Saldos dos repasses federais no SUS: o que temos e o que esperar do incremento para a COVID-19

Daniel Resende Faleiros Blenda Leite Saturnino Pereira Sobre os autores

Resumo

Analisamos os saldos provenientes dos repasses do Ministério da Saúde (MS) aos entes subnacionais, destinados ao financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), inclusive para COVID-19. Verificamos a representatividade destes frente aos repasses do MS destinados às ações e serviços públicos de saúde, entre 2019 e 2020. Analisamos as portarias do MS que deram origem aos repasses COVID-19, classificando-as em: quantidade, objeto, critério de rateio, quantidade de parcelas, execução vinculada a estratégias do MS, valor. Mais de 70 mil contas-correntes foram contabilizadas, alguns entes subnacionais tinham mais de cem. Em 2019, saldos atingiram R$16,29 bilhões (aumento anual de 10,2%), representando 19,9% do total repassado. Em 2020, R$23,83 bilhões (aumento de 46,3%), representando 21,1% do repassado, com tendência de crescimento. Mais de 616 portarias, com 28 diferentes objetivos, repassaram R$32,30 bilhões à COVID-19. O recurso, antes de livre utilização, teve R$11,88 bilhões (36,8%) vinculados às estratégias do MS: R$1,36 bilhão (99,9%) Bloco Estruturação e R$10,52 bilhões (34,0%) Bloco Manutenção. Várias podem ser as causas que dão origem ao acúmulo de saldos, todavia qualidade, quantidade e complexidade do arcabouço normativo do SUS contribuem fortemente para uma execução dos recursos pouco célere, efetiva, eficiente e eficaz.

Palavras-chave:
Saúde pública; Economia da saúde; Orçamentos

Introdução

Com a promulgação da Constituição Federal11 Brasil. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988. [acessado 2020 maio 30]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm em 1988, o direito à saúde foi assegurado a toda população do Brasil. Para atender tal determinação foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS), tendo como princípios basilares a universalidade, a integralidade da atenção e a promoção da equidade22 Nunes A. A alocação equitativa inter-regional de recursos públicos federais do SUS: a receita própria do município como variável moderadora. Relatório de Consultoria. Consolidação do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde - SIOPS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2004 [acessado 2020 out 30]. Disponível em: http://siops.datasus.gov.br/Documentacao/Aloc_Equitativa_SIOPS.pdf. Do ponto de vista das relações financeiras intergovernamentais, a criação do SUS materializou-se por meio de um esquema tripartite de financiamento, integrando recursos da União dos Estados, Distrito Federal e Municípios3. Todavia, apenas em 2000 a Emenda Constitucional nº 294 disciplinou as responsabilidades do financiamento e somente em 2012 a Lei Complementar nº 1415 definiu quais são as despesas consideradas com Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS), além de regulamentar as transferências regulares e automáticas dos recursos federais aos entes subnacionais6. Nos últimos dez anos, a composição de despesas do SUS tem sido, em média: 43% sob responsabilidade da União, 26% dos Estados e 31% dos Municípios7.

