Resumo
Dentes com defeitos de desenvolvimento do esmalte (DDE) apresentam porosidades e/ou irregularidades que os tornam suscetíveis a acúmulo de biofilme e predisposição à cárie e doenças periodontais. O objetivo deste artigo é determinar a prevalência de DDE e fatores associados em crianças e adolescentes residentes em comunidade quilombola. A população foi censitária e composta por indivíduos na faixa etária de 3 a 14 anos. Os responsáveis responderam a questionário contendo dados socioeconômicos demográficos e histórico de agravos durante a gravidez e infância. Foi aplicado o Índice DDE modificado. Foram realizadas análise descritiva e regressão de Poisson com variância robusta (p<0,05). Foram examinados 406 indivíduos. A prevalência de DDE foi de 80,5%, sendo que em dentes decíduos foi de 42,2% e permanentes 61,1%. Houve associação entre DDE e maior idade da criança (RP=1,09; IC95%=1,01-1,17), uso de antibiótico na gravidez (RP=1,14; IC95%=1,07-1,22) e relato de desnutrição durante a primeira infância (RP=1,12; IC95%=1,03-1,22). A prevalência de DDE em crianças e adolecentes da comunidade quilombola foi alta. E os fatores associados foram maior idade da criança, uso de antibióticos na gravidez e desnutrição durante a primeira infância.
Palavras-chave:
Esmalte dentário; Hipoplasia do esmalte dentário; Grupos de risco; Estudos transversais
Introdução
Quilombolas são grupos étnico-raciais segundo critérios de autoatribuição e trajetória histórica própria, áreas territoriais específicas e presunção na ancestralidade negra relacionada com resistência à opressão histórica. Apesar das políticas de inclusão social, estudos sobre saúde bucal destas populações são escassos11 Silva EKPD, Medeiros DS, Martins PC, Sousa LA, Lima GP, Rêgo MAS, Silva TOD, Freire AS, Silva FM. Insegurança alimentar em comunidades rurais no Nordeste brasileiro: faz diferença ser quilombola? Cad Saude Publica 2017; 33(4):e00005716.
2 Souza MCA, Flório FM. Avaliação da história da cárie e fatores associados entre os quilombolas no Sudeste do Brasil. Braz J Ora Sci 2014; 13(3):175-181.-33 Bidinotto AB, D'Ávila OP, Martins AB, Hugo FN, Neutzling MB, Bairros FS, Hilgert JB. Oral health self-perception in quilombola communities in Rio Grande do Sul: a cross-sectional exploratory study. Rev Bras Epidemiol 2017; 20(1):91-101.. Dentro do contexto abordado, indivíduos que residem em comunidades quilombolas apresentam acesso restrito a bens e serviços e consequente insegurança alimentar11 Silva EKPD, Medeiros DS, Martins PC, Sousa LA, Lima GP, Rêgo MAS, Silva TOD, Freire AS, Silva FM. Insegurança alimentar em comunidades rurais no Nordeste brasileiro: faz diferença ser quilombola? Cad Saude Publica 2017; 33(4):e00005716.,44 Marques AS, Freitas DA, Leão CD, Oliveira SK, Pereira MM, Caldeira AP. Atenção Primária e saúde materno-infantil: a percepção de cuidadores em uma comunidade rural quilombola. Cien Saude Colet 2014; 19(2):365-371.,55 Gubert MB, Spaniol AM, Bortolini GA, Pérez-Escamilla R. Household food insecurity nutritional status and morbidity in Brazilian children. Public Health Nutr 2016; 19(12):2240-2245..
Pessoas que vivem em vulnerabilidade social apresentam em geral deficiência de nutrientes essenciais na dieta, condição que tem sido apontada como fator associado a defeitos de desenvolvimento do esmalte dentário (DDE)66 Robles MJ, Ruiz M, Bravo-Perez M, González E, Peñalver MA. Prevalence of enamel defects in primary and permanent teeth in a group of schoolchildren from Granada. Med Oral Patol Oral Cir Bucal 2013;18(2):187-193.
