Resumo
Esse estudo descreve a organização do Estado de Santa Catarina (SC) para atender a judicialização do acesso a medicamentos do início dos anos 2000 a 2018. Foi feita análise documental e entrevistas com representantes do Executivo, do Judiciário, da Procuradoria Geral do Estado (PGE/SC), da Defensoria Pública do Estado de SC e do Ministério Público de SC (MPSC). O Judiciário, a PGE/SC e o MPSC se organizaram para abordar o fenômeno. Inicialmente, a Secretaria de Estado da Saúde não possuía uma organização para atender a judicialização; com o aumento do número de processos, criou setores, rotinas e sistemas, e ao final de 2018 havia uma Gerência e um setor específicos. As principais medidas utilizadas foram: Audiência Pública do Supremo Tribunal Federal, enunciados do Conselho Nacional de Justiça, Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva, Comitê Estadual de Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência da Saúde de SC, Núcleo de Ações Repetitivas em Assistência à Saúde, Comissão Multidisciplinar de Apoio Judicial e Núcleo de Apoio Técnico. O fenômeno da judicialização do acesso a medicamentos em SC ainda não está bem solucionado, visto que todas as medidas implantadas não evitaram o aumento crescente dos gastos com as ações judiciais.
Palavras-chave:
Judicialização da saúde; Acesso a medicamentos; Poder Executivo; Poder Judiciário; Ministério Público
Introdução
O Sistema Único de Saúde (SUS) e seus prestadores de serviço são, para uma considerável parte da população brasileira, a única alternativa para obter o acesso à assistência médica e aos medicamentos essenciais1Leite SN, Schaefer C, Fittkau K. Judicial litigations and social welfare: access to medicines in two towns in the Santa Catarina State, Brazil. Acta Scientiarum Health Sciences 2012; 34(n. spe):295-301.. Em que pesem as políticas públicas na área da Assistência Farmacêutica, como a Política Nacional de Medicamentos e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica, a adoção da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) e o aumento de investimentos, é fato que há dificuldades no acesso a medicamentos no país. Uma das consequências é o fenômeno conhecido como “judicialização do acesso ao medicamento”22 Vargas-Peláez CM, Rover MRM, Leite SN, Rossi-Buenaventura F, Farias MR. Right to health, essential medicines, and lawsuits for access to medicines. Soc Sci Med 2014; 121:48-55..
Baseado nas necessidades individuais dos cidadãos, que por diversas vezes se confrontam com os critérios técnicos que definem a melhor oferta terapêutica33 Delduque MC, Marques SB, Ciarlini A. Judicialização das políticas de saúde no Brasil. In: Alves SMC, Delduque MC, Neto ND, organizadores. Direito Sanitário em Perspectiva. Volume 2. Brasília: Fiocruz; 2013. p. 185-221., o Judiciário obriga o Executivo a fornecer os medicamentos, tendendo a desconsiderar as diretrizes do SUS e a existência de políticas públicas de saúde44 Ronsein JG. Análise do perfil das solicitações de medicamentos por demanda judicial no estado de Santa Catarina no período de 2005 a 2008 [dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2010. (p.169-170). Também ignora o potencial de risco que este cidadão pode estar sendo submetido, principalmente ao deferir medicamentos experimentais, sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) ou de eficácia duvidosa44 Ronsein JG. Análise do perfil das solicitações de medicamentos por demanda judicial no estado de Santa Catarina no período de 2005 a 2008 [dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2010..
Em uma revisão de escopo, Vargas-Peláez et al.22 Vargas-Peláez CM, Rover MRM, Leite SN, Rossi-Buenaventura F, Farias MR. Right to health, essential medicines, and lawsuits for access to medicines. Soc Sci Med 2014; 121:48-55. identificaram nos artigos analisados que os impactos no início do movimento da judicialização foram positivos, como a garantia de acesso ao tratamento para o HIV/Aids. Depois, os efeitos passaram a ser negativos, pois houve uma explosão de ações, com predomínio de processos judiciais individuais. Porém, nem todas as ações são abusivas ou equivocadas, visto que ainda existem doenças raras sem tratamento padronizado no SUS, ou para outros casos há poucas alternativas que, já tendo sido utilizadas, mostraram-se ineficazes para o paciente. Nestas situações, são problemas da organização da assistência farmacêutica, demora na incorporação de novas tecnologias e até mesmo na atualização dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) e da RENAME. Assim, a judicialização parece ser a única via de acesso ao medicamento22 Vargas-Peláez CM, Rover MRM, Leite SN, Rossi-Buenaventura F, Farias MR. Right to health, essential medicines, and lawsuits for access to medicines. Soc Sci Med 2014; 121:48-55.. Para Schulze55 Schulze CJ. Equidade e iniquidade no SUS e a judicialização da saúde. Empório de Direito [texto na Internet]. 2018 [acessado 2019 jan 29]. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/equidade-e-iniquidade-no-sus-e-a-judicializacao-da-saude.
https://emporiododireito.com.br/leitura/... , o tema gera muita controvérsia. Alguns entendem que a judicialização é forma de acesso e outros de desigualdade na saúde pública (s/p).
