Resumo
O objetivo deste artigo é analisar as manifestações dos cidadãos à Ouvidoria-Geral do Sistema Único de Saúde (SUS), no período de 2014-2018, discutindo-as e compreendendo-as como evidências capazes de orientar a tomada de decisões dos gestores do SUS. Para isso, foi extraído o banco de dados do sistema informatizado OuvidorSUS, a partir de 16 variáveis referentes ao conteúdo das manifestações, à sua categorização e ao perfil do cidadão. Foram registradas 216.832 manifestações e 114.618 perfis dos cidadãos que entraram em contato com a Ouvidoria-Geral do SUS nesse período, sendo o principal canal o Disque Saúde 136. Os grupos que mais acessaram a Ouvidoria e responderam ao perfil do cidadão foram mulheres, brancos, heterossexuais, com idade entre 31 e 40 anos, nível superior completo ou incompleto, trabalhadores do setor privado e com renda entre 1 e 2 salários mínimos. As demandas, principalmente relacionadas a solicitações, reclamações e denúncias, tiveram como assuntos mais frequentes a gestão do sistema, a assistência à saúde e a assistência farmacêutica. Os registros apontam a importância da consolidação de variáveis estratégicas da Ouvidoria para a qualificação da gestão do sistema.
Key words:
Social participation; Decision-making; Health management; Information management
Abstract
This paper aims to analyze the manifestations of citizens to the Unified Health System (SUS) General Ombudsman, in the 2014-2018 period, discussing and understanding them as evidence to guide the decision-making of SUS managers. To this end, the database of the OuvidorSUS computerized system was extracted from 16 variables related to the content of the manifestations, their categorization, and the citizen’s profile. We identified 216,832 registered manifestations and 114,618 profiles of citizens who contacted the SUS General Ombudsman during this period, mainly through the hotline Disque Saúde 136. The groups that most accessed the Ombudsman and responded to the citizen profile were women, white, heterosexual, aged between 31 and 40, having complete or incomplete higher education, and private sector workers with an income of 1-2 minimum wages. The most frequent issues of demands, mainly related to requests, complaints and denunciations, were system management, health care, and pharmaceutical care. The records show the importance of consolidating the Ombudsman’s strategic variables for qualifying the system management.
Key words:
Social participation; Decision-making; Health management; Information management
Introdução
Na administração pública brasileira, os serviços de ouvidoria têm sido desenhados para estimular a participação da sociedade na gestão, valorizando seu potencial de escuta qualificada, no que tange ao aperfeiçoamento da democracia, ao controle da gestão, à avaliação de políticas e à melhoria dos serviços públicos prestados à população11 Peixoto SF, Marsiglia RMG, Morrone LC. Atribuições de uma ouvidoria: opinião de usuários e funcionários. Saude Soc 2013; 22(3):785-794.
2 Fernandes FMB, Moreira MR, Ribeiro JM, Ouverney AM, Oliveira FJF, Moro MFA. Inovação em ouvidorias do SUS - reflexões e potencialidades. Cien Saude Colet 2016; 21(8):2547-2554.-33 Moreira MR. Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS no Brasil: documentos de base. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2018..
Esse desenho institucional compreende que as demandas e necessidades expressas pelos cidadãos às ouvidorias têm potencial para ser fonte direta de informações. Essas evidências na saúde pública possibilitam a tomada de decisões44 Mowat D. Evidence-Based Decision-Making in Public Health. Ethos Gub 2007; 4:231-248., porém ainda têm sido pouco aproveitadas. Essa é a situação-problema do presente artigo, que, atendo-se ao setor saúde, toma como objeto de estudo as manifestações dos cidadãos junto à Ouvidoria-Geral do Sistema Único de Saúde (SUS).
A Ouvidoria-Geral do SUS foi criada, em 2003, como um Departamento da Secretaria de Gestão Participativa do Ministério da Saúde (MS)55 Brasil. Decreto nº 4.726, de 9 de junho de 2003. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério da Saúde, e dá outras providências. Diário Oficial da União; 2003.. Desde então, atua como promotora da participação popular, por meio do recebimento e processamento das manifestações da sociedade, da realização de pesquisas junto aos cidadãos e da implementação da Rede Nacional de Ouvidorias do SUS. Suas ações têm respaldo na Constituição Federal de 1988 e normativas posteriores, tendo se fortalecido com a publicação, em 2005, da Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS (ParticipaSUS)66 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS - ParticipaSUS. 2ª ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2009., que instituiu a Ouvidoria com um dos seus componentes, atuando de forma complementar a outras instâncias de participação, como os conselhos e as conferências de saúde. Atualmente, a Ouvidoria-Geral do SUS é uma coordenação da Diretoria de Integridade do MS77 Brasil. Decreto nº 9.795, de 17 de maio de 2019. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério da Saúde, remaneja cargos em comissão e funções de confiança, transforma funções de confiança e substitui cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS por Funções Comissionadas do Poder Executivo - FCPE. Diário Oficial da União; 2019..