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10 Basha S, Mohamed RN, Swamy HS. Prevalence and associated factors to developmental defects of enamel in primary and permanent dentition. Oral Health Dent Manag 2014; 13(3):588-594.-1111 Masterson EE, Fitzpatrick AL, Enquobahrie DA, Mancl LA, Conde E, Hujoel PP. Malnutrition-related early chidhood exposures and enamel defects in the permanente dentition: a longitudinal study from the Bolivian Amazon. Am J Phys Anthropol 2017; 164(2):416-423. Essas alterações dentárias manifestam-se clinicamente como opacidades ou hipoplasias1212 Jacobsen PE, Haubek D, Henriksen TM, Østergaard JR, Poulsen S. Developmental defects of enamel in children born preterm: a systematic review. Eur J Oral Sci 2014; 122(1):7-14.
13 Mermarpour M, Golkari A, Ahmadian R. Association of characteristics of delivery and medical conditions during the first month of life with developmental defects of enamel. BMC Oral Health 2014; 14:122.-1414 Hoffmann RHS, Sousa MDLR, Cypriano S. Prevalência de defeitos de esmalte e sua relação com cárie dentária nas dentições decídua e permanente, Indaiatuba, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2007; 23(2):435-444.. Dentes com DDE apresentam esmalte poroso e/ou irregular, condições que os tornam mais suscetíveis a acúmulo de biofilme dental e consequente predisposição ao desenvolvimento de cárie dentária e doenças periodontais77 Yadav PK. Prevalence and Association of Developmental Defects of Enamel with, Dental-Caries and Nutritional Status in Pre-School Children, Lucknow. J Clin Diagn Res 2015; 9(10):71-74.,1414 Hoffmann RHS, Sousa MDLR, Cypriano S. Prevalência de defeitos de esmalte e sua relação com cárie dentária nas dentições decídua e permanente, Indaiatuba, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2007; 23(2):435-444.
15 Vargas-Ferreira F, Ardenghi TM. Developmental enamel defects and their impact on child oral health-related quality of life. Braz Oral Res 2011; 25(6):531-537.
16 Salas MM, Nascimento GG, Tarquinio SB, Faggion CM Jr, Peres MA, Thomson WM, Demarco FF. Association between developmental defects of enamel and dental caries: A systematic review and meta-analysis. J Dent 2015; 43(6):619-628.-1717 Costa FS, Silveira ER, Pinto GS, Nascimento GG, Thomson WM, Demarco F. Developmental defects of enamel and dental caries in the primary dentition: a systematic review and meta-analysis. J Dent 2017; 60:1-7..
A etiologia de DDE é multifatorial, podendo estar associada a condições sistêmicas ou ambientais que ocorreram durante o período de amelogênese66 Robles MJ, Ruiz M, Bravo-Perez M, González E, Peñalver MA. Prevalence of enamel defects in primary and permanent teeth in a group of schoolchildren from Granada. Med Oral Patol Oral Cir Bucal 2013;18(2):187-193.,1414 Hoffmann RHS, Sousa MDLR, Cypriano S. Prevalência de defeitos de esmalte e sua relação com cárie dentária nas dentições decídua e permanente, Indaiatuba, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2007; 23(2):435-444.,1515 Vargas-Ferreira F, Ardenghi TM. Developmental enamel defects and their impact on child oral health-related quality of life. Braz Oral Res 2011; 25(6):531-537.. Estudos epidemiológicos sobre prevalência e fatores associados ao DDE em populações vulneráveis socialmente como quilombolas, são importantes para o planejamento de políticas públicas de saúde com implementação de projetos de promoção da saúde direcionados às gestantes e crianças em idade pré-escolar, tendo em vista que esses defeitos estão relacionados a alterações durante a gravidez, primeira infância e nutrição inadequada. Este é o primeiro estudo de base populacional que objetivou avaliar a prevalência de DDE e fatores associados em comunidades quilombolas
Métodos
Trata-se de estudo transversal realizado na comunidade quilombola rural Lagoas, localizada a 36 quilômetros do município de São Raimundo Nonato, na região Sul do estado do Piauí. A comunidade é formada por 12 núcleos que abrangem 1.498 famílias e 5.128 indivíduos, distribuídos em território de 62.000 metros quadrados. Este estudo foi conduzido seguindo as diretrizes do STROBE Statement.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)1818 Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Relatório Antropológico do Território Quilombola de Lagoas. Brasília: INCRA; 2010., em 2010 havia 420 crianças e adolescentes quilombola na comunidade. A população deste estudo foi censitária e constituída por crianças e adolescentes de ambos os sexos na faixa etária de 3 a 14 anos. Foram excluídos do estudo indivíduos que apresentavam amelogênese imperfeita, lesões cariosas com mais de 2/3 de comprometimento do esmalte ou usavam aparelho ortodôntico fixo, condições que dificultam diagnóstico de DDE.