Nas ações judiciais que envolvem o SUS, a principal demanda é por medicamentos66 Vargas-Peláez CM, Rover MRM, Soares L, Blatt CR, Mantel-Teeuwisse AK, Rossi FA, Restrepo LG, Latorre MC, López JJ, Bu¨rgin MT, Silva C, Leite SN, Farias MR. Judicialization of access to medicines in four Latin American countries: a comparative qualitative analysis. Int J Equity Health 2019; 18(1):NA.,77 Vieira FS. Texto para discussão - Direito à saúde no Brasil: seus contornos, judicialização e a necessidade da macrojustiça. Brasília/Rio de Janeiro: Ipea; 2020 [acessado 2020 ago 10]. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9714/1/TD_2547.pdf., impactando drasticamente no orçamento da União, dos Estados e dos Municípios66 Vargas-Peláez CM, Rover MRM, Soares L, Blatt CR, Mantel-Teeuwisse AK, Rossi FA, Restrepo LG, Latorre MC, López JJ, Bu¨rgin MT, Silva C, Leite SN, Farias MR. Judicialization of access to medicines in four Latin American countries: a comparative qualitative analysis. Int J Equity Health 2019; 18(1):NA.. Um estudo conduzido para o Conselho Nacional de Justiça demonstrou que nos Tribunais de Justiça de 17 estados brasileiros, o “Tratamento Médico-Hospitalar e/ou Fornecimento de Medicamentos” está entre os principais assuntos nos processos em primeira instância que envolvem a saúde, sendo que em Santa Catarina o “Fornecimento de Medicamentos” é a principal demanda judicial99 Instituto de Ensino e Pesquisa. Relatório Analítico Propositivo-Justiça Pesquisa - Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e propostas de solução. Brasília: CNJ; 2019 [acessado 2020 ago 10]. Disponível em: http://cnsaude.org.br/wp-content/uploads/2019/07/JUDICIALIZAC%CC%A7A%CC%83O-DA-SAU%CC%81DE-NO-BRASIL.pdf.. Vieira salientou que as demandas por medicamentos no SUS totalizaram 544.378 processos (24,4% do total)77 Vieira FS. Texto para discussão - Direito à saúde no Brasil: seus contornos, judicialização e a necessidade da macrojustiça. Brasília/Rio de Janeiro: Ipea; 2020 [acessado 2020 ago 10]. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9714/1/TD_2547.pdf. (p. 26-27) até dezembro de 2018, valor que pode estar subestimado, pois o Judiciário também utiliza outras classificações para esse insumo nos processos. Ainda, por meio de decisões judiciais, os gastos do Ministério da Saúde com medicamentos aumentaram de R$ 422,6 milhões em 2012 para aproximadamente R$ 1,0 bilhão em 201877 Vieira FS. Texto para discussão - Direito à saúde no Brasil: seus contornos, judicialização e a necessidade da macrojustiça. Brasília/Rio de Janeiro: Ipea; 2020 [acessado 2020 ago 10]. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9714/1/TD_2547.pdf..
Em Santa Catarina (SC), as demandas judiciais por medicamentos iniciaram-se em 2000, com uma ação deferida1010 Boing A, Bloemer N, Roesler C, Fernandes S. A judicialização do acesso aos medicamentos em Santa Catarina: um desafio para a gestão do sistema de saúde. Revista de Direito Sanitário 2013; 14(1):82-97.. Os custos com a compra de medicamentos por via judicial passaram de pouco mais de R$ 38 mil em 2001 (sete processos)1111 Pereira JR. Análise das demandas judiciais solicitando medicamentos encaminhados à Diretoria de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina nos anos de 2003 e 2004 [dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2006., para um valor acumulado próximo de R$ 1,1 bilhões no período de 2010 a 2019, segundo representantes da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina (SES/SC) presentes no Seminário “Judicialização do acesso a medicamentos em Santa Catarina: Organização das ações relacionadas à Assistência para o enfrentamento das ações judiciais”, realizado em dezembro de 2019 por professores do Departamento de Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal de Santa Catarina e pela Consultoria Jurídicada SES/SC.
A partir de uma revisão integrativa1212 Batistella PMF, Aroni P, Fagundes AL, Haddad MCFL. Ações judiciais em saúde: revisão integrativa. Rev Bras Enferm 2019; 72(3):848-856., observa-se que artigos publicados entre 2007 e 2017 que trataram da judicialização de medicamentos no Brasil, focaram principalmente nas ações judiciais propriamente ditas, analisando gastos e/ou impactos, no perfil dos requerentes ou nos fatores que levam à judicialização. Esse trabalho traz uma outra perspectiva sobre o fenômeno, ao descrever como no Estado de Santa Catarina os Poderes Executivo e Judiciário e as Funções Essenciais à Justiça (Procuradoria Geral do Estado, Defensoria Pública do Estado de SC e Ministério Público de SC) se organizaram para atender às demandas judiciais para o acesso a medicamentos.
Metodologia
A pesquisa baseou-se em análise documental e em entrevistas semiestruturadas com representantes do Executivo, Judiciário, Procuradoria Geral do Estado (PGE/SC), Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina (DP/SC) e Ministério Público de Santa Catarina (MPSC). Os documentos foram identificados nas páginas eletrônicas do Governo de Santa Catarina, SES/SC, PGE/SC, DP/SC, MPSC, Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ/SC), Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Também foram fontes de dados trabalhos de conclusão que investigaram a judicialização em SC.
