Associação entre o consumo de café da manhã com a recomendação de atividade física e o estado nutricional em crianças

Association between the consumption of breakfast and the recommendation of physical activity and the nutritional status in children

Eduardo Rossato de Victo Gerson Ferrari Dirceu Solé Carlos André Miranda Pires Timóteo Leandro Araújo Peter T. Katzmarzyk Victor Keihan Rodrigues Matsudo Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste artigo é associar o consumo do café da manhã (CM) com atividade física de moderada à vigorosa (AFMV) e estado nutricional de crianças entre 9 e 11 anos. A amostra foi composta por 432 crianças de São Caetano do Sul participantes do International Study of Childhood Obesity Lifestyle and the Environment. Os dados foram coletados entre 2012-2013. O consumo do CM semanal foi obtido pelo método autorreferido. Para mensuração da AFMV, as crianças utilizaram acelerômetro e foram classificadas em dois grupos (<60 versus ≥60 min/dia). O estado nutricional foi apresentado pelo Índice de Massa Corporal (IMC). Foram utilizados modelos de regressão logística. A média do consumo de CM foi de 5,25 (IC95%: 5,1-5,4) dias/sem e da AFMV foi de 59,29 (IC95%: 57,3-61,7) min/dia. No total, 55,8% das crianças não realizavam ≥60 min/dia de AFMV e 50,2% apresentavam excesso de peso ou obesidade. O consumo diário do CM não se associou com a AFMV, porém, diminuiu o risco de terem excesso de peso ou obesidade (OR: 0,51; IC95%: 0,34-0,76; p=0,001). O consumo diário do CM reduziu as chances de excesso de peso ou obesidade em crianças, mas não aumentou a chance das crianças cumprirem as recomendações de AFMV. Politicas públicas devem incentivar o consumo diário do CM para assim prevenir o excesso de peso ou obesidade.

Key words:
Obesity; Eating behavior; Child

Abstract

The scope of this article is to associate breakfast consumption (BC) with moderate to vigorous physical activity (MVPA) intensity and the nutritional status of children aged 9-11. The sample consisted of 432 children from São Caetano do Sul participating in the International Study of Childhood Obesity Lifestyle and the Environment. Data were collected between 2012 and 2013. The weekly BC was obtained using the self-reported method. To measure MVPA, children used accelerometers and were classified into two groups (<60 versus ≥60 min/day). The nutritional status was presented by body mass index (BMI). Logistic regression models were used, adjusted for gender, age, race, parental educational level and eating score. The mean BC was 5.25 (CI95%: 5.1-5.4) days/week and the MVPA was 59.29 (CI95%: 57.3-61.7) min/day. In the total sample, 55.8% of the children did not perform ≥60 min/day of MVPA and 50.2% were overweight or obese. The daily BC was not associated with MVPA, however, it reduced the odds of children being overweight or obese (OR: 0.51; CI95%: 0.34-0.76; p=0.001). Daily BC reduced the odds of excess weight or obesity in children, though it did not increase the chances of children meeting the recommendations of MVPA. Public policies should encourage daily BC to prevent excess weight or obesity.

Key words:
Obesity; Eating behavior; Child

Introdução

A obesidade tornou-se um importante desafio global para a saúde11 Brewis A, SturtzSreetharan C, Wutich A. Obesity stigma as a globalizing health challenge. Global Health 2018; 14(1):20., sendo uma doença inflamatória crônica e que apresenta efeitos sobre o metabolismo e o sistema imunológico ao longo da vida, podendo começar na infância e persistir na vida adulta22 Singer K, Lumeng CN. The initiation of metabolic inflammation in childhood obesity. J Clin Invest 2017; 127(1):65-73.. Além dos fatores biológicos e genéticos, a obesidade infantil também pode ser influenciada por fatores sociais e ambientais33 Hemmingsson E. Early Childhood Obesity Risk Factors: Socioeconomic Adversity, Family Dysfunction, Offspring Distress, and Junk Food Self-Medication. Curr Obes Rep 2018; 7(2):204-209.. Muitos fatores relacionados à obesidade podem ser modificáveis, entre eles, o aspecto alimentar, que inclui o consumo do café da manhã (CM)44 Mihrshahi S, Drayton BA, Bauman AE, Hardy LL. Associations between childhood overweight, obesity, abdominal obesity and obesogenic behaviors and practices in Australian homes. BMC Public Health 2017; 18(1):44. e a prática de atividade física (AF)55 Katzmarzyk PT, Barreira TV, Broyles ST, Champagne CM, Chaput JP, Fogelholm M, Hu G, Johnson WD, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Standage M, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Church TS, ISCOLE Research Group. Relationship between lifestyle behaviors and obesity in children ages 9-11: Results from a 12-country study. Obesity 2015; 23(8):1696-1702..

Dentre os fatores modicáveis, alguns estudos apontam que crianças que consomem raramente o CM (0-2 dias/sem) apresentam um aumento do risco de desenvolver síndrome metabólica e de obesidade quando comparados àquelas que o consomem frequentemente (6-7 dias/sem)66 Shafiee G, Kelishadi R, Qorbani M, Motlagh ME, Taheri M, Ardalan G, Taslimi M, Poursafa P, Heshmat R, Larijani B. Association of breakfast intake with cardiometabolic risk factors. J Pediatr (Rio J) 2013; 89(6):575-582.,77 Zakrzewski JK, Gillison FB, Cumming S, Church TS, Katzmarzyk PT, Broyles ST, Champagne CM, Chaput J-P, Denstel KD, Fogelholm M, Hu G, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Mire EF, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Standage M, ISCOLE Research Group. Associations between breakfast frequency and adiposity indicators in children from 12 countries. Int J Obes Suppl 2015; 5 (Supl. 2):S80-S88.. Crianças que possuem uma frequência de 6-7 dias/sem de CM apresentaram menores índices de massa corporal (IMC) e de porcentagens de gordura corporal (%GC) quando comparadas com aquelas que consomem 0-2 dias/sem77 Zakrzewski JK, Gillison FB, Cumming S, Church TS, Katzmarzyk PT, Broyles ST, Champagne CM, Chaput J-P, Denstel KD, Fogelholm M, Hu G, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Mire EF, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Standage M, ISCOLE Research Group. Associations between breakfast frequency and adiposity indicators in children from 12 countries. Int J Obes Suppl 2015; 5 (Supl. 2):S80-S88.. Além disso, o consumo do CM tem se mostrado associado à melhora do desempenho escolar e a função cognitiva das crianças88 Littlecott HJ, Moore GF, Moore L, Lyons RA, Murphy S. Association between breakfast consumption and educational outcomes in 9-11-year-old children. Public Health Nutr 2016; 19(9):1575-1582.,99 Kim SY, Sim S, Park B, Kong IG, Kim JH, Choi HG. Dietary Habits Are Associated With School Performance in Adolescents. Medicine (Baltimore) 2016; 95(12):e3096..