Como estratégia para recrutamento dos indivíduos, as escolas (N=4) foram utilizadas como referência. Quanto às crianças que ainda não frequentavam escolas, foi realizada busca ativa por intermédio de líderes comunitários, junto aos pais/responsáveis para que levassem seus filhos no dia dos exames agendados para os escolares.
Previamente à realização do estudo, foi realizada calibração de três examinadoras em duas fases. A primeira fase compreendeu treinamento in lux1919 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Projeto SBBrasil 2010 - Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: manual da Equipe de Campo. Brasília: MS; 2009. com projeções de imagens de dentes com diferentes tipos de defeitos de esmalte. Quando os examinadores deveriam acertar mais de 80% dos diagnósticos para permanecer na pesquisa. A segunda fase de treinamento foi realizada com 45 escolares, não participantes da pesquisa, que apresentavam todas as condições que seriam observadas no estudo. Os indivíduos foram reexaminados após duas semanas. As concordâncias intraexaminadores e interexaminadores foram iguais ou maiores que 0,81919 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Projeto SBBrasil 2010 - Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: manual da Equipe de Campo. Brasília: MS; 2009..
Foi realizado estudo piloto com 45 crianças e adolescentes, estudantes de escola pública rural do município de São Raimundo Nonato, Piauí, que não foram incluídos na pesquisa. Não houve necessidade de adequações da metodologia proposta.
A coleta de dados constou de duas fases. Aplicação de questionário aos pais/responsáveis que abordava dados demográficos e socioeconômicos (sexo, idade, renda familiar, escolaridade dos pais, condições sanitárias e hábitos alimentares) e fatores citados em outros estudos como possivelmente88 Ford D, Seow WK, Kazoullis S, Holcome T, Newman B. A controlled study of risk factors for enamel hypoplasia in the permanent dentition. Pediatr Dent 2009; 31(5):382-388.,1313 Mermarpour M, Golkari A, Ahmadian R. Association of characteristics of delivery and medical conditions during the first month of life with developmental defects of enamel. BMC Oral Health 2014; 14:122.,2020 Ravindran R, Saji AM. Prevalence of the developmental defects of the enamel in children aged 12-15 years in Kollam district. J Int Soc Prev Community Dent 2016; 6 (1):28-33. associados a DDE (tipo de parto, doenças na gravidez e primeira infância) e exame dentário das crianças e adolescentes. Os questionários foram aplicados pelos pesquisadores diretamente aos pais, de forma individualizada, para que pudessem esclarecer eventuais dúvidas que pudessem surgir no momento do preenchimento.
Os exames dentários foram realizados sob luz artificial, fluorescentes de teto. Os participantes da pesquisa foram posicionados sentados em cadeiras ou bancos escolares com a cabeça apoiada sobre as pernas dos examinadores. Para o exame, os pesquisadores utilizaram espelho bucal plano, sonda exploradora de número 5 (SSWhite, Rio de Janeiro, Brasil), compressas de gaze para remover o excesso de saliva.
Os dados foram anotados em ficha elaborada para este estudo. O diagnóstico de DDE foi realizado pelo índice DDE modificado2121 Federation Dental International. A review of the developmental defects of enamel index (DDE Index). Commission on Oral Health, Research & Epidemiology. Report of an FDI Working Group. Int Dent J 1992; 42(6):411-412., que avalia a presença dos defeitos e suas combinações, localização e extensão. Foram classificados como opacidades os defeitos qualitativos envolvendo alteração na translucidez do esmalte, como opacidade demarcada (quando apresentava limite definido com o esmalte adjacente normal) e opacidade difusa, (quando não era observado limite definido com o esmalte normal). Foram classificados como hipoplasias, defeitos quantitativos associados à redução localizada de espessura de esmalte. Em relação à localização, os defeitos foram classificadas em 1/2 incisal, 1/2 gengival, 1/2 oclusal e em cúspide. E quanto à extensão, foram classificados em menos de 1/3 da superfície, mais de 1/3 e menos de 2/3 da superfície, e mais de 2/3 da superfície2121 Federation Dental International. A review of the developmental defects of enamel index (DDE Index). Commission on Oral Health, Research & Epidemiology. Report of an FDI Working Group. Int Dent J 1992; 42(6):411-412..
