Ambiente alimentar do entorno de escolas públicas e privadas: oportunidade ou desafio para alimentação saudável?

Patrícia Henriques Camile Robady Torres de Alvarenga Daniele Mendonça Ferreira Patricia Camacho Dias Daniele da Silva Bastos Soares Roseane Moreira Sampaio Barbosa Luciene Burlandy Sobre os autores

Resumo

O estudo analisou e comparou os tipos de alimentos comercializados no entorno de 30 escolas privadas e 26 públicas de Ensino Fundamental do município de Niterói, Rio de Janeiro. A coleta de dados foi realizada por auditoria utilizando um instrumento tipo checklist para caracterização dos estabelecimentos (formal ou informal) e identificação dos tipos de alimentos e bebidas comercializados. Estes foram classificados segundo o grau de processamento (in natura, processados e ultraprocessados). Para análise dos dados foram utilizados os testes estatísticos de Mann-Whitney para verificar diferença do tipo de comércio e das categorias de alimentos comercializados entre as escolas e o de Kruskal-Wallis para verificar diferença na quantidade de alimentos comercializada entre as categorias. A quantidade de ultraprocessados no entorno das escolas foi estatisticamente maior (p=0,0001) do que as outras categorias. Algumas preparações culinárias apresentaram alto percentual de contribuição energética de ultraprocessados. Não houve diferença estatisticamente significativa (p=0,478) nas categorias de alimentos comercializados entre escolas públicas e privadas. No entorno das escolas predomina a comercialização de ultraprocessados, favorecendo a exposição de crianças a um ambiente que estimula o consumo destes produtos.

Palavras-chave:
Ambiente escolar; Alimentação escolar; Alimentação saudável

Introdução

A nutrição adequada na infância contribui para o crescimento e desenvolvimento infantil11 Carvalho CA, Fonseca PCA, Priore SE, Franceschini SCC, Novaes JF. Consumo alimentar e adequação nutricional em crianças brasileiras: revisão sistemática. Rev Paul Pediatr 2015; 33(2):211-21., fase crucial para a formação de hábitos alimentares saudáveis e manutenção na vida adulta. Entretanto, fatores condicionantes relacionados ao ambiente físico e social interferem nas escolhas alimentares do grupo infantil, por vezes com consequências negativas para a saúde22 Caspi CE, Sorensen G, Subramanian SV, Kawachi I. The local food environment and diet: a systematic review. Health Place 2012; 18(5):1172-1187.. Nesse sentido, a padronização das práticas alimentares, expansão do mercado publicitário e mudanças no estilo de vida têm favorecido o maior acesso a alimentos processados e ultraprocessados, com impacto no perfil de saúde da população. Estes alimentos, em sua maioria, possuem alta concentração de açúcar, gorduras e sódio e elevada densidade energética33 Toloni MHA, Longo-Silva G, Goulart RMM, Taddei JAAC. Introdução de alimentos industrializados e alimentos de uso tradicional na dieta de crianças de creches públicas no município de São Paulo. Rev Nutr 2011; 24(1):61-70.

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-77 Aquino RC, Philippi ST. Consumo infantil de alimentos industrializados e renda familiar na cidade de São Paulo. Rev Saude Publica 2002; 36(6):655-660..

O ambiente alimentar pode ser descrito como um microambiente que engloba o local onde o indivíduo está inserido como sua moradia, trabalho, bairro, escola, cujas particularidades de acesso aos alimentos (disponibilidade, qualidade e preço) norteiam suas escolhas de consumo. Este ambiente, por sua vez, está relacionado aos macroambientes alimentares constituídos por políticas, indústrias alimentícias, empresas de publicidade e marketing, entre outros que indiretamente exercem influência sobre a decisão de compra da população e condicionam perfis de consumo88 Costa BVL, Oliveira CDL, Lopes ACS. Ambiente alimentar de frutas e hortaliças no território do Programa da Academia da Saúde. Cad Saude Publica 2015; 31(Supl. 1):S1-S11.,99 Swinburn B, Egger G, Raza F. dissecting obesogenic environments: the development and application of a framework for identifying and prioritizing environmental interventions for obesity. Prev Med 1999; 29(6):563-570..

No caso do público infantil, a escola é um dos principais componentes do ambiente alimentar, onde as crianças permanecem por longos períodos, considerada um espaço privilegiado para o desenvolvimento de práticas alimentares saudáveis1010 Azeredo CM, Rezende LFM, Canella DS, Claro RM, Peres MFT, Luiz OC, França- Júnior I, Kinra S, Hawkesworth S, Levy RB. Food environments in schools and in the immediate vicinity are associated with unhealthy food consumption among?Brazilian adolescents. Prev Med 2016; 88:73-79.. Estudos têm demonstrado que os escolares, seja de instituição pública ou privada, estão expostos a ambientes que comercializam, em sua maioria, alimentos ultraprocessados1010 Azeredo CM, Rezende LFM, Canella DS, Claro RM, Peres MFT, Luiz OC, França- Júnior I, Kinra S, Hawkesworth S, Levy RB. Food environments in schools and in the immediate vicinity are associated with unhealthy food consumption among?Brazilian adolescents. Prev Med 2016; 88:73-79.