No entanto, em uma meta-análise ficou evidenciado um risco menor de obesidade para aqueles com consumo frequente do CM, porém ainda não está claro, se o consumo frequente do CM teria uma associação exclusiva com diminuição do peso ou se esse hábito está ligado com outros hábitos saudáveis, como por exemplo, maior quantidade de tempo gasto com AF1010 Brown AW, Bohan Brown MM, Allison DB. Belief beyond the evidence: using the proposed effect of breakfast on obesity to show 2 practices that distort scientific evidence. Am J Clin Nutr 2013; 98(5):1298-1308..

Um estudo multicêntrico realizado em 10 países da Europa que utilizou acelerômetro para medir a atividade física de moderada à vigorosa (AFMV), não documentou associação significativa do consumo do CM com AFMV1111 Cuenca-García M, Ruiz JR, Ortega FB, Labayen I, González-Gross M, Moreno LA, Gomez-Martinez S, Ciarapica D, Hallström L, Wästlund A, Molnar D, Gottrand F, Manios Y, Widhalm K, Kafatos A, De Henauw S, Sjöström M, Castillo MJ, HELENA Study Group. Association of breakfast consumption with objectively measured and self-reported physical activity, sedentary time and physical fitness in European adolescents: the HELENA (Healthy Lifestyle in Europe by Nutrition in Adolescence) Study. Public Health Nutr 2014; 17(10):2226-2236.. Além disso, a baixa ingestão de energia no CM pareceu não prejudicar a AF das crianças, embora fossem encontradas algumas associações1212 Vissers PA, Jones AP, Corder K, Jennings A, van Sluijs EM, Welch A, Cassidy A, Griffin S. Breakfast consumption and daily physical activity in 9-10-year-old British children. Public Health Nutr 2013; 16(7):1281-1290.. Dados sobre a relação entre o consumo do CM com a AFMV medida de forma objetiva via acelerometria, ainda são escassos1313 Corder K, van Sluijs EM, Ridgway CL, Steele RM, Prynne CJ, Stephen AM, Bamber DJ, Dunn VJ, Goodyer IM, Ekelund U. Breakfast consumption and physical activity in adolescents: daily associations and hourly patterns. Am J Clin Nutr 2014; 99(2):361-368.. Os estudos com acelerômetros tornaram-se uma prática comum em países de alta renda1414 Herman KM, Sabiston CM, Mathieu ME, Tremblay A, Paradis G. Correlates of sedentary behaviour in 8- to 10-year-old children at elevated risk for obesity. Appl Physiol Nutr Metab 2015; 40(1):10-19., porém, em países de baixa e média renda como o Brasil, ainda há poucos estudos que utilizaram essa ferramenta. Estudos multicêntricos, como o International Study of Childhood Obesity Lifestyle and the Environment (ISCOLE), um estudo multicêntrico, com dados coletados em 12 países, inclusive o Brasil, tem como objetivo determinar a relação entre as características do estilo de vida, comportamento e obesidade em crianças entre 9 e 11 anos de idade1515 Katzmarzyk PT, Barreira TV, Broyles ST, Champagne CM, Chaput JP, Fogelholm M, Hu G, Johnson WD, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Standage M, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Church TS. The International Study of Childhood Obesity, Lifestyle and the Environment (ISCOLE): design and methods. BMC Public Health 2013; 13:900.. Diante desses fatos, esse estudo teve como objetivo verificar a associação entre o hábito do consumo do CM com AFMV, obtida via acelerometria, e o estado nutricional de crianças entre 9 e 11 anos de idade.

Métodos

Como parte do ISCOLE, este estudo foi desenvolvido no município de São Caetano do Sul, localizado no estado de São Paulo, Brasil, com uma área de 15,3 km² e um clima subtropical. A população do município em 2013 era composta por 149.263 habitantes, incluindo 1.557 crianças (812 meninos e 745 meninas) com 10 anos de idade1616 Ferrari GL, Matsudo V, Barreira TV, Tudor-Locke C, Katzmarzyk PT, Fisberg M. Correlates of moderate-to-vigorous physical activity in brazilian children. J Phys Act Health 2016; 13(10):1132-1145.. A cidade é caracterizada como uma economia de serviços e possui o melhor Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil (0,86), de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento1616 Ferrari GL, Matsudo V, Barreira TV, Tudor-Locke C, Katzmarzyk PT, Fisberg M. Correlates of moderate-to-vigorous physical activity in brazilian children. J Phys Act Health 2016; 13(10):1132-1145..

A coleta de dados ocorreu em escolas públicas e privadas entre 2012 e 2013 de diferentes níveis socioeconômicos (NSE). Com isso, as escolas foram recrutadas proporcionalmente, sendo quatro para públicas e uma para particular. Todas as escolas foram inseridas em ordem aleatória dentro de cada estrato e cada escola foi abordada conforme a ordem estabelecida. Essa proporção de 80% para escolas públicas e 20% para escolas particulares foi implementada propositadamente para maximizar a distribuição do NSE. No total, participaram do estudo 20 escolas (16 públicas e 4 particulares), a fim de gerar uma amostra de 25 a 30 crianças para cada escola, com aproximadamente 50% da amostra selecionada para cada sexo, resultando um mínimo de 500 crianças com média de idade de 10 anos. Detalhes do cálculo amostral foram publicados anteriormente1515 Katzmarzyk PT, Barreira TV, Broyles ST, Champagne CM, Chaput JP, Fogelholm M, Hu G, Johnson WD, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Standage M, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Church TS. The International Study of Childhood Obesity, Lifestyle and the Environment (ISCOLE): design and methods. BMC Public Health 2013; 13:900.,1616 Ferrari GL, Matsudo V, Barreira TV, Tudor-Locke C, Katzmarzyk PT, Fisberg M. Correlates of moderate-to-vigorous physical activity in brazilian children. J Phys Act Health 2016; 13(10):1132-1145..