No tocante à aplicação dos recursos federais, as transferências aos entes subnacionais ocupam posição de destaque na execução orçamentária do Ministério da Saúde (MS), destinando o maior volume de recursos para a manutenção das ASPS. O MS realiza as transferências do Fundo Nacional de Saúde (FNS) para os Fundos de Saúde dos entes subnacionais, considerando uma série de normas e princípios orçamentários pertinentes à administração pública, bem como um conjunto de normas e pactuações no âmbito do SUS, que dentre outras imputam aos gestores subnacionais obrigações e coíbem atos que visam fins diversos dos previstos88 Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Diário Oficial da União. Brasília, DF; 1964 [acessado 2020 out 30]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4320.htm,99 Brasil. Presidência da República. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF; 2000 [acessado 2021 jun 29]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm. Em 2019, a União registrou uma despesa total de R$122,3 bilhões com ASPS, sendo 69% repassados aos entes subnacionais para Estruturação (2,0%) e Manutenção (98,0%)1010 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Fundo Nacional de Saúde (FNS). [Internet] Brasília: MS; 2020 [acessado 2021 jan 10]. Disponível em: https://portalfns.saude.gov.br/. Contudo, dados do MS registram, em dezembro de 2019, um valor de R$16,3 bilhões em saldos nas contas-correntes destes repasses. Estes saldos representam a diferença entre o volume de recursos transferidos e as despesas efetivamente pagas em um determinado período, fenômeno denominado “empoçamento de despesas”. Muitas podem ser as causas do grande volume de recursos empoçados, entretanto no entendimento da Secretaria do Tesouro Nacional do Brasil uma das principais razões é o excesso de vinculações de receitas e despesas, principalmente nas áreas da Saúde, Defesa e Educação1111 Fernandes A, Tomazelli I. Rombo do setor público virá abaixo do esperado e não deve passar de R$ 120 bi. O Estado de S.Paulo. São Paulo, 04 de outubro de 2018 | 04h00. Economia. [acessado 2021 jun 28]. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral, rombo-do-setor-publico-vira-abaixo-do-esperado-e- nao-deve-passar-de-r-120-bi,70002531804
https://economia.estadao.com.br/noticias...
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No ano de 2020, o orçamento do MS que contabilizava R$124,20 bilhões destinados à execução de ASPS recebeu um incremento de R$64,12 bilhões em créditos extraordinários1212 Brasil. Ministério da Economia. Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento - SIOP. [Internet] Brasília: Ministério da Economia; 2020 [acessado 2020 out 30]. Disponível em: https://www.siop.planejamento.gov.br/, direcionados ao FNS. Diferentemente dos créditos ordinários, tais recursos adicionais não constavam na Lei de Orçamentaria Anual e somente foram autorizados em função do reconhecimento do estado de calamidade pública instalado no Brasil1313 Brasil. Congresso Nacional. Decreto Legislativo nº 6/2020. (2020). Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020. Diário Oficial da União. Brasília, DF; 2020 [acessado 2020 ago 4]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm, decorrente da pandemia do novo Coronavírus. Estes recursos extraordinários foram disponibilizados para o financiamento de ASPS, exclusivamente dedicadas ao enfrentamento da COVID-19, alocados para a execução direta do MS, transferências ao exterior, a filantrópicos e a Estados, Distrito Federal e Municípios, o que ampliou os volumes de saldos.

A fim de viabilizar a utilização dos recursos empoçados, inclusive para ações de enfrentamento da COVID-19, foi promulgada a Lei Complementar nº 172/20201414 Brasil. Congresso Nacional. Lei Complementar nº 172, de 15 de abril de 2020. (2020). Dispõe sobre a transposição e a transferência de saldos financeiros constantes dos Fundos de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, provenientes de repasses federais. Diário Oficial da União. Brasília, DF; 2020 [acessado 2020 out 30]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp172.htm que possibilitou a execução dos saldos remanescentes no período de calamidade. Todavia, ainda em 2020, o volume de saldos chegou a atingir R$31,73 bilhões1515 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portal Localiza SUS - Painel de Saldos. [Internet] Brasília: MS; 2020 [acessado 2021 jan 10]. Disponível em: https://localizasus.saude.gov.br/. Neste contexto, o presente estudo apresenta contribuições inéditas quanto a investigações sobre legalidade, transparência e vinculação de recursos direcionados ao SUS, que devem ser executados em observância a preceitos de autonomia e eficiência administrativa.

Objetivo

Analisar os saldos financeiros provenientes dos repasses do MS aos entes subnacionais, no âmbito do financiamento do SUS, entre os anos de 2019 e 2020, incluindo recursos destinados ao enfrentamento da COVID-19, apontando possíveis causas deste fenômeno.

Materiais e métodos

Desenho do estudo

Trata-se de uma análise descritiva que tem como objeto a evolução do volume de saldos financeiros relativos aos repasses federais no SUS, correlacionando-os de forma argumentativa, com o arcabouço normativo do financiamento do sistema. Tais repasses são destinados ao financiamento de ASPS e ocorrem em contas de depósito à vista (contas-correntes), abertas pelo FNS1010 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Fundo Nacional de Saúde (FNS). [Internet] Brasília: MS; 2020 [acessado 2021 jan 10]. Disponível em: https://portalfns.saude.gov.br/ em instituições financeiras federais - Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal - restando sob a gestão dos entes subnacionais.

