Governança e capacidade estatal frente à COVID-19 na Alemanha e na Espanha: respostas nacionais e sistemas de saúde em perspectiva comparada

Adelyne Maria Mendes Pereira Cristiani Vieira Machado Miquel Bennasar Veny Aina Maria Yañez Juan Sonia Navas Recio Sobre os autores

Resumo

O objetivo foi analisar, em perspectiva comparada, estratégias e ações políticas adotadas em resposta à pandemia de COVID-19 na Alemanha e na Espanha em 2020. Baseando-se no institucionalismo histórico, o foco foi a institucionalidade da atuação governamental em cinco dimensões de atuação. Os resultados evidenciaram diferentes capacidades estatais na coordenação, implementação e efetividade de estratégias. Pontos fortes da gestão e governança da crise estão relacionados ao reconhecimento da sua gravidade e capacidade de negociação; capacidade de produção nacional de insumos e equipamentos; e amplo direcionamento de recursos fiscais e financeiros do governo central para as áreas sanitária, social e econômica. Esses aspectos variaram entre os casos, atuando como diferencial relevante na resposta governamental. Outros diferenciais foram: estrutura do sistema de saúde; disponibilidade de trabalhadores; e sistema nacional de ciência e tecnologia, destacando a importância de investimentos de médio e longo prazo.

Palavras-chave:
Infecções por coronavírus; Política pública; Sistemas de saúde; Governança; Efeitos contextuais das desigualdades em saúde

Introdução

A pandemia de COVID-19 é uma das preocupações da saúde global na atualidade, ao afetar mais de 200 países, com milhões de casos e óbitos em todo o mundo11 Our World In Data. [cited 2021 Maio 03]. Available from: https://ourworldindata.org/coronavirus.
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. As taxas de letalidade são mais elevadas acima de 60 anos e na presença de doenças cardiovasculares, respiratórias e imunológicas, mas também há casos graves e óbitos na ausência desses fatores de risco22 Huang C, Wang Y, Li X, Ren L, Zhao J, Hu Y, Zhang L, Fan G, Xu J, Gu X, Cheng Z, Yu T, Xia J, Wei Y, Wu W, Xie X, Yin W, Li H, Liu M, Xiao Y, Gao H, Guo L, Xie J, Wang G, Jiang R, Gao Z, Jin Q, Wang J, Cao B. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet 2020; 395:497-506. e em pacientes jovens33 China CDC. The novel coronavirus pneumonia emergency response epidemiology team. Vital surveillances: the epidemiological characteristics of an outbreak of 2019 novel coronavirus diseases (COVID-19): China 2020. China CDC Weekly; 2020.,44 RKI. Robert Koch Institute. COVID-19. [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://www.rki.de/.
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Os impactos da COVID-19 se expressam nos sistemas de saúde, com sobrecarga e risco de colapso dos serviços, sobretudo hospitalares e de diagnóstico, em função da elevada transmissibilidade e da necessidade de atenção hospitalar para cerca de 20% dos casos, com cuidados críticos para cerca de 5% deles55 Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and important lessons from the coronavirus disease 2019 (COVID-19) outbreak in china: summary of a report of 72 314 cases from the chinese center for disease control and prevention. JAMA 2020; 323(13):1239-1242.. A pandemia também gerou aumento da demanda sobre os serviços de atenção primária, com efeitos sobre o processo de trabalho e acompanhamento das condições crônicas.

Também são importantes as repercussões sobre a dinâmica social e econômica. Os impactos sanitários, sociais e econômicos têm produzido uma crise humanitária66 Lima NVT, Buss PM, Paes-Sousa R. A pandemia de COVID-19: uma crise sanitária e humanitária. Cad Saude Publica 2020; 36(7):e00177020., que atinge desigualmente populações e territórios em situação de vulnerabilidade social. O aumento do desemprego e da pobreza tende a aprofundar as desigualdades e gera desafios para governos e sociedades de distintas regiões do mundo.

Diante de uma crise multidimensional, é fundamental o papel do Estado na formulação e implementação de políticas sociais, econômicas e sanitárias. Contudo, elas podem ser influenciadas por diversos fatores: características do capitalismo do século XXI (financeirizado e globalizado) e das desigualdades; configuração das instituições do Estado e suas relações com a sociedade; distribuição do poder político-territorial nos Estados e regimes políticos; trajetória histórica e contexto das políticas; e disputas entre grupos de interesse. A efetividade da ação dos Estados Nacionais no enfrentamento da pandemia depende de capacidade de articulação intersetorial, intergovernamental e de compensação das desigualdades nas condições de vida, na inserção produtiva e no acesso ao sistema de saúde.

Este artigo apresenta os resultados de pesquisa que objetivou analisar, em perspectiva comparada, as estratégias adotadas em resposta à pandemia de COVID-19 na Alemanha e na Espanha. Buscou-se explorar a governança e a capacidade de atuação estatal dos dois países europeus diante dessa crise mundial, visando extrair lições que possam contribuir para o fortalecimento da resposta a emergências sanitárias em outros países, inclusive no Brasil.

Método

O estudo se apoiou no referencial do institucionalismo histórico77 Pereira AMMP. Análise de políticas públicas e neoinstitucionalismo histórico: ensaio exploratório sobre o campo e algumas reflexões. In: Guizardi FL, Nespoli G, Cunha MLS, Machado FRS, Lopes MCR., organizadores. Políticas de Participação e Saúde. Recife: Editora Universitária UFPE; 2014. p. 143-164., assumindo que a capacidade de atuação dos Estados88 Cingolani L. The state of state capacity: a review of concepts, evidence and measures. Maastricht: UNO-MERIT; 2013. é condicionada por fatores histórico-estruturais, institucionais e conjunturais99 Evans P. O Estado como problema e solução. Lua Nova 1993; 28:107-156..