Este projeto foi aprovado pelo conselho de ética em pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, Brasil e pelos conselhos escolares participantes. Consentimento informado por escrito dos pais e consentimento da criança foram obtidos para todos os participantes. As crianças e pelo menos um dos seus pais ou responsável legal foram convidados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com a Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética a partir do Pennington Biomedical Research Center Institutional Review Board, Estados Unidos e da Universidade Federal de São Paulo, Brasil.

Consumo do café da manhã

As crianças relataram a frequência de consumo de CM durante os dias da semana, e também para os dias de final de semana através do Diet and Lifestyle Questionnaire1515 Katzmarzyk PT, Barreira TV, Broyles ST, Champagne CM, Chaput JP, Fogelholm M, Hu G, Johnson WD, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Standage M, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Church TS. The International Study of Childhood Obesity, Lifestyle and the Environment (ISCOLE): design and methods. BMC Public Health 2013; 13:900.. A pergunta era: “Com que frequência você geralmente toma CM?” e as opções de respostas para dias de semana foram: eu nunca tomo CM, 1, 2, 3, 4 ou 5 dias; as respostas para o fim de semana foram: eu nunca tomo CM, 1 ou 2 dias.

O consumo do CM foi classificado em: menos do que diariamente (consumir CM em 0-6 dias/sem) ou diariamente (consumir CM em 7 dias/sem)1717 Vereecken C, Dupuy M, Rasmussen M, Kelly C, Nansel TR, Al Sabbah H, Baldassari D, Jordan MD, Maes L, Niclasen BV-L, Ahluwalia N, HBSC Eating & Dieting Focus Group. Breakfast consumption and its socio-demographic and lifestyle correlates in schoolchildren in 41 countries participating in the HBSC study. Int J Public Health 2009; 54 (Supl. 2):180-190.. Pelo fato de não ter uma definição padrão na literatura77 Zakrzewski JK, Gillison FB, Cumming S, Church TS, Katzmarzyk PT, Broyles ST, Champagne CM, Chaput J-P, Denstel KD, Fogelholm M, Hu G, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Mire EF, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Standage M, ISCOLE Research Group. Associations between breakfast frequency and adiposity indicators in children from 12 countries. Int J Obes Suppl 2015; 5 (Supl. 2):S80-S88. sobre a definição e classificação do consumo de café da manhã, classificamos o mesmo em: (consumir CM em 0-6 dias/sem) ou diariamente (consumir CM em 7 dias/sem)1717 Vereecken C, Dupuy M, Rasmussen M, Kelly C, Nansel TR, Al Sabbah H, Baldassari D, Jordan MD, Maes L, Niclasen BV-L, Ahluwalia N, HBSC Eating & Dieting Focus Group. Breakfast consumption and its socio-demographic and lifestyle correlates in schoolchildren in 41 countries participating in the HBSC study. Int J Public Health 2009; 54 (Supl. 2):180-190.. Optamos por esta classificação conforme sugerido por estudo internacionais, permitindo assim uma comparação mais fiel aos dados obtidos e por haver inconsistência na definição de “consumo do café da manhã” adotada em pesquisas anteriores77 Zakrzewski JK, Gillison FB, Cumming S, Church TS, Katzmarzyk PT, Broyles ST, Champagne CM, Chaput J-P, Denstel KD, Fogelholm M, Hu G, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Mire EF, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Standage M, ISCOLE Research Group. Associations between breakfast frequency and adiposity indicators in children from 12 countries. Int J Obes Suppl 2015; 5 (Supl. 2):S80-S88.,1717 Vereecken C, Dupuy M, Rasmussen M, Kelly C, Nansel TR, Al Sabbah H, Baldassari D, Jordan MD, Maes L, Niclasen BV-L, Ahluwalia N, HBSC Eating & Dieting Focus Group. Breakfast consumption and its socio-demographic and lifestyle correlates in schoolchildren in 41 countries participating in the HBSC study. Int J Public Health 2009; 54 (Supl. 2):180-190..

Atividade física de moderada à vigorosa e tempo sedentário

Para monitorar objetivamente o tempo sedentário (TS), AFMV e os passos/dia, foram utilizados acelerômetros GT3X+ (Actigraph, Ft. Walton Beach, Estados Unidos). O instrumento foi utilizado na cintura em uma cinta elástica alinhada com a linha axilar média. As crianças foram incentivadas a usarem o acelerômetro 24 horas/dia por pelo menos sete dias (mais um dia de familiarização inicial e na manhã do último dia), sempre incluindo dois dias de final de semana. Para ser incluída na análise, a quantidade mínima de uso foi de quatro dias, sendo pelo menos um de final de semana, com pelo menos 10 horas/dia de tempo de uso, após a remoção na hora do sono1818 Colley R, Gorber SC, Tremblay MS. Quality control and data reduction procedures for accelerometry-derived measures of physical activity. Health Rep 2010; 21(1):63-69.,1919 Trost SG, Loprinzi PD, Moore R, Pfeiffer KA. Comparison of accelerometer cut points for predicting activity intensity in youth. Med Sci Sports Exerc 2011; 43(7):1360-1368..

Os dados foram coletados a uma taxa de amostragem de 80 Hz, baixado em epoch de 1 segundo e agregadas para epoch de 15 segundos para análise2020 Evenson KR, Catellier DJ, Gill K, Ondrak KS, McMurray RG. Calibration of two objective measures of physical activity for children. J Sports Sci 2008; 26(14):1557-1565.. A AF foi classificada conforme a proposta apresentada por Evenson et al.2020 Evenson KR, Catellier DJ, Gill K, Ondrak KS, McMurray RG. Calibration of two objective measures of physical activity for children. J Sports Sci 2008; 26(14):1557-1565. baseada na quantidade de counts para períodos de 15 segundos, sendo: TS: ≤25 counts; atividade física leve (AFL): >25-573 counts; atividade física moderada (AFM): ≥574-1002 counts; atividade física vigorosa (AFV): ≥1003 counts; e AFMV: ≥574 counts. Blocos de 20 minutos consecutivos com zero count foram considerados como não utilização do aparelho e descartados das análises. As crianças foram classificadas pelo cumprimento (≥60 min/dia) ou não (<60 min/dia) das recomendações de AFMV2121 World Health Organization (WHO). Global recommendations on physical activity for health. Genebra: WHO; 2010.. Além disso, o acelerômetro também nos forneceu informações sobre a quantidade de passos/dia.

