Revisão sistemática sobre o efeito do programa escolar de prevenção ao uso de drogas Keepin’ it REAL: traduzido e implementado no Brasil pelo PROERD

Juliana Y. Valente Patricia Paiva de Oliveira Galvão Julia Dell Sol Passos Gusmoes Zila M. Sanchez Sobre os autores

Resumo

O Programa Educacional de Resistência às Drogas (PROERD) é o programa escolar de prevenção mais disseminado no Brasil, seu atual currículo é baseado no programa norte-americano Keepin’it REAL (kiR). Não há na literatura evidência de efetividade do PROERD na prevenção ao uso de drogas, sendo necessários estudos complementares que auxiliem a compreensão desses achados. O objetivo do presente estudo é realizar uma síntese das evidências do efeito do currículo que deu origem ao PROERD: o kiR. Através de revisão sistemática encontrou-se 17 estudos que reportaram resultados de efeito de diferentes versões do kiR no uso de drogas e/ou violência. Com exceção do estudo brasileiro, não foram encontrados estudos que avaliassem o efeito no uso de drogas da versão aplicada por policiais (DARE-kiR), a mesma implementada pelo PROERD. Foram encontradas evidências favoráveis do kiR na prevenção ao uso de drogas para o currículo do 7º ano, que contrariam os resultados de efeito nulo do PROERD. Não foram encontradas evidências internacionais do efeito do kiR no currículo do 5º ano, assim como o estudo do PROERD. Sugere-se que revisões no currículo do 7º ano do PROERD para que ele possa refletir os resultados internacionais e que o currículo do 5º ano posso ser repensado considerando as evidências negativas internacionais.

Palavras-chave:
Prevenção primária; Uso de substâncias; Revisão sistemática

Introdução

Visando reduzir o consumo de drogas entre adolescente em todo o mundo, programas de prevenção baseados em evidencias e que promovem o desenvolvimento de habilidades de vida vêm sendo implementados em escolas11 United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). International Standards on Drug Use Prevention - Second updated edition [Internet]. Viena: United Nations Office on Drugs and Crime, WHO; 2018 [cited 2021 mar 13]. Available from: http://www.unodc.org/documents/prevention/standards_180412.pdf.
http://www.unodc.org/documents/preventio...
. O Keepin’ it REAL (kiR) é um exemplo de programa de prevenção escolar baseado em evidências científicas sensível a narrativa cultural do ambiente, sendo alicerçado na promoção de normas antidrogas, ensino de habilidades de resistência (recusar, explicar, evitar e sair), tomada de decisão, além de outras habilidades sociais22 Gosin M, Marsiglia FF, Hecht ML. keepin' it R.E.A.L.: A Drug Resistance Curriculum Tailored to the Strengths and Needs of Pre-Adolescents of the Southwest. J Drug Educ 2003; 33(2):119-142.. O kiR foi desenvolvido por uma equipe de pesquisadores da Universidade da Pensilvânia nos Estados Unidos, do grupo “REAL Prevention33 Marsiglia FF, Hecht ML. Keepin'it REAL: An evidence-based program. SantaCruz: ETR Associates; 2005.. A base teórica do kiR integra uma série de sólidos constructos psicossociais, tais como: 1 - teoria do engajamento narrativo44 Miller-Day M, Hecht ML. Narrative Means to Preventative Ends: A Narrative Engagement Framework for Designing Prevention Interventions. Health Commun 2013; 28(7):657-670., que destaca a importância da comunicação de narrativas pessoais em mensagens preventivas sobre drogas; 2 - teoria da fundamentação cultural, que defende que as mensagens preventivas devem ser informadas pela cultura da população-alvo55 Hecht ML, Krieger JLR. The Principle of Cultural Grounding in School-Based Substance Abuse Prevention. J Lang Soc Psychol 2006; 25(3):301-319.; 3 - teoria da aprendizagem social e emocional, uma teoria que ajuda as crianças a compreenderem melhor seus sentimentos e demonstrarem empatia pelos outros66 Durlak JA, Domitrovich CE, Weissberg RP, Gullotta TP. Handbook of Social and Emotional Learning: Research and Practice. New York: Guilford Press; 2015.; e 4 - teoria das crenças normativas para o não uso de drogas, que sugere a importância de envolver os adolescentes para pensar criticamente sobre suas percepções acerca da aprovação do uso de drogas77 Cialdini RB, Reno RR, Kallgren CA. A focus theory of normative conduct: Recycling the concept of norms to reduce littering in public places. J Pers Soc Psychol 1990; 58(6):1015-1026..

Ao longo dos anos, os desenvolvedores do kiR adaptaram e produziram diferentes versões do programa, de acordo com a cultura, raça, país ou área onde ele era replicado (ex. numa população de maioria latina, numa área rural ou para estudantes mexicanos). Importante destacar que todas as versões do kiR mantiveram os elementos centrais e teóricos do programa, sendo apenas adaptados culturalmente para as populações onde eles foram implementados. Diversos estudos já foram conduzidas para avaliar a efetividade dessas várias versões do programa em diferentes amostras populacionais, apresentando resultados aparentemente contraditórios88 Elek E, Wagstaff DA, Hecht ML. Effects of the 5th and 7th Grade Enhanced Versions of the Keepin' it Real Substance Use Prevention Curriculum. J Drug Educ 2010; 40(1):61-79.,99 Hecht ML, Marsiglia FF, Elek E, Wagstaff DA, Kulis S, Dustman P, Miller-Day M. Culturally Grounded Substance Use Prevention: An Evaluation of the keepin'' it R.E.A.L. Curriculum. Prev Sci 2003; 4(4):233-248.. Apesar do kiR ser considerado um programa baseado em evidências, a ausência de uma síntese dos resultados desses diversos estudos (que avaliaram as diferentes versões do programa), dificulta a compreensão da real efetividade do programa.