11 Leite FHM, Oliveira MA, Cremm EC, Abreu DSC, Maron LR, Martins PA. Availability of processed foods in the perimeter of public schools in urban areas. J Pediatr 2012; 88(4):328-334.

12 Schmitz BAS, Recine E, Cardoso GT, Silva JRM, Amorim NFA, Bernardon R, Rodrigues, MLCF. A escola promovendo hábitos alimentares saudáveis: uma proposta metodológica de capacitação para educadores e donos de cantina escolar. Cad. Saude Publica 2008; 24(Supl. 2):S312-S322.

13 Louzada MLC, Martins APB, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Cannon G, Monteiro CA. Alimentos ultraprocessados e perfil nutricional da dieta no Brasil. Rev Saude Publica 2015; 49:1-11.
-1414 Carmo AS, Assis MM, Cunha CF, Oliveira TRPR, Mendes LL. The food environment of Brazilian public and private schools. Cad Saude Publica 2018; 34(12):e00014918., que podem impactar a saúde se consumidos em excesso e com frequência.

No Brasil, a alimentação nas escolas públicas é regulamentada por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que garante a oferta de refeições saudáveis e estabelece diretrizes para Educação Alimentar e Nutricional (EAN) nas escolas. De forma ampla, existem alguns dispositivos legais para a promoção da alimentação saudável em escolas, como a Portaria Interministerial nº 1010 de 08 de maio de 2006, que institui as diretrizes para promoção da alimentação saudável nas escolas de educação infantil, fundamental e nível médio das redes pública e privadas, em âmbito nacional1515 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.010, de 08 de maio de 2006. Institui as diretrizes para a Promoção da Alimentação Saudável nas Escolas de educação infantil, fundamental e nível médio das redes públicas e privadas, em âmbito nacional. Diário Oficial da União. Poder Executivo, Brasília, 2006; 8 maio.; o Manual das cantinas escolares saudáveis que busca auxiliar proprietários a transformar suas cantinas em locais para a promoção da alimentação saudável1616 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual das cantinas escolares saudáveis: promovendo a alimentação saudável. Brasília: MS; 2010. 56 p. e a Lei nº 13.666/2018, da presidência da república, que determina a inclusão transversal do tema da EAN no currículo escolar1717 Brasil. Presidência da República. Lei nº 13.666, de 16 de maio de 2018. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para incluir o tema transversal da educação alimentar e nutricional no currículo escolar. Brasília, 2018; 16 maio..

Alguns estados e municípios brasileiros já publicaram legislações para regulamentar à venda de alimentos nas cantinas escolares1818 Gabriel CG, Santos MV, Vasconcelos FAG, Milanez GHG, Hulse SB. Cantinas escolares de Florianópolis: existência e produtos comercializados após a instituição da Lei de Regulamentação. Rev Nutr 2010; 23(2):191-199.,1919 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Experiências estaduais e municipais de regulamentação da comercialização de alimentos em escolas no Brasil: identificação e sistematização do processo de construção e dispositivos legais adotados. Brasília: MS; 2007.. Contudo, ainda não existe uma Lei Federal que regule a comercialização de alimentos nestes ambientes1111 Leite FHM, Oliveira MA, Cremm EC, Abreu DSC, Maron LR, Martins PA. Availability of processed foods in the perimeter of public schools in urban areas. J Pediatr 2012; 88(4):328-334.,2020 Austin SB, Melly SJ, Sanchez BN, Patel A, Buka S, GortmakerSL.Clustering of fast-food restaurants around schools: a novel application of spatial statistics to the study of food environments. Am J Public Health 2005; 95(9):1575-1581.,2121 Henriques P, O´Dwyer G, Dias PC, Barbosa RMS, Burlandy L. Políticas de Saúde e de Segurança Alimentar e Nutricional: desafios para o controle da obesidade infantil. Cien Saude Colet 2018; 23(12):4143-4152., não há fiscalização nem ações punitivas para as irregularidades.