Composição corporal

As medidas foram feitas de acordo com o procedimento padronizado pelo ISCOLE1515 Katzmarzyk PT, Barreira TV, Broyles ST, Champagne CM, Chaput JP, Fogelholm M, Hu G, Johnson WD, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Standage M, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Church TS. The International Study of Childhood Obesity, Lifestyle and the Environment (ISCOLE): design and methods. BMC Public Health 2013; 13:900.. A estatura (cm) foi mensurada com a criança descalça, em estadiômetro portátil (Seca 213®, Hamburgo, Alemanha), com a cabeça do participante no plano de Frankfurt, em apneia inspiratória. Peso corporal (kg) e a %GC foram mensurados usando um analisador de composição corporal portátil da marca Tanita SC0240 (Arlington Heights, EUA), após a remoção de toda roupa exterior, metais, itens pesados nos bolsos, meias e tênis2222 Barreira TV, Staiano AE, Katzmarzyk PT. Validity assessment of a portable bioimpedance scale to estimate body fat percentage in white and African-American children and adolescents. Pediatr Obes 2013; 8(2):e29-e32.. O analisador de composição corporal Tanita SC-240 possui precisão aceitável para estimar a %GC2222 Barreira TV, Staiano AE, Katzmarzyk PT. Validity assessment of a portable bioimpedance scale to estimate body fat percentage in white and African-American children and adolescents. Pediatr Obes 2013; 8(2):e29-e32.. O IMC foi obtido através da divisão da massa corporal em quilogramas (kg) pela estatura em metros (m) elevada ao quadrado (m²). Posteriormente, os valores foram calculados em escores z e classificados com base nos dados de referências propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para sexo e idade em eutróficos (<+1 DP) e excesso de peso ou obesidade (≥+1 DP)2323 Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull WHO 2007; 85(9):660-667..

As medições da circunferência da cintura (CC) foram feitas na pele exposta no final de uma expiração normal usando uma fita antropométrica não-elástica entre a margem da costela inferior e a crista ilíaca1515 Katzmarzyk PT, Barreira TV, Broyles ST, Champagne CM, Chaput JP, Fogelholm M, Hu G, Johnson WD, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Standage M, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Church TS. The International Study of Childhood Obesity, Lifestyle and the Environment (ISCOLE): design and methods. BMC Public Health 2013; 13:900.. Os participantes foram convidados a ficarem em uma posição ereta com os pés juntos e os braços relaxados ao seu lado.

Dieta

O padrão de dieta foi obtido pelo Diet and Lifestyle Questionnaire 15 avaliando o consumo alimentar e a frequência de 23 alimentos. Foram utilizadas análises de componentes principais (ACP). A ACP foi realizada com a transformação ortogonal varimax para forçar a não correlação e para aprimorar a interpretação. Tais análises permitiram a identificação de dois padrões de dieta: não saudável (refrigerantes, batata-frita, doces, entre outros) e saudável (legumes, frutas, verduras, e outros). Cada padrão de dieta foi tratado separadamente e obtido um escore em uma escala de 1-71616 Ferrari GL, Matsudo V, Barreira TV, Tudor-Locke C, Katzmarzyk PT, Fisberg M. Correlates of moderate-to-vigorous physical activity in brazilian children. J Phys Act Health 2016; 13(10):1132-1145..

Questionário de Meio Ambiente e Vizinhança

O Questionário de Meio Ambiente e Vizinhança foi preenchido pelo pai ou responsável legal. O questionário incluía questões relacionadas ao histórico de saúde da criança, renda familiar anual e o nível educacional dos pais1515 Katzmarzyk PT, Barreira TV, Broyles ST, Champagne CM, Chaput JP, Fogelholm M, Hu G, Johnson WD, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Standage M, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Church TS. The International Study of Childhood Obesity, Lifestyle and the Environment (ISCOLE): design and methods. BMC Public Health 2013; 13:900.. A renda familiar anual (R$) foi classificada em quatro categorias que representam níveis crescentes de renda: abaixo de R$ 19.620,00 (nível 1); de R$ 19.621,00 a R$ 32.700,00 (nível 2); de R$ 32.701,00 a R$58.860,00 (nível 3) e acima de R$ 58.861,00 (nível 4). O nível de escolaridade combinado dos pais (nível mais alto de qualquer um dos pais) foi utilizado pela combinação de ambas as respostas dos pais. As opções de respostas para o nível de escolaridade eram: menos que o ensino médio, ensino médio completo, 1-3 anos de universidade, graduação completa, e pós-graduação e categorizamos em três opções: 1) não completou ensino secundário; 2) completou ensino secundário; 3) graduação e pós-graduação. O tipo de escola, pública ou privada, conforme estabelecido durante a amostragem, também foi considerado um indicador de menor e maior NSE, respectivamente2424 Matsudo VK, Ferrari GL, Araujo TL, Oliveira LC, Mire E, Barreira TV, Tudor-Locke C, Katzmarzyk P. Socioeconomic status indicators, physical activity and overweight/obesity in Brazilian children. Rev Paul Pediatr 2016; 34(2):162-170..

Análise estatística

Para verificar a distribuição dos dados, utilizou-se o Kolmogorov-Smirnov. Dependendo da natureza das variáveis, estas foram caracterizadas por média e intervalo de confiança de 95% (IC95%) ou de frequências absolutas e relativas. A confiabilidade das escalas de alimentação saudável e não saudável do Diet and Lifestyle Questionnaire foi avaliada e validada através do Alpha de Cronbach (>0,75).

Para estudar a relação do CM com a AFMV e com o estado nutricional, foram utilizados modelos de regressão logística, ajustados para o sexo, idade, raça, nível educacional dos pais e escore alimentação saudável e não saudável. O modelo de regressão do estado nutricional (variável dependente) também ajustado para a AFMV e o modelo para a AFMV (variável dependente) também foi ajustado para o estado nutricional. Foi verificada a possível existência de problemas de multicolinearidade entre variáveis independentes através dos valores de VIF (Variance Inflation Factor) e a tolerância. Para quantificar a dimensão das grandezas das relações foram estimados os Odds Ratio (OR), sendo apresentados os respectivos IC95%.