Seguindo um dos princípios constitucionais do SUS, as ouvidorias do setor saúde são descentralizadas, permitindo que os cidadãos manifestem suas demandas sobre as ações, serviços e políticas de saúde diretamente à esfera de gestão responsável88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Ouvidoria-Geral do SUS. Manual das Ouvidorias do SUS. Brasília: MS; 2014.. Tal descentralização fomentou uma rede que, atualmente, congrega 1.011 ouvidorias do sistema público de saúde. Essa rede é articulada pela Ouvidoria-Geral do SUS, por meio do Sistema OuvidorSUS, ferramenta cuja função é unificar e articular processos relacionados ao recebimento, tratamento, encaminhamento e resposta de manifestações dos cidadãos. Nesse sistema, os cidadãos podem registrar manifestações referentes a qualquer serviço público de saúde no Brasil (Lei 13.460/2017)99 Brasil. Lei nº. 13.460, de 26 de junho de 2017. Dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública. Diário Oficial da União; 2017., gerando informações fundamentais para a gestão dos serviços, das secretarias municipais, estaduais e do Ministério da Saúde (que tem acesso às informações de todo o país).
Embora restritos, estudos1010 Silva RP, Jesus EA, Ricardi LM, Sousa MF, Mendonça AVM. O pensamento dos gestores municipais sobre a ouvidoria como um potencial instrumento de gestão participativa do SUS. Saude Debate 2016; 40(110):81-94.,1111 Silva RCC, Pedroso MC, Zucchi P. Ouvidorias públicas de saúde: estudo de caso em ouvidoria municipal de saúde. Rev Saude Publica 2014; 48(1):134-141. demonstram a importância da utilização da ouvidoria como ferramenta para o estabelecimento de avaliações e reavaliações com foco na melhoria das ações de saúde prestadas pela administração pública, promovendo a democracia participativa. Apontam, também, que a ouvidoria pode se consolidar como ferramenta de gestão à medida que as informações recolhidas, identificadas e tipificadas são repassadas aos gestores, que as analisam, fornecendo uma resposta aos usuários ou mesmo reorganizando os referidos serviços.
Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo analisar as manifestações dos cidadãos à Ouvidoria-Geral do SUS, no período de 2014-2018, discutindo-as e compreendendo-as como evidências capazes de orientar a tomada de decisões. Busca-se, assim, contribuir com o debate em torno do potencial das ouvidorias para a gestão pública, estimulando gestores, técnicos, pesquisadores, movimentos sociais e demais interessados a valorizarem a manifestação direta dos cidadãos, suas demandas e necessidades, como inspiração e evidência para as políticas públicas.
Aspectos metodológicos
O presente artigo é desdobramento de dissertação1212 Caliari RV. Análise das manifestações da população à Ouvidoria-Geral do SUS, no período de 2014 a 2018: evidências para a tomada de decisão [dissertação]. Rio de Janeiro: ENSP, Fiocruz; 2019. aprovada pelo “Mestrado Profissional em Desenvolvimento e Políticas Públicas”, da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz, que analisou as manifestações dos cidadãos à Ouvidoria-Geral do SUS, a partir do banco de dados do sistema OuvidorSUS, uma fonte secundária de informações, de caráter público. Por essa razão, a pesquisa não precisou da apreciação de comitê de ética, o que não a eximiu de aplicar os cuidados éticos necessários, quanto à garantia de anonimato e sigilo de quaisquer informações que pudessem identificar os manifestantes. Os pesquisadores deste artigo não tiveram acesso, portanto, a informações pessoais.
O acesso ao banco de dados do OuvidorSUS foi intermediado pelos profissionais por ele responsáveis. Para tanto, foi necessário selecionar, dentre as variáveis que compõem o banco de dados do sistema, as que interessavam ao estudo e, posteriormente, solicitar a extração das informações relacionadas, que foram encaminhadas aos pesquisadores em um relatório no formato de planilha Excel. Tal relatório tornou-se, então, a fonte de informação do estudo.
Os autores do artigo selecionaram 12 variáveis que, se acrescidas às subdivisões, atingem um total de 16 variáveis: (i) tipificação, subdivida em assunto, subassunto 1, subassunto 2 e subassunto 3; (ii) período; (iii) canal de atendimento; (iv) classificação; (v) ano (da manifestação); (vi) idade; (vii) sexo; (viii) orientação sexual; (ix) raça/cor; (x) escolaridade; (xi) ocupação; e (xii) faixa de renda.
Os critérios de inclusão dessa seleção foram: variáveis que permitissem a compreensão e análise do conteúdo das manifestações, isto é, o assunto sobre o qual as pessoas demandaram a atuação do poder público; que indicassem o período e a forma de acesso à Ouvidoria; e que permitissem a elaboração de um “Perfil” dos cidadãos que se manifestaram, sem identificar informações privadas.
Os critérios de exclusão adotados foram: variáveis que pudessem, direta ou indiretamente, identificar os cidadãos; que estivessem fora do período selecionado ou relacionadas aos trâmites administrativos em relação às manifestações ou a parâmetros de atuação da ouvidoria; e que contivessem informações que não dissessem respeito aos conteúdos buscados nas variáveis selecionadas.