A despeito da existência dos dispositivos legais, cabe considerar que o entorno das escolas é reconhecido como um local oportuno para comercializar alimentos de interesse infantil (balas, chocolates e outras guloseimas) que podem dificultar a promoção da alimentação saudável mesmo nas escolas em que programas de alimentação escolar estejam implementados ou naquelas que tenham cantinas saudáveis2222 Missbach B, Pachschwöll C, Kuchling D, König J. School food environment: Quality and advertisement frequency of child-oriented packaged products within walking distance of public schools. PrevMed Rep 2017; 6:307-313.. Desta forma, considerando que escolares já possuem autonomia para compra de alimentos em cantinas e nos estabelecimentos comerciais no entorno das escolas, que nem sempre possuem opções de lanches saudáveis2323 Gaethani RS, Ribeiro LC. Produtos Comercializados em Cantinas Escolares do Município de Ribeirão Preto. Rev Bras Prom Saude 2015; 28(4):587-595.,2424 Neto ARV, Melo LGNS. Fatores de influência no comportamento de compra de alimentos por crianças. Saude Soc 2013; 22(2):441-55., e que poucos estudos exploram a análise do ambiente alimentar do entorno escolar, o objetivo deste estudo foi analisar e comparar os tipos de alimentos comercializados no entorno de escolas públicas e privadas do município de Niterói, estado do Rio de Janeiro.

Método

Trata-se de uma pesquisa observacional e descritiva realizada pelo Grupo de Ensino, Extensão e Pesquisa em Alimentação e Saúde Escolar (GEPASE/UFF). Para delimitar o ambiente alimentar do entorno escolar, considerou-se neste estudo todo estabelecimento comercial (formal e informal) localizado em um raio de 500 metros do portão principal de acesso à escola1111 Leite FHM, Oliveira MA, Cremm EC, Abreu DSC, Maron LR, Martins PA. Availability of processed foods in the perimeter of public schools in urban areas. J Pediatr 2012; 88(4):328-334.,2525 Park S, Choi BY, Wang Y, Colantuoni E, Gittelsohn J. School and neighborhood nutrition environment and their association with students' nutrition behaviors and weight status in Seoul, South Korea. J Adolesc Health 2013; 53(5):655-662..

Para seleção das escolas públicas, inicialmente, realizou-se uma busca no sítio eletrônico da Prefeitura de Niterói, sendo encontrado um total de 120 unidades escolares municipais (creches comunitárias, Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos). Foram selecionadas as 49 escolas públicas de Ensino Fundamental, compostas por estudantes de faixa etária entre 7 e 15 anos, que já possuem poder decisório sobre suas escolhas alimentares2626 Dutra RCA. Consumo alimentar infantil: quando a criança é convertida em sujeito. Soc Estado 2015; 30(2):451-469.. Foram excluídas 14 escolas localizadas em áreas de risco, em virtude da violência urbana, o que resultou em uma amostra de 35 unidades escolares municipais.

Para a seleção das escolas privadas realizou-se uma consulta no sítio eletrônico “google maps”, para localizar as unidades mais próximas das escolas municipais previamente selecionadas, correspondendo, igualmente, a 35 escolas. Após esta etapa, foram excluídas as escolas em cujo entorno não foram identificados estabelecimentos comerciais de alimentos, formais ou informais, restando 30 escolas privadas e 26 escolas públicas.

A coleta de dados ocorreu no período de agosto de 2017 a junho de 2018, por meio de auditoria, que corresponde na avaliação do ambiente alimentar por observação direta do local2727 Glanz K, Sallis JF, Saelens BE, Frank LD. Healthy nutrition environments: concepts and measures. Am J Health Promot 2005; 19(5):330-333.. Para o registro das informações utilizou-se um instrumento tipo checklist, elaborado pelos pesquisadores e pré-testado no entorno escolar de um município vizinho, contendo dois tópicos: 1) caracterização dos estabelecimentos (formal ou informal) e 2) disponibilidade e tipos de alimentos e bebidas comercializados.

Posteriormente, os alimentos comercializados no entorno das escolas públicas e privadas foram classificados quanto ao grau de processamento (in natura ou minimamente processado, processado e ultraprocessado) conforme o guia alimentar para população brasileira a saber2828 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2ª ed. Brasília: MS; 2014. 156 p.,2929 Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac J-C, Jaime P, Martins AP, Canella D, Louzada ML, Parra D; com Ricardo C, Calixto G, Machado P, Martins C, Martinez E, Baraldi L, Garzillo J, Sattamini I Classificação dos alimentos. Saúde Pública: NOVA A estrela brilha. World Nutrition 2016; 7(1-3):28-40.:

Alimentos in natura e minimamente processados: incluem aqueles que podem ser consumidos sem sofrerem alguma alteração após deixarem na natureza ou aqueles que são submetidos à limpeza, remoção das partes não comestíveis, porcionamento, congelamento e demais processos que não adicionem alguma outra substância que altere sua forma original.

Ingredientes culinários: incluem as substâncias retiradas de alimentos in natura que são empregados como itens de preparações culinárias, como óleos, vinagres, molhos, sal e açúcar.