As análises foram realizadas com o programa Statistical Package for the Social Sciences Software (SPSS) para Windows, versão 22.0. Foi considerado um nível de nível de significância de p<0,05.

Resultados

A amostra foi composta por 432 crianças (média de idade=10,50 [IC95%: 10,4-10,6]), sendo 50,9% do sexo feminino. A maioria (73,4%) era branca (caucasiana) e de famílias cujo nível educacional combinado dos pais era o ensino secundário (53,9%). O escore médio de alimentação não saudável (3,87; IC95%: 3,8-4,0) foi superior ao de alimentação saudável (3,04; IC95%: 2,9-3,1), indicando uma predominância de ingestão de alimentos não saudáveis. Quase metade das crianças consumia CM todos os dias da semana (48,1%) (Tabela 1).

Tabela 1
Caraterísticas sociodemográficas, hábitos de alimentação, atividade física e antropométricas de crianças (n=432).

Quanto à AF, 55,8% das crianças não realizavam ≥60 min/dia de AFMV. O TS médio diário foi de 500,25 min/dia e o número médio de passos/dia de 9628,76. Em geral, as crianças tiveram médias de 23,46% (IC95%: 22,4-24,5) para GC, 67,18 cm (IC95%: 66,4-68,1) para CC, 144,01 cm (IC95%: 143,4-144,6) para estatura, 41,24 kg (IC95%: 40,3-42,2) para peso corporal e 19,70 kg/m² (IC95%: 19,4-20,1) para IMC, respectivamente. No total, 49,8% das crianças foram classificadas como eutróficas, 24,3% com excesso de peso e 25,9% obesas (Tabela 1).

Consumir diariamente CM não aumentou significativamente a chance de cumprir as recomendações de AFMV (≥60 min/dia) (OR=0,77; IC95%: 0,48-1,23; p=0,271), quando comparado a não consumir o CM todos os dias (de 0-6 dias) (Tabela 2). Analisando o efeito das variáveis ajustadas, a probabilidade de cumprir as recomendações de AFMV foi maior nos meninos do que as meninas (OR=7,82; IC95%: 4,80-12,75; p<0,001), diminuiu com o aumento da idade (OR=0,54; IC95%: 0,33-0,88; p=0,013), foi maior nas crianças negras (OR=3,79; IC95%: 1,56-9,23; p=0,003) do que nas brancas (caucasianas) e menor nas crianças filhas de pais com graduação ou pós-graduação do que nos filhos de pais que não completaram o ensino secundário (OR=0,25; IC95%: 0,12-0,49; p<0,001).

Tabela 2
Modelo de regressão logística ajustada* para verificar a associação entre o consumo do café da manhã com a atividade física de moderada a vigorosa de crianças (n=432).

O consumo diário do CM (7 dias/sem) reduziu para quase metade a chance de ter excesso de peso ou obesidade, comparativamente a não consumir o CM todos os dias (OR=0,51; IC95%: 0,34-0,76; p=0,001), independentemente da AFMV (Tabela 3). Os resultados também mostraram que quanto maior era a frequência do consumo de alimentos saudáveis, menor era a chance de ter excesso de peso ou obesidade (OR=0,74; IC95%: 0,59-0,94; p=0,012).

Tabela 3
Modelo de regressão logística ajustada para verificar a associação entre o consumo do café da manhã com o estado nutricional de crianças (n=432).

Discussão

O objetivo do estudo foi verificar a associação entre o hábito de tomar CM regularmente com a AFMV e também com o estado nutricional. Além disso, esse é o primeiro estudo brasileiro que investigou a relação do CM com o cumprimento das recomendações de AFMV medido objetivamente por acelerômetros no Brasil. Os resultados mostram que o consumo diário do CM não se associou com a AFMV, mas esteve associado com menor prevalência de excesso de peso ou obesidade.

A comparação do CM “diário” (7 dias/sem) e “menor que o diário” (0-6 dias/sem) revelou resultados semelhantes quando analisado 12 países juntos77 Zakrzewski JK, Gillison FB, Cumming S, Church TS, Katzmarzyk PT, Broyles ST, Champagne CM, Chaput J-P, Denstel KD, Fogelholm M, Hu G, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Mire EF, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Standage M, ISCOLE Research Group. Associations between breakfast frequency and adiposity indicators in children from 12 countries. Int J Obes Suppl 2015; 5 (Supl. 2):S80-S88., sendo que essa definição do consumo do CM, foi sensível o suficiente para isolar as associações encontradas no atual estudo. Em relação ao uso de três categorias para definir a frequência do CM (0-2, 3-5 e 6-7 dias) não encontramos associações na nossa amostra, ou seja, quando a variável CM foi recategorizada em três, não encontramos associação significativa para AF e obesidade quando ajustado por sexo, idade raça, nível educacional dos pais e alimentação saudável e não saudável.

Observamos que praticamente a metade das crianças (51,9%) não tomam CM todos os dias. Os nossos achados são consistentes com outro estudo do ISCOLE em que comparou o hábito de tomar CM em crianças (9-11 anos) dos 12 países. Os autores verificaram que as crianças brasileiras possuem os menores valores percentuais (48,6%) de consumidores diários (7 dias/sem) de CM comparado com países de baixa e média renda, como África do Sul (49,7%), Índia (61,7%), Quê nia (71,3%), e Colômbia (94,2%) e com países de alta renda (Estados Unidos [57,5%], Austrália [72,9%], e Canadá [79,4%])77 Zakrzewski JK, Gillison FB, Cumming S, Church TS, Katzmarzyk PT, Broyles ST, Champagne CM, Chaput J-P, Denstel KD, Fogelholm M, Hu G, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Mire EF, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Standage M, ISCOLE Research Group. Associations between breakfast frequency and adiposity indicators in children from 12 countries. Int J Obes Suppl 2015; 5 (Supl. 2):S80-S88.. Embora as diferenças entre os países não estejam relacionadas com o índice de desenvolvimento do país, práticas culturais, fatores socioeconômicos e disponibilidade de programas de governos que ofereçam o CM nas escolas ou cidades pode contribuir com a diferença percentual no consumo do mesmo77 Zakrzewski JK, Gillison FB, Cumming S, Church TS, Katzmarzyk PT, Broyles ST, Champagne CM, Chaput J-P, Denstel KD, Fogelholm M, Hu G, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Mire EF, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Standage M, ISCOLE Research Group. Associations between breakfast frequency and adiposity indicators in children from 12 countries. Int J Obes Suppl 2015; 5 (Supl. 2):S80-S88..