Importante notar que o conteúdo das variáveis selecionadas não é a exata reprodução das demandas do cidadão, mas uma categorização da manifestação feita pelos profissionais da Ouvidoria-Geral do SUS, no momento em que as recebem. Nas variáveis que se referem ao “assunto”, o sistema OuvidorSUS demanda que esses profissionais realizem uma codificação que atenda a parâmetros estabelecidos e constantemente aperfeiçoados pela Ouvidoria-Geral do SUS. Essas mediações podem interferir na correta categorização das demandas, o que se torna não apenas uma limitação ao trabalho da Ouvidoria, mas também ao presente artigo.
Quanto ao recorte temporal, o banco de dados do OuvidorSUS passou por diversas adaptações ao longo do tempo, o que gerou descontinuidades de determinadas variáveis e inserção posterior de outras. Optou-se por trabalhar com o período 2014 a 2018, visto que, ao final de 2013, o sistema do OuvidorSUS passou por uma potente atualização que permitiu maior harmonia informacional e cruzamento mais seguro de variáveis. Assim, possíveis lacunas informacionais são oriundas do não-preenchimento por parte de quem recebeu a demanda e não pela inexistência de uma determinada variável no banco de dados.
A extração das informações foi realizada em janeiro de 2019, o que permitiu incorporar o ano de 2018 na íntegra, viabilizando um estudo que, para o período de 5 anos que abrange, é censitário. Desta forma, o presente artigo trabalha com um universo de 216.832 manifestações.
Como já referido, este conjunto volumoso e inédito de informações foi sistematizado por meio de uma planilha Excel, que viabilizou sua organização e análise. Nas variáveis em que os conteúdos foram categorizados pelo profissional da Ouvidoria-Geral do SUS, trabalhou-se com tal categorização, mas buscou-se, quando necessário, agrupá-las de maneira a melhorar a compreensão das situações estudadas. Em geral, as informações foram trabalhadas a partir de estatística básica descritiva, em especial pelo uso de frequências.
É, portanto, um estudo que revela o que os cidadãos demandaram do SUS por meio da Ouvidoria no período estudado. Não há, ainda, estudos publicados que permitam comparar os resultados aqui discutidos, o que impõe à reflexão e à análise um caráter mais temático, produzindo um diálogo com a literatura mais próximo às categorias de estudo do que aos resultados, conforme apresentado a seguir.
O fluxo das manifestações
A Ouvidoria-Geral do SUS recebe manifestações dos cidadãos por diferentes canais: Disque Saúde 136 (telefone gratuito), formulário web, e-mail, carta, correspondência oficial, presencialmente ou por meio do aplicativo “Meu DigiSUS”. As manifestações recebidas são registradas pelos profissionais da Ouvidoria por meio do site do Sistema OuvidorSUS (http://www.saude.gov.br/ouvidorsus), que gera um número de protocolo que garante ao cidadão o acompanhamento de sua demanda via Disque 136 ou pelo site do Ministério da Saúde.
Ressalte-se que, além das manifestações o Disque Saúde 136 e as ouvidorias do SUS disseminam informações em saúde à população sobre doenças, ações, programas de saúde, entre outras. Esses atendimentos - que, entre 2014 e 2018, somaram mais de 950.000 - são classificados pela Ouvidoria-Geral do SUS como “disseminação de informação” e não devem ser confundidas com as “manifestações”, pois têm objetivos, funções e tratamento diferentes. Por isso, não são levados em conta no presente artigo.
Ao receberem as manifestações, os profissionais da Ouvidoria-Geral do SUS transcrevem seu conteúdo para o sistema e, em algumas variáveis, tipificam-nas de acordo com as categorias apresentadas pelo sistema OuvidorSUS. Conforme a demanda tipificada, as manifestações são encaminhadas para a área técnica e/ou à ouvidoria pertencente à rede nacional. O prazo para resposta é consoante à classificação da manifestação e a resposta é encaminhada para o manifestante via e-mail ou pelo Disque 136 quando contatado pelo cidadão. Se o manifestante não concordar com a resposta, pode solicitar a reabertura da demanda. Concomitantemente, a Ouvidoria analisa o conjunto dos dados e produz um Relatório Gerencial com informações encaminhadas aos gestores. A Figura 1 ilustra e detalha este fluxo.
As manifestações
De 2014 a 2018, a Rede de Ouvidoria do SUS (composta por 1.011 ouvidorias) recebeu 1.887.230 manifestações. Deste total, 216.832 (11,5%) foram recebidas por meio da Ouvidoria-Geral do SUS, o que demonstra a importância e o peso relativo desta Ouvidoria na Rede.
Os dados apresentados na Tabela 1 demonstram a diversificação dos canais de atendimento disponibilizados pela Ouvidoria do Ministério da Saúde. O maior contato se deu por meio do Disque Saúde, abarcando mais de 50% dos contatos no período do estudo. O formulário web segue com 34,24% das manifestações registradas. O canal menos utilizado é o presencial (0,23%), possivelmente por ser realizado apenas na sede em Brasília.
