Fukumitsu KO. Sobreviventes enlutados por suicídio: cuidados e intervenções. São Paulo: Summus; 2019.

Eder Samuel Oliveira Dantas Sobre o autor
2019

O suicídio constitui um grave e importante problema de saúde pública no mundo. A cada morte por esta causa, diversas pessoas são afetadas negativamente após o ato fatal. No livro intitulado Sobreviventes enlutados por suicídio: cuidados e intervenções11 Fukumitsu KO. Sobreviventes enlutados por suicídio: cuidados e intervenções. São Paulo: Summus; 2019., a psicóloga brasileira Karina Okajima Fukumitsu, traz elementos compreensivos sobre o luto por suicídio e elenca cuidados e propostas interventivas para quem sofre com a perda, ou seja, a posvenção do suicídio.

Nesta obra, a autora fundamenta-se nos vários anos de experiência clínica e de pesquisas sobre luto por suicídio, trazendo narrativas de 32 pessoas enlutadas que subsidiaram todo o processo de escrita do livro. No primeiro capítulo, são explicitados elementos fundantes, como o termo “posvenção”, tradução brasileira para postvention, cunhado por Edwin Shneidman, que se refere a toda e qualquer atividade possível de ser realizada após uma morte por suicídio22 Shneidman E. Comprehending suicide: landmarks in 20th century suicidology. Washington: American Psycological Association; 2001.. Já o termo “sobrevivente” é utilizado na intenção de se referir diretamente às pessoas enlutadas por suicídio, no entendimento que mesmo com o sofrimento que enfrentam após a perda de alguém próximo, sobrevivem. Ou seja, a sobrevivência neste caso, trata-se da busca pela ressignificação da própria vida.

No capítulo 2, a autora aborda o impacto da perda por suicídio e as principais marcas e mudanças que permeiam a vida dos sobreviventes, destacando que o luto por esta causa, é provavelmente um dos mais dolorosos, o que se justificaria, principalmente, pela experiência violenta, repentina e sem explicação imediata. Acrescenta ainda, neste capítulo, que no processo de luto e do sofrimento da perda, o enlutado constantemente fará questionamentos sobre a própria vida, e sobre a vida e a morte da pessoa que se matou.

Quando o indivíduo passa pela experiência da perda por suicídio, logo é tomado por sentimentos impactantes, que podem repercutir negativamente e profundamente no corpo e na mente33 Lidbeck B. The gift of second - Healing from the impact of suicide. Grass Valley: Gift Pub; 2016.. No terceiro capítulo, vê-se o intuito da autora em evidenciar os principais elementos sentimentais e emocionais que os sobreviventes enfrentam: culpa, acusações, raiva e revolta, e estranho alívio. Nesse momento, surgem relatos de pessoas enlutadas, que revelam o quão difícil é sobreviver após a morte por suicídio de alguém próximo. É comum nas narrativas apresentadas, o fato de se sentirem culpados pela morte da pessoa próxima, ou que sintam vergonha dos julgamentos da sociedade em relação às circunstâncias que envolveram a morte do ente querido.

É importante ressaltar que o modo do enlutado lidar e reagir à morte por suicídio pode variar e depende também dos recursos internos do indivíduo e das inter-relações que a pessoa construiu ao longo da vida. Há diversos fatores que ainda podem influenciar neste processo indiscutivelmente dinâmico, que passam pela relação estabelecida com a pessoa que morreu, às circunstâncias da morte, os antecedentes históricos da família e da comunidade, até alguns traços de personalidade de quem enfrenta a perda44 Kovács MJ. Perdas e o processo de luto. A arte de morrer - Visões plurais. Bragança Paulista: Comenius; 2007..

Além disso, a autora faz o leitor pensar no quanto os enlutados sofreram antes mesmo do ato fatal, pois, sabe-se que na maioria das vezes, antes da morte por suicídio, o indivíduo passa por situações do comportamento suicida, que envolve, principalmente, ideias e tentativas prévias de suicídio55 Botega NJ. Comportamento suicida: epidemiologia. Psicologia USP 2014; 25(3):231-236., e portanto, a morte seria o fim de alguns sentimentos vivenciados pelo enlutado e o início de outros, ambos devastadores.

No capítulo 4, Karina Fukumitsu explora as principais dificuldades enfrentadas pelo enlutado por suicídio. Inicia o capítulo apontando o sofrimento relacionado ao tabu e estigma que o suicídio ainda representa na sociedade, e afirma que nesse sentido, o silenciamento gerado pelo tabu é adoecedor.

Sobre o silenciamento causado nas famílias e pessoas próximas de alguém que se suicidou, é valioso ressaltar que os principais motivos que levam os sobreviventes a não recorrerem aos profissionais de saúde para obter apoio e ajuda especializada, é justamente o medo de falar sobre o suicídio, ou seja, pelo tabu que este fenômeno continua a representar na sociedade, e por isso, muitos deles desenvolvem problemas graves de saúde devido à complexidade dos sentimentos envolvidos neste processo66 Nunes FDD, Pinto JAF, Lopes M, Enes CL, Botti NCL. O fenômeno do suicídio entre os familiares sobreviventes: Revisão integrativa. Rev Port Enferm Saúde Mental 2016; (15):17-22..

Outro ponto abordado no capítulo 4 é o medo da repetição do suicídio na família. Sobre este tópico, a autora entende que apesar de haver questões psicológicas, psiquiátricas e sociais que são transgeracionais e influenciam em comportamentos autodestrutivos em familiares que perderam alguém por suicídio, o suicídio como desfecho fatal não se repete nos membros da família necessariamente como uma herança genética.