A fim de alcançar o objetivo do estudo foram verificados, mensalmente, durante os anos de 2019 e 2020, para Estados, Distrito Federal e Municípios, os valores totais destes repasses e dos saldos remanescentes. Foram ainda verificadas a representatividade dos saldos frente aos repasses ocorridos; a quantidade e evolução do número de contas-correntes, e; os valores dos saldos. Com utilização de Microsoft Excel® e tendo como base os valores de saldos de janeiro de 2019 a março de 2020, foi calculada a curva de tendência da evolução dos saldos de abril de 2020 a janeiro de 2021. Assim, foi possível verificar e comparar a dinâmica do empoçamento pré-pandemia e em 2020.

Com o intuito de conhecer e verificar possíveis desdobramentos em virtude do aporte de recursos à COVID-19, as normas que deram origem aos repasses do MS (Portarias) foram classificadas segundo: 1) Bloco de repasses que permite conhecer o tipo de despesa para as quais os recursos foram repassados, se para ações de estruturação ou de manutenção; 2) Quantidade de Portarias que deram origem aos repasses, que permite conhecer o volume de normativas com as quais os gestores tiveram de lidar durante a pandemia; 3) Objeto de cada Portaria que possibilita conhecer qual a destinação dos recursos repassados apontando se é de uso geral ou se vincula a alguma estratégia específica do MS; 4) Forma de rateio do recurso que apresenta o critério utilizado para a distribuição dos valores e permite conhecer a complexidade das normativas com as quais os gestores tiveram de lidar durante a pandemia; 5) Frequência de parcelas dos repasses, destinada a conhecer se os repasses seriam em parcela única ou divididos, indicando a complexidade de planejamento e execução dos recursos recepcionados; 6) Tipo de vinculações para a utilização dos recursos, destinado a contabilizar o volume de normas que vinculam a execução dos recursos, para além da vinculação legal do programa de trabalho, às estratégias específicas do MS, e; 7) Valor total anual dos repasses. Tal análise descritiva foi realizada para organizar, resumir e descrever os aspectos mais importantes deste conjunto de características observadas.

Fontes de dados

Os dados utilizados neste estudo foram coletados nos sistemas informatizados do Governo Federal. Dados relativos ao orçamento do MS foram extraídos do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP)1212 Brasil. Ministério da Economia. Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento - SIOP. [Internet] Brasília: Ministério da Economia; 2020 [acessado 2020 out 30]. Disponível em: https://www.siop.planejamento.gov.br/ que suporta os processos de Planejamento e Orçamento do Governo Federal. Os dados relativos às contas-correntes e valores de saldos financeiros foram extraídos do Portal Localiza SUS/MS1515 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portal Localiza SUS - Painel de Saldos. [Internet] Brasília: MS; 2020 [acessado 2021 jan 10]. Disponível em: https://localizasus.saude.gov.br/, plataforma digital do MS, com atualização diária, que reúne painéis eletrônicos que apresentam informações sobre o enfrentamento da COVID-19. Os dados relativos às transferências financeiras, com informações sobre quantidades de contas-correntes e valores dos saldos, tiveram como fonte primária o Fundo Nacional de Saúde. Dados relativos aos valores de repasses para COVID-19 foram extraídos do FNS1010 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Fundo Nacional de Saúde (FNS). [Internet] Brasília: MS; 2020 [acessado 2021 jan 10]. Disponível em: https://portalfns.saude.gov.br/, gestor dos recursos do MS, responsável por desenvolver mecanismos que disponibilizem informações à sociedade relativas aos repasses no âmbito do SUS. Todos os parâmetros de consultas e suas respectivas fontes foram descritos no Quadro 1.

Quadro 1
Materiais e métodos: Fonte de dados.

Resultados

Contas-correntes

Em 2020, o número total de contas-correntes dos Estados, recebedoras apenas dos repasses federais, foi de 1.271 e dos Municípios 70.037. Individualmente, o estado do Pará e os municípios de João Pessoa/PB, São Paulo/SP e Teresina/PI registaram mais de cem contas.

