Ações de vigilância à saúde integradas à Atenção Primária à Saúde diante da pandemia da COVID-19: contribuições para o debate

Nilia Maria de Brito Lima Prado Daniela Gomes dos Santos Biscarde Elzo Pereira Pinto Junior Hebert Luan Pereira Campos dos Santos Sara Emanuela de Carvalho Mota Erica Lima Costa de Menezes Josilene Silva Oliveira Adriano Maia dos Santos Sobre os autores

Resumo

Trata-se de uma revisão de síntese integrativa com objetivo de refletir sobre os desafios atinentes às ações de vigilância em saúde no enfrentamento da COVID-19, no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS), em sistemas de saúde de países selecionados. Foram incluídos, no estudo, países com modelos de APS distintos, mas que adotaram a vigilância nos territórios como premissa para o controle da transmissão da COVID-19. Houve a revisão bibliográfica da literatura científica e a análise documental de normas e diretrizes relacionadas à organização da APS para enfrentamento da pandemia. A produção dos dados ocorreu no período entre abril e julho de 2020 e envolveu a busca de documentos sobre o enfrentamento da COVID-19, no que se refere à APS, nos sites oficiais governamentais de cada país e nas bases de dados científicas Web of Science e Science Direct. Ações integradas de vigilância em saúde demonstraram atuação mais direcionada sobre riscos, sendo possível respostas inovadoras e mais efetivas para enfrentamento da COVID-19, considerando necessidades emergentes no âmbito da APS. Contudo, experiências desenvolvidas por alguns países apresentaram controvérsias éticas e operacionais além dos desafios de acesso às tecnologias decorrente das desigualdades sociais.

Palavras-chave:
Infecção pelo coronavírus; Vigilância pública em saúde; Atenção Primária à Saúde; Política de saúde

Introdução

Desde que a infecção causada pelo Coronavírus SARS-CoV-2 foi declarada pandemia, em 11 de março de 2020, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), existem sérias preocupações sobre os efeitos deste vírus na saúde global, na sociedade e na economia, particularmente em populações vulneráveis e em países de baixa ou média renda com sistemas de saúde frágeis11 Hopman J, Allegranzi B, Mehtar S. Managing COVID-19 in Low- and Middle-IncomeCountries. JAMA 2020; 323(16):1549-1550.,22 Lloyd-Sherlock P, Ebrahim S, Geffen L, McKee M. Bearing the brunt of covid-19: older people in low and middle income countries. BMJ 2020 Mar 13; 368:m1052..

Tal como aconteceu em surtos e pandemias anteriores, o controle da pandemia da COVID-19 depende da detecção oportuna dos casos e de seus contatos, seguida de medidas de isolamento e quarentena, com o objetivo de interromper a transmissão na comunidade e mitigar seus impactos na saúde humana33 Tognotti E. Lessons from the History of Quarantine, from Plague to Influenza A. Emerg Infect Dis February 2013; 19 (2): 254-259..

Globalmente, os países adotaram várias estratégias para enfrentar e controlar a pandemia da COVID-19, tais como testes na comunidade, rastreamento de contato, isolamento e outras medidas de saúde pública e sociais, cruciais para desacelerar a transmissão da doença e reduzir a mortalidade44 Nussbaumer-Streit B, Mayr V, Dobrescu AI, Chapman A, Persad E, Klerings I, Wagner G, Siebert U, Christof C, Zachariah C, Gartlehner G. Quarantine alone or in combination with other public health measures to control COVID-19: a rapid review. Cochrane Database Syst Rev 2020; 4(4):CD013574.. Neste contexto, uma vigilância em saúde robusta tem sido fundamental para controlar a disseminação e orientar a implementação contínua de medidas de prevenção.

A vigilância em saúde é apontada como uma função essencial em um sistema de saúde pública, para coleta, análise e interpretação sistemática contínua de dados aos tomadores de decisão, para planejamento e intervenção, em local adequado e tempo oportuno55 Thacker SB, Berkelman RL. Public Health Surveillance in the United States. Epidemiologic Reviews 1988; 10:164-190.. Outros autores referem como imprescindível para fornecer informações e orientar intervenções relacionadas ao diagnóstico e ao tratamento individual (enfoque clínico) ou direcionadas a grupos populacionais até a intervenção sobre os determinantes sociais em saúde (DSS)66 Paim JS. Vigilância da saúde: tendências de reorientação de modelos assistenciais para a promoção da saúde. In: Czeresnia D, Freitas CM, organizadores. Promoção da saúde: conceitos, reflexões e tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003.,77 Teixeira CF, Paim JS, Vilasboas AL. SUS, modelos assistenciais e vigilância da saúde. Inf Epidemiol SUS 1998; 7(2):7-28.. Esta função é mediada pela tradicional geração de dados da vigilância ou pela interpretação dos dados do sistema de vigilância, adaptados aos vários níveis do sistema de saúde, implementados para atender às necessidades e às dinâmicas cultural e populacional de cada país55 Thacker SB, Berkelman RL. Public Health Surveillance in the United States. Epidemiologic Reviews 1988; 10:164-190..

Considerada a principal porta de entrada de uma pessoa no sistema de saúde, a Atenção Primária à Saúde (APS) é uma base crítica para a vigilância direta, com resposta oportuna e gestão de surtos. Com a expansão da pandemia e a incapacidade inicial de detectar e rastrear contatos para sua contenção, além de uma consequente flexibilização segura do isolamento social, a articulação entre vigilância em saúde pública e a APS constituiu-se em uma estratégia para garantir apoio técnico, operacional e logístico, bem como a provisão de recursos necessários para implementar e desenvolver a base de um novo modus operandi, favorecendo maior participação social, otimização do uso dos equipamentos sociais e um processo eficaz de contenção da transmissão comunitária da COVID-1988 Rawaf S, Allen LN, Stigler FL, Kringos D, Quezada Yamamoto H, van Weel C. Lessons on the COVID-19 pandemic, for and by primary care professionals worldwide. Eur J Gen Pract 2020; 26(1): 129-133..

