento crescente e decrescente na série temporal e tendência, finalizando o período de estudo com as menores taxas de incidência da série temporal (6,49 casos por 100.000 habitantes). A região Sul apresentou comportamento crescente durante a maior parte da série temporal (atingindo as maiores incidências por volta do centésimo dia) finalizando com comportamento decrescente, com uma taxa de incidência de 10,59 casos por 100.000 habitantes.

As regiões Nordeste e Norte finalizaram as séries temporais com tendência crescente. A região Nordeste apresentou as maiores incidências por volta do septuagésimo dia, centésimo e centésimo décimo dia, finalizando o período com comportamento crescente, com incidência de 20,96 casos por 100.000 habitantes. A série temporal da região Norte apresentou comportamento predominantemente crescente, finalizando o período com tendência crescente e as maiores taxas das macrorregiões, com incidência de 63,71 casos por 100.000 habitantes (Figura 2).

Referente a região Centro-Oeste, a série temporal apresentou-se predominantemente com tendência crescente, com as maiores incidências por volta do centésimo vigésimo dia, finalizando o período com comportamento decrescente. Apesar do decrescimento ao final da série, sua taxa de incidência é de 56,12 casos por 100.000 habitantes.

Discussão

Os resultados evidenciam questões que vêm sendo debatidas na literatura internacional referentes às condições de encarceramento em diferentes países que são extremamente suscetíveis à rápida disseminação do coronavírus.

De todos os países no mundo, 59% apresentam níveis de ocupação superiores à capacidade oficialmente informada2424 World Prisons Brief. Highest to Lowest - Occupancy level (based on oficial capacity). 2020 [acessado 2020 Ago 29]. Disponível em: https://www.prisonstudies.org/highest-to-lowest/occupancy-level
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, sendo necessária ações de alternativas penais que deverão reduzir o número de pessoas privadas de liberdade expostas à doença2525 Okano JT, Blower S. Preventing major outbreaks of COVID-19 in jails [correspondence]. Lancet 2020; 395(10236):1542-1543..

Neste momento em que o Brasil enfrenta uma pandemia com alta capacidade de contágio do coronavírus, a superlotação das unidades prisionais brasileiras é um elemento agravador para a PPL e para os profissionais do sistema prisional. O país possui déficit de cerca de 303 mil vagas1414 Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. Dados sobre população carcerária do Brasil são atualizados. [acessado 2020 Ago 11]. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/justica-e-seguranca/2020/02/dados-sobre-populacao-carceraria-do-brasil-sao-atualizados#:~:text=Considerando%20presos%20em%20estabelecimentos%20penais,liberdade%20em%20todos%20os%20regimes
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, impossibilitando que condições mínimas de saúde sejam asseguradas aos encarcerados, o que exige respostas rápidas e adoção de medidas judiciais de desencarceramento para mudar esse contexto66 Sánchez A, Simas L, Diuana V, Larouze B. COVID-19 nas prisões: um desafio impossível para a saúde pública? Cad Saude Publica 2020; 36(5):e00083520..

Dados da análise descritiva mostram que o estado de São Paulo apresentou o maior número de casos de COVID-19 entre a PPL, seguido pelo DF, que teve a maior taxa de incidência, e Pernambuco. Cabe destacar que no período do estudo, SP tinha uma PPL quase 14 vezes maior que o DF e sete vezes maior que PE1616 Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. Painéis de Monitoramento. [acessado 2020 Ago 31]. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYThhMjk5YjgtZWQwYS00ODlkLTg4NDgtZTFhMTgzYmQ2MGVlIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9
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, e que houve alteração no modo de contagem dos casos ao incluir resultados de testes rápidos, ampliando o registro de ocorrências2626 Brasil. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Casos de Covid-19 no sistema prisional crescem 82% em um mês. 2020 [acessado 2020 Ago 31]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/cresce-82-numero-de-casos-de-covid-19-no-sistema-prisional/
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Corrobora com esses resultados a identificação dos clusters espaciais de risco para ocorrência da COVID-19 na PPL, sendo o aglomerado de maior risco composto pelo DF, seguido por aglomerados formados pelo Piauí, Mato Grosso, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul.