O programa de prevenção Drug Abuse Resistance Education Keepin’it REAL (DARE-kiR) é um exemplo de uma das versões do kiR, adaptada pelo grupo da polícia de Los Angeles (Estados Unidos): Drug Abuse Resistance Education (DARE). Desde 2009, os policiais vêm implementando o programa DARE-kiR nas escolas americanas através de dois currículos: elementary school (para alunos de 5º ano) e middle-school (para alunos de 7º ano). A Polícia Militar Brasileira, através do Programa Educacional de Resistência às Drogas (PROERD) em parceira com o DARE americano, traduziu o programa DARE-kiR e, desde 2014, vem implementando este currículo nas escolas brasileiras. O atual currículo do PROERD (que é, portanto, a tradução do currículo DARE-kiR), foi intitulado “Caindo na Real” e vem sendo aplicado por polícias treinados em escolas públicas e privadas no formato de dez aulas semanais. O programa tem atividades guiadas pelo manual do aluno e do instrutor e também conta com dois currículos: para alunos de 5º e 7º ano do ensino fundamental. Em 2019, foi conduzido o primeiro ensaio controlado randomizado (ECR) para avaliar a efetividade preventiva do PROERD na sua atual versão “Caindo na Real”, nos dois currículos (5º e 7º ano) na cidade de São Paulo. O ECR não encontrou evidencia de que o PROERD esteja sendo efetivo em reduzir o consumo de drogas entre os estudantes em ambas faixas etárias, sugerido uma revisão dos elementos do currículo que vem sendo implementado com vistas a adaptação cultural do programa para a realidade brasileira1010 Sanchez ZM, Valente JY, Gusmões JDP, Ferreira-Junior V, Caetano SC, Cogo-Moreira H, Andreoni S. Effectiveness of a school-based substance use prevention program taught by police officers in Brazil: Two cluster randomized controlled trials of the PROERD. Int J Drug Policy 2021; 98:103413..

O PROERD é hoje o programa de prevenção ao uso de drogas e violência de maior prevalência nas escolas brasileiras1111 Pereira APD, Sanchez ZM. Characteristics of school-based drug prevention programs in Brazil. Cien Saude Colet 2020; 25(8):3131-3142. e vem sendo aplicado nas escolas brasileiras há quase três décadas. Inicialmente o PROERD possuía outro currículo, também desenvolvido em parceria com o DARE1212 Clayton RR, Cattarello AM, Johnstone BM. The Effectiveness of Drug Abuse Resistance Education (Project DARE): 5-Year Follow-Up Results. Prev Med (Baltim) 1996; 25(3):307-318., porém, após a publicação de estudos demonstrando resultados pouco favoráveis do programa nos estudantes americanos, tanto a Polícia Americana quanto a Brasileira decidiu substituí-lo pelo atual currículo DARE-kiR1313 Lynam DR, Milich R, Zimmerman R, Novak SP, Logan TK, Martin C, Leukefeld C, Clayton R. Project DARE: No effects at 10-year follow-up. J Consult Clin Psychol 1999; 67(4):590-593.. Desde a sua origem, somente no estado de São Paulo, o PROERD já foi aplicado a quase dez milhões de crianças e adolescentes, sendo que, apenas em 2018, o programa atingiu 646.457 estudantes e envolveu a atuação de 716 policiais1414 Programa Educacional de Resistência às Drogas e à violência (PROERD). Produtividade PROERD [Internet]. 2018 [acessado 2022 jun 22]. Disponível em: http://www4.policiamilitar.sp.gov.br/unidades/dpcdh/index.php/dados-proerd/.
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. Estes números tendem a ser ainda maiores, uma vez que o programa vem sendo aprovado como lei para se tornar política pública em várias cidades e estados brasileiros, sendo alvo de articulações legislativas e executivas1515 São Paulo. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Lei no 17.171, de 11 de outubro de 2019. Determina que todas as escolas públicas do ensino fundamental e médio do Estado apresentem aos seus alunos, ao menos uma vez no ano letivo, o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência - Proerd, e fixa outras providências. Assessoria Técnica da Casa Civil; 2019..

Os recentes resultados preventivos neutros da avaliação do “PROERD/Caindo na Real”1010 Sanchez ZM, Valente JY, Gusmões JDP, Ferreira-Junior V, Caetano SC, Cogo-Moreira H, Andreoni S. Effectiveness of a school-based substance use prevention program taught by police officers in Brazil: Two cluster randomized controlled trials of the PROERD. Int J Drug Policy 2021; 98:103413., bem como a falta de síntese em relação a efetividade do kiR, suscitam muitos questionamentos sobre as evidências que sustentam a implementação do atual currículo do PROERD como política pública nas escolas brasileiras. Assim, este artigo tem como objetivo investigar e sintetizar as evidências disponíveis na literatura sobre a eficácia/efetividade do kiR na prevenção ao uso de drogas e violência a fim de contribuir para o entendimento dos achados de não-efetividade do programa, bem como ajudar no direcionamento de recomendações futuras sobre continuidade desta versão do programa como política pública.

