Tendências na prevalência de hipertensão arterial sistêmica e na utilização de serviços de saúde no Brasil ao longo de uma década (2008-2019)

Nayara Abreu Julião Aline de Souza Raquel Rangel de Meireles Guimarães Sobre os autores

Resumo

A carga global e a prevalência de hipertensão arterial sistêmica (HAS) têm crescido nas últimas duas décadas, especialmente em países de baixa e média renda, representando uma preocupação para as autoridades em saúde. Este estudo analisou a prevalência de HAS entre adultos brasileiros em 2008, 2013 e 2019 e o controle da doença pelos indivíduos em 2013 e 2019. Utilizou-se dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (2008) e da Pesquisa Nacional de Saúde (2013-2019). Foram calculadas razões de prevalência da doença pelo método de Poisson, ajustado para caraterísticas sociodemográficas. Para os indicadores de cuidados em saúde e organização da atenção primária calculamos proporções estratificadas por sexo, faixa etária, raça e região. Os resultados indicam que as desigualdades regionais persistem, com menores prevalências no Norte e Nordeste e maiores no Sudeste e Sul. Embora os indicadores de acesso e utilização dos serviços de saúde sejam considerados bons, refletindo as melhorias na atenção primária nos últimos anos, ressaltamos a importância da adoção de estratégias multifacetadas para a prevenção e controle da HAS no país.

Palavras-chave:
Hipertensão arterial sistêmica; Prevalência; Utilização de serviços de saúde; Atenção Primária à Saúde

Introdução

A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), comumente conhecida como pressão arterial elevada, permanece sendo um dos principais determinantes de morbidade e mortalidade no país e no mundo. A HAS é tida como a principal causa de doenças cardiovasculares e de morte prematura11 Ettehad D, Emdin CA, Kiran A, Anderson SG, Callender T, Emberson J, Chalmers J, Rodgers A, Rahimi K. Blood pressure lowering for prevention of cardiovascular disease and death: A systematic review and meta-analysis. Lancet 2016; 387(10022):957-967.. Embora relação de causalidade não esteja estabelecida, estudos apontam que pacientes hipertensos infectados pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2) apresentam maiores chances de desenvolver desfechos clínicos desfavoráveis como a necessidade de cuidados intensivos e óbito22 Yang J, Zheng Y, Gou X, Pu K, Chen Z, Guo Q, Ji R, Wang H, Wang Y, Zhou Y. Prevalence of comorbidities and its effects in patients infected with SARS-CoV-2. Int J Infect Dis 2020; 94(April):91-95.,33 Abate S, Checkol Y, Mantedafro B, Basu B. Prevalence and risk factors of mortality among hospitalized patients with COVID-19 : A systematic review and Meta-analysis. Bull World Heal Organ 2020; 419(April):1-26., o que representa um fator de risco para a população e preocupação para as autoridades em saúde com o aumento da exposição dos grupos de riscos e a consequente pressão sobre os sistemas de saúde.

Os custos econômicos das HAS podem ser medidos tanto de forma direta por meio dos gastos com internações e utilizações dos serviços de saúde, com a previdência social e com o absenteísmo, como de forma indireta através da perda da qualidade de vida medida pelo DALY (anos de vida ajustado por incapacidade) e da perda de produtividade. Ao considerar as internações hospitalares, os atendimentos ambulatoriais e os gastos com medicamentos em 2018, Nilson et al.44 Nilson EAF, Andrade RCS, Brito DA, Michele Lessa O. Custos atribuíveis a obesidade, hipertensão e diabetes no Sistema Único de Saúde, Brasil, 2018. Rev Panam Salud Publica 2020; 44:e32.. estimaram os custos atribuíveis à HAS para o Sistema Único de Saúde (SUS) na ordem de mais de R$ 2 bilhões por ano. Segundo um estudo realizado na cidade de São Paulo, a HAS está entre as principais doenças que, se eliminadas, trariam maior benefícios para a população idosa em termos de expectativa de vida livre de incapacidade55 Campolina AG, Adami F, Santos JLF, Lebrão ML. A transição de saúde e as mudanças na expectativa de vida saudável da população idosa: possíveis impactos da prevenção de doenças crônicas. Cad Saude Publica 2013; 29(6):1217-1229..

No Brasil são mais de 38 milhões de brasileiros, com 18 anos ou mais, diagnosticados com a doença, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (2019). Embora haja uma tendência global ascendente das taxas de HAS, esse aumento não ocorre de forma uniforme entre as economias. Países de média e baixa renda têm apresentado um crescimento mais expressivo (31,5%) do que os países de renda alta (28,5%)66 Mills KT, Stefanescu A, He J. The global epidemiology of hypertension. Nat Rev Nephrol 2020; 16(4):223-237.. O aumento na prevalência de HAS reflete diferentes aspectos da condição de vida da população. O envelhecimento populacional, somado à adoção de estilos de vida não saudáveis, com a priorização de alimentos ultra processados, consumo de álcool, tabagismo e falta de atividades físicas, têm contribuído para esta elevação. Outros aspectos como o conhecimento, o controle e o tratamento da HAS também são altamente sensíveis aos atributos individuais e socioeconômicos77 Colhoun HM, Hemingway H, Poulter NR. Socio-economic status and blood pressure: An overview analysis. J Hum Hypertens 1998;12:91-110..