No Quadro 1 estão listados os setores, serviços e regiões incluídos na pesquisa, sendo que em cada um foi entrevistado um representante (total de dez entrevistados). Utilizou-se um roteiro adaptado de Vargas-Peláez et al.22 Vargas-Peláez CM, Rover MRM, Leite SN, Rossi-Buenaventura F, Farias MR. Right to health, essential medicines, and lawsuits for access to medicines. Soc Sci Med 2014; 121:48-55., em duas versões (uma para o Executivo e PGE/SC e outra para o Judiciário, DP/SC e MPSC), com as questões centrais: quais, quando e os resultados das medidas implementadas, bem como o papel do Executivo, da PGE/SC, do Judiciário, do DP/SC e MPSC na judicialização do acesso a medicamentos em SC (em ambos roteiros); sobre a judicialização no organograma da SES/SC e sua evolução e fluxo desde os anos 2000 (roteiro do Executivo e PGE/SC); sobre a influência do Judiciário, DP/SC e MPSC na implementação de medidas para responder à judicialização do acesso a medicamentos e a contribuição dessas medidas (roteiro do Judiciário, DP/SC e MPSC). As entrevistas foram realizadas entre outubro e novembro de 2017, no local de trabalho dos participantes (nesse texto com nomes fictícios), com gravação, exceto no caso do juiz federal que optou por enviar as respostas por correio eletrônico. Todos os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os documentos selecionados foram classificados e analisados segundo seu teor, interpretando, sempre que possível, a importância daqueles de nível nacional para o contexto de SC. As entrevistas transcritas literalmente foram tratadas segundo a análise temática de conteúdo1313 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7ª ed. São Paulo, Rio de Janeiro: Hucitec, Abrasco; 2000., buscando compreender, sob o ponto de vista de atores envolvidos, o processo de organização em SC para abordar a judicialização.
A pesquisa foi aprovada em 2017 por Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.
Resultados e discussão
Contexto Nacional
A Audiência Pública da Saúde, promovida em 2009 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi mencionada por alguns dos entrevistados. O Quadro 2 traz os principais itens debatidos na Audiência. Para Santos et al.1414 Santos AO, Delduque MC, Mendonca AVM. Os discursos na Audiência Pública da Saúde e seu impacto nas decisões do Supremo Tribunal Federal: uma análise à luz da teoria dos sistemas sociais. Saude Soc 2015; 24(1):184-192., foi um marco divisor das relações entre o sistema jurídico e o sistema político no que se refere ao Sistema Único de Saúde (SUS) e às ações e serviços relacionados à saúde no Brasil (p.185). Os argumentos dos discursos proferidos nessa Audiência foram confrontados com as primeiras decisões do STF pós-Audiência Pública, sendo que cerca de 20% foram absorvidos pelos magistrados em suas decisões1414 Santos AO, Delduque MC, Mendonca AVM. Os discursos na Audiência Pública da Saúde e seu impacto nas decisões do Supremo Tribunal Federal: uma análise à luz da teoria dos sistemas sociais. Saude Soc 2015; 24(1):184-192.. Esperava-se que as definições do STF, um importante marco na judicialização da saúde no Brasil, uniformizassem as decisões judiciais ao longo do tempo, especialmente pelo fato de que foi também recomendado à magistratura orientar-se pela Recomendação n. 31 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)1414 Santos AO, Delduque MC, Mendonca AVM. Os discursos na Audiência Pública da Saúde e seu impacto nas decisões do Supremo Tribunal Federal: uma análise à luz da teoria dos sistemas sociais. Saude Soc 2015; 24(1):184-192..
A Recomendação n. 31/CNJ/20101515 Conselho Nacional de Justiça. Recomendação nº 31 de 30 de Março de 2010. Recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde. [acessado 2018 ago 15]. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/atos-normativos?documento=877.
https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/at... estabeleceu a adoção, pelos Tribunais de Justiça dos Estados e Tribunais Regionais Federais, de medidas para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a saúde, subsidiando os magistrados e demais operadores do direito. Ainda em 2010, o CNJ criou o Fórum Nacional do Judiciário (Fórum da Saúde) por meio da Portaria n. 107/20101616 Conselho Nacional de Justiça. Resolução Nº 107 de 06/04/2010. [acessado 2020 jul 31]. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/173.
https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/17... , para o monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde, coordenado por um Comitê Executivo Nacional e constituído por Comitês Estaduais1717 Schulze CJ. O papel das escolas de magistratura no enfrentamento da judicialização da saúde. Revista CEJ 2014; 18(62):7-14. [acessado 2020 jul 31]. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/tablas/r35853.pdf.
https://www.corteidh.or.cr/tablas/r35853... . Como parte das ações do Fórum, o CNJ realizou em 2014, 2015 e 2019 a I, II e III Jornada Nacional da Saúde (ou Jornadas de Direito à Saúde), respectivamente, para debater os problemas da judicialização da saúde e apresentar e aprovar enunciados sobre o direito à saúde1818 Conselho Nacional de Justiça. Enunciados da I, II e III Jornadas de Direito da Sau´de do Conselho Nacional de Justic¸a. [acessado 2020 jul 31]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/03/e8661c101b2d80ec95593d03dc1f1d3e.pdf.
https://www.cnj.jus.br/wp-content/upload... . No Quadro 2 estão listados os principais aspectos das medidas definidas pelo CNJ.
Foi criado em 2015 pelo Novo Código de Processo Civil o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), que identifica processos em primeira instância de jurisdição quando houver, simultaneamente: I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - Risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica1919 Brasil. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil. [acessado 2020 jul 31]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At... (s/p). Esse dispositivo tem sido aplicado em SC, conforme descrito abaixo.
Contexto catarinense
Medidas adotadas pelo Executivo
No Executivo, a SES/SC está envolvida diretamente na judicialização. A Diretoria de Assistência Farmacêutica (DIAF) foi criada em 2003 para atender os Programas de Assistência Farmacêutica Básica, de Medicamentos Excepcionais/Alto Custo e de Saúde Mental, mas também foi responsável durante um período pelas demandas judiciais que envolviam medicamentos e outros produtos44 Ronsein JG. Análise do perfil das solicitações de medicamentos por demanda judicial no estado de Santa Catarina no período de 2005 a 2008 [dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2010.,1111 Pereira JR. Análise das demandas judiciais solicitando medicamentos encaminhados à Diretoria de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina nos anos de 2003 e 2004 [dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2006..