Não foram incluidos no estudo dentes que apresentavam fraturas coronárias, dentes que apresentavam lesões cariosas e/ou restaurações extensas (envolvendo mais de dois terços da superfície) e dentes decíduos extraídos ou esfoliados. Defeitos unitários medindo menos de um milímetro de diâmetro não foram registrados e em casos dúbios, o defeito não foi considerado2121 Federation Dental International. A review of the developmental defects of enamel index (DDE Index). Commission on Oral Health, Research & Epidemiology. Report of an FDI Working Group. Int Dent J 1992; 42(6):411-412..
Os dados foram analisados pelo programa Statistical Package for the Social Science (SPSS® para Windows, versão 21.0, Armonk, NY, USA: IBM Corp). A variável dependente foi dicotomizada quanto presença ou não de DDE. As variáveis independentes foram sexo, idade, autodeclaração da cor da pele, dados socioeconômicos como renda familiar e escolaridade da mãe, condições sanitárias, intercorrências durante a gravidez (febre ou infecção, hipertensão, infecção urinária, uso de antibióticos, sangramento, descolamento prematuro da placenta e eclâmpsia) e doenças durante a primeira infância (diarreia, varicela, pneumonia, asma, bronquite, sinusite, rinite, febre, desnutrição, otite e uso de antibióticos)1,4-7, 20.
Foi realizada análise descritiva para caracterizar a amostra. Regressão de Poisson com variância robusta foi utilizada para determinar as associações entre DDE, como desfecho binário, e as variáveis independentes. A magnitude da associação foi avaliada pelas razões de prevalência brutas e ajustadas (RP), intervalos de confiança (IC 95%), e valores de p. As variáveis com os valores de p ≤0,20 na análise bivariada foram incluídas no modelo ajustado. Apenas as variáveis com valor de p <0,05 permaneceram no modelo final.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí e obedeceu aos preceitos determinados pela Declaração de Helsinque e Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Resultados
Foram examinadas 406 (96,9%) crianças ou adolescentes que preenchiam os critérios de inclusão e não houve recusas em participar do estudo. As perdas ocorreram devido ao uso de aparelho ortodôntico fixo por cinco adolescentes, e quatro apresentavam amelogênese imperfeita e cinco lesões cariosas comprometendo mais de 2/3 de esmalte.
A média de idade foi de 8,74 (±3,17) anos (mínima de 3 anos e máxima de 14 anos), sendo 52,0% do sexo masculino e 35,7% autodeclarados negros. A maioria das famílias apresentou renda familiar menor ou igual a R$500,00 (82,5%). O salário mínimo vigente na época do estudo correspondia a R$880,00 (valor do dólar R$ 3,2403), e escolaridade materna menor que oito anos de estudo formal (49,5%). A água utilizada nos domicílios provinha de cisternas abastecidas por carros-pipa (78,6%), tratada com a adição de tabletes efervescentes de cloro (41,1%) (Tabela 1).
A prevalência de DDE foi de 80,5% (Tabela 1), sendo que em dentes decíduos foi de 42,2% e permanentes 61,1%. O tipo de defeito mais frequente em ambas as dentições foi opacidade demarcada. As áreas dos dentes mais afetadas foram metade incisal e ponta de cúspide. A maioria das crianças e adolescentes apresentou defeitos de esmalte em menos de 1/3 de superfícies dentárias (Tabela 2).
Os defeitos de desenvolvimento do esmalte foram 9,0% (RP=1,09; IC95%=1,01-1,17) mais prevalentes na faixa etária de 11 a 14 anos em relação às crianças de 3 a 5 anos. Entre as intercorrências durante a gravidez, uso de antibiótico (RP=1,14; IC95%=1,07-1,22) foi associado à presença de DDE. O relato dos pais/responsáveis sobre desnutrição durante a primeira infância (RP=1,12; IC95%=1,03-1,22) foi associada à presença de DDE (Tabela 3).