A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (SEAP-DF) registrou duas mortes de internos em razão da COVID-19 em cinco dias, afirmando, ainda, ter realizado 6 mil testes até 01 de julho, o que representa 50% da testagem total do sistema penitenciário brasileiro, de acordo com o DEPEN. No entanto, não informam discriminadamente quantos testes foram realizados nas pessoas privadas de liberdade e quantos foram feitos nos agentes penitenciários. Sendo que os dois blocos inaugurados pelo governo do DF para alocar os casos de COVID-19 confirmados, já funcionam acima da capacidade2727 Infovírus. Sistema Penitenciário do Distrito Federal registra duas mortes por COVID-19 em cinco dias [internet]. 2020 [acessado 2020 Set 20]. Disponível em: https://www.covidnasprisoes.com/blog/sistema-penitenciario-do-distrito-federal-registra-duas-mortes-por-covid-19
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Já no MS, o contágio de COVID-19 entre a PPL cresceu 196%. Segundo boletim da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (AGEPEN/MS), no dia 31 de julho, o estado registrou 157 casos confirmados, e no dia 14 de agosto, esse número subiu para 465 casos de COVID-19. O índice de contaminação nas prisões do estado é de 2,6% e a chance de contaminação comparado à população não privada de liberdade é 94% maior2828 Infovírus. Registro de casos de COVID-19 entre a população prisional do Mato Grosso do Sul aumenta 196% em duas semanas [internet]. 2020 [acessado 2020 Set 20]. Disponível em: https://www.covidnasprisoes.com/blog/registro-de-covid-19-aumenta-em-duas-semanas
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O sistema prisional do MT opera com uma capacidade acima de 70% do total de vagas, no boletim do dia 05 de agosto da Secretaria de Estado de Segurança Pública (SESP) o estado apresenta um aumento de aproximadamente 78% dos casos de COVID-19 em duas semanas. A Penitenciária Central do Estado (PCE), em Cuiabá é a unidade prisional que concentra mais casos da doença entre a PPL, com notificação de 347 casos de COVID-192929 Infovírus. Em duas semanas, casos de COVID-19 aumentam 78% na população prisional do Mato Grosso [internet]. 2020 [acessado 2020 Set 20]. Disponível em: https://www.covidnasprisoes.com/blog/em-duas-semanas-casos-de-covid-19-aumentam-78-na-populacao-prisional-do
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De acordo com Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça (DMF/CNJ)3030 Brasil. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Registro de contágios/óbitos. Boletim de 2 de setembro de 2020. [acessado 2020 Set 18]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/09/Monitoramento-Semanal-Covid-19-Info-02.09.20.pdf
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, esses dados devem ser analisados à luz dos contextos locais, com especial atenção para: o tamanho da PPL nas unidades prisionais e seus respectivos quadros de funcionários; a política de testagem adotada por cada estado e DF; a transparência e a regularidade na divulgação das informações, o que indica a necessidade de novas investigações.

Nas análises de séries temporais do Brasil e das cinco macrorregiões, embora o país finalize a série com um comportamento decrescente, observa-se que no período de investigação a tendência apresentou um comportamento maioritariamente crescente.

As macrorregiões apresentam comportamentos diferentes no decorrer das séries, sendo que Nordeste e Norte finalizaram as suas séries com tendência crescente, com a maior taxa de incidência (63,71 casos por 100.000 habitantes) verificada na região Norte. A região Centro-Oeste apresentou tendência crescente durante a série com o comportamento decrescente no final, mas com alta taxa de incidência de 56,12 casos por 100.000 habitantes, a segunda maior do país.