Alimentos processados: incluem aqueles fabricados com adição de sal ou açúcar, óleo ou outro ingrediente processado sobre um alimento in natura ou minimamente processado.

Alimentos ultraprocessados: incluem os produtos industrializados, feitos normalmente com mais de cinco ingredientes que conferem alta palatabilidade e maior duração, onde esses ingredientes utilizados são aditivos, antioxidantes, estabilizantes e conservantes.

Preparações culinárias: definidas como as receitas constituídas por alimentos naturais e/ou industrializados30 e ingredientes culinários2828 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2ª ed. Brasília: MS; 2014. 156 p., foram caracterizadas a partir da determinação das quantidades per capita de alimentos/ingredientes culinários presentes em cada preparação segundo a “Tabela para avaliação do consumo alimentar em medidas caseiras” 3131 Pinheiro ABV, Lacerda EMA, Benzecry EH, Gomes MCS, Costa VM. Tabela para avaliação de consumo alimentar em medidas caseiras. 4ª ed. São Paulo: Atheneu; 2004. 78 p..

A partir da caracterização das preparações culinárias, calculou-se a quantidade de quilocalorias de cada alimento/ingrediente, conforme a “Tabela brasileira de composição de alimentos”3232 Universidade Estadual de Campinas. Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação. Tabela brasileira de composição de alimentos - TACO. 4ª ed. Campinas: UNICAMP/NEPA; 2011. 161 p.. Por fim, determinou-se os percentuais de contribuição energética de cada alimento/ingredienteda preparação culinária conforme a classificação do grau de processamento do guia alimentar2828 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2ª ed. Brasília: MS; 2014. 156 p.,2929 Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac J-C, Jaime P, Martins AP, Canella D, Louzada ML, Parra D; com Ricardo C, Calixto G, Machado P, Martins C, Martinez E, Baraldi L, Garzillo J, Sattamini I Classificação dos alimentos. Saúde Pública: NOVA A estrela brilha. World Nutrition 2016; 7(1-3):28-40..

As preparações culinárias, classificadas conforme o percentual de contribuição dos ingredientes, foram categorizadas de acordo com o predomínio de alimentos inatura/minimamente processados, processados e ultraprocessados). Segundo Teo e Monteiro44 Teo CRPA, Monteiro CA. Marco legal do Programa Nacional de Alimentação Escolar: uma releitura para alinhar propósitos e práticas na aquisição de alimentos. Rev Nutr 2012; 25(5):657-668., a recomendação é que a participação dos alimentos ultraprocessados na dieta não deve ultrapassar a 15% do total energético da refeição. No caso deste estudo, a contribuição energética dos alimentos ultraprocessados foi limitada a 15% do total energético da preparação culinária.

Análise estatística dos dados

A distribuição de normalidade das variáveis foi verificada a partir do teste Kolmogorov-Smirnov. Considerando que todas as variáveis apresentaram distribuição não paramétrica, foram utilizados o teste de Mann-Whitney para verificar a diferença do tipo de comércio entre escolas públicas e privadas, o teste de Kruskal-Wallis para verificar a diferença estatística na quantidade de alimentos comercializada entre as categorias (in natura/ minimamente processados, processados ou ultraprocessados) e o teste de Mann-Whitney para verificar a diferença estatística das diferentes categorias de alimentos comercializados entre as escolas públicas e privadas considerando o nível de significância em 5%. Para a realização da análise estatística foi utilizado o programa SPSS (StatisticalPackage for Social Sciences), em sua versão 13.0. Os dados são apresentados em mediana e distribuição de percentil [P25; P75].

Resultados

O estudo identificou um total de 285 estabelecimentos no entorno das 56 escolas de Ensino Fundamental públicas e privadas, dos quais 80% eram estabelecimentos formais (48% no entorno de escolas privadas e 32% no entorno das públicas, p=0,230) e 20% eram estabelecimentos informais (8% no entorno das escolas privadas e 12% no entorno das públicas, p=0,553). Quanto à característica do comércio existente, houve uma predominância de lanchonetes (15% em ambos entornos) e de restaurantes nas escolas públicas e privadas (14 e 15%, respectivamente) e um menor número de mercados/ mercearias e sacolões, sendo 5% e 4% nas escolas públicas e 7% e 6% nas privadas, respectivamente.

Na Tabela 1 observa-se que a comercialização de alimentos ultraprocessados foi superior a 65% independente da modalidade das escolas e foi estatisticamente maior (p=0,0001) do que as outras categorias. Foram identificados 25 tipos de ultraprocessados sendo o maior percentual de guloseimas (balas, chicletes, bombons e chocolates), biscoitos (salgados e doces), picolés, bebidas industrializadas e refrigerantes em ambos os entornos. Já a elevada oferta de bolo industrializado e sorvete foi identificada no entorno das escolas privadas e de pipoca industrializada, no entorno das públicas. Em relação aos alimentos in natura ou minimamente processados os maiores percentuais comercializados foram de água mineral e suco de frutas no entorno das escolas privadas e água mineral no entorno das públicas. Quanto aos processados, apenas a água de coco foi identificada em ambos entornos.