Até 20061111 Pereira JR. Análise das demandas judiciais solicitando medicamentos encaminhados à Diretoria de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina nos anos de 2003 e 2004 [dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2006. os processos eram encaminhados, na prática, primeiramente à Consultoria Jurídica da SES/SC (COJUR-SES), ligada ao gabinete do Secretário de Estado da Saúde, cuja função é definir juridicamente parâmetros de conduta que auxiliem o gestor estadual nas questões da saúde2020 Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina. Consultoria Jurídica da Secretaria Estadual de Saúde - COJUR-SES. [acessado 2020 ago 3]. Disponível em: https://www.saude.sc.gov.br/index.php/gabinete/cojur.
https://www.saude.sc.gov.br/index.php/ga... . A cópia da decisão judicial era enviada à DIAF, que encaminhava à sua Gerência de Programação e Suprimento para registro e demais encaminhamentos.
Com o aumento progressivo do número de processos, a organização e o fluxo da judicialização sofreram alterações. Para melhorar a organização da entrada das ações judiciais, maior controle e agilidade no seu cumprimento, foi criado em julho de 2007 o Núcleo de Acompanhamento das Ações Judiciais (NAAJ), vinculado à DIAF (ver no Quadro 2 as atribuições do Núcleo). O NAAJ foi composto por uma equipe multidisciplinar (advogados, farmacêuticos, médicos e técnicos administrativos), fazendo parte, também, a COJUR e a DIAF, pois já atuavam na área antes da implementação do Núcleo2121 Bem LC. A judicialização da assistência farmacêutica no estado de Santa Catarina. [monografia]. Tubarão: Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça; 2009.. O Núcleo intermediou algumas conquistas para SC, como o “chamamento da União aos processos”, ou seja, a sua corresponsabilidade nas ações envolvendo medicamentos, evitando assim o duplo fornecimento de medicamentos quando a União era ré juntamente com o Estado2121 Bem LC. A judicialização da assistência farmacêutica no estado de Santa Catarina. [monografia]. Tubarão: Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça; 2009.. Ainda implantou pactuações com a União e Municípios quando estes figuravam como réus nas mesmas ações, propondo, por exemplo, o ressarcimento pela União ao Estado de SC de metade dos valores usados nos medicamentos oncológicos e a responsabilização de Municípios no atendimento às demandas que envolviam medicamentos básicos2121 Bem LC. A judicialização da assistência farmacêutica no estado de Santa Catarina. [monografia]. Tubarão: Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça; 2009.. Além disso, em um trabalho conjunto com o Judiciário, foram suspensas pelo menos 1.360 liminares, analisando juntos a real situação do caso concreto2121 Bem LC. A judicialização da assistência farmacêutica no estado de Santa Catarina. [monografia]. Tubarão: Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça; 2009..
Concomitante à criação do NAAJ, conforme a entrevistada Virgínia relatou, houve a implementação de um banco de dados sobre medicamentos (Dadosmed), utilizado pela SES/SC, PGE/SC, Defensoria Pública da União e o MPSC. Portanto, a mesma ferramenta poderia ser usada para defender ou condenar o Estado. A partir de 2007, o usuário com uma prescrição médica acionava a SES/SC, por meio das Gerências de Saúde (GERSA) com sede em 16 municípios catarinenses, que orientava o preenchimento de um requerimento, contendo o diagnóstico médico e os medicamentos prescritos. Este era encaminhado ao NAAJ, que após análise dos medicamentos solicitados, enviava os esclarecimentos diretamente ao endereço do usuário44 Ronsein JG. Análise do perfil das solicitações de medicamentos por demanda judicial no estado de Santa Catarina no período de 2005 a 2008 [dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2010.. Segundo Virgínia, o processo era moroso, pois havia apenas um setor para atender a todas as solicitações do Estado. Em 2010 o Núcleo foi extinto e suas atividades passaram a ser novamente executadas pela DIAF44 Ronsein JG. Análise do perfil das solicitações de medicamentos por demanda judicial no estado de Santa Catarina no período de 2005 a 2008 [dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2010. por cerca de um ano.
As decisões (liminares ou tutelas) concedidas pelo Judiciário contra o Estado de SC passaram a ser encaminhadas, a partir de 2011, para a recém-criada Comissão Multidisciplinar de Apoio Judicial (COMAJ)2222 Santa Catarina. Portaria nº 753 de 09 de Agosto de 2011. Cria a Comissão Multidisciplinar de Apoio Judicial - COMAJ. Diário Oficial do Estado de Santa Catarina 2011; 11 Ago, 19149: 14., que assumiu praticamente todas as funções do NAAJ, porém vinculada à COJUR (as atribuições da COMAJ estão no Quadro 2). Para sua atuação, o banco de dados já existente foi reestruturado para o SISCOMAJ. A criação da COMAJ, segundo a entrevistada Matilde, foi uma consequência da Audiência Pública do STF de 2009, referida acima, e do cenário nacional da judicialização à época.
Em 2013, quando a reforma administrativa estadual desvinculou completamente a judicialização da DIAF, as etapas de programação e aquisição dos medicamentos judicializados passaram para a Gerência de Planejamento da Demanda de Bens e Serviços (GPLAD) e a organização da logística à Gerência de Bens Judiciais (GEJUD) (Quadro 2), alocando parte dos servidores da DIAF no novo setor.