A prevenção, o controle e o tratamento da HAS exigem ações integradas e coordenadas entre o sistema de saúde, profissionais da saúde, indivíduos e comunidade. Do ponto de vista da organização do sistema e da oferta de serviços, a expansão da Estratégia Saúde Família (ESF) a partir dos anos 2000 representou um passo importante na redução das iniquidades em saúde e na ampliação do acesso aos serviços básicos de saúde na atenção primária. Os resultados positivos da implementação da ESF podem ser demonstrados pelas reduções da mortalidade e das hospitalizações por condições sensíveis à atenção primária88 Macinko J, Mendonça CS. Estratégia Saúde da Família, um forte modelo de Atenção Primária à Saúde que traz resultados. Saude Debate 2018; 42:18-37.. Programas especiais visando o controle das duas condições mais prevalentes na população brasileira também foram implementados nessa década. O Hiperdia, direcionado aos usuários do SUS com Hipertensão Arterial Sistêmica e Diabetes Mellitus, realiza o cadastro e acompanhamento desses usuários e distribui os medicamentos necessários ao tratamento na rede básica de saúde99 Paula PAB, Stephan-Souza AI, Vieira RCPA, Alves TNP. O uso do medicamento na percepção do usuário do Programa Hiperdia The use of medication in the perception of users Hiperdia Program. Cien Saude Colet 2011; 16(5):2623-2633.,1010 Carvalho ALM, Leopoldino RWD, Silva JEG, Cunha CP. Adesão ao tratamento medicamentoso em usuários cadastrados no Programa Hiperdia no município de Teresina (PI). Cien Saude Colet 2012;17(7):1885-1892.. O Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB), criado em 2004, no âmbito da política de assistência farmacêutica, já beneficiou mais de um terço dos hipertensos e diabéticos, especialmente as camadas mais vulneráveis, por meio da obtenção gratuita de pelo menos um medicamento1111 Costa KS, Tavares NUL, Mengue SS, Pereira MA, Malta DC, Silva Júnior JB. Obtenção de medicamentos para hipertensão e diabetes no Programa Farmácia Popular do Brasil: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Epidemiol Serv Saude 2016; 25(1):33-44..

A participação dos usuários no controle da doença também é parte fundamental do processo. O uso contínuo e correto da medicação somado à adoção de um estilo de vida saudável reduz as chances de complicações pela doença, resultando em menor sobrecarga dos sistemas de saúde e maior qualidade de vida para os indivíduos. Todavia, a baixa adesão aos medicamentos é tida como a principal falha no controle da HAS1212 Sabaté E. Adherence to long-term therapies: evidence for action. Geneva: World Health Organization; 2003.. O caráter silencioso e muitas vezes assintomático desafia o diagnóstico precoce e o tratamento da HAS. Não é incomum o relato de usuários que deixam de buscar assistência médica ou descontinuam o tratamento devido à ausência de sintomas ou à normalização dos níveis pressóricos1313 Duarte MTC, Cyrino AP, Cerqueira ATAR, Nemes MIB, Iyda M. Motivos do abandono do seguimento médico no cuidado a portadores de hipertensão arterial: a perspectiva do sujeito. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2.603-2.610.. Outros fatores relacionados à baixa adesão às medidas medicamentosas são os fatores sociodemográficos como idade; nível de escolaridade e renda; compreensão e percepção dos riscos da doença pelo usuário; vínculos estabelecidos entre os profissionais de saúde e os usuários; e questões relacionadas à organização dos sistemas de saúde1212 Sabaté E. Adherence to long-term therapies: evidence for action. Geneva: World Health Organization; 2003.

13 Duarte MTC, Cyrino AP, Cerqueira ATAR, Nemes MIB, Iyda M. Motivos do abandono do seguimento médico no cuidado a portadores de hipertensão arterial: a perspectiva do sujeito. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2.603-2.610.
-1414 Gewehr DM, Bandeira VAC, Gelatti GT, Colet CF, Oliveira KR. Adesão ao tratamento farmacológico da hipertensão arterial na Atenção Primária à Saúde. Saude Debate 2018; 42(116):179-190..

Diante desse contexto, este estudo tem dois objetivos. O primeiro é analisar a tendência de prevalência de HAS para a população brasileira com 18 anos ou mais, nos anos de 2008-2013-2019. Para esta análise, utilizamos dados extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS, 2013-2019). O segundo objetivo é avaliar os indicadores de cuidados em saúde pelos pacientes hipertensos. Essa parte da análise se restringe aos anos de 2013 e 2019, uma vez que este tema foi coberto apenas pela PNS. Estudo similar analisando este módulo específico da pesquisa para o ano de 2013 já foi desenvolvido por Malta et al.1515 Malta DC, Stopa SR, Andrade SSCA, Szwarcwald CL, Silva Júnior JB, Reis AAC. Cuidado em saúde em adultos com hipertensão arterial autorreferida no Brasil segundo dados da pesquisa nacional de saúde, 2013. Rev Bras Epidemiol 2015; 18:109-122. Ampliamos o escopo de análise incorporando as estatísticas mais recentes com o intuito de monitorar a evolução do cuidado. Conhecer a distribuição da doença no território nacional, bem como questões relacionadas ao acesso, cuidado e tratamento da condição é de fundamental importância para o delineamento de estratégias em saúde que visem ações de prevenção e controle da HAS no país, abordando questões relativas ao nível do indivíduo, do sistema de saúde e da comunidade.