O foco foi a institucionalidade da atuação governamental diante da crise gerada pela pandemia de COVID-19. No âmbito desse estudo, a institucionalidade corresponde às capacidades estatais de planejar, formular e implementar ações e estratégias em cinco dimensões de atuação: Governança e coordenação nacional; Controle da propagação da epidemia; Fortalecimento do sistema de saúde; Apoio social e econômico; e Comunicação com a sociedade. O Quadro 1 apresenta a matriz de análise, que combina elementos político-institucionais e histórico-estruturais.

Quadro 1
Institucionalidade, governança e estratégias políticas em resposta à crise gerada pela COVID-19 no contexto de desigualdades.

Realizou-se uma análise comparada transversal1010 Mahoney J, Rueschemeyer D. Comparative historical analysis in the social sciences. Cambridge: Cambridge University Press; 2003., na qual cada caso foi analisado em profundidade a partir do seu contexto. Os critérios de seleção dos países consideraram elementos que os configuram como casos interessantes para a análise de similaridades e diferenças na resposta nacional à pandemia. Alemanha e Espanha são países europeus populosos e com organização político-territorial que alia articulação nacional com políticas descentralizadas (a Alemanha é uma federação e a Espanha uma quase-federação). Ambos têm sistemas de saúde robustos com ampla cobertura populacional (na Alemanha, sob o modelo de seguro social e na Espanha, sistema universal) e ambos foram atingidos pela pandemia em períodos próximos, mas mostraram diferenças em sua capacidade de governança e resposta. Espanha está entre os países com maior número de óbitos por milhão de habitantes e Alemanha, o menor. Em que pesem as variações entre as ondas, a letalidade por COVID-19 na Espanha variou entre 10% e 2,6% em 2020, enquanto na Alemanha, esteve entre 4% e 1,5% (menor taxa entre os países europeus mais afetados até dezembro de 2020)11 Our World In Data. [cited 2021 Maio 03]. Available from: https://ourworldindata.org/coronavirus.
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As estratégias e técnicas de pesquisa envolveram o levantamento e análise de: 1) publicações científicas disponíveis no repositório da PubMed e Web of Science; 2) legislação, documentos e relatórios oficiais (com destaque para os Ministérios da Saúde e da Economia); 3) dados secundários disponíveis em bases de agências internacionais (OECD Stat e WHO) e nacionais. O período de coleta abrangeu os meses de março a dezembro de 2020, correspondendo às respostas durante a primeira e segunda onda da pandemia nos dois países.

Os resultados abordam o contexto social, econômico e sanitário prévio à pandemia nos dois países e as estratégias e ações desenvolvidas em resposta à COVID-19 em cada caso. A discussão envolve a análise comparada e as lições aprendidas.

Resultados

Contexto social, econômico e sanitário

Alemanha possui a maior população da União Europeia (UE) e a Espanha, a quinta maior1111 World Bank. Data. [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.PP.CD?view=map.
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. Apresentam estrutura etária semelhante, com uma proporção de idosos de cerca de 20%1111 World Bank. Data. [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.PP.CD?view=map.
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. Contudo, indicadores sociais, econômicos e de estrutura do sistema de saúde prévios à pandemia indicam diferenças histórico-estruturais entre os países analisados (Tabela 1).

Tabela 1
Indicadores selecionados do contexto social, econômico e sanitário. Alemanha e Espanha, ao redor de 2017-2020.

As condições de vida, aferidas por meio do índice de desenvolvimento humano (IDH), são consideradas muito altas na Alemanha e altas na Espanha, com variações entre os dois países. As desigualdades na expectativa de vida são semelhantes, mas as desigualdades na educação são muito mais acentuadas na Espanha que na Alemanha. A desigualdade de renda é moderada em ambos países1212 United Nations Development Programme (UNDP). [cited 2020 Dez 12]. Available from: http://hdr.undp.org/en/countries .
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Há importantes desigualdades internas, que se expressam na dinâmica de distribuição e concentração da riqueza nacional. O Coeficiente de Gini na Alemanha é 31,7 e na Espanha, 36,21111 World Bank. Data. [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.PP.CD?view=map.
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; e a concentração da renda nacional nas mãos dos 10% mais ricos está em 36,7% na Alemanha e 34,9% na Espanha1313 World Inequality Database (WID). [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://wid.world/.
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(valores superiores à média da UE).