Tabela 1
Distribuição absoluta (n) e relativa (%) dos alimentos comercializados no entorno de escolas públicas e privadas segundo a classificação do Guia Alimentar para a População Brasileira, Niterói - RJ, 2018.

Houve maior oferta nos entornos de escolas públicas e privadas de preparações culinárias compostas de alimentos processados e ultraprocessados. Das preparações compostas por alimentos in natura/minimamente processados o leite batido com frutas teve maior oferta. As preparações mais disponíveis, compostas por alimentos processados, foram os salgados (fritos e assados) e o refresco de frutas. Houve maior variedade de preparações compostas com predomínio de ultraprocessados, estando o sanduíche natural e misto-quente em maior número de entornos das escolas privadas e misto quente e hambúrguer no entorno das públicas (Tabela 1).

Algumas preparações culinárias como cachorro quente, sanduíche natural, misto quente e salgados (fritos e assados) apresentaram alto percentual de contribuição energética de alimentos ultraprocessados (acima de 15%). Por outro lado, a tapioca, a salada de frutas, o refresco da fruta e o leite batido com frutas não apresentaram contribuição energética de ultraprocessados (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição do percentual de energia de preparações culinárias comercializadas no entorno de escolas públicas e privadas segundo o grau de processamento dos alimentos, Niterói - RJ, 2018.

A comercialização de alimentos segundo as diferentes categorias não foi estatisticamente diferente entre as escolas públicas e privadas (p>0,05) (Tabela 3). No entanto, considerando-se todas as escolas (n=56), a quantidade comercializada de alimentos ultraprocessados (18 [12; 21]) foi estatisticamente maior do que a quantidade comercializada de alimentos in natura/minimamente processados (2 [1; 4]) e de alimentos processados (0 [0; 1]) (p=0,0001).

Tabela 3
Medianas e percentis [25; 75] da quantidade de alimentos comercializados no entorno de escolas públicas e privadas agrupadas por grau de processamento, Niterói-RJ, 2018.

Discussão

Neste estudo não foi verificada diferença significativa no entorno das escolas públicas e privadas quanto ao tipo de alimentos comercializados. Demonstrou-se que ambas apresentaram um número expressivo de comércio que disponibilizava, predominantemente, alimentos de baixo valor nutricional, com altos níveis de nutrientes críticos e aditivos em sua composição. Estes alimentos são reconhecidos por possuírem vários atributos, como, por exemplo, o hipersabor, que comprometem a saciedade e controlam o apetite, favorecendo o consumo involuntário e aumentando o risco de obesidade3333 Instituto de Defesa do Consumidor. Alimentação saudável nas escolas. Guia para municípios. [acessado 2019 maio 15]. Disponível em: http://www.idec.org.br.
http://www.idec.org.br...
. Portanto, sua comercialização representa um desafio para a promoção de hábitos alimentares saudáveis e requer o desenvolvimento de políticas públicas que regulem a oferta alimentar e promovam ambientes que ofertem opções de escolhas mais saudáveis, especialmente para o público infantil em fase de formação.

Quanto ao tipo de estabelecimento formal, observou-se o predomínio de lanchonetes. Este tipo de comércio favorece o maior acesso a alimentos de alta densidade energética e, portanto, os territórios analisados caracterizam-se por uma insuficiência de estabelecimentos oportunos para escolhas alimentares mais saudáveis, considerando que locais com maior presença de mercados e hortifrutis configuram ambiente alimentar menos propício à obesidade88 Costa BVL, Oliveira CDL, Lopes ACS. Ambiente alimentar de frutas e hortaliças no território do Programa da Academia da Saúde. Cad Saude Publica 2015; 31(Supl. 1):S1-S11.,3434 Leung CW, Laraia BA, Kelly M, Nickleach D, Adler NE, Kushi LH, Yen IH. The Influence of Neighborhood Food Stores on Change in Young Girls' Body Mass Index. Am J Prev Med 2011; 41(1):43-51.,3535 Chen HJ, Wang Y. Changes in the neighborhood food store environment and children's body mass index at peri-puberty in the United States. J Adolesc Health 2016; 58(1):111-118..