Metodologia

Desenho e população de estudo

Para analisar a tendência na prevalência da HAS e os indicadores de cuidados em saúde pela população hipertensa acima de 18 anos utilizamos três inquéritos populacionais de abrangência nacional realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos anos de 2008, 2013 e 2019. A PNAD, referente ao ano de 2008, abordou em seu questionário suplementar aspectos relacionados à saúde, acesso e utilização dos serviços de saúde pelos brasileiros. Tendo em vista a necessidade de mais informações sobre os indicadores de saúde e o funcionamento do sistema de saúde no país, o Ministério da Saúde, em parceria com o IBGE e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), elaborou uma pesquisa específica para este fim. A PNS, projetada para ter periodicidade quinquenal, foi a campo pela primeira vez em 2013 e em 2019 teve sua segunda edição, permitindo ampliar o escopo sobre questões relacionadas à saúde em território nacional.

A PNAD adota um plano amostral estratificado com um, dois ou três estágios de seleção dependendo do estrato1616 Silva PLN, Pessoa DGC, Lila MF. Análise estatística de dados da PNAD: incorporando a estrutura do plano amostral - Statistical analysis of data from PNAD: incorporating the sample design. Cien Saude Colet 2002; 7(4):659-670.. Por sua vez, a PNS adota o desenho amostral da Amostra Mestra de pesquisas domiciliares do IBGE, com amostragem probabilística em três estágios. Primeiro é realizado a estratificação das unidades primárias de amostragem (UPA). Em seguida, os domicílios são selecionados dentro de cada setor censitário a partir do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE) por amostragem aleatória simples (AAS). Por último um morador é selecionado dentro de cada domicílio por AAS para responder a blocos temáticos específicos. A idade mínima do morador selecionado diferiu entre as duas edições da pesquisa, sendo de 18 anos em 2013 e de 15 anos em 20191717 Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouvea ECDP, Vieira MLFP, Freitas MPS, Sardinha LMV, Macário EM. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(5):e2020315..

O questionário da PNS é dividido em três partes. A primeira aborda questões sobre o domicílio e visitas dos agentes de endemias e são respondidas pelo responsável pelo domicílio. A segunda contém informações gerais relativas a todos os moradores do domicílio, em que um morador com 18 anos ou mais responde por todos os demais. Essa primeira parte da pesquisa dá continuidade aos Suplementos de Saúde da PNAD. Na terceira parte são investigados temas específicos como características de trabalho e de apoio social, percepção do estado de saúde, acidentes e violências, hábitos de saúde e estilo de vida, doenças crônicas, saúde da mulher, atendimento pré-natal, saúde bucal e atendimento médico, sendo respondidas somente pelo morador selecionado1717 Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouvea ECDP, Vieira MLFP, Freitas MPS, Sardinha LMV, Macário EM. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(5):e2020315.,1818 Souza-Júnior PRB, Freitas MPS, Antonaci GA, Szwarcwald CL. Desenho da amostra da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(2):207-216..

Sendo assim, o presente estudo está dividido em duas etapas metodológicas. Na primeira, descrevemos a tendência na prevalência de HAS autorreferida na população brasileira entre 2008 e 2019, segundo características sociodemográficas. Na segunda etapa, descrevemos os cuidados em saúde pela população que reportou a presença da condição em 2013 e 2019 (conforme o módulo Q da Pesquisa Nacional de Saúde). Embora o questionário tenha passado por algumas revisões entre uma edição e outra, a maior parte do questionário manteve-se compatível com a primeira edição1717 Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouvea ECDP, Vieira MLFP, Freitas MPS, Sardinha LMV, Macário EM. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(5):e2020315..

Para garantir a comparabilidade dos resultados ao longo dos anos, foram considerados apenas os indivíduos com 18 anos ou mais. Dos 391.868 indivíduos investigados na PNAD, foram selecionados 271.677 indivíduos. Na PNS, em 2013, foram selecionados 60.202 indivíduos com 18 anos ou mais e, em 2019, dos 90.846 moradores selecionados com 15 anos ou mais, permaneceram na amostra 88.531 indivíduos.

Variáveis de estudo

A condição de HAS autorreferida foi obtida através da seguinte pergunta: Algum médico já lhe disse que o(a) Sr.(a) tem hipertensão arterial (pressão alta)? sendo considerado hipertensos os indivíduos que responderam sim à questão;

Características sociodemográficas: sexo; faixa etária (18-29 anos; 30-59 anos; 60-64 anos; 65-74 anos; 75 anos ou mais), raça/cor (branca, preta e parda); nível de escolaridade (sem instrução ou Fundamental incompleto, Fundamental completo ou Médio incompleto, Médio completo ou Superior incompleto, Superior completo); região geográfica; área de residência (urbano ou rural). As categorias “Amarela” e “Indígenas” foram agrupadas como “outras” e consideradas na amostra no cálculo de proporção, mas em função da baixa frequência foi omitida nos resultados. Na análise de regressão de Poisson para o cálculo das razões de prevalência esta categoria foi excluída da análise;