Os dados disponibilizados no boletim de monitoramento do Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (GMF)3131 Brasil. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Monitoramento GMF's/Tribunais de Justiça. Boletim de 16 de setembro de 2020. Edição 7 [acessado 2020 Set 21]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/09/Monitoramento-CNJ-GMFs-Covid-19-16.09.20.pdf
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apontam que foram realizados até 31 de agosto de 2020 51.221 testes na PPL, sendo que nos estados das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste do país foram realizados respectivamente, 3.783 testes, 4.239 testes e 12.511 testes, não sendo contabilizados o total de testes informados pelo estados do CE e Roraima.

Em relação ao total de testes realizados nas pessoas privadas de liberdade por estado nessas regiões, é possível verificar um predomínio no DF (5.706 testes), seguido por GO (2.882 testes), MT (2146 testes), PE (2030 testes), MS (1777 testes) e PA (1.500 testes)3131 Brasil. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Monitoramento GMF's/Tribunais de Justiça. Boletim de 16 de setembro de 2020. Edição 7 [acessado 2020 Set 21]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/09/Monitoramento-CNJ-GMFs-Covid-19-16.09.20.pdf
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. No entanto, ao levar em consideração o tamanho da PPL desses estados, informado pelo DEPEN, observa-se um percentual insuficiente de testes realizados na PPL, de aproximadamente 34% no DF, 17% no MT, 11% em GO, 10% no MS, 7% no PA e 6% em PE.

Outro aspecto refere-se ao comportamento da tendência nas regiões Sudeste e Sul, que apresentam um crescimento após 60 dias. Esse comportamento pode estar relacionado à entrada e à rápida disseminação do coronovírus nas unidades prisionais com celas superlotadas, ou tem relação com o aumento no número de testes realizados na PPL das regiões Sudeste e Sul a partir de julho.

De acordo com o DMF do CNJ, em 15 de junho de 2020, as regiões Sudeste e Sul acumulavam 10,5% e 5,7% dos casos de COVID-19 entre pessoas privadas de liberdade, no entanto, esse cenário passou a se transformar no final de julho, com aumento significativo de registro de casos nessas regiões, para 31,8% e 16,5%, respectivamente3030 Brasil. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Registro de contágios/óbitos. Boletim de 2 de setembro de 2020. [acessado 2020 Set 18]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/09/Monitoramento-Semanal-Covid-19-Info-02.09.20.pdf
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. Destaca-se que essas regiões concentram uma parcela significativa da população encarcerada no país de 50,6% (Sudeste) e 12,6% (Sul).

Estudo realizado em 16 prisões dos Estados Unidos, entre abril e maio de 2020, verificou que a testagem em massa resultou em um aumento médio de 12,1 vezes no número de infecções por COVID-19 na PPL, quando comparado ao total de casos confirmados por meio de testes realizados em internos que manifestaram sintomas3232 Centers for Disease Control and Prevention US. Department of Health and Human Services. Mass Testing for SARS-CoV-2 in 16 Prisons and Jails - Six Jurisdictions, United States, April-May 2020. Morbidity and Mortality Weekly Report 2020; 69(33):1139-1143. [acessado 2020 Set 22]. Disponível em: https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/69/wr/pdfs/mm6933a3-H.pdf
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Evidência como esta é alarmante ao considerar as tendências e as altas taxas de incidências identificadas neste estudo e que pode estar ocorrendo a subnotificação dos casos relacionada à falta de testagem em maior escala, ou seja, a carga da COVID-19 entre a PPL do Brasil pode ser muito maior.

A despeito de serem ingressantes ou já encarcerados, é de grande relevância que todos que apresentem sintomas compatíveis com a COVID-19, sejam testados o mais rápido possível e, se positivos, fiquem isolados66 Sánchez A, Simas L, Diuana V, Larouze B. COVID-19 nas prisões: um desafio impossível para a saúde pública? Cad Saude Publica 2020; 36(5):e00083520.. Sendo preconizado o isolamento de coorte3333 Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ministério da Saúde (MS). Portaria Interministerial nº 7, de 18 de março de 2020. Dispõe sobre as me didas de enfrentamento da emergência de saú de pública previstas na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, no âmbito do Sistema Prisio nal. Diário Oficial da União 2020; 18 mar., ou seja, as pessoas privadas de liberdade com as mesmas características sejam isoladas em grupos, em celas diferentes.