Saldos

Entre os meses de janeiro/2019 e março/2020, registrou-se certa estabilidade de crescimento, quando a partir de então, em função do aporte dos repasses destinados ao enfrentamento COVID-19, ocorreu um significativo aumento. Nos 12 meses de 2019 houve um aumento de R$1,51 bilhão (10,2%) e em 2020 de R$ 6,69 bilhões (46,3%). A projeção dos dados deste cenário registra uma tendência de crescimento (R2=73,3%). Em dezembro/2019 os R$16,29 bilhões em saldos representavam 19,9% do total repassado no ano e em dezembro/2020 os R$23,83 bilhões representavam 21,1% (Gráfico 1).

Gráfico 1
Saldos dos repasses FNS - Brasil (R$ bilhões) (SUS/2019-2020).

Recursos ordinários

Em 2019, o FNS contou com uma dotação orçamentária de R$127,19 bilhões, com previsão de transferências aos entes subnacionais de R$82,98 bilhões (65,2%). A execução total foi de 90,6%, sendo 48,6% dos recursos destinados aos Municípios; 16,7% aos Estados; 31,1% de aplicações diretas; e o restante a outras modalidades de aplicação.

Em 2020, a dotação orçamentária foi de R$184,49 bilhões, com previsão de transferências de R$113,57 bilhões (61,6%). A execução total foi de 80,8%, sendo 45,4% destinados aos Municípios; 16,1% aos Estados; 50,8% aplicações diretas do MS; e o restante a outras modalidades (Tabela 1).

Tabela 1
Modalidade de aplicação dos recursos da unidade orçamentária Fundo Nacional de Saúde, destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública - COVID19 (SUS/2019-2020).

Recursos extraordinários

Ao considerar em 2020 apenas os recursos direcionados à COVID-19 (créditos adicionais extraordinários), a dotação orçamentária foi de R$64,17 bilhões, com previsão de repasses aos entes subnacionais de R$33,26 bilhões (51,8%). A execução total foi de 61,5%, sendo 36,4% destinados aos Municípios; 15,4% aos Estados; 22,8% aplicações diretas do MS; e o restante a outras modalidades (Tabela 1). As transferências fundo a fundo foram realizadas a partir de março, atingindo o maior volume entre junho/2020 (R$6,42 bilhões; 20%) e agosto/2020 (R$9,12 bilhões; 28%). Os repasses foram normatizados por 616 portarias que destinaram recursos para ações de enfrentamento à COVID-19, por meio dos blocos de Estruturação (R$1,36 bilhões; 4,2%) e Manutenção (R$30,93 bilhões; 95,8%). Os repasses apresentaram 28 diferentes objetivos, a maioria (21; 75,0%) realizados em parcela única. Os valores foram classificados em grupamentos significativos. Verificou-se que a maioria dos repasses para Manutenção foi destinada ao custeio das ações e serviços de saúde de maneira geral (R$18,35 bilhões; 59,3%), seguida de repasses direcionados às ações de Média e Alta Complexidade (R$7,30 bilhões; 23,6%), Emendas Parlamentares (R$2,24 bilhões; 7,2%), Atenção Primária (R$1,51 bilhão; 5,0%), Vigilância (R$857,67 milhões; 2,8%), Assistência Farmacêutica (R$649,83 milhões; 2,1%) e não informados (R$1,58 milhão). Destes recursos, 34,0% tiveram a sua utilização atrelada a alguma estratégia do MS, como o Programa Saúde na Escola ou a medicamentos para saúde mental (Tabela 2).

Tabela 2
Repasses do Ministério da Saúde destinados aos entes subnacionais no contexto da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional decorrente da Covid-19 (SUS/2020)

Registra-se que duas outras Portarias publicadas nos últimos dias de dezembro/2020, não foram aqui computadas, visto que os recursos foram transferidos em janeiro/2021. A Portaria 3874/2020 repassou aos Estados, o total de R$864,00 milhões, destinados ao atendimento das demandas assistenciais provocadas pela COVID-19. Por sua vez, a Portaria 3874/2020 repassou aos Municípios o total de R$143,90 milhões, destinados aos Centros Comunitários de Referência. Ambas em parcela única, por meio do Bloco de Manutenção.