O Disque Saúde 136 é o canal mais acessado, possivelmente por se tratar de um telefone gratuito e com divulgação obrigatória em todos os materiais produzidos pelo Ministério da Saúde. Complementarmente, a internet tem se tornado um meio muito utilizado pelo cidadão para registrar suas manifestações, para buscar informações nas ouvidorias e para outros atendimentos e serviços. O aplicativo Meu DigiSUS começou a ser utilizado pela Ouvidoria-Geral do SUS em junho de 2017, não perfazendo todo o período do estudo, mas se caracteriza como um potencial canal para registro de manifestações, aliado ao aumento do uso da internet no país. Segundo a Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílio (PNAD 2017)1313 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) 2017. Brasília: IBGE; 2018., em 2016, a Internet era utilizada em 69,3% dos domicílios brasileiros, aumentando, em 2017, para 74,9%.
Esses dados representam os contatos com a Ouvidoria do SUS na esfera federal. Nos estados e municípios essas proporções vão apresentar diferenças: os atendimentos presenciais vão ser possivelmente mais altos que os apresentados no Ministério da Saúde. Além disso, a maior parte das manifestações recebidas pelo Ministério no quinquênio referiam-se a ações e serviços sob responsabilidade de outras esferas e foram encaminhadas para municípios (56,66%) e para estados (28,09%), ficando sob responsabilidade da união apenas 15,25%. Esse contato com o ente federal para o registro de manifestações referentes a outras esferas pode decorrer da inexistência de serviços de ouvidoria do SUS na maioria dos municípios ou ainda representar um possível entendimento da população sobre um papel fiscalizador ou de uma hierarquia do Ministério da Saúde em relação aos outros entes.
Classificação e Tipificação das manifestações
A Ouvidoria-Geral do SUS classifica 6 tipos de manifestações: solicitações, reclamações, denúncias, elogios, informações e sugestões. Conforme verificado na Tabela 1, as solicitações representaram 38,52% das 216.832 manifestações, as reclamações 27,39% e as denúncias 23,46%. Elogios, informações e sugestões foram menos frequentes e contribuíram conjuntamente com 10,63% das manifestações no quinquênio.
Analisando as classificações das manifestações, verifica-se que essas trazem uma importante avaliação sobre o sistema de saúde (reclamações, elogios), além das necessidades de saúde de cada cidadão (solicitações) e das propostas de melhorias (sugestões). Enquanto as reclamações representam insatisfação por parte dos cidadãos, as denúncias caracterizam ato infracional. Ademais, no SUS, uma solicitação de consulta, tratamento ou diagnóstico pode representar, em grande parte, também dificuldade de acesso à ação ou serviço. Já as informações contemplam questionamentos sobre o Sistema Único de Saúde.
Se trabalhados por meio de relatórios, esses dados podem subsidiar os gestores na melhoria das políticas de saúde de sua localidade, produzindo relatórios de gestão, definindo prioridades e metas de trabalho, além de fortalecer as ações de planejamento a partir de informações provenientes dos usuários e dos trabalhadores, caracterizando a ouvidoria como um instrumento de gestão participava1010 Silva RP, Jesus EA, Ricardi LM, Sousa MF, Mendonça AVM. O pensamento dos gestores municipais sobre a ouvidoria como um potencial instrumento de gestão participativa do SUS. Saude Debate 2016; 40(110):81-94.,1414 Cyrillo RM. Ouvidorias: um Aporte Necessário. Rev Minist Publico DF Territ 2015; 9:193-211.,1515 Machado FRS, Borges CF. Análise do componente ouvidoria na implementação da política de participação no SUS no estado do Rio de Janeiro. Sociologias 2017; 19(44):360-389..
O sistema OuvidorSUS permite tipificar a manifestação do cidadão de acordo com uma série de categorias desenvolvidas com áreas técnicas do Ministério da Saúde. A partir do relato do cidadão, devem ser preenchidos pelos técnicos da ouvidoria o assunto principal e o subassunto 1 (dados obrigatórios). Em alguns casos, os registros podem se dividir em subassunto 2 e subassunto 3 ou ainda em fármaco. Ao todo, na base do sistema, são 23 assuntos, 246 subassuntos 1, 897 subassuntos 2 e 1.897 subassuntos 3.
A Figura 2 apresenta, a título de ilustração, dois exemplos de tipificações frequentes, preenchidas de forma encadeada e sequencial, onde os subassuntos representam a especificação dos assuntos anteriores.
A tipificação é essencial para gerar os relatórios das ouvidorias, agregando informações de demandas individualizadas para uma possível intervenção coletiva da gestão. A tipificação permite também a uniformização de conceitos na rede de ouvidorias do SUS1616 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Ouvidoria-Geral do SUS. Manual de Tipificação do Sistema OuvidorSUS. Brasília: MS; 2017.. A Tabela 2 demonstra as variáveis “assunto” e “subassuntos”, descrevendo separadamente cada uma delas.