Desde 2009 o município de Niterói possui Lei que proíbe a comercialização e a publicidade de produtos que contribuem para obesidade infantil em cantinas e lanchonetes instalados em unidades escolares que integram o sistema municipal de ensino3636 Prefeitura Municipal de Niterói. Lei nº 2659, de 19 de novembro de 2009. Proíbe a comercialização, a aquisição, a distribuição e a publicidade de produtos que contribuem para a obesidade infantil e dá outras providências. Niterói 2009; 19 nov.. Todavia, assim como os demais estados e municípios que também possuem dispositivos legais, o desafio que se impõe diz respeito aos vendedores ambulantes que comercializam guloseimas no entorno de escolas públicas e privadas.

Um estudo realizado na cidade de Santos, no estado de São Paulo, observou predominância de estabelecimentos informais no entorno de escolas públicas que se caracterizavam pela comercialização exclusivamente de alimentos processados e ultraprocessados1111 Leite FHM, Oliveira MA, Cremm EC, Abreu DSC, Maron LR, Martins PA. Availability of processed foods in the perimeter of public schools in urban areas. J Pediatr 2012; 88(4):328-334.. Estudos semelhantes que avaliaram entornos escolares de curta distância na Nova Zelândia3737 Day PL, Pearce J. Obesity-Promoting Food Environments and the Spatial Clustering of Food Outlets Around Schools. Am J Prev Med 2011; 40(2):113-121. e em Nova York3838 Neckerman KM, Bader MD, Richards CA, Purciel M, Quinn JW, Thomas JS, Warbelow C, Weiss CC, Lovasi GS, Rundle A. Disparities in the food environments of New York City public schools. Am J Prev Med 2010; 39(3):195-202. verificaram aglomeração de comércios caracterizados pela venda de alimentos de alta densidade calórica como lojas de fast-food e de conveniência, reforçando os achados deste estudo.

A análise das preparações alimentares segundo o grau de processamento na perspectiva do guia alimentar é uma tarefa complexa para os pesquisadores, quando em uma mesma preparação são utilizados alimentos/ingredientes ultraprocessados, processados e in natura. Neste estudo, as preparações alimentares foram avaliadas segundo os percentuais de energia de cada categoria, das quais foram verificadas preparações com elevado percentual de alimentos ultraprocessados (acima de 15%). Além disso, mesmo os alimentos que foram classificados como in natura podem ser adicionados de alimentos ultraprocessados, o que foi evidenciado neste estudo pela tapioca recheada com presunto e pela pipoca temperada com leite condensado.

O uso excessivo de ingredientes culinários, como açúcar e óleos, opõe-se às recomendações do guia alimentar e descaracterizam preparações que a priori são consideradas saudáveis, como o caso do refresco de frutas e leite batido com frutas, adicionados de açúcar, também verificados neste estudo. O uso deste ingrediente tem se mantido em níveis crescentes, em todo o Brasil3939 Levy RB, Claro RM, Bandoni DH, Mondini L, Monteiro CA. Disponibilidade de "açúcares de adição" no Brasil: distribuição, fontes alimentares e tendência temporal. Rev Bras Epidemiol 2012; 15(1):3-12., excedendo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) que orienta que a contribuição do açúcar de adição diária não deve ultrapassar 10% no total de calorias4040 World Health Organization (WHO). Diet, nutrition and the prevention of chronic diseases report of a joint WHO/FAO expert consultation. Geneva: WHO; 2003..

Estratégias de implementação de políticas públicas para regulação da comercialização dos alimentos e bebidas ultraprocessados, denominados alimentos competitivos, vêm sendo experimentadas em diferentes países desenvolvidos4141 Sanchez-Vaznaugh EV, Sánchez BN, Crawford PB, Egerter S. Association between competitive food and beverage policies in elementary schools and childhood overweight/obesity trends differences by neighborhood socioeconomic resources. JAMA Pediatr 2015; 169(5):e150781.. No Brasil, algumas delas vêm sendo discutidas e implementadas com graus variados de sucesso, como a rotulagem nutricional, a regulação da publicidade de alimentos e os acordos, entre a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos e o Ministério da Saúde, para redução de teores de sódio, gorduras trans, e açúcar. Uma importante conquista, neste âmbito, foi a recente publicação pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) da RDC nº 332, de 23 de dezembro de 2019, que define os requisitos para gorduras hidrogenadas e proíbe a produção, importação, o uso e a oferta de óleos e gorduras parcialmente hidrogenados para uso em alimentos e de alimentos formulados com estes ingredientes4242 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 332, de 23 de dezembro de 2019. Define os requisitos para uso de gorduras trans industriais em alimentos. 2019..