Nossos resultados mostraram que tomar CM todos os dias não teve associação com o cumprimento das recomendações de AFMV quando comparado ao grupo que não consumia todos os dias (0-6 dias). Esses dados mostraram que quando ajustado para estado nutricional, sexo, idade, raça, nível educacional dos pais e ter alimentação saudável e não saudável, o CM não interferiu no cumprimento das recomendações de AFMV. Esses achados contrariaram a nossa hipótese de que tomar CM todos os dias poderia provocar um aumento da AFMV, uma vez que essas crianças poderiam apresentar outros comportamentos e hábitos saudáveis, como por exemplo, praticar mais AF. Shaffie et al.66 Shafiee G, Kelishadi R, Qorbani M, Motlagh ME, Taheri M, Ardalan G, Taslimi M, Poursafa P, Heshmat R, Larijani B. Association of breakfast intake with cardiometabolic risk factors. J Pediatr (Rio J) 2013; 89(6):575-582. estudaram a relação entre consumo do CM e AF, obtida pelo método autorreferido em crianças e adolescentes (10-18 anos) e mostraram que aquelas que consumiam CM diariamente faziam mais AF. Além disso, estudo com escolares britânicos (média de 14,5 [0,5] anos), mas que utilizou acelerômetros para mensuração da AFMV, mostrou que o CM pode ser importante na promoção de AF, aumentando os níveis de AFMV. Os autores só observaram associações positivas e significativas aos finais de semana. Já durante os dias da semana não houve associações significativas1313 Corder K, van Sluijs EM, Ridgway CL, Steele RM, Prynne CJ, Stephen AM, Bamber DJ, Dunn VJ, Goodyer IM, Ekelund U. Breakfast consumption and physical activity in adolescents: daily associations and hourly patterns. Am J Clin Nutr 2014; 99(2):361-368.. O presente estudo corrobora os achados de Cuenca-Garcia et al.1111 Cuenca-García M, Ruiz JR, Ortega FB, Labayen I, González-Gross M, Moreno LA, Gomez-Martinez S, Ciarapica D, Hallström L, Wästlund A, Molnar D, Gottrand F, Manios Y, Widhalm K, Kafatos A, De Henauw S, Sjöström M, Castillo MJ, HELENA Study Group. Association of breakfast consumption with objectively measured and self-reported physical activity, sedentary time and physical fitness in European adolescents: the HELENA (Healthy Lifestyle in Europe by Nutrition in Adolescence) Study. Public Health Nutr 2014; 17(10):2226-2236. que não encontraram relações entre o consumo de CM e o AF em escolares de diversas cidades europeias, tanto com a utilização de acelerômetros quanto com a utilização de questionários. Os achados do presente estudo juntamente aos outros encontrados na literatura sobre esse tema sugerem que ter baixa frequência dessa refeição, ter um CM com baixa qualidade nutricional ou baixa ingestão de energia não está relacionado à AF1111 Cuenca-García M, Ruiz JR, Ortega FB, Labayen I, González-Gross M, Moreno LA, Gomez-Martinez S, Ciarapica D, Hallström L, Wästlund A, Molnar D, Gottrand F, Manios Y, Widhalm K, Kafatos A, De Henauw S, Sjöström M, Castillo MJ, HELENA Study Group. Association of breakfast consumption with objectively measured and self-reported physical activity, sedentary time and physical fitness in European adolescents: the HELENA (Healthy Lifestyle in Europe by Nutrition in Adolescence) Study. Public Health Nutr 2014; 17(10):2226-2236.,1212 Vissers PA, Jones AP, Corder K, Jennings A, van Sluijs EM, Welch A, Cassidy A, Griffin S. Breakfast consumption and daily physical activity in 9-10-year-old British children. Public Health Nutr 2013; 16(7):1281-1290..

Os resultados do nosso estudo mostraram que escolares que consumiam CM todos os dias apresentaram menores chances de terem excesso de peso ou obesidade, independente da AFMV, sexo, idade, raça, nível educacional dos pais e escore de alimentação saudável e não saudável. É importante salientar que as direções dessas associações, realizada pela regressão logística, não estão determinadas. Resultados similares foram observados em outros estudos77 Zakrzewski JK, Gillison FB, Cumming S, Church TS, Katzmarzyk PT, Broyles ST, Champagne CM, Chaput J-P, Denstel KD, Fogelholm M, Hu G, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Mire EF, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Standage M, ISCOLE Research Group. Associations between breakfast frequency and adiposity indicators in children from 12 countries. Int J Obes Suppl 2015; 5 (Supl. 2):S80-S88.,2525 Duncan S, Duncan EK, Fernandes RA, Buonani C, Bastos KD, Segatto AF, Codogno JS, Gomes IC, Freitas Jr IF. Modifiable risk factors for overweight and obesity in children and adolescents from São Paulo, Brazil. BMC Public Health 2011; 11:585.. Estudo realizado em São Paulo, mostrou que crianças e adolescentes (7-18 anos; n=3397) que tomavam CM em mais de cinco dias da semana tinham menores chances de terem excesso de peso ou obesidade (OR=0,59; IC95%: 0,46-0,75) quando comparado com aqueles que não tomavam CM2525 Duncan S, Duncan EK, Fernandes RA, Buonani C, Bastos KD, Segatto AF, Codogno JS, Gomes IC, Freitas Jr IF. Modifiable risk factors for overweight and obesity in children and adolescents from São Paulo, Brazil. BMC Public Health 2011; 11:585.. Revisão na literatura com 16 artigos sobre a proteção do CM contra o excesso de peso e obesidade mostrou que em 13 (n=57481) tal proteção foi documentada2626 Szajewska H, Ruszczynski M. Systematic review demonstrating that breakfast consumption influences body weight outcomes in children and adolescents in Europe. Crit Rev Food Sci Nutr 2010; 50(2):113-119..