As principais diferenças entre esses países se referem à estrutura produtiva e emprego. Alemanha possui o quarto maior PIB do mundo e estrutura produtiva estável, com participação importante da indústria e um desemprego total de 3,4% da força de trabalho em 20181414 Organisation for Economic Cooperation and Development Statistic (OECD Stat). [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://stats.oecd.org/.
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. Espanha possui estrutura produtiva e emprego mais vulneráveis, com alta dependência do PIB ao setor de serviços (sobretudo ao turismo) e um desemprego total de 15,5% da força de trabalho em 20181414 Organisation for Economic Cooperation and Development Statistic (OECD Stat). [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://stats.oecd.org/.
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Alemanha e Espanha possuem diferenças quanto à organização e estrutura dos sistemas de saúde, embora ambos se caracterizem por ampla cobertura da população e abrangência das ações. Alemanha possui um sistema do tipo seguro social (Gesetzlicher Krankenversicherung), cuja governança se organiza em três níveis (federal, estadual e corporações de autogestão) e cobre 87% da população1515 Organisation for Economic Cooperation and Development Statistic (OECD); World Health Organization (WHO). European Observatory on Health Systems and Policies. State of Health in the EU. Germany: Country Health Profile; 2019. Disponível em: https://www.oecd-ilibrary.org/.. Possui alto gasto em saúde (11,2% do PIB, sendo apenas 15% correspondente a desembolso direto)1414 Organisation for Economic Cooperation and Development Statistic (OECD Stat). [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://stats.oecd.org/.
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e alto nível de oferta de serviços, a partir de uma estrutura hospitalar robusta (82,8 leitos e 2,92 leitos de UTI/10 mil habitantes, uma das cifras mais altas da UE)1414 Organisation for Economic Cooperation and Development Statistic (OECD Stat). [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://stats.oecd.org/.
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e disponibilidade de força de trabalho entre as mais altas da UE (42,5 médicos e 132,3 trabalhadores da enfermagem/10 mil hab.)1616 World Health Organization (WHO). [cited 2020 Dez 12]. Available from: http://www.who.int/hrh/statistics/hwfstats/.
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A Espanha possui um sistema de saúde universal (Sistema Nacional de Salud, SNS), cuja governança se organiza em dois níveis (nacional e regional), de base territorial regionalizada a partir da Atenção Primária à Saúde (APS) e que tem sofrido constrangimentos financeiros1717 Pereira AMMP, Lima LD, Machado CV, Freire JM. Descentralização e regionalização em saúde na Espanha: trajetórias, características e condicionantes. Saude Debate 2015; 39:11-27.. Apesar de o gasto em saúde espanhol situar-se em 9% do PIB, na média dos países da OCDE (8,8%) em 2018, cerca de 30% correspondem a pagamentos por desembolso direto1414 Organisation for Economic Cooperation and Development Statistic (OECD Stat). [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://stats.oecd.org/.
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. A estrutura hospitalar é uma das menos robustas da UE (29,6 leitos e 0,97 leitos de UTI/10 mil hab.)1414 Organisation for Economic Cooperation and Development Statistic (OECD Stat). [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://stats.oecd.org/.
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e a disponibilidade de força de trabalho é moderada (38,7 médicos e apenas 57,3 trabalhadores da enfermagem/10 mil hab.)1616 World Health Organization (WHO). [cited 2020 Dez 12]. Available from: http://www.who.int/hrh/statistics/hwfstats/.
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No que diz respeito à capacidade de resposta e resiliência dos sistemas de saúde no enfrentamento à COVID-19, três fatores foram considerados chave: gasto público em saúde1414 Organisation for Economic Cooperation and Development Statistic (OECD Stat). [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://stats.oecd.org/.
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, estrutura hospitalar1414 Organisation for Economic Cooperation and Development Statistic (OECD Stat). [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://stats.oecd.org/.
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e disponibilidade da força de trabalho em saúde1616 World Health Organization (WHO). [cited 2020 Dez 12]. Available from: http://www.who.int/hrh/statistics/hwfstats/.
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. Todos foram identificados fortemente no caso alemão e se mostraram mais débeis no caso espanhol (sobretudo na estrutura hospitalar), como mostra o Gráfico 1.

Gráfico 1
Estrutura do sistema de saúde: número de médicos, trabalhadores da enfermagem e de leitos hospitalares por 10 mil habitantes. Alemanha e Espanha. 2018.

Estratégias e ações desenvolvidas em resposta à COVID-19

Alemanha

Na Alemanha, a resposta à COVID-19 foi organizada com base em forte governança federativa com coordenação nacional da vigilância e da atenção à saúde, cujas capacidades já eram potentes e foram ampliadas por meio de investimentos do governo federal, no setor saúde e na área socioeconômica.

Governança, coordenação nacional e comunicação com a sociedade

A governança federativa alemã se caracteriza pela ativação das estruturas do executivo e legislativo federais como instrumentos de governança e coordenação nacional. Um plano nacional foi acordado entre governo federal e governos estaduais, por meio de reuniões regulares do Bundesrat (órgão federal de representação dos estados), com apoio do Parlamento (Bundestag), cabendo destaque para liderança da Chanceler Federal. A partir dessa essa estrutura de governança federativa, foram constituídos fóruns específicos para gestão da crise em âmbito federal, desde março de 2020, envolvendo diversos setores (incluindo a indústria nacional) e especialistas1818 Die Bundesregierung (Federal government). [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://www.bundesregierung.de/.
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No âmbito da governança setorial, destaca-se o papel dos Ministérios da Saúde Federal e Regionais; do Instituto Robert Koch (IRK); e dos Serviços de Saúde Pública distritais/locais. Por meio de leis federais1919 Bundesgesetz. Bundesgesetzblatt online. [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://www.bgbl.de/xaver/bgbl/start.xav?startbk=Bundesanzeiger_BGBl#__bgbl__%2F%2F*%5B%40attr_id%3D%27I_2020_52_inhaltsverz%27%5D__1605909126275.
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, o Ministério da Saúde teve suas competências ampliadas para coordenar as ações de enfrentamento da epidemia e fortalecer a capacidade do sistema de saúde. O IRK, importante instituto de saúde pública alemão com experiência na gestão de emergências sanitárias, assumiu papel estratégico para coordenação das ações de vigilância entre autoridades sanitárias nacional/estadual/distrital-local44 RKI. Robert Koch Institute. COVID-19. [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://www.rki.de/.
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A governança e coordenação federativa favoreceram a geração de confiança na sociedade. No âmbito da governança informativa, ações de comunicação foram desenvolvidas: pronunciamentos oficiais dos chefes de governo; manutenção de um painel online com informações sobre a situação epidemiológica e capacidade hospitalar; e ações de educação em saúde, com importante papel do Centro Federal de Educação para a Saúde, especialmente sobre vacinação2020 Bundesministerium für Gesundheit (Federal Ministry of Health). [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://www.bundesgesundheitsministerium.de/.
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Controle da propagação da epidemia