Ainda no que concernem as dificuldades enfrentadas pelos enlutados, é abordada a questão da exposição que é causada após um suicídio. Diferentemente de outros tipos de morte, neste caso a vida privada das famílias é invadida, seja na cena em que ocorreu o fato, seja na replicação de vídeos e imagens nas mídias sociais. Essa exposição vai além dos domicílios dos enlutados: no caso dos suicídios em lugares públicos, o ato da morte traz à tona uma espetacularização que redimensiona e influencia a cultura da morte nas cidades, ou seja, a cena do suicídio torna-se mais importante do que a própria pessoa que se matou77 Marquetti FC. O suicídio como espetáculo na metrópole: cenas, cenários e espectadores. São Paulo: Fap-Unifesp; 2011., reverberando negativamente na vida dos enlutados.

Além disso, a autora lembra que mesmo diante do impacto imediato da perda, os familiares têm de lidar com questões relacionadas a processos burocráticos, jurídicos, financeiros e emocionais. E após fazer o leitor compreender, de fato, os sentimentos experienciados pelos sobreviventes enlutados, Fukumitsu traz no capítulo 5, possibilidades de intervenções na posvenção, e para tal, faz um link com os principais problemas relatados no capítulo anterior. Para as dificuldades relacionadas ao tabu e estigma, a autora enfatiza a importância do acolhimento, e para tal, destaca que a linguagem a ser utilizada deve ser respeitosa, livre de julgamentos e de acusações. Para acolher com qualidade, evita-se dar explicações, ao invés disso, mostra-se compreensão dos sentimentos vivenciados pelo enlutado e trabalha-os de forma dinâmica e verdadeira, explorando os significados do sentimento de culpa e fortalecendo as ações do aqui-agora, pois “se o enlutado soubesse do desfecho da morte por suicídio, teria feito tudo diferente”11 Fukumitsu KO. Sobreviventes enlutados por suicídio: cuidados e intervenções. São Paulo: Summus; 2019.(p.70).

Em relação ao fato dos enlutados sentirem medo da repetição do suicídio na família, Karina Fukumitsu, propõe que as intervenções sejam baseadas no autoconhecimento e na aproximação em busca de apoio de outros familiares. É necessário assegurar que “apesar da familiaridade com quem se matou, a história dos sobreviventes pode ser completamente diferente da de quem se suicidou”11 Fukumitsu KO. Sobreviventes enlutados por suicídio: cuidados e intervenções. São Paulo: Summus; 2019.(p.73).

Uma das partes mais importantes do livro é a proposta de intervenção baseada em grupos para sobreviventes do suicídio, sobre este ponto, a autora explicita os passos para formação deste tipo de grupo, do formato do convite ao encerramento dos encontros, destacando a importância do apoio mútuo por quem enfrenta o processo de luto por suicídio. Ainda no quinto capítulo, Fukumitsu discute o que ela acredita ser os direitos das pessoas em luto por suicídio, que passam por ter privacidade e imagem respeitadas, bem como da pessoa que morreu, poder compartilhar suas histórias com outros sobreviventes enlutados e ter acesso a profissionais habilitados que conheçam a dinâmica do processo de luto por suicídio.

No sexto e último capítulo, faz-se uma síntese crítica do que há no Brasil em termos de políticas de prevenção do suicídio, destacando a necessidade de uma política pública que englobe os enlutados, no intuito, principalmente, de dar potência coletiva a estas pessoas e de garantir acesso à saúde e a profissionais qualificados na temática do suicídio.

Enfim, a obra ora descrita traz importantes elementos para a fundamentação prática de profissionais da saúde que lidam cotidianamente com o sofrimento de pessoas enlutadas por suicídio, e introduz de maneira clara e concisa os conceitos relacionados a posvenção do suicídio. Muito embora tenha sentido falta da articulação das propostas de cuidados e intervenções da autora com os dispositivos de saúde que existem atualmente no Sistema Único de Saúde, tais como os Centros de Atenção Psicossocial, considero que a importância do livro se dá em parte, pela inovação e pelo pioneirismo na estruturação de propostas de intervenções na posvenção do suicídio no Brasil.

Referências

  • 1
    Fukumitsu KO. Sobreviventes enlutados por suicídio: cuidados e intervenções. São Paulo: Summus; 2019.
  • 2
    Shneidman E. Comprehending suicide: landmarks in 20th century suicidology. Washington: American Psycological Association; 2001.
  • 3
    Lidbeck B. The gift of second - Healing from the impact of suicide. Grass Valley: Gift Pub; 2016.
  • 4
    Kovács MJ. Perdas e o processo de luto. A arte de morrer - Visões plurais. Bragança Paulista: Comenius; 2007.
  • 5
    Botega NJ. Comportamento suicida: epidemiologia. Psicologia USP 2014; 25(3):231-236.
  • 6
    Nunes FDD, Pinto JAF, Lopes M, Enes CL, Botti NCL. O fenômeno do suicídio entre os familiares sobreviventes: Revisão integrativa. Rev Port Enferm Saúde Mental 2016; (15):17-22.
  • 7
    Marquetti FC. O suicídio como espetáculo na metrópole: cenas, cenários e espectadores. São Paulo: Fap-Unifesp; 2011.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Fev 2021
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