Variáveis de cuidados em saúde entre os hipertensos: percentual de indivíduos que tomaram medicamentos para HAS nas duas últimas semanas; percentual de indivíduos que receberam assistência para HAS nos últimos doze meses; percentual de indivíduos que realizaram o último atendimento nas Unidades Básicas de Saúde e percentual de indivíduos que realizaram o último atendimento em consultórios particulares; percentual de indivíduos que realizaram atendimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS); percentual de indivíduos que teve exame solicitados e que conseguiu realizara todos os exames solicitados; percentual que tiveram alguma pactuação de plano de cuidado junto aos profissionais de saúde (inclui, por exemplo, a manutenção de alimentação saudável, prática regular de atividade física, diminuição do consumo de sal, entre outras.); percentual de indivíduos que realizou todas as consultas com o mesmo médico; percentual de indivíduos que teve todas as consultas com médico especialista ou foi encaminhado e conseguiu realizar todos as consultas com médico especialista; percentual de indivíduos que esteve internado por causa da HAS ou alguma outra complicação; percentual de indivíduos que tem suas atividades habituais limitadas de forma intensa ou muito intensa devido à HAS; A variável foi construída da seguinte maneira: se o indivíduo respondeu “sim” a pelo menos uma das perguntas de Q01801 a Q01808 em 2013 e Q018010-Q018017 em 2019.

Variável de cobertura da ESF: percentual de moradores em domicílios cadastrado na Estratégia Saúde da Família.

Métodos de análise

As análises foram conduzidas utilizando o software estatístico Stata versão 14.0. Para a precisão correta dos estimadores foi utilizado o pacote para análise de dados provenientes de amostra complexa (survey) que incorpora informações do plano amostral: unidade primária de amostragem (UPA), estrato e pesos amostrais. Inicialmente, são apresentadas as prevalências de HAS na população brasileira adulta, acima dos 18 anos, para os anos de 2008, 2013 e 2019. Foram calculadas as razões de prevalência de HAS para os três anos através do método de Poisson, ajustadas por sexo, raça, faixa etária, nível de escolaridade, região e área de residência. O método de Poisson para o cálculo de prevalência tem sido utilizado por outros estudos que apontam para o melhor ajuste do modelo para desfechos frequentes1919 Coutinho LMS, Scazufca M, Menezes PR. Métodos para estimar razão de prevalência em estudos de corte transversal. Rev Saude Publica 2008; 42(6):992-998.,2020 Lobo LAC, Canuto R, Dias-da-Costa JS, Pattussi MP. Tendência temporal da prevalência de hipertensão arterial sistêmica no Brasil. Cad Saude Publica 2017; 33(6).. Em seguida, para a amostra de indivíduos que referiram a condição em 2013 e 2019, são apresentadas as proporções relativas aos indicadores de cuidados em saúde e cobertura da ESF estratificadas por sexo, faixa etária, raça e região. Utilizamos o teste qui-quadrado de Pearson ajustado para comparações entre os anos.

Resultados

Prevalência de hipertensão arterial sistêmica na população brasileira

Na Tabela 1 são apresentados os resultados de prevalência de HAS para os adultos brasileiros e as razões de prevalência de HAS ajustadas por características sociodemográficas. Em 2008, 19,9% (IC95: 19,7-20,1) reportaram o diagnóstico de HAS, representando mais de 26 milhões de adultos brasileiros com 18 anos ou mais, considerando a expansão da amostra. Dos 60.202 indivíduos em 2013, 3,0% (IC95: 2,7-3,2) nunca tiveram pressão arterial aferida e 21,3% (IC95: 20,8-22,0) reportaram o diagnóstico de HAS, o que representa mais de 31 milhões de brasileiros. Em 2019, 2,0% (IC95: 1,8-2,2) nunca tiveram pressão arterial aferida e 23,9% (IC95: 23,4-24,4) tinham diagnóstico da condição, cerca de 38,1 milhões de adultos brasileiros.

Tabela 1
Prevalência (%) de hipertensão arterial sistêmica referida na população com 18 anos ou mais e Razão de Prevalência (RP) de hipertensão ajustada por características sociodemográficas e regionais.

Nos três períodos analisados, observa-se maior prevalência de HAS entre as mulheres, com crescimento entre as faixas etárias. Maiores prevalências são encontradas entre os indivíduos que se autodeclararam pretos, seguidos dos brancos e pardos. Com relação ao nível de escolaridade, a prevalência da condição é maior entre os indivíduos com menor nível de escolaridade. Entre os indivíduos sem instrução ou com Ensino Fundamental incompleto, 28,7% (IC95: 28,3-29,0) referiram o diagnóstico de HAS em 2008, chegando a 32,4% (IC95: 31,2-33,6) em 2013, e 37,8% (IC95: 36,9-38,7) em 2019. As distribuições por região geográfica e área de residência apontam para a maior prevalência nas regiões Sudeste e Sul e nas áreas urbanas.