Criado em 2015 pela Portaria n. 991/2015, de acordo com a Recomendação n. 31/CNJ/2010, e com convênio iniciado em 20162323 Santa Catarina. Portaria nº 1034 de 27 de Janeiro de 2016. Dispõe sobre aprovação do Regulamento do Núcleo de Apoio Técnico - NAT, criado pela Portaria nº 991/2015. [acessado 2018 maio 31]. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/diarios/107918550/doesc-27-01-2016pg-4.
https://www.jusbrasil.com.br/diarios/107... , o Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário (NAT-JUS), é uma instância consultiva e tem a finalidade de assessorar o Judiciário nas demandas judiciais de prestação de assistência à saúde (mais detalhes das atividades do NAT-JUS no Quadro 2). A informante Joaquina, comparando as competências da COMAJ e do NAT-JUS, comentou que a COMAJ fica com a parte pós-judicialização e a defesa, prestando informações à PGE, e o NAT fica com o antes, informando os magistrados. Conforme Joaquina, das 112 Comarcas existentes na Justiça Estadual, até 2017 eram atendidas pelo NAT-JUS 12 delas, totalizando 21 municípios. No caso da Justiça Federal, eram auxiliadas três Subseções (Florianópolis, Criciúma e Itajaí) abrangendo 53 municípios. Joaquina ainda explicou que “o julgamento da ação vai ao mesmo tempo para o magistrado e para o NAT, que tem 72 horas para emitir uma instrução técnica para o magistrado tomar a decisão”. Segundo ela, a decisão do magistrado independe do parecer do NAT, ou seja, ele pode decidir antes do parecer, porém enfatizou que em geral estavam aguardando a resposta. A resposta não é simples, segundo Joaquina, pois é analisada de forma individualizada para não gerar viés, baseada no caso concreto. Entre três e quatro pareceristas se reúnem e interpretam o caso, decidindo qual o documento que será elaborado: Nota Técnica, Ofício de Devolução ou Ofício de Instrução. Salientou que o Núcleo não contesta o diagnóstico, sendo que em situações imprecisas é possível devolver o processo solicitando uma melhor descrição do caso, de modo a que a equipe possa buscar na literatura evidências que justifiquem ou não a concessão do benefício. Joaquina apontou alguns resultados positivos nas Comarcas onde o NAT-JUS atua, como a redução do número de concessão imediata de tutelas, a desistência por parte de médicos de judicializar quando têm as explicações do Núcleo, a maior credibilidade do farmacêutico na emissão de pareceres técnicos e a extinção da perícia médica na maioria dos casos (segundo ela, magistrados relataram que os documentos técnicos elaborados eram excelentes e, portanto, suficientes como argumento, não havendo a necessidade de ainda arcar com custos de perícia).
O Judiciário garante o direito ao acesso ao medicamento, porém não define contrapartida do requerente. Segundo Virgínia, muitos cidadãos nem sequer apresentavam a receita médica para a retirada de seus medicamentos. O Decreto n. 241 de 20152424 Santa Catarina. Decreto nº 241 de 30 de Junho de 2015. Disciplina procedimentos a serem adotados pelos médicos e odontólogos servidores públicos estaduais na prescrição de medicamentos e na solicitação de exames e procedimentos de saúde e estabelece outras providências. [acessado 2018 out 31]. Disponível em: https://leisestaduais.com.br/sc/decreto-n-241-2015-santa-catarina-disciplina-procedimentos-a-serem-adotados-pelos-medicos-e-odontologos-servidores-publicos-estaduais-na-prescricao-de-medicamentos-e-na-solicitacao-de-exames-e-procedimentos-de-saude-e-estabelece-outras-providencias.
https://leisestaduais.com.br/sc/decreto-... , oriundo da SES/SC, foi uma medida para minimizar os problemas relacionados à prescrição (informações sobre esse Decreto no Quadro 2).
Em 2016, a SES/SC fez outra mudança, colocando o armazenamento e distribuição sob responsabilidade de uma empresa terceirizada. O entrevistado José disse que a GEJUD faz a parte da logística de encaminhamento para as GERSA e/ou Municípios, a empresa terceirizada separa e leva os medicamentos para esses locais, que realizam a entrega dos medicamentos. Vale enfatizar que não havia um sistema informatizado de controle de estoque nas GERSA e Municípios, situação mantida nos anos seguintes.
A Portaria n. 804 de agosto de 20172525 Santa Catarina. Portaria nº 804 de 29 de Agosto de 2017. Dispõe sobre a definição do acompanhamento e do monitoramento dos atendimentos realizados em cumprimento a ordens judiciais (...). [acessado 2018 out 15]. Disponível em: http://www.doe.sea.sc.gov.br/Portal/VisualizarJornal.aspx?tp=pap&cd=1733.
http://www.doe.sea.sc.gov.br/Portal/Visu... , outra medida originária da SES/SC em resposta à judicialização, definiu a responsabilidade das GERSA no acompanhamento e monitoramento dos atendimentos realizados, em cumprimento a ordens judiciais quando o réu é o Estado e a sua finalização for centralizada nas Gerências, sendo o responsável o Gerente Regional de Saúde, apoiado pelos farmacêuticos lotados em sua Gerência (ver Quadro 2 para mais detalhes). A entrevistada Matilde entendia que a responsabilização imposta pela Portaria foi de grande relevância para o controle e cumprimento efetivo das decisões judiciais, otimizando os recursos, evitando que o medicamento que não está sendo retirado seja comprado desnecessariamente e enviado mensalmente para as GERSA. Para a informante Virgínia, a responsabilização do gerente foi uma conquista, pois ele é o representante do Estado naquela região.