Uma variedade de modelos de trabalho utilizados em diversos surtos sanitários apoia a integração das funções de vigilância em saúde pública por médicos e equipes de saúde APS em zonas urbanas, rurais e remotas, com serviços coordenados e responsivos, em nível local e regional99 Sarti TD, Lazarini WS, Fontenelle LF, Almeida APSC. Organization of Primary Health Care in pandemics: a rapid systematic review of the literature in times of COVID-19. Med Rxiv [Preprint] 2020.. Dentre as estratégias, podem-se destacar os sistemas de agregação de dados, painéis de controle e a vigilância digital, entre outras. Estas fontes de dados vêm sendo cada vez mais integradas ao cenário de vigilância formal e têm um papel na vigilância da COVID-191010 Budd J, Miller BS, Manning EM, Lampos V, Zhuang M, Edelstein M, Rees G, Emery VC, Stevens MM, Keegan N, Short MJ, Pillay D, Manley E, Cox IJ, Heymann D, Johnson AM, McKendry RA. Digital technologies in the public health response to COVID-19. Nat Med 2020; 26:1183-1192.,1111 Mei X, Lee HC, Diao K, et al. Artificial intelligence-enabled rapid diagnosis of COVID-19 patients. Med Rxiv [Preprint] 2020.. Tais iniciativas de monitoramento articulam-se a um conjunto de ações destinadas a controlar determinantes, riscos e danos à saúde de populações que vivem em determinados territórios, garantindo a integralidade da atenção, o que inclui tanto a abordagem individual como coletiva dos problemas de saúde1212 Thorlund K, Dron L, Park J, Hsu G, Forrest JI, Mills EJ. A real-time dashboard of clinical trials for COVID-19. Lancet Digit Health 2020 Jun; 2(6):e286-e287.

13 Menni C, Valdes AM, Freidin MB, Sudre CH, Nguyen LH, Drew DA, Ganesh S, Varsavsky T, Cardoso MJ, El-Sayed Moustafa JS, Visconti A, Hysi P, Bowyer RCE, Mangino M, Falchi M, Wolf J, Ourselin S, Chan AT, Steves CJ, Spector TD. Real-time tracking of self-reported symptoms to predict potential COVID-19. Nat Med 2020; 26(7):1037-1040.
-1414 Armitage H. Stanford Medicine scientists hope to use data from wearable devices to predict illness, including COVID-19. [cited 2020 Apr 14]. Stanford Medicine News Center [Internet]. Available from: http://med.stanford.edu/news/all-news/2020/04/wearable-devices-for-predicting-illness-.html
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Nesse sentido, este artigo busca identificar e refletir sobre as experiências e limitações atinentes às distintas ações de vigilância em saúde a partir da APS, direcionadas ao enfrentamento da COVID-19, em sistemas de saúde de países selecionados.

Aspectos metodológicos

Trata-se de uma revisão de síntese integrativa, que abrange compilação de experiências relacionadas à vigilância em saúde para enfrentamento da COVID-19 no âmbito da APS, em alguns países atingidos pela pandemia.

Diante dos inúmeros desafios para a realização de estudos comparativos no campo das políticas de saúde, o risco de confusões semânticas, análises superficiais, descrições equivocadas, caricaturas, distorções retóricas e inferências injustificadas é frequente1515 Okma KG, Marmor TR. Comparative studies and healthcare policy: learning and mislearning across borders. Clin Med (Lond) 2013; 13(5):487-491.. Ainda que constem apontamentos acerca de possíveis similaridades e divergências, optou-se pela síntese de ações derivadas de experiências de vigilância integrada internacionais no enfrentamento à COVID-19, sem uma perspectiva comparada e sem o intuito de replicá-las na realidade brasileira. Parte-se do pressuposto de que análises críticas e comparadas das respostas adotadas pelos diferentes sistemas de saúde requerem uma compreensão mais profunda dos contextos em que foram produzidas1616 Calvo RA, Deterding S, Ryan RM. Health surveillance during covid-19 pandemic. BMJ 2020; 369:m1373..

Foram incluídas, no estudo, experiências desenvolvidas em países como África do Sul, Argentina, Austrália, China, Coreia do Sul, Cuba, Estados Unidos, França, Itália, Índia Singapura e Reino Unido. Tratam-se de países com modelos de APS distintos, mas que adotaram, como premissa para o controle da transmissão da COVID-19, a vigilância ativa - intensiva e extensiva - nos territórios, direcionada para pessoas assintomáticas e sintomáticas, com apoio de profissionais de APS e da comunidade, e fluxo de encaminhamento coordenado aos demais serviços de urgência ou hospitalares. Excetuam-se os Estados Unidos, cujo modelo de atenção à saúde e de vigilância em saúde pública é fragmentado e distinto em cada estado, pois a forma de organização expressa respeito à autonomia de cada ente federado e seus condados. No entanto, isto resulta em baixa capacidade normativa e de coordenação da administração federal do país (Quadro 1).

Quadro 1
Características gerais dos sistemas de saúde e modalidade de organização da APS nos países selecionados.

A integração da APS com os serviços dos demais níveis de complexidade é uma característica essencial da APS abrangente, concepção aqui adotada. Além de sua integração no sistema de saúde, a articulação intersetorial é outro aspecto crucial para alcançar uma APS resolutiva.

A produção dos dados ocorreu entre abril e julho de 2020 e envolveu a busca de produções científicas sobre o enfrentamento da COVID-19, no escopo da APS, nas bases de dados científicas Web of Science e Science Direct, por meio da combinação dos descritores Health Primary Care AND Public Health Surveillance AND Coronavirus Infections. A coleta foi realizada nos meses de abril a outubro de 2020.

Os artigos em português, inglês e espanhol foram lidos no idioma original. Aqueles em chinês e francês foram traduzidos automaticamente para o inglês através da ferramenta Google Translate. Após as etapas de busca, seleção, leitura na íntegra e sistematização dos documentos, foram considerados os seguintes aspectos: autoria e ano de publicação, país de origem, título do documento e ações de vigilância em saúde adotadas (Quadro 2).

Quadro 2
Tipos de vigilância e métodos para coleta de dados adotadas para o enfrentamento da COVID-19 por países selecionados.

Ações de vigilância em saúde pública

As implicações decorrentes de emergências sanitárias têm grandes resultados para as populações dos locais e para os sistemas de vigilância dos serviços de saúde. A adoção de múltiplos mecanismos de vigilância pode garantir ampla cobertura, pois cada caso perdido pode levar a cadeias de transmissão que podem ser difíceis de serem contidos posteriormente.