Metodologia

Uma revisão sistemática da literatura foi realizada com base na recomendação da declaração de Colaboração Cochrane e baseada no protocolo PRISMA1616 Moher D. Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses: The PRISMA Statement. Ann Intern Med 2009; 151(4):264.. A pergunta de pesquisa utilizada para guiar esta revisão foi: O programa de prevenção kiR é efetivo em reduzir o consumo de drogas e violência entre adolescentes? Foi utilizado o acrônimo PICO (População, Intervenção, Comparação, Desfecho) para nortear essa revisão, sendo a população em questão os adolescentes, a intervenção estudada foi o programa de prevenção kiR, a comparação considerada foram os adolescentes que não receberam o programa ou que receberam outras versões do programa não adaptadas culturalmente e o desfecho analisado foi o uso de drogas e/ou violência.

Busca em bases de dados

A revisão sistemática teve como fonte quatro bases de dados (PubMed, ERIC, SciELO e Cochrane) usando o termo de busca Keepin’ it REAL, visto que todas as publicações de avaliações do programa costumam apresentar o nome do programa no título e/ou no resumo. Como forma de assegurar a eficácia da busca também revisamos as referências dos artigos selecionados. Desta forma, optou-se por busca via termo único. Não houve limitação de ano de publicação do estudo e nem do idioma. Esta busca resultou em 105 artigos (52 no PubMed, 24 no ERIC, 3 na SciELO e 26 na Cochrane) que foram revisados de acordo com critérios descritos a seguir. Como forma de assegurar a eficácia da busca realizada também revisamos as referências dos artigos selecionados, entretanto nenhum novo artigo foi encontrado que estivesse de acordo com o escopo desta revisão.

Critérios de inclusão e exclusão

Como critérios de inclusão foram considerados: 1 - artigos que avaliassem os efeitos do kiR através de ECR, por considerar que este é o padrão-ouro para avaliar o efeito de intervenções; 2 - artigos que relatassem o efeito do programa no uso de drogas e/ou violência, uma vez que são esses os desfechos esperados do PROERD. Como critérios de exclusão foram considerados: 1 - artigos que avaliassem o efeito combinado do kiR com outra intervenção (ex. kiR + intervenção para família); 2 - artigos que avaliassem o efeito de apenas um componente da intervenção e não a intervenção completa (ex. somente os vídeos).

Extração de artigos baseado nos critérios de seleção

Numa primeira fase, títulos e resumos foram verificados para averiguar se preenchiam os critérios de inclusão e exclusão descritos acima. Numa segunda fase, os artigos que foram selecionados foram analisados por completo para verificar se realmente seriam inseridos nas análises da revisão. O primeiro autor leu todos os títulos e resumos e selecionou os artigos que, posteriormente, foram lidos de forma completa por ele mesmo e por um segundo autor de forma independente. Desta forma, os dois autores revisaram os textos completos dos artigos verificando a concordância em relação a inclusão dos mesmos no estudo, bem como em relação a extração de dados e avaliação da qualidade. Em caso de divergência entre os autores, um terceiro autor sênior foi consultado. Todos os artigos que não atenderam aos critérios de inclusão após a revisão do texto completo foram excluídos da revisão. Os dados dos artigos foram extraídos considerando os itens a seguir: país e cidade onde o estudo foi conduzido, ano em que o estudo foi realizado, perfil da amostra, ano escolar em que o programa foi implementado (ex. 5º ou 7º ano), tempo de seguimento (em meses), descrição da intervenção, desfechos avaliados e resultados principais.

Qualidade dos artigos

A qualidade dos artigos, no que se refere ao risco de viés, foi avaliada com base na escala Cochrane para avaliação da qualidade de revisões sistemáticas1717 Higgins JPT, Altman DG, Gotzsche PC, Juni P, Moher D, Oxman AD, Savovic J, Schulz KF, Weeks L, Sterne JA; Cochrane Bias Methods Group; Cochrane Statistical Methods Group. The Cochrane Collaboration's tool for assessing risk of bias in randomised trials. BMJ 2011; 343:d5928., comumente utilizada na área de avaliação de programas escolares de prevenção1818 Foxcroft DR, Tsertsvadze A. Universal family-based prevention programs for alcohol misuse in young people. Cochrane Database Syst Rev 2011; 9(9):CD009308.. Esta escala avalia os estudos considerando os seguintes critérios: geração de uma sequência adequada de alocação, ocultação da alocação, cegamento dos investigados, investigadores e dos avaliadores dos desfechos, dados sobre resultados incompletos (descrição das perdas e exclusões). Dado que a implementação de conduta duplo-cego na avaliação de intervenções comportamentais não é viável, adaptamos a escala Cochrane de forma a não considerar este critério na avaliação de qualidade dos artigos. Assim, os ensaios foram avaliados em cinco domínios e pontuados de 1-3 em cada domínio (1=alto risco de viés, 2=risco incerto, 3=baixo risco)1919 Newton NC, Champion KE, Slade T, Chapman C, Stapinski L, Koning I, Tonks Z, Teesson M. A systematic review of combined student- and parent-based programs to prevent alcohol and other drug use among adolescents. Drug Alcohol Rev 2017; 36(3):337-351.. Pontuações foram somadas nos cinco domínios para gerar uma pontuação total de viés de risco para cada estudo, com um intervalo possível de 5-15. Pontuações mais altas indicam maior qualidade do estudo e menor risco de viés. O nível do risco de viés de cada estudo não teve influência em seu status de inclusão na revisão sistemática.