Discussão
Foi observada presença de defeitos de desenvolvimento de esmalte na maioria dos indivíduos, resultados observados em outros estudos com populações de baixa renda1010 Basha S, Mohamed RN, Swamy HS. Prevalence and associated factors to developmental defects of enamel in primary and permanent dentition. Oral Health Dent Manag 2014; 13(3):588-594.,1414 Hoffmann RHS, Sousa MDLR, Cypriano S. Prevalência de defeitos de esmalte e sua relação com cárie dentária nas dentições decídua e permanente, Indaiatuba, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2007; 23(2):435-444.,1515 Vargas-Ferreira F, Ardenghi TM. Developmental enamel defects and their impact on child oral health-related quality of life. Braz Oral Res 2011; 25(6):531-537.. O diagnóstico precoce de alterações do esmalte dentário apresenta relevância clínica, tendo em vista que DDE predispõe ao acúmulo de biofilme dental que associado à sensibilidade dentária, dificulta a escovação, além de impactar negativamente na qualidade de vida 13, 17.
Insegurança alimentar são fatores associados a DDE, o que justifica a prevalência alta da condição em pessoas que vivem em vulnerabilidade social como é o caso dos quilombolas1,4,5, cuja renda familiar média é inferior a um salário mínimo. Íons cálcio presentes na alimentação regulam atividades celulares como comunicação celular, transdução de sinal e ativação enzimática, essenciais para atividade das proteínas envolvidas na amelogênese2222 Simmer JP, Hu JC. Expression, structure, and function of enamel proteinases. Connect Tissue Res 2002; 43(2-3):441-449.. Níveis reduzidos de fósforo e cálcio sérico durante a gravidez associados a outras complicações neste período também podem resultar em cristalização e mineralização deficiente do esmalte dentário2323 Merheb R, Arumugam C, Lee W, Collin M, Nguyen C, Groh-Wargo S, Nelson S. Neonatal serum phosphorus levels and enamel defects in very-low-birth-weight infants. JPEN J Parenter Enteral Nutr 2016; 40(6):835-841.. A limitação do estudo estão associadas à falta de avaliação da insegurança alimentar por meio de escala válida de monitoração.
Vale enfatizar que deficências em acompanhamentos pré-natais e assistência pediátrica na primeira infância podem aumentar as chances de ocorrência de DDE 99 Massoni AC, Chaves AM, Sampaio FC, Rosenblatt A; Oliveira AF. Prevalence of enamel defects related to pre-, peri- and postnatal factors in a Brazilian population. Community Dent Health 2009; 26(3):143-149.,1010 Basha S, Mohamed RN, Swamy HS. Prevalence and associated factors to developmental defects of enamel in primary and permanent dentition. Oral Health Dent Manag 2014; 13(3):588-594.,1414 Hoffmann RHS, Sousa MDLR, Cypriano S. Prevalência de defeitos de esmalte e sua relação com cárie dentária nas dentições decídua e permanente, Indaiatuba, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2007; 23(2):435-444.,1515 Vargas-Ferreira F, Ardenghi TM. Developmental enamel defects and their impact on child oral health-related quality of life. Braz Oral Res 2011; 25(6):531-537.. Tendo em vista que ameloblastos são células sensíveis que podem ser lesadas frente a agressões físico-químicas e biológicas com consequentes danos irreversíveis ao esmalte de dentes em formação22, 24.
A prevalência de DDE em dentes decíduos foi menor que em dentes permanentes, resultados que corroboram outros apontados na literatura1212 Jacobsen PE, Haubek D, Henriksen TM, Østergaard JR, Poulsen S. Developmental defects of enamel in children born preterm: a systematic review. Eur J Oral Sci 2014; 122(1):7-14.,1010 Basha S, Mohamed RN, Swamy HS. Prevalence and associated factors to developmental defects of enamel in primary and permanent dentition. Oral Health Dent Manag 2014; 13(3):588-594.,1515 Vargas-Ferreira F, Ardenghi TM. Developmental enamel defects and their impact on child oral health-related quality of life. Braz Oral Res 2011; 25(6):531-537.. Este resultado pode estar mascarado pela dificuldade de diagnóstico de DDE em dentes decíduos, por apresentarem colorações esbranquiçadas que podem subestimar possíveis defeitos estruturais2525 Masumo R, Bardsen A, Astrøm AN. Developmental defects of enamel in primary teeth and association with early life course events: a study of 6-36 month old children in Manyara, Tanzania. BMC Oral Health 2013; 13:21.. Outra justificativa para a baixa prevalência pode estar associada a menor janela de exposição aos fatores ambientais em virtude da calcificação da maioria dos dentes decíduos ocorrer na vida intrauterina, período em que existe a proteção da placenta1010 Basha S, Mohamed RN, Swamy HS. Prevalence and associated factors to developmental defects of enamel in primary and permanent dentition. Oral Health Dent Manag 2014; 13(3):588-594.,1414 Hoffmann RHS, Sousa MDLR, Cypriano S. Prevalência de defeitos de esmalte e sua relação com cárie dentária nas dentições decídua e permanente, Indaiatuba, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2007; 23(2):435-444.,1515 Vargas-Ferreira F, Ardenghi TM. Developmental enamel defects and their impact on child oral health-related quality of life. Braz Oral Res 2011; 25(6):531-537..