A judicialização não é um programa governamental, porém assumiu tamanha proporção que se institucionalizou, a exemplo das necessárias medidas de reestruturação da SES/SC para o atendimento das ações. Conforme as entrevistas e a análise documental, observa-se que foram criados setores e serviços específicos focados principalmente na logística de atendimento das demandas, mas pouco se investiu em estrutura e recursos humanos para essa atividade. No caso de pessoal, novas contratações foram mínimas, sendo que a maioria dos trabalhadores foi remanejada de outros setores ou simplesmente absorveram mais esta atividade, ficando sobrecarregados. Nas GERSA, por exemplo, a mesma equipe que atendia ao Componente Especializado da Assistência Farmacêutica precisou absorver o judicial. Desta forma, ficaram prejudicados os controles adequados (já que não existia nas Gerências um sistema informatizado de gestão de estoque), bem como o desenvolvimento de medidas para a redução das ações judiciais junto aos municípios e prescritores.
Uma questão a salientar a partir dos dados da pesquisa é que apesar do cidadão ter sua solicitação atendida pelo juiz, em nada garantia a melhoria na sua qualidade de vida, pois o desabastecimento esporádico ou em períodos sucessivos era frequente no atendimento judicial pelo Estado. Nesses casos, pode ser estipulada multa ao réu2626 Brasil. Ministério da Saúde (MS). O Remédio via Justiça: Um estudo sobre o acesso a novos medicamentos e exames em HIV/aids no Brasil por meio de ações judiciais. Brasília: MS; 2005. [acessado 2018 out 27]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/medic_justica01.pdf. ou ainda, segundo as entrevistadas Virgínia e Iolanda, o representante jurídico do solicitante pode requerer sequestro do valor, quer seja para a compra do produto judicializado ou para ressarcir o que foi gasto. Porém, como identificou a pesquisa, havia situações que devido ao longo tempo gerado pela burocracia para receber o valor, ficavam sem o tratamento em algum período.
Outro ponto a destacar é a não retirada do medicamento por parte do requerente, que tem gerado um significativo desperdício dos recursos públicos. Em 2019, por exemplo, essa perda foi de R$ 26 milhões em medicamentos adquiridos por via judicial, segundo representantes da SES/SC presentes no Seminário “Judicialização do acesso a medicamentos em Santa Catarina: Organização das ações relacionadas à Assistência para o enfrentamento das ações judiciais”, citado anteriormente.
Outras medidas adotadas
O Comitê Estadual de Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência da Saúde de Santa Catarina (COMESC) foi criado em 2012, fundamentado pela Resolução n. 107/2010 do CNJ1616 Conselho Nacional de Justiça. Resolução Nº 107 de 06/04/2010. [acessado 2020 jul 31]. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/173.
https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/17... que determinou a criação dos Comitês Executivos para coordenar e executar as ações de natureza específica, consideradas relevantes, tornando possível o entendimento do funcionamento do Judiciário e do SUS. No COMESC, com membros de diversos órgãos públicos da justiça e saúde e da sociedade civil2727 Ministério Público de Santa Catarina. COMESC. [acessado 2020 abr 13]. Disponível em: https://www.mpsc.mp.br/programas/comesc.
https://www.mpsc.mp.br/programas/comesc... , são emitidos enunciados e recomendações que tratam sobre temas comuns nas ações judiciais. Até abril de 2020, o COMESC elaborou 21 enunciados2727 Ministério Público de Santa Catarina. COMESC. [acessado 2020 abr 13]. Disponível em: https://www.mpsc.mp.br/programas/comesc.
https://www.mpsc.mp.br/programas/comesc... , buscando uniformizar procedimentos a serem adotados pelos profissionais de saúde e do direito, priorizando a assistência à saúde e a organização do SUS (no Quadro 2 mais detalhes sobre o COMESC).
O MPSC tem como função institucional manifestar-se nos processos em que sua participação seja obrigatória, devendo também tutelar direitos individuais indisponíveis, que inclui a saúde. O MPSC na área da saúde tem o suporte, desde 2012, do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos e Terceiro Setor (CDH)2828 Ministério Público de Santa Catarina. Ato n. 244 de 12 de abril de 2019. Dispõe sobre os Centros de Apoio Operacional do Ministério Público de Santa Catarina e dá outras providências. [acessado 2020 jul 20]. Disponível em: https://www.mpsc.mp.br/atos-e-normas/detalhe?id=2558.
https://www.mpsc.mp.br/atos-e-normas/det... (Quadro 2) que, de acordo com a entrevistada Madalena, é consultado para avaliar o medicamento demandado e orientar os demais promotores.
Como a demanda por medicamentos foi crescendo, a PGE/SC, que orienta a administração pública no cumprimento de decisões judiciais2929 Santa Catarina. Decreto nº 1.485 de 7 de Fevereiro de 2018. Aprova o Regimento Interno da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e estabelece outras providências. [acessado 2018 ago 20]. Disponível em: http://server03.pge.sc.gov.br/LegislacaoEstadual/2018/001485-005-0-2018-003.htm.
http://server03.pge.sc.gov.br/Legislacao... , criou em 2015 o Núcleo de Ações Repetitivas de Assistência à Saúde (NARAS)3030 Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina. Portaria n. 59 de 13 de Agosto de 2015. Dispõe sobre a organização e distribuição de trabalho do Núcleo de Ações Repetitivas em Assistência à Saúde. [acessado 2018 ago 20]. Disponível em: http://www.doe.sea.sc.gov.br/Portal/VisualizarJornal.aspx?tp=pap&cd=1242.