No caso da pandemia em curso, os países variam amplamente em termos de sua capacidade de prevenir, detectar e responder a surtos, e em relação aos limites e às possibilidades entre a regulação exercida no nível central do sistema e o grau de autonomia e responsabilidade local. De maneira geral, as ações abrangem a vigilância em saúde pública, ativa e passiva, com algumas variações, ou um misto dos dois tipos, a depender dos arranjos tecnológicos possíveis na organização das práticas1616 Calvo RA, Deterding S, Ryan RM. Health surveillance during covid-19 pandemic. BMJ 2020; 369:m1373.,1717 French M, Monahan T. Dis-ease Surveillance: How Might Surveillance Studies Address COVID-19? Surveill Soc 2020; 18:1-11..

Entre as abordagens de vigilância, a ativa abarca o monitoramento regular para buscar informações sobre as condições de saúde da população e fatores de risco comportamentais. É realizada pelos profissionais de saúde, com ou sem a participação comunitária, ou, ainda, com o apoio de Tecnologias de Informação e Cuidado em Saúde (TICS) e/ou intervenção mediada por canais de comunicação1818 Nsubuga P, White ME., Thacker SB, Anderson MA, Blount SB, Broome CV, Chiller TB, Espitia V, Imtiaz R, Sosin D, Stroup DF, Tauxe V, Vijayaraghavan M, Trostle M. Vigilância em saúde pública: uma ferramenta para direcionar e monitorar atividades. In: Jamison DT, Breman J, Measham AR, Alleyne G, Claeson M, Evans D, Jha P, Mills A, Musgrove P. Priorities for disease control in developing countries. 2ª ed. Washington, DC: Banco Mundial e Oxford University Press; 2006.. Já a vigilância passiva constitui um sistema pelo qual uma jurisdição de saúde recebe relatórios enviados por hospitais, clínicas, unidades de saúde pública ou outras fontes e os examina, bem como a história, rumores e outros dados sobre eventos de saúde, por meio de estratégias baseadas em unidades de saúde sentinelas, métodos agregados ou vigilância digital, mediante rastreamento de contatos1919 Qin L, Sun Q, Wang Y, Wu KF, Chen M, Shia BC, Wu SY. Prediction of number of cases of 2019 novel coronavirus (COVID-19) Using social media search index. Int J Environ Res Public Health 2020; 17(7):2365.,2020 Sun K, Chen J, Viboud C. Early epidemiological analysis of the coronavirus disease 2019 outbreak based on crowdsourced data: a population-level observational study. Lancet Digit Health 2020; 2(4):e201-e208. e monitoramento passivo de dados de mídias sociais, para medir a atividade da doença (Figura 1).

Figura 1
Ações de vigilância integrada em contextos de emergência em saúde pública.

Na China, o epicentro inicial da pandemia, foi utilizada a vigilância ativa, com atuação ativa dos médicos de APS, por meio de um trabalho de educação em saúde, com o apoio de Comitês Populares Locais para mobilizar moradores e voluntários, e monitorar os casos confirmados (monitoramento diário da situação de saúde e apoio psicológico para indivíduos sob quarentena)2121 Gong M, Liu L, Sun X, Yang Y, Wang S, Zhu H. Cloud-Based System for Effective Surveillance and Control of COVID-19: Useful experiences from Hubei, China. J Med Internet Res 2020; 22(4):e18948..Também foi utilizada vigilância passiva, com apoio de vigilância digital, para disponibilizar prescrições online, enviar mensagens instantâneas para transmissões comunitárias e painéis eletrônicos, a fim de disseminar informações e manter contato com centros especializados ambulatoriais2222 Jao N, Cohen D, Udemans C. Technode. 2020. How China is using QR code apps to contain Covid-19. [Internet]. 25 de fevereiro. [cited 2020 Apr 8] Available from: https://technode.com/2020/02/25/how-china-is-using-qr-code-apps-to-contain-covid-19/
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As redes lideradas pelos médicos de APS contribuíram significativamente para a coleta de dados e investigações epidemiológicas, através de comitês para triagem de saúde, rastreamento de contato e investigação de fontes de infecções, assim como do uso de interfaces mediante aplicativos de redes sociais para gerar uma combinação de dados agregados de saúde e uma classificação de risco de infecção pessoal2323 Kraemer MUG, Yang CH, Gutierrez B, Wu CH, Klein B, Pigott DM; Open COVID-19 Data Working Group, du Plessis L, Faria NR, Li R, Hanage WP, Brownstein JS, Layan M, Vespignani A, Tian H, Dye C, Pybus OG, Scarpino SV. The effect of human mobility and control measures on the COVID-19 epidemic in China. Science 2020; 368(6490):493-497.

24 Jia JS, Lu X, Yuan Y, Xu G, Jia J, Christakis NA. Population flow drives spatio-temporal distribution of COVID-19 in China. Nature 2020; 582(7812):389-394.
-2525 Grind K, McMillan R, Wilde Mathews A. To Track Virus, Governments Weigh Surveillance Tools That Push Privacy Limits. The Wall Street Journal 2020 março 23.[cited 2020 Apr 8]. Available from: https://www.wsj.com/%0Darticles/to-track-virus-governments-weigh-surveillance-tools-that-push-privacy-limits-11584479841
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. Além disso, as ações incluíram a vigilância entre as pessoas que estavam em contato com a vida selvagem e expostas a fatores de risco comportamentais (alguns hábitos alimentares, como comer morcegos e outros)2626 Oliver N, Lepri B, Sterly H, et al. Mobile phone data for informing public health actions across the COVID-19 pandemic life cycle. Sci Adv 2020; 6(23):eabc0764..

Singapura priorizou a vigilância passiva por meio de metodologias aprimoradas de rastreamento de contato adotadas e praticadas regularmente, além de um sistema de rastreamento que podia identificar, relatar a localização de pessoas em quarentena via global positioning system (GPS) e vincular essas informações aos resultados de seus testes sorológicos, permitindo a obtenção de um mapa da cadeia de transmissão e o compartilhamento de informações entre os serviços de epidemiologia das doenças infecciosas derivados de experiências anteriores com surtos respiratórios2727 Lin RJ, Lee TH, Lye DCB. From SARS to COVID-19: the Singapore journey. Med J Aust 2020; 212(11): 497-502..