As razões de prevalência (RP) apresentadas nas colunas da Tabela 1 demonstram que, mesmo após ajustados por características sociodemográficas, as mulheres têm de duas a três vezes mais chances de reportarem diagnóstico de HAS em relação aos homens. Indivíduos com idade mais avançada e nas áreas urbanas também apresentam maiores chances de reportar HAS. No que diz respeito à raça/cor, há uma diferença entre os anos com relação ao grupo que se autodeclarou pardo. Em 2013, ao contrário do que acontece nos outros anos, não há diferença estatística na prevalência entre brancos e pardos. Entre os que se autodeclararam pretos, contudo, essa diferença é maior e estatisticamente significante em todos os anos. Indivíduos com menor nível de escolaridade têm maiores chances de reportar HAS em comparação àqueles com ensino superior completo, exceto em 2013 para a categoria Ensino Médio completo e Superior incompleto, em que a maior chance não é estatisticamente significante. Em relação à região Norte, os moradores de todas as demais regiões geográficas têm maiores chances de reportar diagnóstico de HAS, revelando um padrão de desigualdades regionais persistente.

Cuidado em saúde pela população com diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica

A segunda parte da análise é direcionada aos indivíduos que alegaram ter diagnóstico de Hipertensão Arterial Sistêmica em 2013 e 2019. A Tabela 2 apresenta os indicadores de cuidados em saúde segundo o sexo. A proporção dos indivíduos que tomaram medicamentos para HAS nas duas últimas semanas foi de 81,6% (77,1% dos homens e 84,6% das mulheres) em 2013 e de 88% (84,2% dos homens e 90,7% das mulheres) em 2019. Receberam assistência médica 69,7% dos indivíduos em 2013 (65,6% dos homens e 72,5% das mulheres) e 72,2% (68,9% dos homens e 74,5% das mulheres) em 2019. Nos dois anos, cerca de 65,6% (61% dos homens e 68% das mulheres) receberam atendimento pelo SUS. A Unidade Básica de Saúde foi o local com maior proporção de atendimentos na última assistência, aproximadamente 46% para os dois anos. Em seguida, o local com mais atendimentos foi o consultório particular. Enquanto a proporção de mulheres atendidas na UBS foi maior que a de homens nos dois períodos, nos consultórios particulares essa relação se inverte sendo a proporção de homens atendidos maior que a de mulheres. Em 2013, 56,5% (54,9% dos homens e 57,4% das mulheres) realizaram a última consulta com o mesmo médico das consultas anteriores, enquanto em 2019 a proporção foi similar para ambos os sexos, aproximadamente 52%. Cerca de 92% dos indivíduos em 2013 e 90% em 2019 realizaram todos os exames solicitados, sendo similar a proporção entre os sexos em 2019. Mais de 95% de homens e mulheres receberam pelo menos uma recomendação dos profissionais de saúde relacionada ao plano de cuidado nos dois anos. A proporção dos que fizeram consultas com especialistas também foi próxima entre os dois grupos, aproximadamente 87% em 2013 e 90% em 2019. Já a proporção de indivíduos que tiveram internação foi de 14% (12,5% dos homens e 14,9% das mulheres) em 2013 e 12,7% (11,2% dos homens e 13,7% das mulheres) em 2019. As atividades habituais foram limitadas de forma intensa ou muito intensa para 4,7% (4,2% dos homens e 5% das mulheres) dos indivíduos em 2013 e cerca de 3% para ambos os sexos em 2019.

Tabela 2
Indicadores de cuidados em saúde pelos indivíduos com hipertensão arterial sistêmica segundo sexo.

Em relação aos indicadores de cuidados em saúde segundo cor ou raça autodeclarada, 84,7% dos brancos e menos de 80% de pretos e pardos tomaram medicamentos em 2013, enquanto em 2019 as proporções foram de 89,4% para brancos, 88,0% para pretos e 86,5% para pardos. Em 2013, a proporção dos que receberam assistência médica foi próxima para os três grupos, cerca de 70%, e em 2019 foi aproximadamente de 72% entre brancos e pardos e 74,7% entre pretos. O atendimento pelo SUS nos dois anos foi superior a 70% entre pretos e pardos e entre brancos não chegou a 60% no período. Pretos e pardos apresentaram maior proporção de atendimentos na UBS do que brancos nos dois anos. O atendimento em consultório particular entre brancos foi de 31,8% em 2013 e 38,6% em 2019, já entre pretos e pardos não chegou a 20% em 2013 e ficou em torno de 20% em 2019. A última consulta foi realizada com o mesmo médico das consultas anteriores para 62,3% dos brancos e cerca de 51% dos pretos e pardos em 2013 e para 56,7% dos brancos e menos de 49% dos pretos e pardos em 2019. Nos dois períodos mais de 90% dos brancos fizeram todos os exames solicitados, enquanto entre pretos e pardos as proporções foram de 85,9% e 90,7% em 2013 e 87% e 88% em 2019, respectivamente. Para os três grupos, mais de 96% em 2013 e cerca de 95% em 2019 receberam recomendações dos profissionais de saúde em relação ao plano de cuidados. Consultas com especialistas foram realizadas por mais de 90% dos brancos nos dois anos, por 80,9% dos pretos e 84,6% dos pardos em 2013 e cerca de 88% de pretos e pardos em 2019. Estiveram internados devido à HAS 13,3% dos brancos e aproximadamente 15% dos pretos e pardos em 2013 e 11% dos brancos e cerca de 14% de pretos e pardos em 2019. Em 2013, cerca de 4% de brancos e pretos e 5% de pardos responderam que a HAS limita as atividades habituais de forma intensa ou muito intensa, enquanto em 2019 essa limitação ocorreu para 2,2% dos brancos e quase 4% dos pretos e pardos (Tabela 3).