http://www.doe.sea.sc.gov.br/Portal/Visu... (Quadro 2), compreendido por alguns dos entrevistados como uma medida frente à judicialização. Até novembro de 2017, o NARAS abrangia apenas a capital catarinense, com quatro procuradores envolvidos, quando foram incluídos mais oito ligados às Procuradorias Regionais. A entrevistada Mariana, em novembro desse mesmo ano, relatou que até agora não se conseguiu reduzir muito a judicialização com o NARAS. Para ela, a ampliação do grupo para 12 procuradores dedicados integralmente às ações judiciais, melhoraria muito a situação, pois iriam “padronizar teses e lutar nos tribunais”, buscando por meio de um trabalho intenso com juízes e tribunais “convencer os julgadores que não dá para dar tudo”. Mariana comentou que a análise do que estava sendo solicitado é feita considerando o medicamento e a doença do requerente. A PGE/SC informa, quando é possível, que para a doença em questão, o SUS fornece medicamentos e apresenta as alternativas terapêuticas. Para Mariana, a PGE/SC [...] defende o sistema, tenta evitar que a pessoa leve um medicamento que não seja algum que o Estado poderia fornecer gratuitamente [...] tenta evitar a sangria do dinheiro da saúde.
Conforme a informante Iolanda, as decisões em relação a medicamentos sofreram modificações por conta de processo de uniformização da jurisprudência, complementando que houve um IRDR julgado em 2016 ou 2015, que sedimentou o entendimento com relação aos padronizados, que teriam acesso irrestrito, porque dentro de uma política pública já sedimentada, fixada. Iolanda se referia à tese 1, firmada pelo Tribunal de Justiça de SC3131 Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Incidente de Resolução de Demandas Repetivivas - IRDR. [acessado 2020 ago 3]. Disponível em: https://www.tjsc.jus.br/documents/3133632/3200197/IRDR-COMPLETA/7ab8e228-b5c3-a8ee-8654-2f18a6e23141.
https://www.tjsc.jus.br/documents/313363... , que trata especificamente de “concessão judicial de remédio ou tratamento”(ver Quadro 2 para detalhes). Vale mencionar que em SC, até julho de 2020, o TJ/SC firmou 21 teses de diversos conteúdos com base no IRDR3131 Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Incidente de Resolução de Demandas Repetivivas - IRDR. [acessado 2020 ago 3]. Disponível em: https://www.tjsc.jus.br/documents/3133632/3200197/IRDR-COMPLETA/7ab8e228-b5c3-a8ee-8654-2f18a6e23141.
https://www.tjsc.jus.br/documents/313363... .
Outras atividades foram realizadas em SC para aproximar o Judiciário do Executivo, relatadas nas entrevistas, como: (1) curso sobre assistência farmacêutica com os magistrados antes de assumirem suas Comarcas; (2) seminários e reuniões entre COMAJ e Judiciário; (3) intercâmbio de informações, por meio do acesso ao sistema de dados para a PGE/SC, TJ/SC, MPSC e DP/SC e juízes federais; (4) diálogos dos juízes com os gestores; (5) eventos diversos envolvendo operadores do direito, gestores públicos e profissionais da saúde, visando esclarecer a judicialização.
Fluxo da judicialização
Até o início de 2015, a sede da SES/SC, na capital de SC, continuava sendo o ponto inicial da judicialização, quando então a solicitação do usuário passou a ser processada diretamente nas GERSA3232 Santa Catarina. Portaria nº 49 de 10 de Fevereiro de 2015. Dispõe sobre o ?uxo de encaminhamento de demandas administrativas de medicamentos, procedimentos e insumos. [acessado 2018 out 31]. Disponível em: http://www.doe.sea.sc.gov.br/Portal/VisualizarJornal.aspx?tp=pap&cd=1119.
http://www.doe.sea.sc.gov.br/Portal/Visu... (Figura 1), que deve responder aos cidadãos em até 15 dias, o que agilizou o processo.
Por recomendação do Enunciado n. 03 do CNJ, a ação judicial somente se qualifica mediante comprovação da prévia negativa ou indisponibilidade da prestação no [...] SUS [...]1818 Conselho Nacional de Justiça. Enunciados da I, II e III Jornadas de Direito da Sau´de do Conselho Nacional de Justic¸a. [acessado 2020 jul 31]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/03/e8661c101b2d80ec95593d03dc1f1d3e.pdf.
https://www.cnj.jus.br/wp-content/upload... (p. 1). Este documento tem sido chamado de “certidão negativa”, ou seja, uma declaração informando que o Estado não fornece o medicamento e suas alternativas terapêuticas, quando houver44 Ronsein JG. Análise do perfil das solicitações de medicamentos por demanda judicial no estado de Santa Catarina no período de 2005 a 2008 [dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2010..
Os cidadãos, com a prescrição médica, o formulário padrão desenvolvido pela Comarca ou pelo COMESC e a “certidão negativa” de fornecimento pelo Estado e/ou Município, acionam o Judiciário (Figura 1). Para tanto, é necessário um advogado. Caso não tenha condições de arcar com os custos deste profissional, pode se valer da Assistência Jurídica Gratuita prestada pela DP/SC3333 Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina. Carta de Serviços ao Usuário. 2019 [acessado 2020 ago 3]. Disponível em: https://www.defensoria.sc.gov.br/index.php/cartaservicos/4239-carta-de-servicos-ao-usuario/file.
https://www.defensoria.sc.gov.br/index.p... . Os defensores públicos possuem a função de promover, sempre que possível, a solução extrajudicial dos litígios, tentando a conciliação antes de promover a ação cabível, que pode ser individual ou coletiva/civil pública. Outra opção de representação é o promotor de justiça do MPSC.