Na Coréia do Sul, todos os serviços de APS deviam realizar triagem ativa por meio de busca ativa nos domicílios dos usuários, e passiva, por telerrastreio2828 Park SY, Kim YM, Yi S, Lee S, Na BJ, Kim CB, Kim JI, Kim HS, Kim YB, Park Y, Huh IS, Kim HK, Yoon HJ, Jang H, Kim K, Chang Y, Kim I, Lee H, Gwack J, Kim SS, Kim M, Kweon S, Choe YJ, Park O, Park YJ, Jeong EK. Outbreak of coronavirus disease in Call Center, South Korea. Emerg Infect Diseases 2020; 26(8):1666-1670.. Os usuários com triagem positiva por análise clínico-epidemiológica eram encaminhados aos centros de saúde para consulta presencial, testagem e diagnóstico. Posteriormente, eram monitorados diariamente (casos confirmados, prováveis e suspeitos) por meio de uma avaliação de risco individual, conduzida por médicos de APS, para determinar o nível e os parâmetros necessários de quarentena e isolamento. Os atendimentos na APS estavam integrados à vigilância em saúde e forneciam a situação epidemiológica local e nacional2929 COVID-19 National Emergency Response Center, Epidemiology and Case Management Team, Korea Centers for Disease Control and Prevention. Early Epidemiological and Clinical Characteristics of 28 Cases of Coronavirus Disease in South Korea. Osong Public Health Res Perspect 2020; 11(1):8-14..

Nos Estados Unidos, a vigilância em saúde foi desenvolvida pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e pelo Sistema de Doenças Infecciosas Emergentes Globais, do Departamento de Defesa (USDOD). Durante a pandemia, foram utilizados o ILINet, um sistema de vigilância para doenças semelhantes à Influenza, assim como as bases de dados ProMed, Epi-X e relatórios derivados do aplicativo COVID Near You. Contudo, embora informativos, estes sistemas podem apresentar viés de seleção, interpretação excessiva dos resultados devido à falta de integração com a vigilância oficial, dada a fragmentação do sistema de saúde e da APS, bem como a tomada de decisões distintas pelos gestores de cada Estado que compõem o país3030 Outbreaks near me. [cited 2020 dec 28]. Available from: https://outbreaksnearme.org/us/en-US/
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A Itália optou pela vigilância passiva, por meio de dados de vigilância integrada da COVID-193131 L'istituto Superiore Di Sanità. Informazioni Privacy Per La Sorveglianza Sanitaria Integrata Covid-19. [cited 2020 Mai 12]. Available from: https://www.epicentro.iss.it/coronavirus/pdf/informazioni-privacy-iss-sorveglianza-integrata-covid-19.pdf.
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recolhidos pelo Instituto Superiore di Sanità (ISS), através de plataforma web exclusiva, questionários eletrônicos e infográficos diários, processados exclusivamente para fins de vigilância epidemiológica e microbiológica no contexto da epidemia de SARS-CoV-2. Os dados permitiram traçar o quadro epidemiológico nacional e dos sistemas regionais de saúde (órgãos e autoridades em todo o território nacional, tais como regiões, autarquias locais e regionais de saúde)3131 L'istituto Superiore Di Sanità. Informazioni Privacy Per La Sorveglianza Sanitaria Integrata Covid-19. [cited 2020 Mai 12]. Available from: https://www.epicentro.iss.it/coronavirus/pdf/informazioni-privacy-iss-sorveglianza-integrata-covid-19.pdf.
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,3232 Pezzotti P, Punzo O, Bella A, Del Manso M, Urdiales AM, Fabiani M, Ciervo A, Andrianou X, Riccardo F, Stefanelli P. The challenges of the outbreak: the Italian COVID-19 integrated surveillance system. Eur J Public Health 2020; 30(Supl. 5):ckaa165.356..

As equipes multiprofissionais de APS do Medicare Locals, na Austrália, priorizaram o rastreamento de contatos e grupos vulneráveis - especialmente, os idosos - e o monitoramento de usuários com sintomas leves de doenças respiratórias (vigilância sindrômica) nas comunidades3333 Prodotto dall'Istituto Superiore di Sanità (ISS). Epidemia COVID-19 Aggiornamento nazionale 13 ottobre 2020. Roma, 13 ottobre 2020. [cited 2020 Oct 20]. Available from: https://www.epicentro.iss.it/coronavirus/bollettino/Bollettino-sorveglianza-integrata-COVID-19_13-ottobre-2020.pdf.
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. Em nível nacional, o FluTracking, um sistema de vigilância interligado, permite uma abordagem coordenada e consistente para a vigilância da COVID-19, com dados derivados da Rede de Pesquisa de Práticas Sentinela (ASPREN) e do Victoria Sentinel Practice Influenza Network (VicSPIN), sistema de vigilância sentinela de médicos generalistas e de médicos da Commonwealth Clínicas Respiratórias3434 COVID-19 National Incident Room Surveillance Team. COVID-19, Australia: Epidemiology Report 23 (Fortnightly reporting period ending 16 August 2020). Commun Dis Intell (2018) 2020; 44.. A vigilância incluiu a população aborígene e os residentes das ilhas do Estreito de Torres3535 Australian Health Protection Principal Committee (AHPPC). Coronavirus (COVID-19) in Australia, Pandemic Health Intelligence Plan. [cited 2020 Maio 22]. Available from: https://www.health.gov.au/sites/default/files/documents/2020/05/coronaviruscovid-19-in-australia-pandemic-health-intelligence-plan_1.pdf
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A África do Sul elegeu a vigilância ativa, baseada na comunidade, para detecção precoce, confirmação rápida, rastreamento de contato, montagem de centros de isolamento de pessoal e apoio ao cuidado, por meio de Vigilância e Resposta Integrada a Doenças (IDSR), que fornece estrutura para uma vigilância sindrômica, identificando o ponto de entrada para verificar, caracterizar e responder à transmissão da COVID-19 na comunidade3636 Ihekweazu C, Agogo E. Africa's response to COVID-19. BMC Med 2020; 18(1):51.. Além disso, foram utilizados os sistemas da vigilância demográfica implantada pelo Africa Health Research Institute (AHRI) para realizar a vigilância comunitária da COVID-19 em ambiente rural. Esses sistemas de coleta de dados constituíram uma ferramenta vital para a triagem dos sintomas da COVID-19 em cada membro residente das famílias e na resposta da saúde pública à COVID-19 em áreas remotas3737 Kapata N, Ihekweazu C, Ntoumi F, Raji T, Chanda-Kapata P, Mwaba P, Mukonka V, Bates M, Tembo J, Corman V, Mfinanga S, Asogun D, Elton L, Arruda LB, Thomason MJ, Mboera L, Yavlinsky A, Haider N, Simons D, Hollmann L, Lule SA, Veas F, Abdel Hamid MM, Dar O, Edwards S, Vairo F, McHugh TD, Drosten C, Kock R, Ippolito G, Zumla A. Is Africa prepared for tackling the COVID-19 (SARS-CoV-2) epidemic. Lessons from past outbreaks, ongoing pan-African public health efforts, and implications for the future. Int J Infect Dis 2020; 93:233-236.-3838 Siedner MJ, Harling G, Derache A, Smit T, Khoza T, Gunda R, Mngomezulu T, Gareta D, Majozi N, Ehlers E, Dreyer J, Nxumalo S, Dayi N, Ording-Jesperson G, Ngwenya N, Wong E, Iwuji C , Shahmanesh M, Seeley J. Protocol: Leveraging a demographic and health surveillance system for Covid-19 Surveillance in rural KwaZulu-Natal. Wellcome Open Res 2020; 5:109..