Tabela 3
Indicadores de cuidados em saúde pelos indivíduos com hipertensão arterial sistêmica segundo cor/raça.

Considerando os indicadores de cuidados em saúde segundo a faixa etária, observa-se um aumento na proporção de indivíduos que tomaram medicamentos para HAS nos dois anos, chegando a 92,3% e 96,7% para aqueles com 75 anos ou mais em 2013 e 2019, respectivamente. Em 2013, 60,6% dos indivíduos entre 18 e 29 anos, 68,3% entre 30 e 59 anos e mais de 70% entre os com 60 anos ou mais receberam assistência médica, enquanto em 2019 as proporções foram de 62,9% entre os de 18 a 29 anos e acima de 70% entre os de 30 anos ou mais. A proporção de indivíduos atendidos na UBS aumentou com a progressão da idade nos dois anos, exceto para o grupo de 75 anos ou mais, que apresentou proporção inferior à das faixas etárias de 30 a 74 anos. Já o atendimento em consultório particular foi maior entre os com 75 anos ou mais. Para o indicador de última consulta realizada com o mesmo médico das consultas anteriores, observa-se um crescimento entre as faixas etárias, sendo a proporção acima de 60% em 2013 e acima de 55% em 2019 para os grupos com 65 anos ou mais. Nos dois anos, a proporção de indivíduos com 60 anos ou mais que realizou todos os exames solicitados e que fez consulta com especialistas foi superior a 90%. Embora as recomendações dos profissionais de saúde em relação ao plano de cuidados tenham proporções altas entre todas as faixas etárias nos dois anos, este indicador foi maior para o grupo de 60 a 64 anos. A proporção dos que tiveram internação ou que relataram que a HAS limita intensamente ou muito intensamente a realização das atividades habituais foi menor entre o grupo de 18 a 29 anos nos dois anos e maior entre o grupo com 75 anos ou mais (Tabela 4).

Tabela 4
Indicadores de cuidados em saúde pelos indivíduos com hipertensão arterial sistêmica segundo faixa etária.

A Tabela 5 apresenta a distribuição de indicadores de cuidados em saúde e da cobertura da ESF segundo as grandes regiões do país. Destacamos a proporção de indivíduos que fizeram consulta nos últimos 12 meses menor no Centro-Oeste, não chegando a 70% em nenhum dos dois anos. O Sudeste foi a região com menor proporção de indivíduos que tiveram internação devido a complicações da HAS nos dois anos, enquanto o Nordeste foi a região com maior proporção de internações em 2013 e o Centro-Oeste em 2019. Nos dois períodos, o atendimento pelo SUS foi mais frequente entre moradores do Norte e Nordeste, enquanto o Sudeste apresentou as menores proporções tanto em 2013 quanto em 2019. A cobertura populacional da ESF foi maior no Nordeste e Sul e menor no Sudeste, nos dois anos.

Tabela 5
Indicadores de cuidados em saúde pelos indivíduos com hipertensão arterial sistêmica e cobertura populacional da ESF de saúde por região.

Discussão

Este estudo investigou a prevalência da HAS e os indicadores de cuidados em saúde entre os hipertensos, com 18 anos ou mais. Utilizamos a medida da HAS autorreferida que, embora possa apresentar alguma limitação devido à seletividade, é considerada uma boa medida em estudos populacionais2121 Lima-Costa MF, Peixoto SV, Firmo JOA. Validade da hipertensão arterial auto-referida e seus determinantes (projeto Bambuí). Rev Saude Publica 2004;38(5):637-642.. Os resultados das razões de prevalência ajustados por características sociodemográficas para os anos de 2008-2013-2019 demonstraram que a prevalência é maior entre as mulheres, nas pessoas mais velhas, com baixa escolaridade e residentes das regiões Sul e Sudeste, como reportado por estudos anteriores2222 Andrade SSA, Stopa SR, Brito AS, Chueri PS, Szwarcwald CL, Malta DC. Prevalência de hipertensão arterial autorreferida na população brasileira: análise da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(2):297-304.,2323 Muniz LC, Cascaes AM, Wehrmeister FC, Martínez-Mesa J, Barros AJD, Menezes AMB. Tendência temporal de hipertensão arterial autorreferida em adultos: Uma análise da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 1998-2008. Cad Saude Publica 2012; 28(8):1599-1607.. Com relação aos cuidados em saúde pela população hipertensa, os indicadores apresentaram bons resultados com destaque para a cobertura de assistência médica nos últimos 12 meses e a proporção elevada de usuários que relataram o uso da medicação nas duas últimas semanas, acima de 80% nos dois anos.