Ainda não está claro como o CM contribui com um peso saudável, porém existem algumas hipóteses: a) geralmente os alimentos consumidos no CM são ricos em cálcio (leite e queijo) que auxiliam na regulação do metabolismo energético aumentando a lipólise e preservando a termogênese2727 Zemel MB. Mechanisms of dairy modulation of adiposity. J Nutr 2003; 133(1):252S-256S. e também são ricos em fibras que neutralizam respostas glicêmicas e insulinêmicas pós refeição2828 Giovannini M, Verduci E, Scaglioni S, Salvatici E, Bonza M, Riva E, Agostoni C. Breakfast: a good habit, not a repetitive custom. J Int Med Res 2008; 36(4):613-624.; b) em contrapartida, pular o CM pode desregular o apetite e prejudicar a qualidade da dieta resultando em ganho do peso ao longo do tempo44 Mihrshahi S, Drayton BA, Bauman AE, Hardy LL. Associations between childhood overweight, obesity, abdominal obesity and obesogenic behaviors and practices in Australian homes. BMC Public Health 2017; 18(1):44.; c) o hiperinsulinismo está fortemente associado com a obesidade2929 Mieldazis SF, Azzalis LA, Junqueira VB, Souza FI, Sarni RO, Fonseca FL. Hyperinsulinism assessment in a sample of prepubescent children. J Pediatr (Rio J) 2010; 86(3):245-249.. Diante da lacuna encontrada na literatura científica, sobre a possível proteção contra o desenvolvimento de excesso de peso ou obesidade obtida pelo consumo frequente do CM e que poderia estar relacionado com outros hábitos saudáveis, como a prática de AF, esse estudo mostrou que o CM protege contra o excesso de peso ou obesidade independentemente da AFMV, que parece não ser influenciado por essa refeição.

Devido a grande preocupação com a obesidade infantil, programas escolares de intervenção foram criados, inclusive no Brasil, visando melhorar o ambiente das escolas, através da educação nutricional, como por exemplo, diminuir a quantidade de gordura, açúcar e sal da alimentação dos escolares, além do incentivo à prática de AF3030 Fisberg M, Maximino P, Kain J, Kovalskys I. Obesogenic environment - intervention opportunities. J Pediatr (Rio J) 2016; 92(3 Supl. 1):S30-S39.. O consumo frequente do café da manhã deve ser visto com atenção pelas escolas e políticas públicas para combater a obesidade infantil.

Os autores reconhecem algumas limitações do estudo, entre elas estão: 1) o desenho transversal do nosso estudo não nos permite inferir causalidade; 2) não responder adequadamente se aquelas crianças que consomem pouco CM (0-2 dias/sem) tem associações com síndrome metabólica ou hábitos saudáveis quando comparado com as crianças que consomem diariamente (6-7 dias/sem); 3) a não representatividade da amostra impede a generalização dos resultados para outras populações; 4) o fato do CM ser obtido por um questionário com apenas pergunta sobre a frequência do consumo. Além, disso, analisar os alimentos ingeridos nessa refeição poderia proporcionar uma melhor análise dos resultados. Devemos destacar o uso de acelerômetros que nos permitiu obter dados fidedignos sobre a quantificação da AFMV em um país de baixa e média renda e também a qualidade dos métodos e procedimentos para coleta dos dados1515 Katzmarzyk PT, Barreira TV, Broyles ST, Champagne CM, Chaput JP, Fogelholm M, Hu G, Johnson WD, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Standage M, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Church TS. The International Study of Childhood Obesity, Lifestyle and the Environment (ISCOLE): design and methods. BMC Public Health 2013; 13:900..

Conclusão

O hábito diário de tomar CM está associado ao excesso de peso e obesidade em escolares de 9 a 11 anos de idade comparado com aqueles que consomem de 0-6 dias/sem, porém não aumenta a chance de maior AFMV. Sugere-se futuros estudos longitudinais para que essas relações sejam melhor estudadas, e consequentemente, mais esclarecidas.

Levando em consideração que o estilo de vida adotado quando criança pode permanecer na vida adulta, comportamentos como consumir CM diariamente podem prevenir o excesso de peso e obesidade futuramente. Políticas públicas devem incentivar o consumo diário do CM para assim prevenir o excesso de peso ou obesidade, além de incentivar outros hábitos saudáveis, como o aumento da prática de atividade física e a diminuição do tempo sedentário.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos participantes, pais e responsáveis; aos professores e à coordenação das Escolas Municipais de São Caetano do Sul.