Outro avanço regulatório significativo para promoção da alimentação saudável foi a Consulta Pública (CP) que trata da proposta da Resolução da Diretoria Colegiada sobre rotulagem nutricional, com objetivo de facilitar a compreensão das informações nutricionais pelo consumidor4343 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Consulta Pública nº 707 de 13/09/2019. Proposta de Resolução da Diretoria Colegiada que dispõe sobre a rotulagem nutricional de alimentos embalados. Diário Oficial da União; 16 set. 2019.. Quanto à regulação da publicidade de alimentos, precisa ganhar destaque na agenda pública do governo considerando os avanços e retrocessos obtidos, em virtude dos conflitos de interesses acerca deste tema no Brasil4444 Henriques P, Dias PC, Burlandy L. A regulamentação da propaganda de alimentos no Brasil: convergências e conflitos de interesses. Cad Saude Publica 2014; 30(6):1219-1228.. Outra estratégia que pode encorajar melhores escolhas diz respeito a subsidiar alimentos saudáveis e tributar alimentos não saudáveis com base na proporção de açúcar, gorduras e calorias4545 Seiders K, Petty RD. Obesity and the role of food marketing: a policy analysis of issues and remedies. J Public Policy Marketing 2004; 23(2):153-169.. Nesta direção, a OMS recomenda o aumento de impostos sobre refrigerantes e bebidas açucaradas como medida para combater o crescimento nas taxas de sobrepeso e obesidade em todo o mundo66 World Health Organization (WHO). Report of the commission on ending childhood obesity. Washington DC: WHO; 2016..

Modificar o ambiente alimentar por meio de medidas regulatórias não é a única maneira de reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados. Estratégias educativas são igualmente importantes e necessárias como a capacitação de cantineiros e ações contínuas de EAN que devem integrar o projeto pedagógico das escolas. Atividades que despertem a reflexão dos participantes, como oficinas para o desenvolvimento de práticas culinárias e a utilização de hortas como auxílio no aprendizado, podem ajudar a enfrentar o cenário atual da substituição de alimentos in natura por alimentos altamente processados, propiciar a compreensão da alimentação como prática social, promover o aumento do reconhecimento da importância do consumo de frutas e vegetais pelos alunos, bem como aumentar a motivação para que eles experimentem estes alimentos4646 Castro IRR. Desafios e perspectivas para a promoção da alimentação adequada e saudável no Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(1):7-9.

47 Lalonde B, Robitaille E. L'environnementbâtiautour des écoles et les habitudes de vie des jeunes: état des connaissances et portrait du Québec, Montréal. Québec: Institut national de santé publique du Québec; 2014.

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Um estudo que avaliou a influência da ambiência escolar no estado nutricional de escolares verificou que as escolas com maior número de lanchonetes e propagandas de alimentos no território tiveram maior proporção de crianças com obesidade5050 Lourenço ALP, Vieira JL, Rocha CMM, Lima FF. Influência da ambiência escolar no estado nutricional de pré-escolares de Macaé, Rio de Janeiro. Cien Saude Colet 2019; 24(7):2399-2410.. Alguns estudos denominam o ambiente como “obesogênico” quando há pouca ou nenhuma disponibilidade de alimentos saudáveis, apresenta grande oferta de ultraprocessados e exposição à propaganda, além de desestimular a atividade física1111 Leite FHM, Oliveira MA, Cremm EC, Abreu DSC, Maron LR, Martins PA. Availability of processed foods in the perimeter of public schools in urban areas. J Pediatr 2012; 88(4):328-334.,5151 Duran AC, Almeida SL, Latorre MR, Jaime PC. The role of the local retail food environment in fruit, vegetable and sugar-sweetened beverage consumption in Brazil. Public Health Nutr 2016; 19(6):1093-10102.

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-5454 Fisberg M, Maximino P, Kain J, Kovalskys I. Obesogenic environment - intervention opportunities. J Pediatr 2016; 92(3 Supl. 1):S30-S39.. Nesse sentido, as recomendações dietéticas para prevenção e controle da obesidade são difíceis de serem adotadas e mantidas diante de um ambiente que concorre para estimular hábitos e atitudes contrários a estas práticas.

Portanto, a regulação do ambiente alimentar escolar é uma estratégia para a promoção de uma alimentação saudável, considerando que os alimentos que compõe este ambiente podem ter caráter protetor ou promotor da obesidade5555 Lopes ACS, Menezes MC, Araujo ML. O ambiente alimentar e o acesso a frutas e hortaliças: "Uma metrópole em perspectiva". Saude Soc 2017; 26(3):764-773.,5656 Canella DS, Louzada MLC, Claro RM, Costa JC, Bandoni DH, Levy RB, Martins APB. Consumo de hortaliças e sua relação com os alimentos ultraprocessados no Brasil. Rev Saude Publica 2018; 52(50):1-11.. Não obstante, ações de promoção da saúde e da alimentação saudável não podem prescindir do reconhecimento do ambiente alimentar, pois subsidiam o indivíduo sobre estratégias para realizar melhores escolhas nestes ambientes.