Um aspecto diferencial na resposta alemã se deve ao início precoce da investigação epidemiológica, do mapeamento viral, produção nacional de reagentes e preparo da capacidade de testagem laboratorial - a partir do primeiro caso confirmado em 27 de janeiro de 2020. A transmissão comunitária foi confirmada em 27 de fevereiro, com registro dos primeiros óbitos em 9 de março11 Our World In Data. [cited 2021 Maio 03]. Available from: https://ourworldindata.org/coronavirus.
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. Nesse momento, foi ativada a estratégia de gestão de emergências sanitárias, previamente definida no Plano Nacional para Pandemia de Influenza em 2005 e apoiada na Lei Alemã de Proteção Contra Infecções de 2001. Ambas foram atualizadas ao longo da pandemia2020 Bundesministerium für Gesundheit (Federal Ministry of Health). [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://www.bundesgesundheitsministerium.de/.
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O IRK realizou o monitoramento de indicadores de risco epidemiológico e da capacidade do sistema sanitário em cada estado (Länder)44 RKI. Robert Koch Institute. COVID-19. [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://www.rki.de/.
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. Mediante avaliação de aumento desse risco, todos os estados implementaram medidas para promover o distanciamento físico, mais rigorosas durante a primeira onda e menos ostensivas durante a segunda. Tais medidas foram reguladas por Resoluções conjuntas dos governos federal e estaduais, envolvendo: isolamento de casos e quarentena de contatos; distanciamento físico e confinamento comunitário (lockdown) com suspensão de atividades não essenciais, a depender da situação epidemiológica; suspensão de grandes eventos; controle de fronteiras com restrições de viagens domésticas e internacionais. Estabelecimentos em funcionamento deveriam manter desinfecção regular e medidas de proteção dos trabalhadores e consumidores. Também foram reguladas medidas de cuidados com grupos vulneráveis, incluídos idosos em instituições1919 Bundesgesetz. Bundesgesetzblatt online. [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://www.bgbl.de/xaver/bgbl/start.xav?startbk=Bundesanzeiger_BGBl#__bgbl__%2F%2F*%5B%40attr_id%3D%27I_2020_52_inhaltsverz%27%5D__1605909126275.
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Pode-se afirmar que a primeira onda da epidemia se deu entre meados de março e o final de abril, com maior média diária de novos casos em 2 de abril e de óbitos em 21 de abril. Ao final do lockdown realizado durante a primeira onda, Alemanha apresentou uma redução substantiva no incremento diário de casos e um número de reprodução inferior a 1 (R=0,7144 RKI. Robert Koch Institute. COVID-19. [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://www.rki.de/.
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), o que significa que um caso já infectava menos de uma pessoa. Permitiu-se a retomada gradual das atividades sociais e econômicas a partir de 4 de maio. Entre maio e setembro, houve certa estabilidade, relacionada às medidas de controle adotadas na primeira onda. O estímulo ao turismo e à circulação durante o verão europeu estão relacionados à segunda onda, que se estendeu de outubro de 2020 a fevereiro de 2021, com maior média diária de novos casos em 23 de dezembro e de óbitos em 13 de janeiro. Ainda que a segunda onda tenha sido superior à primeira em número de casos, a letalidade se manteve em menores níveis (entre 3% e 1,5%) (Tabela 2)11 Our World In Data. [cited 2021 Maio 03]. Available from: https://ourworldindata.org/coronavirus.
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Tabela 2
Situação epidemiológica frente à COVID-19. Alemanha e Espanha, 2020.

A vacinação é uma das estratégias de controle em preparação desde o segundo semestre de 2020. Teve início em 27 de dezembro e até 14 de maio foram aplicadas 39,41 milhões de doses11 Our World In Data. [cited 2021 Maio 03]. Available from: https://ourworldindata.org/coronavirus.
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Fortalecimento do sistema de saúde

A partir do reconhecimento legal da COVID-19 como situação epidêmica de importância nacional, leis federais outorgaram ao Ministério da Saúde competências sobre a regulação: da notificação compulsória e investigação epidemiológica; medidas de abastecimento básico de medicamentos, equipamentos de proteção individual (EPI) e testes diagnósticos; normativas para funcionamento de instalações médicas e de cuidados, incluindo flexibilidades legais para expansão em curto prazo se necessário; controle sanitário nas fronteiras; medidas de contenção da propagação da COVID-19 em nível federal e estaduais; e de farmacovigilância da vacina1919 Bundesgesetz. Bundesgesetzblatt online. [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://www.bgbl.de/xaver/bgbl/start.xav?startbk=Bundesanzeiger_BGBl#__bgbl__%2F%2F*%5B%40attr_id%3D%27I_2020_52_inhaltsverz%27%5D__1605909126275.
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Para a coordenação no âmbito do sistema de saúde, a atuação do Ministério da Saúde foi fundamental para a garantia do acesso, pois regulou a oferta de leitos e ampliou mecanismos de financiamento federal dos hospitais e outros serviços. As ações incluíram incentivos e compensação financeira aos hospitais que reprogramassem intervenções e mantivessem seus leitos disponíveis para COVID-19; destinação de 6,3 bilhões de euros para ampliação da capacidade de leitos de UTI, de EPI e da força de trabalho; e expansão da capacidade de atendimento ambulatorial1919 Bundesgesetz. Bundesgesetzblatt online. [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://www.bgbl.de/xaver/bgbl/start.xav?startbk=Bundesanzeiger_BGBl#__bgbl__%2F%2F*%5B%40attr_id%3D%27I_2020_52_inhaltsverz%27%5D__1605909126275.
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. O sistema de saúde foi fortalecido, com aumento do financiamento público e dos leitos hospitalares (ampliados em cerca de 40%) e manutenção de um sistema de leitos hospitalares digital unificado nacionalmente2020 Bundesministerium für Gesundheit (Federal Ministry of Health). [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://www.bundesgesundheitsministerium.de/.
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No âmbito da vigilância em saúde, as principais ações foram o aprimoramento de sistemas prévios de vigilância; a definição legal do registro e envio informatizado dos resultados do RT-PCR dos laboratórios públicos e privados diretamente para o IRK; e a coordenação federativa entre níveis nacional (por meio do IRK) e distritais/locais (Serviços de Saúde Pública descentralizados no território), em estreita relação com os serviços de saúde44 RKI. Robert Koch Institute. COVID-19. [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://www.rki.de/.
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As ações de vigilância também se favoreceram da alta capacidade nacional de produção e realização de testes diagnósticos. A capacidade de RT-PCR foi ampliada para 650 mil testes semanais e mais de três milhões de testes sorológicos, produzidos nacionalmente, foram disponibilizados ao sistema público de saúde2020 Bundesministerium für Gesundheit (Federal Ministry of Health). [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://www.bundesgesundheitsministerium.de/.
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No campo da ciência e tecnologia, o governo alemão investiu em empresas nacionais e organizações internacionais para apoiar o desenvolvimento de testes e vacinas. Também atuou junto aos governos estaduais na realização de inquéritos epidemiológicos1818 Die Bundesregierung (Federal government). [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://www.bundesregierung.de/.
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Medidas de apoio socioeconômico

Com relação às ações de apoio social e econômico, a Alemanha se destaca pela constituição de um Programa e um Fundo de Estabilização Econômica, em uma clara concertação federativa envolvendo governos federal, estaduais e Parlamento.