Conforme Madalena, definidos o intermediário entre o cidadão e o juiz e de posse de todos os documentos necessários, a ação judicial deve ser ajuizada contra algum ente da federação (União, Estado e/ou Município). Se for contra o Estado e/ou Município a ação será proposta na Justiça Estadual e se for contra a União (sozinha ou com os outros entes), deverá ser na Justiça Federal, sendo julgados em primeira instância por um juiz estadual ou federal, respectivamente. Ainda segundo Madalena, é o representante jurídico (advogado, defensor público ou promotor) do autor da ação que decide quem será o réu ou os réus, podendo entrar contra um, dois ou os três entes da federação.
Madalena salientou que mesmo que o promotor de justiça não tenha sido o representante da ação, ele precisa se manifestar, pois é o fiscal da lei, visto que todos os processos que tratam de saúde têm que ir para o MPSC (Figura 1). O promotor analisa se a pessoa é hipossuficiente, se o medicamento solicitado é ou não fornecido pelo SUS, entre outros critérios. Ainda segundo Madalena, a partir desta constatação, ele [o promotor] se manifestará favorável ou não ao fornecimento daquele tratamento. O juiz tem livre convencimento, ou seja, pode ser contrário à manifestação do MP, visto que a decisão será tomada após ouvir as três instâncias: o autor da ação, o promotor como fiscal da lei e o réu (ou os réus). No caso do Estado ser o réu na ação, a PGE/SC faz a defesa (Figura 1).
Por se tratar de questão de saúde, é proposta uma ação cautelar com pedido liminar ou tutela antecipada2626 Brasil. Ministério da Saúde (MS). O Remédio via Justiça: Um estudo sobre o acesso a novos medicamentos e exames em HIV/aids no Brasil por meio de ações judiciais. Brasília: MS; 2005. [acessado 2018 out 27]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/medic_justica01.pdf., dado que há urgência. Nesse contexto, o juiz de primeira instância deve apreciar o mérito da ação e proferir uma sentença, que pode ser confirmando a liminar ou tutela antecipada dada ou revogando a liminar2626 Brasil. Ministério da Saúde (MS). O Remédio via Justiça: Um estudo sobre o acesso a novos medicamentos e exames em HIV/aids no Brasil por meio de ações judiciais. Brasília: MS; 2005. [acessado 2018 out 27]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/medic_justica01.pdf.. No caso de indeferimento, o cidadão tem o direito de recorrer ao Tribunal, utilizando o recurso denominado “agravo de instrumento”, para insistir no seu pedido e obter o medicamento. O Tribunal Regional Federal (TRF) ou o TJ/SC apreciará o recurso se, respectivamente, o réu for a União ou o Estado e/ou Município. O TRF ou o TJ/SC pode decidir pela manutenção da liminar ou pela sua cassação. Essa decisão pode ser novamente objeto de recurso, desta vez para o STJ. Caso seja ofensa à Constituição Federal, cabe recurso ao STF2626 Brasil. Ministério da Saúde (MS). O Remédio via Justiça: Um estudo sobre o acesso a novos medicamentos e exames em HIV/aids no Brasil por meio de ações judiciais. Brasília: MS; 2005. [acessado 2018 out 27]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/medic_justica01.pdf. (Figura 1).
Sendo a sentença deferida, o processo é recebido pela COMAJ, que encaminha à GPLAD para programação e aquisição, seguindo à GEJUD para a logística de armazenamento e distribuição e posteriormente a empresa transporta até as GERSA e/ou Municípios, que finalmente dispensam aos cidadãos (Figura 1).
Conclusões
A judicialização da saúde tem crescido exponencialmente, obrigando o Executivo estadual, o Judiciário e as Funções Essenciais à Justiça a se (re)organizarem para atender esta demanda.
No Executivo, as principais mudanças se deram na SES/SC, com uma reestruturação que retirou o judicial da DIAF em 2013, criando a GEJUD, específica para esta demanda. Também foi criado o NAAJ, substituído pela COMAJ com papéis semelhantes nos casos da judicialização. O banco de dados com informações sobre medicamentos foi melhorado, com acesso ao Judiciário e outros órgãos envolvidos com a judicialização. Outro serviço implantado foi o NAT-JUS, com o papel estratégico de subsidiar os magistrados com informações e dados baseados no conhecimento científico. Algumas regulamentações foram aprovadas, como o Decreto que obriga médicos e dentistas servidores públicos a prescreverem os medicamentos constantes das listas oficiais e a Portaria que responsabiliza o Gerente Regional de Saúde. A maioria das mudanças adotadas pelo Executivo, portanto, visaram organizar o fluxo de trabalho gerado pelo aumento crescente do número de ações judiciais.
No Judiciário, as principais contribuições foram os enunciados e recomendações da Audiência Pública, das Jornadas do Direito à Saúde e do Fórum da Saúde, com o envolvimento direto do STF e do CNJ, que repercutiram em medidas adotadas em SC (a exemplo do NAT-JUS e COMESC, entre outros). Há ainda que mencionar o dispositivo IRDR do Código de Processo Civil, absorvido pelo TJ/SC.
Em relação às Funções Essenciais à Justiça, a PGE/SC criou o NARAS, composto por procuradores empenhados no diálogo com juízes. O MPSC foi se organizando de modo a atuar no recebimento da solicitação do cidadão ou no momento de agir como fiscal da lei, com o auxílio do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos e Terceiro Setor.
Este estudo apontou que o fenômeno da judicialização do acesso a medicamentos em SC ainda não está bem solucionado, pois mesmo com todas as medidas implantadas, os gastos com as ações judiciais continuaram crescendo desde o início dos anos 2000. É fundamental, portanto, que os entes públicos continuem aprimorando suas medidas para melhor abordar a judicialização.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
26 Nov 2021 - Data do Fascículo
Nov 2021
Histórico
- Recebido
09 Jun 2020 - Aceito
19 Set 2020 - Publicado
21 Set 2020