Resultados

Numa primeira fase, de revisão de títulos e resumos, 37 artigos foram excluídos por serem duplicados e 47 artigos foram excluídos por outras razões (40 por não serem ECRs, três por avaliarem apenas parte dos componentes da intervenção, dois por avaliarem o efeito de outras intervenções combinadas com o kiR e três por não avaliarem “uso de drogas” e/ou “violência” como desfecho). Na segunda fase, 20 artigos foram analisados na íntegra, sendo excluídos três artigos por não serem ECRs (Figura 1). Ao final 17 estudos foram incluídos na revisão, sendo extraídas de cada artigo as seguintes variáveis: país, cidade, ano em que o estudo foi conduzido, número de escolas e estudantes analisados, tempo de seguimento em meses, descrição da(s) intervenção(s), desfechos avaliados e principais resultados dos estudos (Quadro 1).

Quadro 1
Principais características dos estudos que avaliam o efeito do programa de prevenção kiR (n=16).

Figura 1
Diagrama de fluxo PRISMA 2020 para novas revisões sistemáticas que incluíram pesquisas de bancos de dados.

Características dos estudos

Dentre os 17 artigos incluídos nesta revisão (Quadro 1), dez foram conduzidos nos EUA e sete em outros países (n=1 em Guatemala, n=4 no México, n=1 na Espanha e n=1 Brasil). O tamanho da amostra variou de um estudo pequeno com 107 estudantes alocados em três escolas, até um estudo grande com 6.035 estudantes vinculados a 35 escolas.

A maioria dos artigos (n=14) reportou dados da avaliação do programa adaptado a partir da versão desenvolvida para estudantes cursando o sétimo ano, sendo que apenas quatro artigos reportaram resultados do efeito do currículo do kiR para alunos cursando o quinto ano das escolas americanas. Ambas as séries previstas nestes currículos possuem o equivalente etário no Brasil com a mesma classificação: 5º e 7º anos. Todos os artigos reportam achados do programa sendo implementado por professores, com exceção do artigo conduzido no Brasil (onde o programa é implementado por policiais). A grande maioria dos artigos (n=13) reportaram terem avaliado a intervenção em escolas públicas e os demais artigos não reportaram essa informação.

Importante destacar que todos os artigos de avaliação revisados têm entre os autores algum dos desenvolvedores do programa (com exceção do estudo brasileiro), ou seja, todos os ECRs conduzidos para avaliar a efetividade do programa foram conduzidos pelos mesmos pesquisadores que desenvolveram e adaptaram o kiR.

Descrição das intervenções

Os artigos revisados reportam resultados de diferentes versões do kiR (foram identificadas 14 diferentes versões, sendo dez versões cuja população alvo são estudantes de 7º-8º ano, quatro versões são estudantes de 5º ano e uma versão são estudantes do 6º ano), cada uma delas adaptada de acordo com a cultura, raça, país ou área onde o programa era implementado. Todas as versões implementadas por professores treinados em sala de aula, exceto a brasileira (implementado por policiais). Primeiramente, o programa foi desenhado tendo como alvo os alunos de 7º ano e possuía três versões diferentes desenvolvidas baseadas na etnia/raça dos estudantes (consideradas as versões originais do programa): Mexican/Mexican American, KiR-Black/White, KiR-multicultural99 Hecht ML, Marsiglia FF, Elek E, Wagstaff DA, Kulis S, Dustman P, Miller-Day M. Culturally Grounded Substance Use Prevention: An Evaluation of the keepin'' it R.E.A.L. Curriculum. Prev Sci 2003; 4(4):233-248.. Posteriormente foram feitas adaptações no currículo para atingir alunos mais novos, resultando na versão KiR-multicultural para os alunos do 5º ano2020 Hecht ML, Elek E, Wagstaff DA, Kam JA, Marsiglia F, Dustman P, Reeves L, Harthun M. Immediate and Short-Term Effects of the 5th Grade Version of the Keepin' it Real Substance Use Prevention Intervention. J Drug Educ 2008; 38(3):225-251.. Também foram desenvolvidas as versões kiR-Plus (desenvolvido para lidar com o período de transição que vivem os adolescentes) e kiR Acculturation Enhanced-kiR-AE (desenvolvido especialmente para estudantes hispânicos em processo de aculturação nos EUA) tanto para os estudantes do 5º quanto do 7º ano88 Elek E, Wagstaff DA, Hecht ML. Effects of the 5th and 7th Grade Enhanced Versions of the Keepin' it Real Substance Use Prevention Curriculum. J Drug Educ 2010; 40(1):61-79.,2121 Marsiglia FF, Kulis S, Yabiku ST, Nieri TA, Coleman E. When to Intervene: Elementary School, Middle School or Both? Effects of keepin' It REAL on Substance Use Trajectories of Mexican Heritage Youth. Prev Sci 2011; 12(1):48-62.. Tendo, ainda, sido criadas mais três versões destinada aos alunos no 7º ano: uma versão para ser aplicada na zona rural2222 Hecht ML, Shin Y, Pettigrew J, Miller-Day M, Krieger JL. Designed Cultural Adaptation and Delivery Quality in Rural Substance Use Prevention: an Effectiveness Trial for the Keepin' it REAL Curriculum. Prev Sci 2018; 19(8):1008-1018., uma versão para índios americanos (Living in 2 Worlds)2323 Kulis SS, Ayers SL, Harthun ML. Substance Use Prevention for Urban American Indian Youth: A Efficacy Trial of the Culturally Adapted Living in 2 Worlds Program. J Prim Prev 2017; 38(1-2):137-158., uma versão adaptada culturalmente para os Mexicanos (Mantente Real Mexico)2424 Marsiglia FF, Booth JM, Ayers SL, Nuño-Gutierrez BL, Kulis S, Hoffman S. Short-Term Effects on Substance Use of the Keepin' It REAL Pilot Prevention Program: Linguistically Adapted for Youth in Jalisco, Mexico. Prev Sci 2014; 15(5):694-704.