As medidas somam mais de 650 bilhões de euros, incluindo: Doações para pequenas empresas e autônomos, variáveis segundo número de trabalhadores; Suporte à liquidez para médias e grandes empresas, com linhas de crédito através do Banco Nacional de Desenvolvimento Alemão (KFW); e Fundo de Estabilização Econômica, composto por garantias estatais para passivos, investimentos diretos do Estado e refinanciamento de grandes empréstimos pelo KFW. Foram destinados dez bilhões para expandir esquemas de seguro-desemprego e 7,7 bilhões para assistência social, incluindo auxílio-criança e auxílio à renda2121 Federal Ministry of Finance. German Stability Programme 2020. [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://www.bundesfinanzministerium.de/.
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Espanha

A Espanha organizou sua resposta à COVID-19 com base em uma governança intergovernamental e intersetorial, articulada a estratégias de controle da propagação da epidemia, fortalecimento do sistema sanitário, apoio social e econômico, e comunicação com a sociedade.

Governança, coordenação nacional e comunicação com a sociedade

A partir do reconhecimento da gravidade da crise pelos governos central e regionais, em 14 de março de 2020, foi decretado Estado de Alarme, instrumento jurídico que outorgou ao governo central competências para a coordenação nacional da resposta à COVID-192222 Real Decreto 463/2020. [acceso 2020 Dez 12]. Disponible en: https://www.boe.es/eli/es/rd/2020/03/14/463.
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. A centralização dessas competências foi estratégica para minimizar a competição por recursos no contexto de crise e polarização política espanhol.

Instituiu-se uma governança intergovernamental e intersetorial por meio de três fóruns: Reunião do presidente do governo central com os presidentes das Comunidades Autônomas (CCAA), para pactuação de medidas entre níveis de governo; Conselho de Ministros, para gestão da crise no nível central; e Conselho Interterritorial (instância regular do SNS), para decisões conjuntas entre Ministério da Saúde e autoridades sanitárias regionais. Estratégias setoriais e supra setoriais foram reguladas por normativas nacionais, com importante liderança do executivo central.

No âmbito da governança setorial, o Ministério da Saúde assumiu a coordenação nacional da atenção e da vigilância, cabendo destacar o papel do Centro de Coordenação de Alertas e Emergências Sanitárias, prévio à pandemia2323 España. Ministerio de Sanidad. [acceso 2020 Dez 12]. Disponible en: https://www.mscbs.gob.es/.
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. Esse foi um marco importante, dada a organização descentralizada do Sistema Nacional de Saúde (SNS) espanhol para as CCAA1717 Pereira AMMP, Lima LD, Machado CV, Freire JM. Descentralização e regionalização em saúde na Espanha: trajetórias, características e condicionantes. Saude Debate 2015; 39:11-27..

A governança informativa contou com pronunciamentos e campanhas publicitárias oficiais em mídias online. Após as reuniões semanais dos fóruns citados, eram realizadas rodas de imprensa para publicização das ações propostas e avaliação das estratégias vigentes, funcionando como um canal adicional de comunicação com a sociedade2323 España. Ministerio de Sanidad. [acceso 2020 Dez 12]. Disponible en: https://www.mscbs.gob.es/.
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Controle da propagação da epidemia

O primeiro caso de COVID-19 foi confirmado em 31 de janeiro de 2020, a transmissão comunitária em 26 de fevereiro e o primeiro óbito em 4 de março. As estratégias de controle da propagação da epidemia foram implementadas tardiamente. Com o decreto do Estado de Alarme, teve início o lockdown (14 de março a 3 de maio) que restringiu a circulação por vias públicas a atividades essenciais (saúde, segurança e alimentação, com exceção para atividades da construção civil e da indústria, interrompidas por apenas 15 dias) e estabeleceu o controle de fronteiras, com restrição de viagens domésticas e internacionais2222 Real Decreto 463/2020. [acceso 2020 Dez 12]. Disponible en: https://www.boe.es/eli/es/rd/2020/03/14/463.
https://www.boe.es/eli/es/rd/2020/03/14/...
,2424 Boletín Oficial del Estado. [acceso 2020 Dez 12]. Disponible en: https://www.boe.es.
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. A primeira onda (março e abril) provocou impactos importantes na mortalidade e letalidade por COVID-19 (superando 10%, como mostra a Tabela 2)11 Our World In Data. [cited 2021 Maio 03]. Available from: https://ourworldindata.org/coronavirus.
https://ourworldindata.org/coronavirus...
, que podem estar relacionadas ao colapso do sistema de saúde em algumas CCAA e alguns surtos em residências de anciãos.

O lockdown logrou uma redução substantiva no incremento diário de casos e um número de reprodução inferior a 1 (R=0,702525 España. Instituto de Salud Carlos III. [acceso 2020 Dez 12]. Disponible en: https://covid19.isciii.es/.
https://covid19.isciii.es...
). Um plano de desconfinamento teve início em 4 de maio, havendo certa estabilidade até julho. A retomada das atividades turísticas durante o verão pode ter influenciado a segunda onda (agosto a dezembro), com maior média diária de novos casos e óbitos em novembro. Durante a segunda onda, medidas de confinamento comunitário menos restritivas foram adotadas2424 Boletín Oficial del Estado. [acceso 2020 Dez 12]. Disponible en: https://www.boe.es.
https://www.boe.es...
, pois foi superior à primeira em número de casos, mas a letalidade se manteve em níveis inferiores (Tabela 2)11 Our World In Data. [cited 2021 Maio 03]. Available from: https://ourworldindata.org/coronavirus.
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.