Discussão

Com uma dotação anual superior a R$120,00 bilhões e execução de 90,0% o FNS transfere cerca de 65% dos seus recursos aos entes subnacionais. Todavia, parte destes recursos está empoçado nos Fundos de Saúde de Estados, Distrito Federal e Municípios, com forte tendência de crescimento, visto que saltaram de R$13,85 bilhões no início de 2019, para R$31,09 bilhões em meados de 2020.

Em 2020, com o advento da COVID-19, ocorreu um aporte federal de R$64,17 bilhões em recursos extraordinários, sendo 51,8% transferidos aos entes subnacionais. Tal aporte trouxe consigo uma inovação: a finalidade definida no Programa de Trabalho do Orçamento Geral da União 21C0 dedicada ao enfrentamento da COVID-19. Ao contrário das demais ações orçamentárias, a 21C0 permeou todas as áreas da saúde, possibilitando que seus recursos fossem executados em ASPS na atenção primária e especializada, vigilância em saúde, assistência farmacêutica, aquisição de suprimentos, insumos e produtos hospitalares. Significa dizer que seria possível que Estados, Distrito Federal e Municípios utilizassem tais recursos, dentro da legalidade, da forma mais célere possível, para atender as demandas locais estabelecidas nos planos regionais de enfrentamento da COVID-19, sem qualquer tipo de engessamento ou vinculação a objetivos específicos de programas, ações, atividades, projetos, operações especiais do MS.

Contudo, registrou-se recorrência da postura do MS (responsável pela maior fatia do financiamento SUS) segundo a qual, mesmo frente a uma emergência internacional de saúde pública, restou mantida a cultura de execução atrelada, não somente a finalidade definida no Programa de Trabalho, mas também aos interesses das áreas finalísticas do MS, limitando a autonomia da gestão e da execução dos recursos recepcionados pelos entes subnacionais1616 Fernandes GAAL, Pereira BLS. Os desafios do financiamento da ação de enfrentamento ao COVID-19 no SUS dentro do pacto federativo. Rev Administração Pública 2020; 54(4):595-613.

17 Duarte LS, Mendes AN, Louvison MCP. O processo de regionalização do SUS e a autonomia municipal no uso dos recursos financeiros: uma análise do estado de São Paulo (2009-2014). Saude Debate 2018; 42(116):25-37.

18 Vazquez DA. Efeitos da regulação federal sobre o financiamento da saúde. Cad Saude Publica; 27(6):1201-1212
-1919 Harzheim E, D'Avila OP, Ribeiro DC, Ramos LG, Silva LE, Santos CMJ, Costa LGM Cunha CRH, Pedebos LA. Novo financiamento para uma nova Atenção Primária à Saúde no Brasil. Cien Saude Colet 2020; 25(4):1361-1374.. Consequentemente, dos R$32,30 bilhões repassados aos entes subnacionais R$11,88 bilhões (36,8%) tiveram sua execução engessada, dentre eles: R$649,83 milhões (Portaria 2516/20) destinados à aquisição de medicamentos de saúde mental; R$454,33 milhões (Portaria 1857/20) para Saúde na Escola; R$2,24 bilhões (75 Portarias) atrelados a objetos de Emendas Parlamentares.

Sob pena de incorrer em desvio de finalidade, a execução dos recursos pelos entes subnacionais deve observar o cumprimento do objeto e das pactuações disciplinadas nos atos normativos que regulamentaram cada um dos repasses ao tempo da recepção dos recursos no fundo de saúde dos entes subnacionais2020 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria Nº 3.992, de 28 de dezembro de 2017. Altera a Portaria de Consolidação nº 6/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre o financiamento e a transferência dos recursos federais para as ações e os serviços públicos de saúde do Sistema Único de Saúde. Brasília: MS; 2017 [acessado 2020 out 20]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt3992_28_12_2017.html. De forma prática, caso não tenha sido necessário adquirir medicamentos para a saúde mental ou incrementar os recursos destinados à Saúde na Escola, exclusivamente para enfrentamento da COVID-19, os recursos recepcionados permanecerão eternamente como saldos.