25 Marsiglia FF, Kulis SS, Booth JM, Nuño-Gutierrez BL, Robbins DE. Long-Term Effects of the keepin' it REAL Model Program in Mexico: Substance Use Trajectories of Guadalajara Middle School Students. J Prim Prev 2015; 36(2):93-104.

26 Kulis SS, Garcia-Perez H, Marsiglia FF, Ayers SL. Testing a Culturally Adapted Youth Substance Use Prevention Program in a Mexican Border City: Mantente REAL. Subst Use Misuse 2021; 56(2):245-257.
-2727 Kulis SS, Marsiglia FF, Medina-Mora ME, Nuño-Gutiérrez BL, Corona MD, Ayers SL. Keepin' It REAL-Mantente REAL in Mexico: a Cluster Randomized Controlled Trial of a Culturally Adapted Substance Use Prevention Curriculum for Early Adolescents. Prev Sci 2021; 22(5):645-657. e outra versão adaptada culturalmente para os espanhóis (Mantente Real Espanha). Existe ainda uma versão do programa Mantente na Real apenas traduzida para o espanhol que foi aplicada aos alunos do 6º ano da Guatemala2828 Kulis SS, Marsiglia FF, Porta M, Arévalo Avalos MR, Ayers SL. Testing the keepin' it REAL Substance Use Prevention Curriculum Among Early Adolescents in Guatemala City. Prev Sci 2019; 20(4):532-543..

Importante esclarecer que os autores produziram vários artigos oriundos de uma mesma coleta de dados, ou seja, de um mesmo ECR com uma mesma amostra de estudantes. Dos 17 artigos incluídos nesta revisão, cinco deles reportam dados de uma mesma amostra de alunos do 7º ano da cidade de Phoenix (Arizona-EUA): o primeiro ensaio, realizado em 1998, avaliou o efeito do kiR entre alunos do 7º ano99 Hecht ML, Marsiglia FF, Elek E, Wagstaff DA, Kulis S, Dustman P, Miller-Day M. Culturally Grounded Substance Use Prevention: An Evaluation of the keepin'' it R.E.A.L. Curriculum. Prev Sci 2003; 4(4):233-248., sendo nesse ECR comparadas três versões do programa (Mexican/Mexican American, Black/White, multicultural) com o grupo controle. O primeiro artigo reportou os resultados primários 99 Hecht ML, Marsiglia FF, Elek E, Wagstaff DA, Kulis S, Dustman P, Miller-Day M. Culturally Grounded Substance Use Prevention: An Evaluation of the keepin'' it R.E.A.L. Curriculum. Prev Sci 2003; 4(4):233-248. e dos demais artigos apresentaram análises secundárias e de subgrupos2929 Kulis S, Marsiglia FF, Elek E, Dustman P, Wagstaff DA, Hecht ML. Mexican/Mexican American Adolescents and keepin' it REAL: An Evidence-Based Substance Use Prevention Program. Child Sch 2005; 27(3):133-145.

30 Yabiku S, Kulis S, Marsiglia FF, Lewin B, Nieri T, Hussaini S. Neighborhood Effects on the Efficacy of a Program to Prevent Youth Alcohol Use. Subst Use Misuse 2007; 42(1):65-87.

31 Kulis S, Yabiku ST, Marsiglia FF, Nieri T, Crossman A. Differences by Gender, Ethnicity, and Acculturation in the Efficacy of the keepin' it Real Model Prevention Program. J Drug Educ 2007; 37(2):123-144.
-3232 Kulis S, Nieri T, Yabiku S, Stromwall LK, Marsiglia FF. Promoting Reduced and Discontinued Substance Use among Adolescent Substance Users: Effectiveness of a Universal Prevention Program. Prev Sci 2007; 8(1):35-49..

Outros três artigos reportam achados de um segundo ECR conduzido em 2004, com uma amostra diferente estudantes mas também na cidade de Phoenix (Arizona-EUA), para avaliar o efeito dos currículos kiR-Plus e kiR-AE, entre os alunos do 5º e 7º ano88 Elek E, Wagstaff DA, Hecht ML. Effects of the 5th and 7th Grade Enhanced Versions of the Keepin' it Real Substance Use Prevention Curriculum. J Drug Educ 2010; 40(1):61-79.,2020 Hecht ML, Elek E, Wagstaff DA, Kam JA, Marsiglia F, Dustman P, Reeves L, Harthun M. Immediate and Short-Term Effects of the 5th Grade Version of the Keepin' it Real Substance Use Prevention Intervention. J Drug Educ 2008; 38(3):225-251.,2121 Marsiglia FF, Kulis S, Yabiku ST, Nieri TA, Coleman E. When to Intervene: Elementary School, Middle School or Both? Effects of keepin' It REAL on Substance Use Trajectories of Mexican Heritage Youth. Prev Sci 2011; 12(1):48-62.. Destacando que este estudo foi o único encontrado que avaliou o currículo voltado para alunos de 5º ano.

Depois, outros ECRs originais com amostras diferentes foram conduzidos para avaliar outras versões do programa. Um estudo, realizado em 2009 em Phoenix (Arizona-EUA), comparou uma nova versão do programa adaptada para índios americanos (Living in 2 Worlds) com a versão original do kiR, entre os estudantes de 7º e 8º ano2323 Kulis SS, Ayers SL, Harthun ML. Substance Use Prevention for Urban American Indian Youth: A Efficacy Trial of the Culturally Adapted Living in 2 Worlds Program. J Prim Prev 2017; 38(1-2):137-158.. Outro estudo, realizado em 2009 na Pensilvânia e Ohio (EUA) avaliou o efeito da versão do programa adaptada para áreas rurais entre os estudantes de 7º ano2222 Hecht ML, Shin Y, Pettigrew J, Miller-Day M, Krieger JL. Designed Cultural Adaptation and Delivery Quality in Rural Substance Use Prevention: an Effectiveness Trial for the Keepin' it REAL Curriculum. Prev Sci 2018; 19(8):1008-1018..