A vacinação faz parte das medidas de controle adotadas. Um plano nacional de vacinação foi pactuado, cabendo ao Ministério da Saúde a responsabilidade pela compra e distribuição de vacinas; e às CCAA a aplicação nos centros de APS do SNS. A vacinação teve início em 27 de dezembro e até 13 de maio foram aplicadas 21,68 milhões de doses11 Our World In Data. [cited 2021 Maio 03]. Available from: https://ourworldindata.org/coronavirus.
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.

Fortalecimento do sistema de saúde

Para coordenação nacional da resposta setorial, normativas nacionais outorgaram ao Ministério da Saúde competências para realizar: padronização nacional do registro, investigação e notificação de casos; controle sanitário e rastreamento; ampliação da força de trabalho no SNS; regulação de preços e abastecimento de insumos e medicamentos para o SNS. O Ministério da Saúde assumiu a gestão temporária de recursos logísticos, instalações e profissionais vinculados ao Ministério da Defesa2222 Real Decreto 463/2020. [acceso 2020 Dez 12]. Disponible en: https://www.boe.es/eli/es/rd/2020/03/14/463.
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,2424 Boletín Oficial del Estado. [acceso 2020 Dez 12]. Disponible en: https://www.boe.es.
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Para fortalecer a capacidade assistencial do SNS espanhol, o Ministério da Saúde aumentou o financiamento público com recursos do governo central, o que foi fundamental já que sua capacidade hospitalar estava entre as mais baixas da UE1414 Organisation for Economic Cooperation and Development Statistic (OECD Stat). [cited 2020 Dez 12]. Available from: https://stats.oecd.org/.
https://stats.oecd.org...
. A partir da análise da situação de cada CCAA, ampliou-se o número de leitos gerais e de UTI nos hospitais existentes e de campanha. Prepararam-se leitos de retaguarda em centros de convenção e hotéis, para casos leves ou em recuperação. O Real Decreto 463 colocou, à disposição do sistema público, leitos gerais e de UTI privados presentes em seus territórios2222 Real Decreto 463/2020. [acceso 2020 Dez 12]. Disponible en: https://www.boe.es/eli/es/rd/2020/03/14/463.
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,2424 Boletín Oficial del Estado. [acceso 2020 Dez 12]. Disponible en: https://www.boe.es.
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.

Houve aumento de 75% no número de leitos de UTI na Espanha, com variações entre as CCAA (maiores aumentos no País Vasco, Múrcia, Catalunha e Madri). Após essa expansão, 70% dos leitos de UTI corresponderam ao setor público2323 España. Ministerio de Sanidad. [acceso 2020 Dez 12]. Disponible en: https://www.mscbs.gob.es/.
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, cabe avaliar se serão mantidos como legado. A governança desenvolvida não foi capaz de promover amplamente a transferência de pacientes entre CCAA, um fator gerador de desigualdades no acesso a leitos.

No bojo do sistema universal, todas CCAA constituíram Centrais de Atendimento Telefônica, recomendadas como primeiro ponto de contato e ponte para o serviço móvel de urgência. Contudo, há que se reconhecer diferentes experiências sobre o papel da APS. Na CCAA de Madri, um dos principais focos da epidemia, APS foi reduzida e seus profissionais deslocados para o hospital de campanha. No País Vasco, foram definidos centros exclusivos para sintomáticos respiratórios. Em Baleares, centros de APS organizaram o fluxo em duplo circuito e implementaram teleatendimento para monitoramento de pacientes respiratórios e com condições crônicas. Nessa última CCAA, destaca-se a criação das Unidades Volantes de Atenção à COVID-19 e a existência de um Serviço de Urgência da APS, que atuaram na atenção domiciliar2323 España. Ministerio de Sanidad. [acceso 2020 Dez 12]. Disponible en: https://www.mscbs.gob.es/.
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Para coordenação da vigilância, foi instituída uma estratégia de cogovernança entre Ministério da Saúde e autoridades sanitárias das CCAA, com definição de critérios nacionais para monitoramento dos territórios quanto ao risco de transmissão, capacidade de detecção precoce (sistema de vigilância articulado à APS) e tratamento (capacidade hospitalar). A partir de maio, a APS foi fortalecida para atuar na testagem, diagnóstico e rastreamento de novos casos2323 España. Ministerio de Sanidad. [acceso 2020 Dez 12]. Disponible en: https://www.mscbs.gob.es/.
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Medidas de apoio socioeconômico

Dias antes do início do lockdown, estratégias de apoio social e econômico começaram a ser implementadas na Espanha, configurando um “Escudo Social” para o qual foram mobilizados cerca de 200 bilhões de euros, com apoio da UE. Tais ações envolveram: Medidas de proteção aos cidadãos: garantia à moradia, proibição do corte de serviços básicos e ajuda social às famílias e populações vulneráveis; promoção da igualdade e proteção às vítimas de violência machista; proteção aos trabalhadores e autônomos, com ampliação e flexibilização do acesso ao seguro-desemprego; e Medidas de proteção da atividade econômica: linhas de crédito e redução de impostos, especialmente para pequenas e médias empresas (75% dos recursos), visando garantir liquidez e reduzir custos2626 Real Decreto-Lei 11/2020. [acceso 2020 Dez 12]. Disponible en: https://www.boe.es/eli/es/rdl/2020/03/31/ 11/con.
https://www.boe.es/eli/es/rdl/2020/03/31...
,2727 Real Decreto-Lei 15/2020. [acceso 2020 Dez 12]. Disponible en: https://www.boe.es/eli/es/rdl/2020/ 04/21 /15/con.
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Além disso, ao final de maio, o governo aprovou a renda mínima vital, por meio da qual três bilhões de euros foram destinados inicialmente a 850 mil famílias em situação de vulnerabilidade2424 Boletín Oficial del Estado. [acceso 2020 Dez 12]. Disponible en: https://www.boe.es.
https://www.boe.es...
. Tais ações foram importantes para fortalecer a proteção social e enfrentar o contexto espanhol de desigualdades.