O assunto mais demandado, conforme apresentado, foi “gestão”, com 27,56%, e abarca situações pertinentes à administração do SUS. Os principais subassuntos em que se desdobra são: recursos humanos (n=28.339), estabelecimentos de saúde (17.197), ações e programas de saúde (4.035), documentos (3.595) e recursos materiais (2.896). Várias ações podem ser implementadas pela gestão nesses temas, como ampliar o acesso a serviços de saúde, facilitar a obtenção de documentos (prontuário, cartão de vacinação, outros), registrar os elogios na ficha funcional dos trabalhadores de saúde e realizar licitação para a aquisição de materiais, por exemplo.
Os próximos assuntos mais demandados foram assistência à saúde (19,96%) e assistência farmacêutica (14,11%), em grande parte pelas solicitações ou reclamações realizadas sobre fármacos no SUS ou em relação a consultas, atendimentos, tratamento, diagnóstico, internação, dentre outros.
O subassunto 1, Recursos Humanos, representa 15,29% das tipificações no período e pode estar ligado aos grandes assuntos Gestão (n=28.339), Estratégia de Saúde da Família/Programa de Agentes Comunitários de Saúde (3.821), Assistência Odontológica (675) e Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) (316), trazendo manifestações sobre profissionais de saúde em cada área. Nesses casos, a análise dos dados pela gestão pode direcionar suas ações para a implementação das Políticas de Educação Permanente em Saúde e de Humanização.
Consulta/atendimento/tratamento foi o segundo subassunto 1 mais tipificado no Sistema OuvidorSUS (8,57%) e representa a necessidade do cidadão (solicitação) em relação a esses serviços prestados pelo SUS. O subassunto estabelecimento de saúde representou 7,93% das tipificações no período. Nesses casos, a gestão poderia realizar estudos sobre as necessidades de acesso a determinadas consultas especializadas ou reorganizar a atenção primária e o fluxo de encaminhamento via sistema de regulação.
Os subassuntos 2 e 3 não são de preenchimento obrigatório e são descritos em complementação à informação presente no relato do cidadão. Verifica-se que mais campos se classificam como vazios nessas variáveis.
Em relação aos subassuntos 2, a insatisfação foi o principal item preenchido (7,59%), representando uma reclamação ou denúncia sobre profissionais e equipes de saúde, gestores de serviços, entre outros. “Outros” contribuiu com 6,15% das tipificações, podendo representar a dificuldade do técnico em tipificar o relato do cidadão, por falta de subassuntos específicos. O terceiro subassunto 2 mais recorrente foi dificuldade de acesso (4,34%), que está interligado a estabelecimentos de saúde (n=8.910), unidade de saúde da família (372) e estabelecimento de saúde bucal (127), podendo representar uma restrição de acesso aos serviços de saúde. Assim, ações da gestão, como a análise das insatisfações e intervenções possíveis, podem levar a melhores índices de satisfação da população em relação aos trabalhadores e serviços do SUS.
A próxima etapa no sistema OuvidorSUS configura o detalhamento do subassunto 3, se este existir. Na perspectiva desses subassuntos, fármacos (13,38%), outros (4,76%) e médicos (4,40%) foram os mais mencionados. O termo “médico” está ligado à: falta do profissional, insatisfação (reclamação) ou satisfação (elogio). Fármaco representa temas voltados à solicitação de medicamento, informações sobre como obtê-lo, reclamação da falta do mesmo, denúncia sobre desvio ou revenda no SUS, além de sugestões de inclusão nas relações de medicamentos essenciais, por exemplo.
Apesar da relevância do SUS na provisão de medicamentos, estudo nacional publicado em 2017 verificou que apenas 45,3% das pessoas que têm medicamentos prescritos no SUS os obtêm integralmente na rede pública1717 Boing AC, Bertoldi AD, Boing AF, Bastos JL, Peres KG. Acesso a medicamentos no setor público: análise de usuários do Sistema Único de Saúde no Brasil. Cad Saude Publica 2013; 29(4):691-701.. A indisponibilidade de medicamentos no SUS é reconhecida como a principal barreira para o acesso da população aos fármacos1818 Álvares J, Guerra Junior AA, Araújo VE, Almeida AM, Dias CZ, Ascef BO. Acesso aos medicamentos pelos usuários da atenção primária no Sistema Único de Saúde. Rev Saude Publica 2017; 51(Supl. 2):20s..
Assim, a tipificação demonstra, por exemplo, as dificuldades relacionadas ao acesso a estabelecimentos de saúde (gestão → estabelecimento de saúde → dificuldade de acesso → demora no atendimento), falta de consultas com determinadas especialidades (assistência à saúde → consulta/atendimento/tratamento → cardiologia), falta de fármacos (assistência farmacêutica → componente especializado → falta de fármaco → princípio ativo do medicamento), orientando os gestores sobre ações a serem implementadas.
Na perspectiva da avaliação dos serviços, as tipificações dos elogios são importantes elementos. Interessante relatar que o profissional médico, ao mesmo tempo em que é citado em grande parte das reclamações, também recebe grande parte dos elogios.
Os assuntos que não representam grande quantitativo também podem apresentar informações aos gestores para auxiliar na tomada de decisão. Todo dado deve ser trabalhado para monitoramento da realidade do SUS no território, na visão dos usuários, trabalhadores de saúde, conselheiros ou demais atores sociais que utilizam a ouvidoria.