A Índia, com um bom suporte de telecomunicações, mas recursos escassos e um sistema de saúde não tão robusto, apresenta um sistema de vigilância participativa, denominado Aarogya Setu (que se traduz, do sânscrito, como “uma ponte de saúde”), para a prevenção e o controle da pandemia, com participação voluntária dos usuários3939 Lallukka T, Pietiläinen O, Jäppinen S, Laaksonen M, Lahti J, Rahkonen O. Factors associated with health survey response among young employees: a register-based study using online, mailed and telephone interview data collection methods. BMC Public Health 2020; 20(1):184..Este sistema complementa o Programa de Vigilância Integrada de Doenças por meio dos dados de localização do telefone e Bluetooth, para avaliar a proximidade de uma pessoa infectada pelo SARS-CoV-2, comparando bancos de dados de casos confirmados de COVID-19 em laboratório para classificar o status de risco do indivíduo como baixo, moderado ou alto4040 Senegal. A Promising practice on multisectoral communication efforts in Senegal Phcpi. CoviD-19 Promisi N G Practices. [cited 2020 Apr 18]. Available from: https://improvingphc.org/sites/default/files/Senegal_Risk%20Communication.pdf
https://improvingphc.org/sites/default/f...
.Os indivíduos eram informados sobre as medidas a serem tomadas com base na avaliação de risco e aconselhamento para teste, com detalhes de centros de teste disponíveis em suas áreas. Eles também contaram com um recurso de chatbot, atualizações contínuas do Ministério da Saúde e números de linhas telefônicas de ajuda, em cada estado do país4040 Senegal. A Promising practice on multisectoral communication efforts in Senegal Phcpi. CoviD-19 Promisi N G Practices. [cited 2020 Apr 18]. Available from: https://improvingphc.org/sites/default/files/Senegal_Risk%20Communication.pdf
https://improvingphc.org/sites/default/f...
,4141 Garg S, Bhatnagar N, Gangadharan N. A Case for Participatory Disease Surveillance of the COVID-19 Pandemic in India. JMIR Public Health Surveill 2020; 6(2):e18795..

Na França, o uso da Rede Sentinela pelos médicos da APS foi apoiado com a implantação de aplicativos com linguagem Java instalados nos computadores das unidades de saúde, que permitem notificar os casos, implementar protocolos de vigilância e questionários, bem como instâncias de descrições de casos em regiões com baixo acesso à rede de internet, pois estão interligados a um servidor principal, nos centros de vigilância nacional4242 Singh S. Financial Express. 2020. Aarogya Setu is Government of India's first 'comprehensive' COVID-19 tracking app, here are all the details. [cited 2020 Apr 18]. Available from: https://www.financialexpress.com/industry/technology/aarogya-setu-is-government -of-indias-first-comprehensive-covid-19-tracking- app-here-are-all-the -details / 1916887 /.
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No Reino Unido, o National Health Service e a Public Health England têm um sistema de vigilância comunitária interligado ao sistema de vigilância sindrômica, com monitoramento por uma equipe de vigilância em tempo real (ReSST) do sistema de saúde, coordenando vários subsistemas nacionais e viabilizando as transmissões semanais de dados do Royal College of General Practitioners (RCGP), administrado pelo RCGP Research and Surveillance Center (RCGP RSC)1111 Mei X, Lee HC, Diao K, et al. Artificial intelligence-enabled rapid diagnosis of COVID-19 patients. Med Rxiv [Preprint] 2020.. O sistema de vigilância virtual usa estatísticas de frequência de consulta de pesquisa diária extraídas da API Google Health Trend, geradas por usuários, sobre os sintomas, bem como modelos para monitoramento da COVID-194343 de Lusignan S, Jones N, Dorward J, Byford R, Liyanage H, Briggs J, Ferreira F, Akinyemi O, Amirthalingam G, Bates C, Lopez Bernal J, Dabrera G, Eavis A, Elliot AJ, Feher M, Krajenbrink E, Hoang U, Howsam G, Leach J, Okusi C, Nicholson B, Nieri P, Sherlock J, Smith G, Thomas M, Thomas N, Tripathy M, Victor W, Williams J, Wood I, Zambon M, Parry J, O'Hanlon S, Joy M, Butler C, Marshall M, Hobbs FDR. The Oxford Royal College of General Practitioners Clinical Informatics Digital Hub: Protocol to Develop Extended COVID-19 Surveillance and Trial Platforms. JMIR Public Health Surveill 2020; 6(3):e19773. baseados em algoritmos de pesquisa da internet previamente estabelecidos para Influenza (FluSurvey), mas atualmente incluídos nos relatórios semanais da Public Health England para a COVID-194444 Turbelin C, Boëlle PY. Improving general practice based epidemiologic surveillance using desktop clients: the French Sentinel Network experience. Stud Health Technol Inform 2010; 160(Pt 1):442-446.,4545 Public Health England. Weekly Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Surveillance Report Summary of COVID-19 surveillance systems. [cited 2020 Ago 8]. Available from: https://assets.publishing.service.gov. uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/888254/COVID19_Epidemiological_Summary_w22_Final.pdf.
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. Isto permite a análise de dados de saúde anônimos, de várias fontes, e favorece a procura por tendências que indiquem níveis de doença acima do normal, divulgando boletins para manter os profissionais de saúde pública atualizados, sempre agregando dados de sintomas no ambiente ambulatorial4444 Turbelin C, Boëlle PY. Improving general practice based epidemiologic surveillance using desktop clients: the French Sentinel Network experience. Stud Health Technol Inform 2010; 160(Pt 1):442-446.,4545 Public Health England. Weekly Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Surveillance Report Summary of COVID-19 surveillance systems. [cited 2020 Ago 8]. Available from: https://assets.publishing.service.gov. uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/888254/COVID19_Epidemiological_Summary_w22_Final.pdf.
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O Ministério da Saúde da Argentina, como esforço para combater e conter o vírus, implementou um plano de rastreamento de contatos chamado Detectar, em áreas definidas, nas quais é detectado ou estimado o aumento do número de casos. Lançado em maio, depois de um grande salto no número de casos na baixa classe socioeconômica e em bairros densamente povoados da grande Buenos Aires, conhecidos como vilas, o plano foi posteriormente estendido por todo o país4646 Arenas A, Cota W, Gómez-Gardeñes J, Gómez S,Granell C, Matamalas JT, Soriano D, Steinegger B. A mathematical model for the spatiotemporal epidemic spreading of COVID19. [preprint] Med Rxiv 2020. [cited 2020 Ago 8]. Available from: https://doi.org/10.1101/2020.03.21.20040022
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Em Cuba, a experiência anterior com epidemias (Dengue e Zika), abordada no contexto de um sistema universal de saúde, foi uma vantagem. Já existia uma rede nacional de diagnóstico e vigilância, apoiada pelos Centros Provinciais de Higiene, Epidemiologia e Microbiologia, uma rede nacional de laboratórios de diagnóstico em conformidade com a OMS e o laboratório nacional do Centro de Referência para Doenças Infecciosas, no Instituto de Medicina Tropical Pedro Kourí (IPK), de Havana4949 Gemelli, N. Management of the COVID-19 outbreak in Argentina: the beginning. Disaster Medicine and Public Health Preparation 2020; 1-3.,5050 Gorry C. COVID-19 case detection: Cuba's active screening approach. Medical Review 2020; 22(2).. O Ministério da Saúde cubano, antes do primeiro caso, capacitou todos os seus profissionais para o manejo e a vigilância comunitária4949 Gemelli, N. Management of the COVID-19 outbreak in Argentina: the beginning. Disaster Medicine and Public Health Preparation 2020; 1-3.,5050 Gorry C. COVID-19 case detection: Cuba's active screening approach. Medical Review 2020; 22(2)..