Discussão: os casos em perspectiva comparada e lições aprendidas

A Alemanha é uma federação (tal qual o Brasil) composta por 16 estados (Länder) e grau considerável de descentralização de poderes e funções, porém com forte capacidade estatal de coordenação nacional. Algumas características histórico-estruturais do Estado podem ser associadas a sua alta capacidade de resposta à COVID-19. No marco do capitalismo alemão, trata-se de um Estado que busca equilíbrio entre política social e econômica2828 Glossner CL. The making of the german post-war economy. In: Glossner CL, Gregosz D, organizers. 60 years of social market economy: formation, development and perspectives of a peacemaking formula. Sankt Augustin/Berlin: Konrad-Adenauer-Stiftung; 2010. p.11-12.. É um Estado ordenador e regulador forte da ordem econômica2929 Petersen T. Emil Brunner´s Ethics and its reception in ordoliberal circles. In: Glossner CL, Gregosz D, organizers. 60 Years of Social Market Economy: Formation, Development and Perspectives of a Peacemaking Formula. Sankt Augustin/Berlin: Konrad-Adenauer-Stiftung; 2010. p. 52-55. que atua para garantia da concorrência; participação de patronais e sindicatos dos trabalhadores nas decisões; e controle sobre áreas de interesse público como saúde, educação e seguros3030 Streeck W. German capitalism: Does it exist? Can it survive? In: Crouch C, Streeck W, organizers. political economy of modern capitalism: mapping convergence and diversity. Londres: SAGE Publications; 1997.. Baseia-se, por um lado, em um Estado de bem-estar social abrangente, subordinado à intervenção pelas autoridades e à elevada regulação social pelas corporações; por outro, em industrialização e descentralização em pequenas e médias empresas de alta produtividade, rendimentos salariais elevados e competitividade internacional. Possui forte estrutura produtiva e baixo desemprego.

A Espanha é um dos países mais descentralizados da UE, com alto grau de poder e responsabilidades transferidos para as 17 CCAA (nível regional de governo análogo aos estados brasileiros), funcionando como uma federação. A inserção na UE e uma direção progressista no executivo nacional nos anos 1980 favoreceram o desenvolvimento da economia e o fortalecimento do Estado de Bem Estar Social3131 Pereira AMM. Descentralização e regionalização em saúde no Brasil e na Espanha: trajetórias, características e condicionantes [tese]. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz; 2014., ainda que a estrutura econômica não seja tão sólida quanto a alemã, dado o menor desenvolvimento industrial e alta dependência do setor de serviços, como o turismo. Desde 1990, o Estado tem sofrido reformas orientadas à liberalização econômica e privatizações, restringindo seu papel ordenador e regulador. Possui frágil estrutura produtiva e desemprego moderado. As reformas trabalhista e na saúde resultaram em um gasto em saúde per capita 15% abaixo da UE e um aumento dos trabalhadores com contratos temporários na última década. Essas características histórico-estruturais do Estado podem ser associadas às fragilidades da sua capacidade de resposta à COVID-19.

Na dimensão político-institucional, a análise comparada dos casos evidencia que o desenvolvimento de estruturas de governança e coordenação nacional foi um ponto comum e exitoso. As características dessa governança guardam relação com a organização político-territorial: no caso alemão, federativa, valendo-se de leis federais acordadas com estados e Parlamento; e no caso espanhol, intergovernamental, negociada com governos regionais e expressas por Real Decretos. No âmbito setorial, destaca-se o papel do Ministério da Saúde na coordenação nacional do controle da propagação da epidemia e no fortalecimento do sistema público de saúde e vigilância.

A governança informativa se mostrou relevante nos dois casos. Informação e transparência favoreceram a participação dos cidadãos em ações para prevenção, autocuidado e solidariedade. No caso alemão, a coordenação federativa contribuiu para geração de confiança na sociedade.

Outro ponto comum foi a implementação de políticas de apoio social e econômico. As diferenças nas capacidades fiscais e financeiras de cada Estado podem ser relacionadas ao maior volume de recursos disponibilizados no caso alemão. A valorização da indústria nacional e o papel atribuído ao Banco Nacional de Desenvolvimento são pontos fortes da gestão da crise nesse país. A Espanha também implementou medidas importantes para proteger a população e o tecido produtivo, marcando a decisão do Estado em compensar as desigualdades, visto que já possuía estrutura produtiva e de emprego mais vulneráveis. A atuação do executivo nacional espanhol para captar recursos junto ao fundo europeu foi fundamental para ampliar sua capacidade financeira e de atuação.

No que diz respeito à política e ao sistema de saúde, a resposta alemã se caracteriza pelo fortalecimento da capacidade assistencial; pela articulação entre serviços de saúde e vigilância em saúde pública, favorecida pela ampla capacidade de testagem e utilização de tecnologias digitais; e pela educação em saúde (divulgação científica e comunicação com a sociedade). As condições histórico-estruturais do sistema de saúde, de vigilância e de ciência e tecnologia atuaram favoravelmente. Já no caso espanhol, a resposta no âmbito do sistema universal de saúde se caracteriza pelo fortalecimento da capacidade assistencial, com ênfase na atenção hospitalar durante a primeira onda e reorientação do foco da resposta para a APS integrada à vigilância a partir de maio; ampliação da capacidade de testagem; e investimento nos sistemas informacionais de vigilância. As condições histórico-estruturais mais frágeis do sistema de saúde, de vigilância e de ciência e tecnologia foram compensadas por fatores político-institucionais favoráveis.