A busca por cuidados de saúde representa, em partes, aspectos de necessidade, mas fatores relacionados à oferta contribuem para facilitar ou dificultar o acesso. A expansão da ESF a partir dos anos 2000 representou uma nova estratégia para a atenção primária no país, centrada na família e na comunidade, considerada um dos grandes avanços do SUS por seu papel fundamental na ampliação do acesso aos serviços de saúde e na melhoria de indicadores de atenção à saúde2424 Alexandre LBSP. Os avanços e desafios do SUS nas duas décadas de existência. In: Martinari, organizador. SUS: Sistema Único de Saúde - antecedentes, percurso, perspectivas e desafios. 2o ed. São Paulo; 2015. p. 149-166.. Com destaque para o trabalho das equipes de saúde da família que, através de ações educativas de promoção à saúde, orientação quanto à utilização dos serviços médicos, além de outras estratégias que visam a vigilância e promoção da saúde, contribuem para os bons resultados alcançados2525 Rodrigues CRF. Do Programa de Saúde da Família à Estratégia Saúde da Família. In: Martinari, organizador. SUS: Sistema Único de Saúde - antecedentes, percurso, perspectivas e desafios. 2o ed São Paulo; 2015. p. 131-148.. Em 2008, 47,7% dos domicílios no Brasil estavam cadastrados pela ESF. Em 2019, esse percentual foi de 60,0%, representando um aumento de 6,4 pontos percentuais em relação à 2013. A cobertura populacional da ESF passou de 50,9% em 2008, para 56,1% em 2013 e 62,6% em 2019. Dentre os domicílios cadastrados há pelo menos um ano, a proporção de visita mensal de membros da equipe de saúde da família nos domicílios foi de 47,2% em 2013 e de 38,4% em 2019 (resultados não mostrados).

A despeito dos bons resultados apresentados, ainda são muitos os desafios relativos à melhoria do controle e tratamento da HAS no país. Em um estudo incluindo 44 países de baixa e média renda, o Brasil apresentou bom desempenho no manejo da HAS comparado aos demais países, mas os autores não descartam a possibilidade de um subdiagnóstico elevado2626 Geldsetzer P, Manne-Goehler J, Marcus ME, Ebert C, Zhumadilov Z, Wesseh CS, Tsabedze L, Supiyev A, Sturua L, Bahendeka SK, Sibai AM, Quesnel-Crooks S, Norov B, Mwangi KJ, Mwalim O, Wong-McClure R, Mayige MT, Martins JS, Lunet N, Labadarios D, Karki KB, Kagaruki GB, Jorgensen JMA, Hwalla NC, Houinato D, Houehanou C, Msaidié M, Guwatudde D, Gurung MS, Gathecha G, Dorobantu M, Damasceno A, Bovet P, Bicaba BW, Aryal KK, Andall-Brereton G, Agoudavi K, Stokes A, Davies JI, Bärnighausen T, Atun R, Vollmer S, Jaacks LM.. The state of hypertension care in 44 low-income and middle-income countries: a cross-sectional study of nationally representative individual-level data from 1·1 million adults. Lancet 2019; 394(10199):652-662.. Considerando diferentes mensurações da HAS, Malta et al.2727 Malta DC, Gonçalves RPF, Machado ÍE, Freitas MIF, Azeredo C, Szwarcwald CL. Prevalência da hipertensão arterial segundo diferentes critérios diagnósticos, Pesquisa Nacional de Saúde. Rev Bras epidemiol 2018; 21:e180021. reportam as seguintes prevalências entre os brasileiros em 2013: 21,4% pelo critério autorreferido, 22,8% pela aferição da pressão arterial e 32,3% através da pressão aferida e/ou relato de uso de medicação.

As mulheres continuam apresentando maior prevalência de HAS em relação aos homens, reforçando o “paradoxo da saúde-sobrevivência na relação homem-mulher”. Termo designado na literatura de diferencial de gênero em saúde para ressaltar o fato de que, embora vivam mais do que os homens, as mulheres apresentam mais morbidades e buscam mais por serviços de saúde. Possíveis explicações para a aparente contradição envolvem fatores biológicos, diferencial na exposição aos fatores de riscos, fatores psicológicos e socioeconômicos2828 Pinheiro RS, Viacava F, Travassos C, Brito AS. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Cien Saude Colet 2002; 7(4):687-707.. Ao mesmo tempo, ao procurarem os serviços de saúde com mais frequência, as mulheres têm maiores chances de obter o diagnóstico clínico da condição.

Por outro lado, estudos que utilizam a aferição da pressão arterial ao invés do diagnóstico clínico reportam maior diagnóstico entre os homens e os grupos de status socioeconômico mais baixo2929 Alves RFS, Faerstein E. Educational inequalities in hypertension: Complex patterns in intersections with gender and race in Brazil. Int J Equity Health 2016; 15(1):1-9., o que pode sugerir a presença de subdiagnóstico para essa população. Um indício disso é que a principal queixa entre homens se relaciona com a flexibilização de horários e o tempo disponível para a procura dos cuidados médicos3030 Gomes R, Nascimento EF, Araújo FC. Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior. Cad Saude Publica 2007; 23(3):565-574.. O caráter assintomático da doença também pode fazer com que indivíduos mais jovens que tenham maior dificuldade ou que não sintam a necessidade de procurar serviços médicos não obtenham o diagnóstico.

Os resultados também apontam para a persistência de desigualdades regionais. A alta prevalência no Sul e Sudeste ao longo dos anos pode refletir tantos fatores demográficos, já que essas regiões apresentam maior proporção de idosos2727 Malta DC, Gonçalves RPF, Machado ÍE, Freitas MIF, Azeredo C, Szwarcwald CL. Prevalência da hipertensão arterial segundo diferentes critérios diagnósticos, Pesquisa Nacional de Saúde. Rev Bras epidemiol 2018; 21:e180021., como iniquidades regionais quanto à estrutura e oferta dos serviços, uma vez que os residentes do Sul e Sudeste apresentam maior acesso aos serviços de saúde comparados aos residentes das demais regiões3131 Stopa SR, Malta DC, Monteiro CN, Szwarcwald CL, Goldbaum M, Cesar CLG. Acesso e uso de serviços de saúde pela população brasileira, Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Rev Saude Publica 2017; 51..