A equipe de APS operou sob protocolos para avaliações contínuas de saúde comunitária (saúde pública-epidemiologia), bem como para avaliações de saúde individual e familiar para detecção de sintomas respiratórios, por meio de atividades diárias ativas em todos os bairros cubanos, envolvendo rastreamento de casos suspeitos e confirmados, com a participação de aproximadamente 28 mil estudantes de medicina, residentes voluntários4949 Gemelli, N. Management of the COVID-19 outbreak in Argentina: the beginning. Disaster Medicine and Public Health Preparation 2020; 1-3.,5050 Gorry C. COVID-19 case detection: Cuba's active screening approach. Medical Review 2020; 22(2).. Utilizaram-se as visitas domiciliares para ampliar o monitoramento dos usuários com alto risco e os casos confirmados em isolamento domiciliar, mediante sucessivos exames físicos completos e uma avaliação abrangente, com ênfase nos grupos vulneráveis5050 Gorry C. COVID-19 case detection: Cuba's active screening approach. Medical Review 2020; 22(2).,5151 Aguilar-Guerra, Tania L Reed, Gail. Mobilization of primary health care: Cuba's powerful weapon against COVID-19. Medical Review 2020; 22(2):58-63..

Um tipo de vigilância ainda pouco utilizado, a detecção de SARS-CoV-2 em uma série de amostras longitudinais de águas residuais metropolitanas coletadas durante os estágios iniciais da epidemia foi utilizado em países como Espanha e França, conseguindo identificar RNA viral de águas residuais correlacionado ao aumento do número de casos declarados5252 Pérez Riverol A. The Cuban Strategy for Combatting the COVID-19 Pandemic. MEDICC Review 2020; 22(3):64-68. [cited 2020 Out 19]. Available from: http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct= true&db=c8h&AN=144979497&lang=pt-br&site= eds-live.
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. A análise rotineira de águas residuais representa uma estratégia sensível e econômica para a vigilância da COVID-19, favorecendo uma melhora significativa na preparação dos sistemas de saúde contra surtos virais novos ou recorrentes5353 Randazzo W, Cuevas-Ferrando E, Sanjuán R, Domingo-Calap P, Sánchez G. Metropolitan wastewater analysis for COVID-19 epidemiological surveillance. Int J Hyg Environ Health 2020; 230:113621..

Desafios, limitações e considerações finais

A vigilância pública em saúde constitui um mecanismo essencial para a compreensão da epidemiologia da doença e fornece uma base sólida para a implementação de medidas de controle. A maioria dos países selecionados adotou diferentes abordagens prioritárias para a vigilância em saúde pública, abrangendo registros sistemáticos de condições de saúde prevalentes, obtidos por sistemas de dados administrativos, dados de estatísticas vitais e pesquisas anuais de saúde. Contudo, as abrangências das ações de vigilância da saúde pública podem apresentar fragilidades, mesmo em países com sistemas de saúde universais, devido à baixa qualidade dessa vigilância e da resposta da saúde pública, por exemplo, em decorrência da descentralização de ações para distritos ou províncias, o que pode gerar a perda dos dados coletados localmente5353 Randazzo W, Cuevas-Ferrando E, Sanjuán R, Domingo-Calap P, Sánchez G. Metropolitan wastewater analysis for COVID-19 epidemiological surveillance. Int J Hyg Environ Health 2020; 230:113621..

Os países que adotaram sistemas sentinelas, como a França, o Reino Unido e os EUA (com assistência privada na APS), apesar de possuírem sistemas considerados eficazes para detectar grandes problemas de saúde pública, demonstraram pouca sensibilidade a eventos raros, como o surgimento precoce de uma nova doença, porque essas infecções podem surgir em qualquer parcela da população e requerem um monitoramento abrangente e integrado com todos os níveis de atenção à saúde.

Outro desafio interpretativo observado neste artigo reside em relacionar o modo de vida e a ocupação dos territórios em distintos países e seus respectivos modelos de atenção. As modelagens assistenciais hospitalocêntricas em países de alta renda, mesmo com sistemas de vigilância robustos, poderão impacto menos resolutivo em populações vulneráveis e que convivem em espaços densamente povoados, sobretudo, sem condições de manutenção do distanciamento social. Sistemas centrados no hospital tendem a ser menos vantajosos em populações mais vulneráveis e em países de renda baixa ou média, independentemente do tipo de vigilância e/ou do seu grau de integração à APS.