Além disso, as necessidades de saúde pública têm sido cada vez mais transformadas em judicialização, uma vez que os cidadãos buscam no poder Judiciário uma solução para a ausência das ações de saúde do Estado1919 Oliveira LGB, Lippi MC. Judicialização e ativismo judicial sobre as demandas de saúde pública no Brasil. Rev Derecho Estado 2020; (45):245-274.. A ouvidoria pode auxiliar na redução dessas demandas, tanto prestando informações precisas sobre o acesso às consultas, exames e cirurgias na rede pública de saúde, quanto atuando administrativamente nas solicitações dos usuários.
A ação eficaz da ouvidoria para além da individualidade das manifestações pode demonstrar aos gestores as falhas e servir como informação para transformações da gestão do SUS1515 Machado FRS, Borges CF. Análise do componente ouvidoria na implementação da política de participação no SUS no estado do Rio de Janeiro. Sociologias 2017; 19(44):360-389.,2020 Pereira LH. A voz do usuário no sistema hospitalar: ouvidorias. Sociologias 2002; 7:82-121.. Todavia, esses dados de ouvidoria ainda são pouco utilizados para o planejamento, inclusive na esfera federal2121 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Plano Nacional de Saúde: PNS 2016 - 2019. Brasília: MS; 2016..
Perfil do cidadão
O cidadão, ao entrar em contato com o Disque Saúde 136, pode ser convidado a responder questões de caráter socioeconômico. A pesquisa é uma funcionalidade do sistema OuvidorSUS chamada de módulo Perfil Cidadão e disponibiliza três questões obrigatórias, além de catorze facultativas. Já nas manifestações registradas por meio do formulário web, no site do Ministério da Saúde, devem ser preenchidas 8 questões obrigatórias. Pelos outros canais de atendimento - como carta, correspondência oficial, aplicativo, e-mail - não é solicitado o preenchimento do perfil. O cidadão que entra em contato com a Ouvidoria é quem responde ao perfil, mesmo quando o registro da manifestação se refere à outra pessoa.
Ao longo do quinquênio 2014-2018, o questionário de perfil foi aplicado para 114.618 pessoas (52,86% das manifestações). Cabe destacar que um mesmo atendimento pode gerar mais de um protocolo de manifestação, porém com um único perfil. A Tabela 3 apresenta o perfil dos usuários da Ouvidoria do SUS que registraram manifestações no período e responderam ao questionário, segundo variáveis socioeconômicas.
Os dados apresentam um aumento no quantitativo de questionários de perfil respondidos até 2017, que representou mais do que o dobro de 2014. Contudo, em 2018, visualiza-se um decréscimo decorrente de uma decisão da gestão do departamento à época em não aplicar amplamente o questionário.
Em relação à idade, os usuários que mais registraram manifestações estão na faixa etária de 31 a 40 anos (27,12%), seguidos dos cidadãos de 41 a 50 anos (21,25%). Chamam a atenção as manifestações de usuários entre 0 e 10 anos, o que pode representar um erro no preenchimento, uma vez que o participante pode responder sobre a idade do paciente que necessita de determinado atendimento e não sobre ele mesmo.
A maior parte dos cidadãos que responderam ao perfil foram mulheres (63,77%), brancos (46,56%) e heterossexuais (80,27%). 10,25% não responderam sobre raça/cor e 16,38% não responderam sobre orientação sexual.
Levorato et al.2222 Levorato CD, Mello LM, Silva AS, Nunes AA. (). Fatores associados à procura por serviços de saúde numa perspectiva relacional de gênero. Cien Saude Colet 2014; 19(4):1263-1274. observaram em estudo que mulheres buscam mais os serviços de saúde do que os homens. O desenvolvimento e a implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, que trabalha com a compreensão da realidade singular masculina nos seus diversos contextos socioculturais e político-econômicos, podem melhorar o acesso de homens aos serviços de saúde, buscando, também, por meio das práticas de humanização, formas de atrair tais cidadãos para o acompanhamento de saúde2323 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria-Executiva. Secretaria de Atenção à Saúde. Glossário temático: saúde do homem. Brasília: MS; 2018.. Outra ação necessária é a atualização do sistema informatizado, trazendo a categoria “identidade de gênero”, contemplando homens e mulheres trans, além de travestis.
No quesito raça/cor, a PNAD 20182424 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) 2018. Brasília: IBGE; 2019. aponta que a população brasileira é composta predominantemente por pardos (46,5%), brancos (43,1%) e pretos (9,3%), valores semelhantes às do perfil do cidadão, com menor proporção de pardos nas respostas do questionário. O desenvolvimento de políticas afirmativas instituídas em todo o país, o fortalecimento da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e outras ações que trabalhem questões sobre preconceito e raça/cor são recorrentes no SUS e buscam reduzir desigualdades.