No caso dos recursos extraordinários, o complexo emaranhado normativo do MS contemplou, apenas em 2020, mais de 616 portarias, que em meio a uma pandemia estabeleceram aos gestores de 5.596 fundos subnacionais de saúde aproximadamente trinta diferentes objetivos, mais de 16 formas de cálculo do rateio dos recursos e diversas amarras para a execução destes. No Bloco de Estruturação, o que apresenta maior relação com grandes volumes de saldos, 99,9% dos repasses COVID-19, contabilizando R$1,36 bilhão, tiveram sua execução engessada e no Bloco de Manutenção 34,0% contabilizando R$10,52 bilhões.

No que tange execução de recursos ordinários, a situação não é diferente. Os processos orçamentário-financeiros do SUS são disciplinados pela Lei 8.080/19902121 Brasil. Presidência da República. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. (1990). Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF; 1/0]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
, as transferências intergovernamentais de recursos pela Lei nº 8.142/19902222 Brasil. Presidência da República. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. (1990). Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF; 1990 [acessado 2020 out 30]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8142.htm, as normas de responsabilidade fiscal pela Lei Complementar nº 101/200099 Brasil. Presidência da República. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF; 2000 [acessado 2021 jun 29]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm o orçamento público pela Lei nº 4.320/196488 Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Diário Oficial da União. Brasília, DF; 1964 [acessado 2020 out 30]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4320.htm e o planejamento e a orçamentação do SUS pela Lei Complementar nº 141/201255 Brasil. Congresso Nacional. Lei Complementar Nº 141, de 13 de janeiro de 2012. Regulamenta o § 3º do art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde; estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas três esferas de governo; revoga dispositivos das Leis nos 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.689, de 27 de julho de 1993; e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF; 2012 [acessado 2020 out 30]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp 141.htm. Como se não bastasse, o arcabouço normativo do financiamento e de transferências do SUS foi compilado pela Portaria de Consolidação nº 6/20172323 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Gabinete do Ministro. Portaria de Consolidação nº 6, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre o financiamento e a transferência dos recursos federais para as ações e os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União. Brasília: MS; 2007 [acessado 2020 ago 30]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0006_03_10_2017.html, que ao final de 2020 contabilizava impressionantes 1.171 artigos e 99 anexos. Não há dúvidas de que existem várias origens para o acúmulo de saldos, todavia a produção de inúmeras e complexas normativas internas, que amarram a execução dos recursos para além das finalidades estabelecidas nos programas orçamentários, apresenta-se com uma causa eficiente do empoçamento de recursos no SUS.

Quantidade, qualidade e complexidade normativa se tornaram barreiras à consecução de importantes princípios da administração pública: legalidade e eficiência. Entre os anos de 2014 e 2019, o valor total do empoçamento dos recursos repassados saltou de R$5,4 bilhões2424 Pereira BLS, Oliveira Jr. ACR, Faleiros DR. Portaria 3992/2017: desafios e avanços para gestão dos recursos no Sistema Único de Saúde. Rev Saude Publica 2019; 53:58. para R$16,29 bilhões, alcançando em agosto/2020 a incrível cifra de R$31,74 bilhões. Em 2019, o volume de saldos representou 19,9% do total de repasses do MS e em 2020 alcançou 21,1%, com tendência de crescimento.

De maneira geral, os valores de saldos do Bloco de Manutenção, recursos destinados a realizações das ASPS no dia a dia, apresentam maior interesse de análise porque representam 98,0% do total do volume de repasses. Frente ao total dos valores repassados em 2019, estes representam para 58% dos municípios o montante recebido em 2,4 meses e para 56% dos estados 2,7 meses. Há indícios, verificados em consultas individuais ao portal eletrônico do FNS, de que alguns municípios recebam, em contas-correntes que já deveriam ter sido encerradas, depósitos não provenientes do FNS. Acredita-se que tais créditos sejam provenientes dos Estados, todavia, faz-se necessária investigação para se conhecer a origem, o volume e o quanto representam no total do empoçamento.