Pontos fortes da resposta alemã estão associados à decisão do Estado em atuar como promotor da política pública, à alta capacidade estatal (de planejamento, fiscal e financeira) e de produção nacional de equipamentos e insumos, e à robustez do sistema de saúde. Essas características de soberania nacional permitiram o rápido investimento em expansão da capacidade hospitalar e de testagem.

No caso espanhol, pontos fortes estão relacionados à atuação propositiva do Estado, favorecendo a implementação de políticas sanitárias, sociais e econômicas, à presença do sistema universal de saúde e ao papel da APS na vigilância a partir de maio. Contudo, a baixa capacidade de produção nacional de insumos e equipamentos (alta dependência externa e exposição dos trabalhadores a riscos), fragilidades na estrutura do SNS (na força de trabalho, laboratórios e hospitais) e na estrutura sócio-sanitária das residências de idosos desfavoreceram a capacidade de resposta estatal e exigiram maior esforço do Estado.

A institucionalidade da atuação governamental nos casos analisados resultou da combinação de fatores político-institucionais e histórico-estruturais. Em ambos os casos, a direcionalidade da atuação do Estado e as decisões governamentais favoreceram a governança e a capacidade estatal de gestão da crise. As condições histórico-estruturais (macroeconômicas, estrutura produtiva e emprego, capacidade industrial e estrutura sanitária) atuaram favoravelmente no caso alemão e foram menos favoráveis na Espanha. O caso espanhol ilustra a importância da dimensão político-institucional para fazer frente a condições estruturais desfavoráveis.

À luz das experiências analisadas, algumas lições podem ser apreendidas com implicações para os países latino-americanos, inclusive o Brasil, ainda que suas condições histórico-estruturais sejam distintas das nações europeias. Entre essas lições, está a importância da atuação do governo federal/central para governança e coordenação nacional de políticas públicas setoriais e intersetoriais, com destaque para implementação de estratégias de controle da propagação da epidemia, fortalecimento do sistema sanitário, implementação de medidas sociais e econômicas para apoiar populações vulneráveis, trabalhadores e empresas e desenvolvimento de estratégias de comunicação com a sociedade, com mensagens embasadas cientificamente. Uma síntese das lições aprendidas em cada uma dessas frentes de atuação é apresentada no Quadro 2, tendo em vista à realidade brasileira.

Quadro 2
Lições aprendidas: políticas públicas e ações necessárias para enfrentamento da crise sanitária, social e econômica gerada pela pandemia da COVID-19 e fortalecimento do sistema público de saúde.

Uma das principais lições é que a capacidade nacional de resposta à COVID-19 está associada a boas práticas de governança e coordenação de estratégias diante da crise, que envolvem articulação entre Executivo e Legislativo, níveis de governo, setores da política pública (com destaque para o emprego e proteção social), autoridades e serviços de saúde, organizações de trabalhadores, empregadores e a sociedade. No Brasil, um país federativo de grandes dimensões, a definição de fóruns de governança e coordenação nacional, articulando distintos níveis de governo e setores, seria estratégico e necessário. No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), cabe destacar o potencial das Comissões Intergestores Tripartite, Bipartite e Regional.

A COVID-19 demanda combinação de políticas sanitárias, sociais e econômicas para proteger a vida e a saúde das pessoas, o que se relaciona ao caráter da atuação do Estado nas áreas econômica e social. Dessa forma, outra lição relevante para o Brasil é a importância do investimento público em curto, médio e longo prazos na estrutura dos sistemas de proteção social e de saúde, no sistema nacional de ciência e tecnologia e na capacidade de desenvolvimento e produção de insumos, que podem ser diferenciais na resposta a emergências sanitárias.

Se por um lado, fatores histórico-estruturais podem condicionar a capacidade de resposta, por outro, a dimensão político-institucional também importa para a implementação e efetividade das estratégias de enfrentamento da pandemia. No caso brasileiro, o fortalecimento de aspectos político-institucionais é necessário para essa e futuras emergências, abrangendo: atuação nacional considerando especificidades locorregionais; equilíbrio entre descentralização e centralização das ações; fortalecimento das capacidades institucionais dos governos estaduais e municipais; e incremento dos mecanismos de cooperação federativa.

Considerações finais

A pandemia de COVID-19 constitui uma crise multidimensional, expressa nos âmbitos sanitário, social e econômico, na qual desigualdades nas condições de vida, na estrutura produtiva e na organização do sistema sanitário exercem influência e devem ser consideradas nas estratégias nacionais de enfrentamento.

A resposta dos países à pandemia mostra diferentes capacidades estatais na coordenação, implementação e efetividade de estratégias. Pontos fortes da gestão da crise foram: reconhecimento precoce da gravidade e capacidade de liderança e negociação nacional; soberania na produção de insumos e equipamentos; e financiamento do governo central para as áreas sanitária, social e econômica. Esses foram diferenciais relevantes na resposta governamental nos dois casos, assim como a estrutura do sistema de saúde, a disponibilidade de trabalhadores e o sistema nacional de ciência e tecnologia.

Permanecem desafios sanitários, sociais e econômicos que não podem ser enfrentados pelos Estados Nacionais isoladamente, pois requerem estratégias regionais e globais. A capacidade de recuperação dos países e populações diante dos efeitos da pandemia é diferenciada, com dificuldades mais evidentes nas economias periféricas. Esforços de coordenação global envolvendo a Organização das Nações Unidas, a Organização Mundial da Saúde, autoridades sanitárias e instituições científicas dos países podem favorecer o desenvolvimento de estratégias conjuntas de enfrentamento, terapias e tecnologias a serem disponibilizadas de forma universal, bem como contribuir para compensar as desigualdades no enfrentamento dessa crise humanitária.

Agradecimento

CV Machado é bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Out 2021

Histórico

  • Recebido
    20 Nov 2020
  • Aceito
    24 Maio 2021
  • Publicado
    26 Maio 2021
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br