A Ouvidoria-Geral do SUS, juntamente com a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, realizou a implantação de 34 serviços de ouvidoria nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, até 2018. É possível que o percentual da população indígena que acessa os serviços de ouvidoria apresente um aumento nos próximos anos, desde que garantido o funcionamento e a divulgação dos canais de escuta.
Um importante quantitativo de cidadãos não respondeu à questão sobre orientação sexual. As menores proporções representam travestis, transexuais, gays, lésbicas, bissexuais e outros (somando juntas 3,36%). A discriminação existente na sociedade e nos serviços afastam essas populações do SUS e do direito à saúde, garantido na Constituição Federal. No Brasil, os serviços de saúde reproduzem comportamentos discriminatórios perante os usuários, mesmo com o papel de defender direitos humanos e reduzir iniquidades em saúde2525 Bastos JL, Garcia LP. Discriminação nos serviços de saúde. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(3):351-352.. Os dados sinalizam que essas populações pouco procuram a ouvidoria ou, ainda, omitem sua orientação sexual na resposta ao perfil pelas dificuldades encontradas. Algumas condições de existência e expressão de sexualidade são tratadas com desigualdade se comparadas a outras em mesmas situações e locais, sofrendo discriminação2626 Silva FR, Nardi HC. A construção social e política pela não-discriminação por orientação sexual. Physis 2011; 21(1):251-265..
Os dados sobre escolaridade demonstram que os níveis superior e médio apresentaram os maiores percentuais de respondentes (69,8%). O menor percentual foi verificado nos grupos: não sabe ler e escrever (0,72%) e alfabetizado (1,34%).
Segundo a PNAD 20182424 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) 2018. Brasília: IBGE; 2019., a taxa de analfabetismo da população brasileira com 15 anos ou mais é de 6,8% e com 60 ou mais anos de idade é de 18,6%. Esse baixo percentual de utilização da Ouvidoria do SUS verificado nos grupos “não sabe ler e escrever” e “alfabetizado” pode representar uma dificuldade de acesso por parte dessas populações aos canais de atendimento, ou, ainda, por falta de conhecimento sobre a ouvidoria e o direito à saúde. Essa parcela populacional pode ter dificuldades de utilizar determinados meios, como o telefone, leitura de sites ou escrita de documentos, sendo necessárias ações que contemplem a participação dos mesmos, como as ouvidorias itinerantes, onde a equipe se dirige até um local específico para recebimento de manifestações e divulgação do serviço.
Quando perguntados sobre a ocupação, 30,34% dos usuários não responderam. Os trabalhadores dos setores privado (17,52%) e público (16,93%) quase se equivalem quando analisamos os percentuais dos maiores respondentes, enquanto que “outros” (8,75%) e desempregados (12,62%) representam os menores quantitativos. Há uma sobrerrepresentação de trabalhadores do setor público entre os respondentes, já que, entre os ocupados (trabalha no setor privado + trabalha no setor público), tem-se uma proporção similar, enquanto que, na população em geral, apenas 12,6% dos cidadãos ocupados atuam no setor público2424 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) 2018. Brasília: IBGE; 2019.. Os servidores públicos podem deter maior conhecimento sobre os serviços disponibilizados pelas estruturas governamentais, pois desempenham suas atividades nesses órgãos. A quantidade de desempregados representa um quantitativo importante, principalmente sobre uma maior necessidade de acesso ao SUS por essa população.
A última informação presente na tabela 3 refere-se à renda. Em sua maioria, os cidadãos se enquadram na faixa de 1 a 2 salários mínimos (36,76%) e menor percentual se aplica aos que recebem mais de 10 salários mínimos (2,52%) e entre 5 e 10 salários (5,17%). Verifica-se a sub-representação da faixa de renda com até 1 salário mínimo, que, na população em geral, representa mais da metade dos brasileiros empregados e contempla também os desempregados2424 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) 2018. Brasília: IBGE; 2019.. Isso pode representar maiores dificuldades de acesso e de conhecimento da população de baixa renda sobre o serviço de ouvidoria, assim como verificado na população de menor escolaridade.
No outro extremo, as faixas da população com maior poder aquisitivo são as que menos utilizam os serviços da Ouvidoria-Geral do SUS, mas também correspondem à menor parte da população. Além disso, utilizam mais serviços privados de saúde2727 Albuquerque C, Piovesan MF, Santos IS, Martins ACM, Fonseca AL, Sasson D, Simões KA. A situação atual do mercado da saúde suplementar no Brasil e apontamentos para o futuro. Cien Saude Colet 2008; 13(5):1421-1430.. Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar2828 Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Caderno de Informações da Saúde Suplementar: Beneficiários, Operadoras e Planos. Ano 13, nº 2. Rio de Janeiro: ANS; 2019., no primeiro trimestre de 2019, 47,1 milhões de brasileiros possuíam planos privados de assistência médica, aproximadamente 20% da população.
Quando realizados cruzamentos entre o perfil cidadão e as classificações das manifestações no sistema OuvidorSUS, a variável renda é a que mais apresenta influência. Verificou-se que, quanto menor a renda do usuário que se manifestou na Ouvidoria do Ministério da Saúde, maior foi o número de solicitações e menor o número de reclamações, denúncias, informações e sugestões. Os menores percentuais de reclamações e denúncias pelos cidadãos de menor renda podem estar ligados ao receio de não conseguir acesso após a manifestação, ou pela falta de conhecimento sobre direitos na área da saúde.