Por sua vez, os valores transferidos por meio do Bloco de Estruturação se referem a repasses de capital, cuja execução demanda processos administrativos específicos, muitas vezes dificultados por entraves como em decorrência de processos de licitação, ou correlatos, seja pela não entrega de bens ou serviços contratados, seja por problemas técnicos, ambientais, ou o não recebimentos dos recursos pactuados, seja ainda por processos judiciais ou dos órgãos de controle2525 Brasil. Tribunal de Contas da União (2019). Auditoria Operacional sobre Obras Paralisadas. Acórdão: 1.079/2019 - TCU - Plenário Data de sessão: 15/5/2019 Relator: Ministro Vital do Rêgo TC: 011.196/2018-1 Unidade Técnica Responsável: Seinfra Urbana. Brasília. 2019 [acessado 2020 out 30]. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/auditoria-operacional-sobre-obras-paralisadas.htm
https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-dig...
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Não há dúvida de que em 2020 parte do aumento dos saldos é proveniente dos recursos extraordinários para o enfrentamento da COVID-19. Uma das causas do empoçamento foi a pouca celeridade dos repasses, o que proporcionou grandes volumes nos meses de junho (20%) e agosto (28%). Todavia, uma causa estrutural diz respeito a entraves estabelecidos por normas que vincularam 34% da execução dos recursos a estratégias e programas do MS, muito além da vinculação legal de finalidade, definida no Programa de Trabalho do Orçamento, prática comum no SUS também para os recursos ordinários.

No início da pandemia foi promulgada a Lei Complementar nº 172/20201414 Brasil. Congresso Nacional. Lei Complementar nº 172, de 15 de abril de 2020. (2020). Dispõe sobre a transposição e a transferência de saldos financeiros constantes dos Fundos de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, provenientes de repasses federais. Diário Oficial da União. Brasília, DF; 2020 [acessado 2020 out 30]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp172.htm objetivando viabilizar a execução dos saldos remanescentes. Assim, diante do cumprimento dos respectivos objetos pactuados, da inclusão dos recursos na Programação Anual de Saúde e na Lei Orçamentária Anual local e dando ciência das modificações aos respectivos Conselhos de Saúde, foi possibilitado aos gestores subnacionais redirecionar os recursos remanescentes, destinando-os a execução das ASPS estabelecidas em seus planos locais de saúde. No entanto, o mecanismo possibilitou alterações somente a vigência da Decreto Legislativo nº 6/20202626 Brasil. Congresso Nacional. Decreto Legislativo nº 6/2020. (2020). Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020. Diário Oficial da União. Brasília, DF; 2020 [acessado 2020 ago 4]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm, diferentemente do que previa o projeto original: a repriorização ao final de cada exercício financeiro2727 Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar nº 232/2019 (2019).- PLP 232/2019. Câmara dos Deputados. 2020 [acessado 2020 out 30]. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=411E238328054EDDE64D406E2FEFEDF4.proposicoesWebExterno1?codteor=1817768&filename=PLP+232/2019
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb...
. A fim de viabilizar a execução de dezenas de bilhões de reais destinados à COVID-19, ao final de 2020 o Decreto Presidencial nº 10.579/20202828 Brasil. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 10.579, de 18 de dezembro de 2020. Estabelece regras para a inscrição de restos a pagar das despesas de que trata o art. 5º da Emenda Constitucional nº 106, de 7 de maio de 2020, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF; 2020 [acesso 20 dezembro 2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Decreto/D10579.htm#:~:text=D10579&text=Estabelece%20regras%20para%20a%20inscri%C3%A7%C3%A3o,que%20lhe%20confere%20o%20art
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
e posteriormente a Lei Complementar nº 181/212929 Brasil. Congresso Nacional. Lei Complementar nº 181, de 6 de maio de 2021. (2021). Altera a Lei Complementar nº 172, de 15 de abril de 2020, e a Lei nº 14.029, de 28 de julho de 2020, para conceder prazo para que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios executem atos de transposição e de transferência e atos de transposição e de reprogramação, respectivamente; (...). Diário Oficial da União. Brasília, DF; 2021 [acessado 2021 jun 21]. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-complementar-n-181-de-6-de-maio-de-2021-318445559
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-c...
estabeleceram que os entes subnacionais poderão executar tais recursos até dezembro/2021.