Cinco diferentes ECRs foram conduzidos para avaliação da versão do kiR do 7º ano adaptado para língua espanhola chamado Mantente Real (MR). O primeiro estudo realizado na Guatemala em 2013 avaliou a versão apenas traduzida para o espanhol, sendo esta amostra composta de alunos do 6º ano2828 Kulis SS, Marsiglia FF, Porta M, Arévalo Avalos MR, Ayers SL. Testing the keepin' it REAL Substance Use Prevention Curriculum Among Early Adolescents in Guatemala City. Prev Sci 2019; 20(4):532-543.. Dois artigos reportaram resultados de curto e longo prazo de um outro ECR realizado na cidade de Guadalajara no México para avaliação da versão do MR já adaptado culturalmente para a população de estudantes mexicanos de 7º e 8º ano2424 Marsiglia FF, Booth JM, Ayers SL, Nuño-Gutierrez BL, Kulis S, Hoffman S. Short-Term Effects on Substance Use of the Keepin' It REAL Pilot Prevention Program: Linguistically Adapted for Youth in Jalisco, Mexico. Prev Sci 2014; 15(5):694-704.,2525 Marsiglia FF, Kulis SS, Booth JM, Nuño-Gutierrez BL, Robbins DE. Long-Term Effects of the keepin' it REAL Model Program in Mexico: Substance Use Trajectories of Guadalajara Middle School Students. J Prim Prev 2015; 36(2):93-104.. O MR mexicano teve ainda outros dois ECRs conduzidos mais recentemente (2017-2018) com estudantes de 7º ano com duas amostras diferentes2626 Kulis SS, Garcia-Perez H, Marsiglia FF, Ayers SL. Testing a Culturally Adapted Youth Substance Use Prevention Program in a Mexican Border City: Mantente REAL. Subst Use Misuse 2021; 56(2):245-257.,2727 Kulis SS, Marsiglia FF, Medina-Mora ME, Nuño-Gutiérrez BL, Corona MD, Ayers SL. Keepin' It REAL-Mantente REAL in Mexico: a Cluster Randomized Controlled Trial of a Culturally Adapted Substance Use Prevention Curriculum for Early Adolescents. Prev Sci 2021; 22(5):645-657.. Por fim, um estudo piloto recente (2021), conduzido em duas cidades da Espanha, avaliou o efeito da versão do programa MR mas em outra versão, adaptada para a população de estudantes espanhóis3333 Cutrín O, Kulis S, Maneiro L, MacFadden I, Navas MP, Alarcón D, Gómez-Fraguela JA, Villalba C, Marsiglia FF. Effectiveness of the Mantente REAL Program for Preventing Alcohol Use in Spanish Adolescents. Psychosoc Interv 2021; 30(3):113-122..

Por fim, como previamente reportado na introdução, em 2019 foi conduzido dois ECRs para avaliar a versão traduzida para o português do currículo DARE-kiR, chamada “PROERD/Caindo na Real” (aplicado por policiais): um ECR para avaliar o currículo destinado aos alunos do 5º ano e outro ECR para avaliar o currículo destinado aos alunos do 7º ano, ambos nas escolas da cidade de São Paulo1010 Sanchez ZM, Valente JY, Gusmões JDP, Ferreira-Junior V, Caetano SC, Cogo-Moreira H, Andreoni S. Effectiveness of a school-based substance use prevention program taught by police officers in Brazil: Two cluster randomized controlled trials of the PROERD. Int J Drug Policy 2021; 98:103413..

No total, apenas dois ECR (sendo um deles com três artigos publicados) avaliou o efeito do kiR destinado aos alunos de 5º ano; nove ECRs (15 artigos publicados) avaliaram o efeito de diversas versões do programa destinadas aos alunos do 7º- 8º ano e um ECR (1 artigo publicado) avaliou a versão espanhola Mantente na Real cujo público-alvo foram alunos de 6º ano. Destaca-se que existe uma sobreposição de artigos, porque três artigos reportaram os resultados do programa para os alunos do 5º e 7º ano88 Elek E, Wagstaff DA, Hecht ML. Effects of the 5th and 7th Grade Enhanced Versions of the Keepin' it Real Substance Use Prevention Curriculum. J Drug Educ 2010; 40(1):61-79.,1010 Sanchez ZM, Valente JY, Gusmões JDP, Ferreira-Junior V, Caetano SC, Cogo-Moreira H, Andreoni S. Effectiveness of a school-based substance use prevention program taught by police officers in Brazil: Two cluster randomized controlled trials of the PROERD. Int J Drug Policy 2021; 98:103413.,2121 Marsiglia FF, Kulis S, Yabiku ST, Nieri TA, Coleman E. When to Intervene: Elementary School, Middle School or Both? Effects of keepin' It REAL on Substance Use Trajectories of Mexican Heritage Youth. Prev Sci 2011; 12(1):48-62..