Referências

  • 1
    Brewis A, SturtzSreetharan C, Wutich A. Obesity stigma as a globalizing health challenge. Global Health 2018; 14(1):20.
  • 2
    Singer K, Lumeng CN. The initiation of metabolic inflammation in childhood obesity. J Clin Invest 2017; 127(1):65-73.
  • 3
    Hemmingsson E. Early Childhood Obesity Risk Factors: Socioeconomic Adversity, Family Dysfunction, Offspring Distress, and Junk Food Self-Medication. Curr Obes Rep 2018; 7(2):204-209.
  • 4
    Mihrshahi S, Drayton BA, Bauman AE, Hardy LL. Associations between childhood overweight, obesity, abdominal obesity and obesogenic behaviors and practices in Australian homes. BMC Public Health 2017; 18(1):44.
  • 5
    Katzmarzyk PT, Barreira TV, Broyles ST, Champagne CM, Chaput JP, Fogelholm M, Hu G, Johnson WD, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Standage M, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Church TS, ISCOLE Research Group. Relationship between lifestyle behaviors and obesity in children ages 9-11: Results from a 12-country study. Obesity 2015; 23(8):1696-1702.
  • 6
    Shafiee G, Kelishadi R, Qorbani M, Motlagh ME, Taheri M, Ardalan G, Taslimi M, Poursafa P, Heshmat R, Larijani B. Association of breakfast intake with cardiometabolic risk factors. J Pediatr (Rio J) 2013; 89(6):575-582.
  • 7
    Zakrzewski JK, Gillison FB, Cumming S, Church TS, Katzmarzyk PT, Broyles ST, Champagne CM, Chaput J-P, Denstel KD, Fogelholm M, Hu G, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Mire EF, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Standage M, ISCOLE Research Group. Associations between breakfast frequency and adiposity indicators in children from 12 countries. Int J Obes Suppl 2015; 5 (Supl. 2):S80-S88.
  • 8
    Littlecott HJ, Moore GF, Moore L, Lyons RA, Murphy S. Association between breakfast consumption and educational outcomes in 9-11-year-old children. Public Health Nutr 2016; 19(9):1575-1582.
  • 9
    Kim SY, Sim S, Park B, Kong IG, Kim JH, Choi HG. Dietary Habits Are Associated With School Performance in Adolescents. Medicine (Baltimore) 2016; 95(12):e3096.
  • 10
    Brown AW, Bohan Brown MM, Allison DB. Belief beyond the evidence: using the proposed effect of breakfast on obesity to show 2 practices that distort scientific evidence. Am J Clin Nutr 2013; 98(5):1298-1308.
  • 11
    Cuenca-García M, Ruiz JR, Ortega FB, Labayen I, González-Gross M, Moreno LA, Gomez-Martinez S, Ciarapica D, Hallström L, Wästlund A, Molnar D, Gottrand F, Manios Y, Widhalm K, Kafatos A, De Henauw S, Sjöström M, Castillo MJ, HELENA Study Group. Association of breakfast consumption with objectively measured and self-reported physical activity, sedentary time and physical fitness in European adolescents: the HELENA (Healthy Lifestyle in Europe by Nutrition in Adolescence) Study. Public Health Nutr 2014; 17(10):2226-2236.
  • 12
    Vissers PA, Jones AP, Corder K, Jennings A, van Sluijs EM, Welch A, Cassidy A, Griffin S. Breakfast consumption and daily physical activity in 9-10-year-old British children. Public Health Nutr 2013; 16(7):1281-1290.
  • 13
    Corder K, van Sluijs EM, Ridgway CL, Steele RM, Prynne CJ, Stephen AM, Bamber DJ, Dunn VJ, Goodyer IM, Ekelund U. Breakfast consumption and physical activity in adolescents: daily associations and hourly patterns. Am J Clin Nutr 2014; 99(2):361-368.
  • 14
    Herman KM, Sabiston CM, Mathieu ME, Tremblay A, Paradis G. Correlates of sedentary behaviour in 8- to 10-year-old children at elevated risk for obesity. Appl Physiol Nutr Metab 2015; 40(1):10-19.
  • 15
    Katzmarzyk PT, Barreira TV, Broyles ST, Champagne CM, Chaput JP, Fogelholm M, Hu G, Johnson WD, Kuriyan R, Kurpad A, Lambert EV, Maher C, Maia J, Matsudo V, Olds T, Onywera V, Sarmiento OL, Standage M, Tremblay MS, Tudor-Locke C, Zhao P, Church TS. The International Study of Childhood Obesity, Lifestyle and the Environment (ISCOLE): design and methods. BMC Public Health 2013; 13:900.
  • 16
    Ferrari GL, Matsudo V, Barreira TV, Tudor-Locke C, Katzmarzyk PT, Fisberg M. Correlates of moderate-to-vigorous physical activity in brazilian children. J Phys Act Health 2016; 13(10):1132-1145.
  • 17
    Vereecken C, Dupuy M, Rasmussen M, Kelly C, Nansel TR, Al Sabbah H, Baldassari D, Jordan MD, Maes L, Niclasen BV-L, Ahluwalia N, HBSC Eating & Dieting Focus Group. Breakfast consumption and its socio-demographic and lifestyle correlates in schoolchildren in 41 countries participating in the HBSC study. Int J Public Health 2009; 54 (Supl. 2):180-190.
  • 18
    Colley R, Gorber SC, Tremblay MS. Quality control and data reduction procedures for accelerometry-derived measures of physical activity. Health Rep 2010; 21(1):63-69.
  • 19
    Trost SG, Loprinzi PD, Moore R, Pfeiffer KA. Comparison of accelerometer cut points for predicting activity intensity in youth. Med Sci Sports Exerc 2011; 43(7):1360-1368.
  • 20
    Evenson KR, Catellier DJ, Gill K, Ondrak KS, McMurray RG. Calibration of two objective measures of physical activity for children. J Sports Sci 2008; 26(14):1557-1565.
  • 21
    World Health Organization (WHO). Global recommendations on physical activity for health. Genebra: WHO; 2010.
  • 22
    Barreira TV, Staiano AE, Katzmarzyk PT. Validity assessment of a portable bioimpedance scale to estimate body fat percentage in white and African-American children and adolescents. Pediatr Obes 2013; 8(2):e29-e32.
  • 23
    Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull WHO 2007; 85(9):660-667.
  • 24
    Matsudo VK, Ferrari GL, Araujo TL, Oliveira LC, Mire E, Barreira TV, Tudor-Locke C, Katzmarzyk P. Socioeconomic status indicators, physical activity and overweight/obesity in Brazilian children. Rev Paul Pediatr 2016; 34(2):162-170.
  • 25
    Duncan S, Duncan EK, Fernandes RA, Buonani C, Bastos KD, Segatto AF, Codogno JS, Gomes IC, Freitas Jr IF. Modifiable risk factors for overweight and obesity in children and adolescents from São Paulo, Brazil. BMC Public Health 2011; 11:585.
  • 26
    Szajewska H, Ruszczynski M. Systematic review demonstrating that breakfast consumption influences body weight outcomes in children and adolescents in Europe. Crit Rev Food Sci Nutr 2010; 50(2):113-119.
  • 27
    Zemel MB. Mechanisms of dairy modulation of adiposity. J Nutr 2003; 133(1):252S-256S.
  • 28
    Giovannini M, Verduci E, Scaglioni S, Salvatici E, Bonza M, Riva E, Agostoni C. Breakfast: a good habit, not a repetitive custom. J Int Med Res 2008; 36(4):613-624.
  • 29
    Mieldazis SF, Azzalis LA, Junqueira VB, Souza FI, Sarni RO, Fonseca FL. Hyperinsulinism assessment in a sample of prepubescent children. J Pediatr (Rio J) 2010; 86(3):245-249.
  • 30
    Fisberg M, Maximino P, Kain J, Kovalskys I. Obesogenic environment - intervention opportunities. J Pediatr (Rio J) 2016; 92(3 Supl. 1):S30-S39.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2019
  • Aceito
    29 Nov 2019
  • Publicado
    01 Dez 2019
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br