As áreas dos dentes mais afetadas por DDE foram metade incisal e ponta de cúspide em ambas as dentições, resultado semelhante relatado na literatura2626 Wagner Y. Developmental defects of enamel in primary teeth - findings of a regional German birth cohort study. BMC Oral Health 2016; 17(1):10.. A localização dos defeitos depende da fase do desenvolvimento dentário em que insultos ocorreram e o processo de amelogênese inicia-se nas pontas de cúspides ou borda incisal e progride em direção ao terço cervical do dente2727 Velló MA, Martínez-Costa C, Catalá M, Fons J, Brines J, Guiiarro-Martínez R. Prenatal and neonatal risk factors for the development of enamel defects in low birth weight children. Oral Dis 2010; 16(3):257-262.. A maioria de indivíduos apresentou defeitos de esmalte em menos de 1/3 de superfícies dentárias em ambas as dentições, o que corrobora os resultados apresentados por Wagner2626 Wagner Y. Developmental defects of enamel in primary teeth - findings of a regional German birth cohort study. BMC Oral Health 2016; 17(1):10. e difere dos apontados por Masterson11 que afirmou que a maioria dos indivíduos apresentou defeitos de 1/3 a 2/3 da superfície dentária. As características dos defeitos ocorreram precocemente num intervalo de tempo curto.
Opacidades demarcadas foram os defeitos mais frequentes, resultado observado também em outros estudos1212 Jacobsen PE, Haubek D, Henriksen TM, Østergaard JR, Poulsen S. Developmental defects of enamel in children born preterm: a systematic review. Eur J Oral Sci 2014; 122(1):7-14.,1414 Hoffmann RHS, Sousa MDLR, Cypriano S. Prevalência de defeitos de esmalte e sua relação com cárie dentária nas dentições decídua e permanente, Indaiatuba, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2007; 23(2):435-444.,2626 Wagner Y. Developmental defects of enamel in primary teeth - findings of a regional German birth cohort study. BMC Oral Health 2016; 17(1):10.,2828 Correa-Faria P, Martins-Junior PA, Vieira-Andrade RG, Marques LS, Ramos-Jorge ML. Perinatal factors associated with developmental defects of enamel in primary teeth: a case-control study. Braz Oral Res 2013; 27(4):363-368.. Opacidades difusas, como fluorose em graus muito leve e leve, foram mais frequentes que hipoplasias, resultado atribuído possivelmente à ingestão de dentifrício fluoretado no período da amelogênese, em virtude da região não possuir água de abastecimento público fluoretada e as crianças e adolescentes terem nascido e residido sempre nas comunidades2929 Goodarzi F, Mahvi AH, Hosseini M, Nedjat S, Nabizadeh Nodehi R, Kharazifard MJ, Parvizishad M, Cheraghi Z. The prevalence of dental fluorosis and exposure to fluoride in drinking water: A systematic review. J Dent Res Dent Clin Prospects 2016; 10(3):127-135.. O diagnóstico de fluorose foi realizado por meio do índice DDE modificado2121 Federation Dental International. A review of the developmental defects of enamel index (DDE Index). Commission on Oral Health, Research & Epidemiology. Report of an FDI Working Group. Int Dent J 1992; 42(6):411-412.. Crianças cujos pais são orientados sobre a quantidade de dentifrício fluoretado a ser utilizada desde os primeiros anos de vida apresentaram menor frequência com fluorose dentária nos dentes permanentes3030 Moura MS, Carvalho MM, Silva MC, Lima MDM, Moura LFAD, Simplício AHM.The impact of a dental program for maternal and infant health on the prevalence of dental fluorosis. Pediatr Dent 2013; 35(7):519-522.. No presente estudo, a prevalência alta de fluorose na dentição permanente pode ser atribuída a ingestão de dentifrícios fluoretados durante o período de calcificação das coroas dentárias, tendo em vista que os participantes do estudo nasceram e moram nas comunidades quilombolas, sem nunca terem se ausentado por períodos mais longos que 30 dias.