Cidadãos com maior renda reclamaram, denunciaram, buscaram informações e sugeriram proporcionalmente mais que os de menor renda, o que pode estar relacionado com melhores condições de estudo, de conhecimento dos direitos e de acesso aos serviços. Apenas os elogios não apresentaram grande variação em comparação às demais classificações relacionadas a renda dos cidadãos.
Estudo recente sugere que a utilização dos serviços de saúde sofre influência por diferenças relacionadas aos determinantes sociais2929 Rodrigues AMAM, Cavalcanti AL, Pereira JLSH, Araújo CLC, Bernardino IM, Soares RL, Freire DEWG, Soares RSC. Uso dos serviços de saúde segundo determinantes sociais, comportamentos em saúde e qualidade de vida entre diabéticos. Cien Saude Colet 2020; 25(3):845-858.. Nesse contexto, a ouvidoria pode criar mecanismos que ampliem a participação da comunidade, garantindo acesso mais equitativo aos serviços ofertados, assim como o sistema deve promover mais conhecimento à população sobre seus direitos e canais de atendimento.
As políticas de saúde devem trabalhar ações de inclusão que incorporem as populações com maior dificuldade de acesso aos serviços e às práticas diárias do SUS, bem como à Ouvidoria. As atividades de ouvidoria ativa (itinerante e pesquisas) podem facilitar o acesso dos cidadãos às informações e ao sistema. É preciso garantir que a população que mais necessita, respeitadas as questões de gênero, orientação sexual, ocupação e renda, consiga acessar com equidade os canais de ouvidoria e, principalmente, os serviços do SUS neste país.
Conclusões
A Ouvidoria-Geral do SUS tem sido um importante canal de recebimento de demandas dos usuários do SUS, com mais de 200 mil manifestações recebidas entre 2014-2018, principalmente relacionadas a solicitações, reclamações e denúncias. O quantitativo de manifestações pode representar um potencial do órgão em receber demandas da população e, em alguns casos, pode identificar problemas na rede de assistência. As classificações são importantes indicativos das insatisfações (reclamações), satisfações (elogios), necessidades de saúde da população (solicitações), indícios de irregularidade (denúncias), propostas de melhorias (sugestões), a partir do olhar de cidadãos e cidadãs. As informações caracterizam a ouvidoria também como espaço de disseminação de conhecimentos em saúde, tanto sobre doenças como em relação aos tratamentos, medicamentos e serviços disponíveis na rede do SUS.
Os grupos que mais acessaram esse canal e responderam ao perfil do cidadão foram mulheres, brancos, heterossexuais, com idade entre 31 e 40 anos, nível superior completo ou incompleto, trabalhando no setor privado e com renda entre 1 e 2 salários mínimos. Os dados apresentados indicam a necessidade de estratégias para melhorar o acesso de grupos que utilizam menos os canais da ouvidoria, como pessoas com baixo grau de instrução, com baixa renda, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros e intersexos (LGBTTI), entre outros, trazendo a discussão da equidade no serviço de saúde.
Os três assuntos mais frequentes foram referentes à gestão do sistema, à assistência à saúde e à assistência farmacêutica, com muitas manifestações referentes a recursos humanos, consultas, atendimentos, tratamentos e insatisfações com os serviços. A análise detalhada dos dados e informações, sistematizada em relatórios de ouvidoria, pode, entre outros, subsidiar as reuniões da gestão de saúde, buscando propor ações para sanar ou minimizar os problemas e orientar o planejamento em saúde; compor pauta de discussões no conselho, para prestação de contas da gestão; e estimular estudos e pesquisas na área de ouvidoria, participação social e gestão pública.
A obtenção de dados e informações pode ser potencializada a partir da divulgação da ouvidoria do SUS, dos seus canais de atendimento e dos seus resultados em diversos espaços: nas unidades de saúde, nos postos de atendimentos, nas rádios comunitárias, na mídia em geral, nas atividades de ouvidoria ativa, estimulando a utilização desse serviço. Também a realização de pesquisas amplia o conhecimento sobre as manifestações, o perfil dos usuários da ouvidoria, avaliação das políticas, transparência das ações e melhorias do serviço público.
Por fim, as ouvidorias devem qualificar seus processos de trabalho, fortalecer a infraestrutura, integrar os processos de gestão interno (ouvidoria) e externo (secretaria de saúde ou órgão) rumo à obtenção de resultados que corroborem com a expectativa dos usuários e com as normas previstas para as ouvidorias públicas e do SUS. Esses dados produzidos pelas ouvidorias são estratégicos para o subsídio à tomada de decisões dos gestores e desta forma auxiliam a efetivação da gestão participativa.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
17 Jan 2022 - Data do Fascículo
Jan 2022
Histórico
- Recebido
02 Jan 2020 - Aceito
30 Out 2020 - Publicado
01 Nov 2020