A Comissão pelo Fim da Obesidade Infantil da OMS publicou um relatório reconhecendo que muitas crianças vivem em ambientes promotores de ganho ponderal excessivo e práticas alimentares inadequadas e recomendou a promoção de ambientes escolares saudáveis como uma das principais ações para a redução da obesidade infantil e dos problemas de saúde associados a essa enfermidade66 World Health Organization (WHO). Report of the commission on ending childhood obesity. Washington DC: WHO; 2016.. O Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis 2011-2022, publicado pelo Ministério da Saúde do Brasil, também reconhece a escola como equipamento favorável à promoção da alimentação saudável e à prática de atividade física nas recomendações direcionadas ao público infantil5757 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Brasília: MS; 2011..

A comercialização de alimentos com elevado valor energético e alto conteúdo de açúcar, sódio e gorduras em cantinas e no entorno escolar, pode desestimular a aceitação da alimentação escolar e afetar os possíveis impactos das ações de EAN propostas pelo PNAE nas escolas públicas. Da mesma forma, nas escolas privadas estes alimentos competem com os fatores de proteção à alimentação saudável como os esforços para regulação das cantinas e a inserção do tema da alimentação saudável no projeto pedagógico da escola.

A escolha por alimentos in natura depende da disponibilidade e acessibilidade e, por isso, existe a necessidade do desenvolvimento de estratégias para promover a proteção do entorno escolar relacionado ao comércio de alimentos ultraprocessados, e especialmente do apoio as ações de promoção da alimentação saudável já implementadas na escola. O fortalecimento de programas como o PNAE pode ampliar o alcance a equipamentos que promovam o desencadeamento de mudanças positivas no sistema alimentar, considerando o maior acesso a alimentos saudáveis4646 Castro IRR. Desafios e perspectivas para a promoção da alimentação adequada e saudável no Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(1):7-9..

As mudanças nas práticas alimentares demandam considerar as singularidades de cada caso e as especificidades do processo de desenvolvimento infantil que envolve a construção de habilidades decisórias. Por outro lado, a comercialização indiscriminada de ultraprocessados, tanto no entorno das escolas públicas quanto privadas, indica a relevância de políticas públicas que tornem os ambientes mais favoráveis para adoção de escolhas saudáveis, especialmente as ações regulatórias do Estado. Além disso, adverte sobre a relevância de se avaliar o entorno para conhecer de forma ampliada o ambiente alimentar escolar, sobretudo porque o tema é pouco abordado na literatura e pode subsidiar os formuladores de políticas públicas a fim de regular o ambiente alimentar das instituições de ensino, visando apoiar, incentivar e proteger a formação de hábitos alimentares saudáveis e reduzir o risco de obesidade infantil. Contudo, apresenta limitações provenientes da ausência de um instrumento validado para avaliação do entorno escolar.

A reconfiguração dos ambientes institucionais exige uma ação conjunta das diversas esferas do governo, articulação intersetorial e engajamento social, a fim de incidir de forma duradoura na transformação das práticas alimentares, uma vez que são socialmente construídas e integradas às estruturas, sistemas, políticas e normas socioculturais99 Swinburn B, Egger G, Raza F. dissecting obesogenic environments: the development and application of a framework for identifying and prioritizing environmental interventions for obesity. Prev Med 1999; 29(6):563-570.. Exige também o desafio de sensibilizar diretores de escolas, donos de cantina e vendedores ambulantes, situados próximos à entrada das escolas, sobre os efeitos que os alimentos por eles comercializados podem causar na saúde das crianças, que ainda não possuem capacidade crítica para fazer escolhas mais saudáveis.

Conclusão

Os achados deste estudo demonstraram não haver diferença significativa entre os alimentos comercializados no entorno de escolas públicas e privadas. O ambiente alimentar no entorno das escolas pesquisadas caracteriza-se por ampla disponibilidade de estabelecimentos que comercializam, principalmente, alimentos ultraprocessados, favorecendo a exposição de crianças a um ambiente que estimula o consumo desses produtos reforçando a necessidade de estratégias regulatórias. Isso indica uma comercialização amplamente disseminada de ultraprocessados nos distintos espaços urbanos e extratos sociais que demanda políticas públicas universais que afetem esse contexto. Em contrapartida, destaca-se o espaço escolar como fundamental para configurar ambientes promotores de práticas alimentares saudáveis que potencializem a integração de ações de estímulo, apoio e proteção, à luz das recomendações do guia alimentar para a população brasileira.

Agradecimentos

Agradecemos a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo apoio financeiro e aos alunos do Grupo de Ensino, Extensão e Pesquisa em Saúde e Alimentação Escolar (GEPASE/UFF) pela colaboração na coleta de dados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    Ago 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2019
  • Aceito
    01 Jun 2020
  • Publicado
    03 Jun 2020
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br