Na contramão, modelos centrados em APS abrangente e fortemente orientada à comunidade terão desfechos de vigilância mais eficientes na medida em que realizarem suas ações valendo-se da competência cultural acumulada e atuarem no espaço social com equipes multiprofissionais e, muitas vezes, trabalhadores comunitários. Neste caso, a integração da vigilância à APS catalisa o desempenho de todo o sistema de saúde e minimiza os efeitos adversos da pandemia, mesmo e, principalmente, em territórios cuja proteção social ainda é residual.

Nas últimas duas décadas, outras abordagens visaram preencher essa lacuna, a exemplo da utilização dos dados de sites de notícias online, serviços de agregação de notícias, redes sociais e pesquisas na web, adotados por países como Austrália, Coreia do Sul, Singapura e coortes de comunidades longitudinais participativas presentes nas experiências da Índia e do Reino Unido5454 Ricoca PV, Nunes C, Abrantes A. Vigilância epidêmica de Covid-19: considerando a incerteza e subavaliação. Karger AG, Basel (2020), pp. 1-7.. A vigilância digital utiliza tecnologias para apoiar a inteligência epidemiológica, ativa ou passiva, por meio de plataformas digitais que reúnem, online, conjuntos de dados que permitem identificar casos e grupos de infecções, rastrear rapidamente contatos, monitorar padrões de viagem durante os bloqueios e habilitar mensagens de saúde pública em escala5555 Lodder W, de Roda Husman AM. SARS-CoV-2 in wastewater: potential health risk, but also data source. Lancet Gastroenterol Hepatol 2020; S2468-1253(20)30087-X.,5656 Nsubuga P, Nwanyanwu O, Nkengasong JN, Mukanga D, Trostle M. Strengthening public health surveillance and response using the health systems strengthening agenda in developing countries. BMC Public Health 2010; 10 (Supl. 1):S5-S6..

Cabe destacar que o uso mais abrangente de vigilância digital expõe outras preocupações, inclusive no que concerne à violação da privacidade, tanto durante quanto após o surto, pois nem todas as intervenções digitais incluíram a adoção consensual ou tornaram explícita a opção de consentimento do uso dos dados para fins específicos e por tempo determinado5757 Ienca M, Vayena E. On the responsible use of digital data to tackle the COVID-19 pandemic. Nat Med 2020; 26:463-464..

Um exemplo sobre os aspectos supracitados é o uso de aplicativos em smartphones, pela Coreia do Sul, para divulgar os movimentos de pessoas com COVID-19, o que gerou temores de que tal ação pudesse levar as pessoas a evitarem a testagem (ou outras medidas impostas pelo governo), a fim de não sofrerem violação de sua privacidade2525 Grind K, McMillan R, Wilde Mathews A. To Track Virus, Governments Weigh Surveillance Tools That Push Privacy Limits. The Wall Street Journal 2020 março 23.[cited 2020 Apr 8]. Available from: https://www.wsj.com/%0Darticles/to-track-virus-governments-weigh-surveillance-tools-that-push-privacy-limits-11584479841
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. Já em relação aos aplicativos de rastreamento de contato, uma fragilidade seria a necessidade de seu uso e obediência às orientações, por uma grande parcela da população, para que fosse eficaz na interrupção da transmissão comunitária5858 Ferretti L, Wymant C, Kendall M, Zhao L, Nurtay A, Abeler-Dörner L, Parker M, Bonsall D, Fraser C. Quantifying SARS-CoV-2 transmission suggests epidemic control with digital contact tracing. Med Rxiv [Preprint] 2020.. Ademais, as principais questões práticas permanecem, como a compreensão de quais contatos são considerados próximos o suficiente para a transmissão e quando o tempo de exposição é considerado longo o suficiente para acionar um alerta.

Sendo assim, a vigilância digital pode gerar uma sensação de controle e ser vivenciada como um obstáculo à autonomia, com efeitos negativos sobre a motivação e o bem-estar5959 Jensen JM, Raver JL. When Self-Management and Surveillance Collide: Consequences for Employees' Organizational Citizenship and Counterproductive Work Behaviors. Group & Organization Management 2012:37(3).. Já o uso de sensores infravermelhos, incluindo câmeras de imagem térmica implantadas para identificar casos potenciais com base em sintomas febris (por exemplo, em aeroportos), pode gerar a falsa sensação de controle da situação, ante a ausência de sintomas. Outra preocupação óbvia é o grande número de resultados falso-positivos e falso-negativos, o que significa que é improvável que isso tenha um efeito substancial além de aumentar a conscientização6060 Gostic K, Gomez AC, Mummah RO, Kucharski AJ, Lloyd-Smith JO. Estimated effectiveness of symptom and risk screening to prevent the spread of COVID-19. Elife 2020; 9:e55570..

Painéis de dados estão sendo usados extensivamente na pandemia, coletando dados de saúde pública em tempo real, incluindo casos confirmados, mortes e números de testes, para manter o público informado e apoiar os formuladores de políticas no refinamento das intervenções. Os painéis6161 Lampos V, Majumder MS, Yom-Tov E, Edelstein M, Moura S, Hamada Y, Rangaka MX, McKendry RA, Cox IJ. Tracking COVID-19 using online search. npj Digit. Med. 4, 17 (2021). https://doi.org/10.1038/s41746-021-00384-w
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COVID-19 normalmente se concentram em gráficos de série temporal e mapas geográficos, variando de estatísticas em nível de região a dados de coordenadas em nível de caso. Poucos painéis incluem uma análise dos dados sobre rastreamento de contatos ou vigilância da comunidade6262 McKendry RA, Rees G, Cox IJ, Johnson A, Edelstein M, Eland A, Stevens MM, Heymann D. Share mobile and social-media data to curb COVID-19. Nature 2020 Apr; 580(7801):29..

Modelos matemáticos de epidemia têm sido amplamente usados para estimar a propagação e outros resultados de saúde da COVID-19, bem como a carga de doenças. Tais modelos dependem do conhecimento dos principais parâmetros de transmissão, como o intervalo serial (SI), o tempo entre o início dos sintomas do infectante e do infectado em uma cadeia de transmissão6363 Buckee CO, Balsari S, Chan J, Crosas M, Dominici F, Gasser U, Grad YH, Grenfell B, Halloran ME, Kraemer MUG, Lipsitch M, Metcalf CJE, Meyers LA, Perkins TA, Santillana M, Scarpino SV, Viboud C, Wesolowski A, Schroeder A. Aggregated mobility data could help fght COVID-19. Science 2020: 368(6487):145-146.