Conclusão

As respostas contínuas e integradas em redes continuam sendo um desafio para os sistemas de saúde. Não um problema restrito ao Brasil, mas observado também em outros países, inclusive nos desenvolvidos3232 Mendes EV. Entrevista: A abordagem das condições crônicas pelo Sistema Único de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(2):431-435.. Evidências recentes revelam deficiências na longitudinalidade e na integralidade do cuidado para os usuários com HAS3333 Andrade MV, Noronha K, Oliveira CDL, Cardoso CS, Calazans JA, Julião NA, Souza A, Tavares PA. Análise da linha de cuidado para pacientes com diabetes mellitus e hipertensão arterial: a experiência de um município de pequeno porte no Brasil. Rev Bras Estud Popul 2019; 36.. O fortalecimento dos vínculos entre profissionais de saúde e usuários, a fixação e a formação dos profissionais de saúde, bem como o compartilhamento de informação entre os profissionais por meio da adoção de prontuários eletrônicos e de mecanismos de referência e contrarreferência bem estabelecidos são alguns desafios enfrentados na atenção primária. Além das dificuldades encontradas no cuidado especializado e nos serviços de diagnose3434 Giovanella L, Mendonça MHMM. Atenção Primária à Saúde. In: Giovanella L. Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2014. p. 493-546..

Destacamos ainda a necessidade de ações voltadas à conscientização da doença e dos riscos envolvidos junto aos usuários, reforçando a importância do tratamento medicamentoso continuado e da adoção de estilos de vida saudáveis. A implementação dos programas Hiperdia e Farmácia Popular do Brasil foram sem dúvida iniciativas importantes na ampliação do acesso aos medicamentos. Todavia, a ausência de informação sobre o uso correto da medicação, bem como a relativização dos riscos pelos usuários devido à ausência de sintomas e controle da pressão arterial, acarreta desde falhas no uso ao abandono completo do tratamento. A complexidade do regime da medicação, o vínculo entre profissionais e usuários e fatores relacionados à demanda e à oferta também são preditores importantes da aderência99 Paula PAB, Stephan-Souza AI, Vieira RCPA, Alves TNP. O uso do medicamento na percepção do usuário do Programa Hiperdia The use of medication in the perception of users Hiperdia Program. Cien Saude Colet 2011; 16(5):2623-2633.,1010 Carvalho ALM, Leopoldino RWD, Silva JEG, Cunha CP. Adesão ao tratamento medicamentoso em usuários cadastrados no Programa Hiperdia no município de Teresina (PI). Cien Saude Colet 2012;17(7):1885-1892.,1313 Duarte MTC, Cyrino AP, Cerqueira ATAR, Nemes MIB, Iyda M. Motivos do abandono do seguimento médico no cuidado a portadores de hipertensão arterial: a perspectiva do sujeito. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2.603-2.610.,1414 Gewehr DM, Bandeira VAC, Gelatti GT, Colet CF, Oliveira KR. Adesão ao tratamento farmacológico da hipertensão arterial na Atenção Primária à Saúde. Saude Debate 2018; 42(116):179-190..

A elevada prevalência de fatores de risco no estilo de vida da população brasileira também merece atenção3535 Malta DC, Andrade SSCA, Stopa SR, Pereira CA, Szwarcwald CL, Silva Júnior JB, Reis AAC. Estilos de vida da população brasileira: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(2):217-226.. O abismo entre a pactuação de planos de cuidado e a modificação efetiva dos estilos de vida prejudiciais por parte dos indivíduos dificulta a prevenção e aumenta os riscos de complicações por HAS. Entretanto, a responsabilidade quanto às mudanças no estilo de vida não deve ser creditada somente ao indivíduo, sendo a responsabilidade do Estado parte subjacente ao processo de mudança proporcionando, por exemplo, lugares públicos adequados para a prática de atividades físicas e desenvolvendo políticas públicas adequadas para uma alimentação saudável.

Por fim, um agravante para o sistema de saúde brasileiro é o contexto de crise econômica e um quadro fiscal deteriorado. Nos anos 2000, como continuidade de uma política iniciada em meados dos anos 1990, observamos importante orientação política voltada à priorização da atenção primária, com a criação de sucessivos incentivos e crescimento da execução orçamentária à atenção básica3636 Castro ALB, Machado CV. A política de atenção primária à saúde no Brasil: notas sobre a regulação e o financiamento federal. Cad Saude Publica 2010; 26(4):693-705.. A partir de 2015, notamos uma inflexão da política econômica com governos estaduais e municipais adotando uma agenda de austeridade fiscal como resposta à crise econômica, com consequências diretas sobre os gastos sociais e de saúde. Os efeitos deletérios dessa política sobre os resultados em saúde podem se traduzir em múltiplas dimensões na esfera individual e social3737 Paes-Sousa R, De Andrade Schramm JM, Pereira Mendes LV. Fiscal Austerity and the health sector: The cost of adjustments. Cien Saude Colet 2019; 24(12):4375-4384..

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Set 2021

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2021
  • Aceito
    20 Abr 2021
  • Publicado
    22 Abr 2021
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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