Neste estudo, foi observada maior frequência de DDE nas faixas etárias de 6 a 10 anos e de 11 a 14 anos. De fato, a amelogênese é um processo longo que inicia na vida intrauterina e se prolonga até a primeira infância então, perturbações durante esse processo poderá ser fator desencadeante de DDE tanto em dentes decíduos quanto em permanentes, dependendo do momento em que ocorreu o insulto2828 Correa-Faria P, Martins-Junior PA, Vieira-Andrade RG, Marques LS, Ramos-Jorge ML. Perinatal factors associated with developmental defects of enamel in primary teeth: a case-control study. Braz Oral Res 2013; 27(4):363-368.. A calcificação da maioria dos dentes permanentes ocorre na primeira infância e nesta fase do crescimento e desenvolvimento existe maior chance da ocorrência de doenças com comprometimento sistêmico que provocam febres altas e são associadas a DDE1414 Hoffmann RHS, Sousa MDLR, Cypriano S. Prevalência de defeitos de esmalte e sua relação com cárie dentária nas dentições decídua e permanente, Indaiatuba, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2007; 23(2):435-444..
Complicações durante a gestação2727 Velló MA, Martínez-Costa C, Catalá M, Fons J, Brines J, Guiiarro-Martínez R. Prenatal and neonatal risk factors for the development of enamel defects in low birth weight children. Oral Dis 2010; 16(3):257-262., condições adversas ao nascimento2828 Correa-Faria P, Martins-Junior PA, Vieira-Andrade RG, Marques LS, Ramos-Jorge ML. Perinatal factors associated with developmental defects of enamel in primary teeth: a case-control study. Braz Oral Res 2013; 27(4):363-368., deficiências nutricionais77 Yadav PK. Prevalence and Association of Developmental Defects of Enamel with, Dental-Caries and Nutritional Status in Pre-School Children, Lucknow. J Clin Diagn Res 2015; 9(10):71-74. e doenças na primeira infância têm sido associadas com o aumento da frequência de DDE, e a justificativa é a associação com a função ameloblástica66 Robles MJ, Ruiz M, Bravo-Perez M, González E, Peñalver MA. Prevalence of enamel defects in primary and permanent teeth in a group of schoolchildren from Granada. Med Oral Patol Oral Cir Bucal 2013;18(2):187-193.. No presente estudo, o uso de medicamentos na gravidez foi associado à presença de DDE, e antibióticos os mais referidos pelas mães, resultado concordante com a literatura2020 Ravindran R, Saji AM. Prevalence of the developmental defects of the enamel in children aged 12-15 years in Kollam district. J Int Soc Prev Community Dent 2016; 6 (1):28-33.. No entanto, é importante considerar o viés de memória como limitante em estudos transversais. Para facilitar o entendimento do questionário, houve treinamento prévio dos pesquisadores visando facilitar o entendimento de termos técnicos em linguagem acessível.
Este estudo contempla um grupo prioritário de pesquisa em saúde no Brasil e deperta a atenção para a associação estabelecida de DDE com fatores sociais e doenças bucais. Possibilita, assim, planejamentos de estratégias capazes de prevenir problemas de saúde, uma vez que muitos programas são centrados historicamente no tratamento de condições já estabelecidas.
Desta forma, a prevalência de DDE em crianças e adolecentes da comunidade quilombola foi alta. Os fatores associados foram maior idade da criança, uso de antibióticos na gravidez e desnutrição durante a primeira infância.
Referências
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
02 Jul 2021 - Data do Fascículo
Jul 2021
Histórico
- Recebido
04 Mar 2019 - Aceito
02 Ago 2019 - Publicado
04 Ago 2019