Caso não seja concedida a liberdade condicional às pessoas pertencentes aos grupos de risco, pesquisadores recomendam que as mesmas deveriam ser alocadas em unidades prisionais independentes, com celas que abriguem um pequeno número de pessoas privadas de liberdades, com reforço das medidas de prevenção da transmissão do SARS-COV-2 e assistência médica regular66 Sánchez A, Simas L, Diuana V, Larouze B. COVID-19 nas prisões: um desafio impossível para a saúde pública? Cad Saude Publica 2020; 36(5):e00083520..

Este cenário induz o debate sobre a efetiva implementação da Lei de Execução Penal 7.210/1984, que garante ao indivíduo sob custódia do Estado os seus direitos fundamentais3434 Brasil. Presidência da República. Lei 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União 1984; 13 jul., incluindo o direito à saúde. Com a Política Nacional para Atenção Integral à Saúde da Pessoa Privada de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), toda unidade prisional habilitada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) passará ser ponto da Rede de Atenção à Saúde, ofertando ações de atenção básica para PPL em todo o itinerário carcerário3535 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP). [Online]. 2014 [acessado 2020 Mar 25]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/ pri0001_02_01_2014.html.
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. No entanto, as unidades prisionais não são visualizadas por grande parte dos gestores como espaços de intervenção e de cuidado em saúde, mesmo após a publicação da PNAISP55 Soares Filho MM, Bueno PMMG. Demografia, vulnerabilidades e direitos à saúde da população prisional brasileira. Cien Saude Colet 2016; 21(7):1999-2010..

Para autores, as dificuldades relacionadas às estruturas física e social, a falta ou a má gestão dos recursos financeiros no sistema penitenciário do Brasil pode dificultar o acesso da PPL à Rede de Atenção à Saúde em caso de necessidade de suporte avançado em decorrência da COVID-19. Outro consenso apresentado por eles refere à falta de dados em saúde sobre a população encarcerada, o que impede a adoção de medidas efetivas e se agrava com a pandemia3636 Carvalho SG, Santos ABS, Santos IM. A pandemia no cárcere: intervenções no superisolamento. Cien Saude Colet 2020; 25(9):3493-3502..

Podemos considerar, então, os desafios inerentes ao controle da pandemia no sistema penitenciário brasileiro, no qual este estudo traz apontamentos importantes da disseminação do coronavírus entre a PPL com a necessidade de novas pesquisas nas realidades locais das áreas de riscos evidenciadas e nas regiões que apresentaram um comportamento crescente da tendência e altas taxas de incidência, exigindo o monitoramento contínuo dos casos no sentido de assegurar que as medidas preconizadas sejam efetivamente implantadas.

Como limitação deste estudo, destaca-se o fato de se utilizar a base de dados secundários com dados provisórios e incompletos, portanto, a contagem pode ainda estar subestimada. As estimativas devem ser interpretadas em conjunto com outras bases de dados oficiais, como o boletim de monitoramento do CNJ.

No mais, a curto prazo, formuladores de políticas, gestores das três esferas (federal, estadual e municipal), profissionais do sistema prisional e sociedade precisam compreender que a pandemia continua a remodelar o cotidiano de todos os cidadãos no mundo e que ninguém está seguro até que todos estejam seguros, incluindo aqueles que estão atualmente encarcerados99 Franco-Paredes C, Jankousky K, Schultz J, Bernfeld J, Cullen K, Quan NG, Kon S, Hotez P, Henao-Martínez AF, Krsak M. COVID-19 in jails and prisons: A neglected infection in a marginalized population. PLoS Negl Trop Dis 2020; 14(6):e0008409..

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Jan 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2020
  • Aceito
    25 Out 2020
  • Publicado
    27 Out 2020
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br