A autorização legislativa por tempo limitado é apropriada, mas não resolve o problema. Neste estudo chama atenção o fato do MS estabelecer, em plena pandemia, mais de 16 formas de cálculo para o rateio dos recursos. Se houvesse no SUS uma metodologia de rateio estabelecida e amplamente utilizada, bem como um processo de planejamento e orçamento ascendente, ambos baseados nas necessidades de saúde da população, considerando as dimensões epidemiológica, demográfica, socioeconômica, espacial e de capacidade de oferta das ações e dos serviços de saúde55 Brasil. Congresso Nacional. Lei Complementar Nº 141, de 13 de janeiro de 2012. Regulamenta o § 3º do art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde; estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas três esferas de governo; revoga dispositivos das Leis nos 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.689, de 27 de julho de 1993; e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF; 2012 [acessado 2020 out 30]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp 141.htm, todo o processo orçamentário seria muito mais eficaz.

Neste sentido, merece destaque o entendimento da Subsecretaria de Planejamento e Orçamento (SPO) da Secretaria Executiva do MS, segundo o qual todos os repasses realizados aos entes subnacionais na modalidade fundo a fundo poderiam ocorrer por meio de no máximo 16 programações orçamentárias para cada bloco de financiamento3030 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria Executiva/Subsecretaria de Planejamento e Orçamento. Portaria nº 1, de 17 de janeiro de 2019. Divulga a relação das programações orçamentárias oneradas por transferências de recursos, na modalidade fundo a fundo, do Fundo Nacional de Saúde aos Fundos de Saúde Estaduais, Municipais e do Distrito Federal, bem como a vinculação desses programas de trabalho com os blocos de financiamento de que trata a Portaria de Consolidação nº 6/GM/MS, de 28 de setembro de 2017. Diário Oficial da União. Brasília: MS; 2019 [acessado 2020 out 6]. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/59814383
https://www.in.gov.br/materia/-/asset_pu...
,3131 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria Executiva/Subsecretaria de Planejamento e Orçamento. Portaria nº 2, de 24 de janeiro de 2020. (2020). Divulga a relação das programações orçamentárias oneradas por transferências de recursos, na modalidade fundo a fundo, do Fundo Nacional de Saúde aos Fundos de Saúde Estaduais, Municipais e do Distrito Federal, bem como a vinculação desses programas de trabalho com os blocos de financiamento de que trata a Portaria de Consolidação nº 6/GM/MS, de 28 de setembro de 2017. Diário Oficial da União. Brasília, DF; 2019 [acesso 06 outubro 2020]. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-2-de-24-de-janeiro-de-2020-240565680
https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria...
. Este estudo tem como limitações as inerentes bases de dados do SUS e o fato de que 0,01% dos valores dos repasses não registrarem informações capazes de classificá-los. Uma outra limitação diz respeito a não realização de uma análise sobre a execução, pelos entes subnacionais, dos recursos repassados. Todavia, em função do volume de dados e informações, derivado de um tema naturalmente complexo, os autores decidiram por tornar tal limitação mote de novos estudos.

Conclusão

Várias podem ser as causas que originam o acúmulo de saldos, mas sem dúvida a qualidade, a quantidade e a complexidade do arcabouço normativo do SUS contribuem fortemente para o empoçamento dos recursos. Se os repasses financeiros federais fundo a fundo ocorressem segundo critérios de rateios previamente estabelecidos, já determinado por Lei, e por meio de no máximo das 16 programações orçamentárias, já definidas pelo MS, indubitavelmente a execução dos recursos recepcionados pelos entes subnacionais seria mais abrangente, célere, efetiva, eficiente e eficaz, com maior adesão ao atendimento às demandas locais e com níveis de empoçamento muito inferiores aos atuais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Nov 2021

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2021
  • Aceito
    16 Ago 2021
  • Publicado
    18 Ago 2021
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