Exceto pelo estudo brasileiro, nenhum outro estudo avaliou a versão DARE-kiR do programa, ou seja, todos os achados se referem a versões do programa diferentes da adaptada e disseminada pelos policiais norte-americanos (versão traduzida e implementada no Brasil pelo PROERD). Evidenciando, assim, que a versão DARE-kiR não foi avaliada nos Estados Unidos (onde vem sendo altamente disseminada nas escolas) através de ECR para os desfechos de uso de drogas e violência ou que sua avaliação não foi publicada em revistas indexadas nas bases incluídas neste estudo.

Desfechos avaliados

Os resultados dos dois ECR que avaliaram a versão kiR destinada aos alunos do 5º ano evidenciaram que o programa não parece ser efetivo em reduzir o consumo de drogas dos estudantes88 Elek E, Wagstaff DA, Hecht ML. Effects of the 5th and 7th Grade Enhanced Versions of the Keepin' it Real Substance Use Prevention Curriculum. J Drug Educ 2010; 40(1):61-79.,1010 Sanchez ZM, Valente JY, Gusmões JDP, Ferreira-Junior V, Caetano SC, Cogo-Moreira H, Andreoni S. Effectiveness of a school-based substance use prevention program taught by police officers in Brazil: Two cluster randomized controlled trials of the PROERD. Int J Drug Policy 2021; 98:103413.,2020 Hecht ML, Elek E, Wagstaff DA, Kam JA, Marsiglia F, Dustman P, Reeves L, Harthun M. Immediate and Short-Term Effects of the 5th Grade Version of the Keepin' it Real Substance Use Prevention Intervention. J Drug Educ 2008; 38(3):225-251.. Por outro lado, exceto o estudo brasileiro (PROERD/Caindo na Real), os resultados dos demais ECRs (n=8) que avaliaram o currículo nos alunos do 7º-8º ano, nas diferentes versões (Mexican/Mexican American, Black/White, multicultural, kiR-Plus, kiR-AE, Mantente Real, Living in 2 Worlds e kiR para zona rural) mostraram efeito positivo na redução do uso de álcool2525 Marsiglia FF, Kulis SS, Booth JM, Nuño-Gutierrez BL, Robbins DE. Long-Term Effects of the keepin' it REAL Model Program in Mexico: Substance Use Trajectories of Guadalajara Middle School Students. J Prim Prev 2015; 36(2):93-104.,2626 Kulis SS, Garcia-Perez H, Marsiglia FF, Ayers SL. Testing a Culturally Adapted Youth Substance Use Prevention Program in a Mexican Border City: Mantente REAL. Subst Use Misuse 2021; 56(2):245-257.,2828 Kulis SS, Marsiglia FF, Porta M, Arévalo Avalos MR, Ayers SL. Testing the keepin' it REAL Substance Use Prevention Curriculum Among Early Adolescents in Guatemala City. Prev Sci 2019; 20(4):532-543.,2929 Kulis S, Marsiglia FF, Elek E, Dustman P, Wagstaff DA, Hecht ML. Mexican/Mexican American Adolescents and keepin' it REAL: An Evidence-Based Substance Use Prevention Program. Child Sch 2005; 27(3):133-145.,3131 Kulis S, Yabiku ST, Marsiglia FF, Nieri T, Crossman A. Differences by Gender, Ethnicity, and Acculturation in the Efficacy of the keepin' it Real Model Prevention Program. J Drug Educ 2007; 37(2):123-144.,3333 Cutrín O, Kulis S, Maneiro L, MacFadden I, Navas MP, Alarcón D, Gómez-Fraguela JA, Villalba C, Marsiglia FF. Effectiveness of the Mantente REAL Program for Preventing Alcohol Use in Spanish Adolescents. Psychosoc Interv 2021; 30(3):113-122., dos episódios de intoxicação alcoólica3333 Cutrín O, Kulis S, Maneiro L, MacFadden I, Navas MP, Alarcón D, Gómez-Fraguela JA, Villalba C, Marsiglia FF. Effectiveness of the Mantente REAL Program for Preventing Alcohol Use in Spanish Adolescents. Psychosoc Interv 2021; 30(3):113-122., do uso de cigarro2222 Hecht ML, Shin Y, Pettigrew J, Miller-Day M, Krieger JL. Designed Cultural Adaptation and Delivery Quality in Rural Substance Use Prevention: an Effectiveness Trial for the Keepin' it REAL Curriculum. Prev Sci 2018; 19(8):1008-1018.