64 Black AJ, Ross JV. Estimating a markovian epidemic model using household serial interval data from the early phase of an epidemic. PLoS One 2003; 8(8): e73420.
-6565 Yom-Tov E, Johansson-Cox I, Lampos V, Hayward AC. Estimating the secondary attack rate and serial interval of influenza like illnesses using social media. Influenza and Other Respiratory Viruses 2015; 9(4):191-199. - que permite aproximar o intervalo de geração do tempo entre o momento da infecção de casos primários e casos secundários - e o número de reprodução variável no tempo (quantos casos secundários causados por um caso primário típico durante seu período de infecciosidade), durante o curso da pandemia5959 Jensen JM, Raver JL. When Self-Management and Surveillance Collide: Consequences for Employees' Organizational Citizenship and Counterproductive Work Behaviors. Group & Organization Management 2012:37(3).,6666 Zhou L, Li Q, Uyeki TM. Estimated incubation period and serial interval for human-to-human influenza A(H7N9) virus transmission. Emerging Infectious Diseases 2019; 25(10):1982-1983.,6767 Smolinski MS, Crawley AW, Olsen JM, Jayaraman T, Libel M. Participatory disease surveillance: engaging communities directly in the notification, monitoring and response to health threats. JMIR Public Health Surveill 2017 October 11; 3(4):e62..

A qualidade e a consistência da coleta de dados permanecem uma preocupação. A falta de padrões oficiais e inconsistências nos relatórios governamentais de estatísticas entre os países tornam as comparações globais difíceis1212 Thorlund K, Dron L, Park J, Hsu G, Forrest JI, Mills EJ. A real-time dashboard of clinical trials for COVID-19. Lancet Digit Health 2020 Jun; 2(6):e286-e287. também em países com diferenças regionais marcantes, como Brasil, França e Canadá. Ademais, as estatísticas offline atualizadas e precisas dos governos nem sempre estão acessíveis de forma equitativa.

Na China, as políticas atuais e os sistemas de tecnologia têm limitações marcantes, que impedem a integração da atenção clínica e a APS, assim como a colaboração entre a APS e outros setores de atenção à saúde (por exemplo, hospitais), e tornam difícil garantir um número suficiente de profissionais com treinamento, remuneração e desempenho adequados na APS6868 Xi Li, Jiapeng Lu, Shuang Hu, KK Cheng, Jan De Maeseneer, Qingyue Meng et al.. The primary health-care system in China. Lancet 2017; 390 (10112):2584-2594..

Além disso, percebeu-se que os serviços de vigilância não podem operar isoladamente e precisam ser integradas aos sistemas públicos de saúde existentes. O uso de tecnologias digitais inovadoras e o compartilhamento de dados, apesar de potencializarem um efetivo controle, apresentaram limitações para o enfrentamento da pandemia de COVID-19, por constituírem intervenções verticais baseadas nas práticas tradicionais de notificação, registro e investigação de casos de doenças infecciosas e vigilância sindrômica, persistindo na consequente desarticulação em relação às ações desenvolvidas na atenção primária, que abarcam 80% dos casos mais leves da doença. Ao passo que as ações de vigilância à saúde abrangentes e multissetoriais, integradas com a APS, mostraram-se resolutivas e capazes de ofertar um monitoramento contínuo de todos os problemas de saúde que afetam a população local, inclusive, pós-pandemia. O sistema de vigilância integrado à APS contribuiu para o controle da transmissão na comunidade, a partir de intervenções direcionadas a orientar a implementação de medidas de mitigação na comunidade, incluindo escala, tempo, duração, estratégias específicas e relacionadas a demandas locais.

Nessa perspectiva, a vigilância participativa de doenças (PDS) também se mostrou uma estratégia efetiva para o monitoramento de doenças transmissíveis, na qual os cidadãos estão ativamente envolvidos no autorrelato de sintomas ou eventos, a fim de ajudar os especialistas em saúde pública a agregarem e analisarem dados para uma intervenção de saúde pública apropriada6969 Souty C, Turbelin C, Blanchon T, Hanslik T, Le Strat Y, Boëlle PY. Improving disease incidence estimates in primary care surveillance systems. Popul Health Metr 2014 Jul 26; 12:19.. Ainda que, em sistemas de vigilância da atenção primária com base na participação voluntária, os resultados enviesados possam surgir pela falta de representatividade da população monitorada e da incerteza quanto ao denominador populacional.

A experiência cubana explicita o eixo comum para a integração organizacional e integração profissional da APS ao sistema de vigilância, para a análise dos problemas de saúde de forma ampliada, não apenas com foco na sistematização de indicadores gerais, mas com o propósito de subsidiar o planejamento e a organização de sistemas e serviços, o que exige um modelo de APS que contemple o conhecimento das condições de vida e trabalho das pessoas e das formas de organização e de atuação dos diversos órgãos governamentais e não governamentais, em cada território. Ou seja, um modelo de atenção articulado com os espaços de deliberação coletivos e representativos dentro da sociedade, e que se adapte a diferentes realidades, para fornecer ações integrais e equânimes5151 Aguilar-Guerra, Tania L Reed, Gail. Mobilization of primary health care: Cuba's powerful weapon against COVID-19. Medical Review 2020; 22(2):58-63.,7070 Greenhalgh T, Koh GCH, Car J. Covid-19: a remote assessment in primary care. BMJ 2020 Mar 25; 368:m1182.,7171 Stevenson Rowan, M., Hogg, W., & Huston, P. (2007). Integrating public health and primary care. Politiques de Sante 2007; 3(1):e160-e181..

O modelo de vigilância integrada à APS envolve a articulação de práticas de equipe multidisciplinar ou interprofissional, incluindo os prestadores de cuidados primários; um sistema de financiamento ou programa de incentivos para vigilância em saúde, promoção da saúde e prevenção de doenças; um sistema de tecnologia de informação para coleta de dados e instituição de planos e protocolos comuns, de forma contínua e sistemática; e a capacidade de detectar e relatar doenças novas e emergentes, por meio de interfaces articuladas entre os sistemas de saúde locais, provinciais, nacionais e internacionais.

Por fim, as experiências analisadas demonstraram que, embora fortes sistemas de vigilância sejam ferramentas indispensáveis para detecção e monitoramento de surtos e emergências de saúde pública, fortes sistemas de atenção primária formam a base de qualquer resposta a emergências sanitárias.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jul 2021

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2020
  • Aceito
    27 Mar 2021
  • Publicado
    29 Mar 2021
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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