23 Kulis SS, Ayers SL, Harthun ML. Substance Use Prevention for Urban American Indian Youth: A Efficacy Trial of the Culturally Adapted Living in 2 Worlds Program. J Prim Prev 2017; 38(1-2):137-158.
-2424 Marsiglia FF, Booth JM, Ayers SL, Nuño-Gutierrez BL, Kulis S, Hoffman S. Short-Term Effects on Substance Use of the Keepin' It REAL Pilot Prevention Program: Linguistically Adapted for Youth in Jalisco, Mexico. Prev Sci 2014; 15(5):694-704.,2828 Kulis SS, Marsiglia FF, Porta M, Arévalo Avalos MR, Ayers SL. Testing the keepin' it REAL Substance Use Prevention Curriculum Among Early Adolescents in Guatemala City. Prev Sci 2019; 20(4):532-543.,3131 Kulis S, Yabiku ST, Marsiglia FF, Nieri T, Crossman A. Differences by Gender, Ethnicity, and Acculturation in the Efficacy of the keepin' it Real Model Prevention Program. J Drug Educ 2007; 37(2):123-144., do uso de maconha2222 Hecht ML, Shin Y, Pettigrew J, Miller-Day M, Krieger JL. Designed Cultural Adaptation and Delivery Quality in Rural Substance Use Prevention: an Effectiveness Trial for the Keepin' it REAL Curriculum. Prev Sci 2018; 19(8):1008-1018.,2525 Marsiglia FF, Kulis SS, Booth JM, Nuño-Gutierrez BL, Robbins DE. Long-Term Effects of the keepin' it REAL Model Program in Mexico: Substance Use Trajectories of Guadalajara Middle School Students. J Prim Prev 2015; 36(2):93-104.,2626 Kulis SS, Garcia-Perez H, Marsiglia FF, Ayers SL. Testing a Culturally Adapted Youth Substance Use Prevention Program in a Mexican Border City: Mantente REAL. Subst Use Misuse 2021; 56(2):245-257.,2828 Kulis SS, Marsiglia FF, Porta M, Arévalo Avalos MR, Ayers SL. Testing the keepin' it REAL Substance Use Prevention Curriculum Among Early Adolescents in Guatemala City. Prev Sci 2019; 20(4):532-543.,2929 Kulis S, Marsiglia FF, Elek E, Dustman P, Wagstaff DA, Hecht ML. Mexican/Mexican American Adolescents and keepin' it REAL: An Evidence-Based Substance Use Prevention Program. Child Sch 2005; 27(3):133-145. e de outras drogas ilícitas2626 Kulis SS, Garcia-Perez H, Marsiglia FF, Ayers SL. Testing a Culturally Adapted Youth Substance Use Prevention Program in a Mexican Border City: Mantente REAL. Subst Use Misuse 2021; 56(2):245-257.,2727 Kulis SS, Marsiglia FF, Medina-Mora ME, Nuño-Gutiérrez BL, Corona MD, Ayers SL. Keepin' It REAL-Mantente REAL in Mexico: a Cluster Randomized Controlled Trial of a Culturally Adapted Substance Use Prevention Curriculum for Early Adolescents. Prev Sci 2021; 22(5):645-657. nos últimos 30 dias. Também foram evidenciados resultados positivos do currículo do 7º ano entre aqueles jovens que antes de iniciar a intervenção já reportavam usar álcool e/ ou outras drogas2727 Kulis SS, Marsiglia FF, Medina-Mora ME, Nuño-Gutiérrez BL, Corona MD, Ayers SL. Keepin' It REAL-Mantente REAL in Mexico: a Cluster Randomized Controlled Trial of a Culturally Adapted Substance Use Prevention Curriculum for Early Adolescents. Prev Sci 2021; 22(5):645-657.,3232 Kulis S, Nieri T, Yabiku S, Stromwall LK, Marsiglia FF. Promoting Reduced and Discontinued Substance Use among Adolescent Substance Users: Effectiveness of a Universal Prevention Program. Prev Sci 2007; 8(1):35-49.,3333 Cutrín O, Kulis S, Maneiro L, MacFadden I, Navas MP, Alarcón D, Gómez-Fraguela JA, Villalba C, Marsiglia FF. Effectiveness of the Mantente REAL Program for Preventing Alcohol Use in Spanish Adolescents. Psychosoc Interv 2021; 30(3):113-122. bem como entre aqueles que apresentavam comportamentos de risco2626 Kulis SS, Garcia-Perez H, Marsiglia FF, Ayers SL. Testing a Culturally Adapted Youth Substance Use Prevention Program in a Mexican Border City: Mantente REAL. Subst Use Misuse 2021; 56(2):245-257..

Dos três estudos que avaliaram o efeito do kiR em desfechos de violência2323 Kulis SS, Ayers SL, Harthun ML. Substance Use Prevention for Urban American Indian Youth: A Efficacy Trial of the Culturally Adapted Living in 2 Worlds Program. J Prim Prev 2017; 38(1-2):137-158.,2828 Kulis SS, Marsiglia FF, Porta M, Arévalo Avalos MR, Ayers SL. Testing the keepin' it REAL Substance Use Prevention Curriculum Among Early Adolescents in Guatemala City. Prev Sci 2019; 20(4):532-543., a única versão que evidenciou resultados positivos foi o MR, que se mostrou efetivo em diminuir os episódios de bullying2727 Kulis SS, Marsiglia FF, Medina-Mora ME, Nuño-Gutiérrez BL, Corona MD, Ayers SL. Keepin' It REAL-Mantente REAL in Mexico: a Cluster Randomized Controlled Trial of a Culturally Adapted Substance Use Prevention Curriculum for Early Adolescents. Prev Sci 2021; 22(5):645-657..

Os estudos que realizaram comparações de versões adaptadas com os originais, mostraram que é sempre mais efetivo utilizar a versão adaptada2222 Hecht ML, Shin Y, Pettigrew J, Miller-Day M, Krieger JL. Designed Cultural Adaptation and Delivery Quality in Rural Substance Use Prevention: an Effectiveness Trial for the Keepin' it REAL Curriculum. Prev Sci 2018; 19(8):1008-1018.,2323 Kulis SS, Ayers SL, Harthun ML. Substance Use Prevention for Urban American Indian Youth: A Efficacy Trial of the Culturally Adapted Living in 2 Worlds Program. J Prim Prev 2017; 38(1-2):137-158.,2727 Kulis SS, Marsiglia FF, Medina-Mora ME, Nuño-Gutiérrez BL, Corona MD, Ayers SL. Keepin' It REAL-Mantente REAL in Mexico: a Cluster Randomized Controlled Trial of a Culturally Adapted Substance Use Prevention Curriculum for Early Adolescents. Prev Sci 2021; 22(5):645-657..

Avaliação de qualidade

As informações sobre a qualidade dos estudos estão especificadas no Quadro 2. Embora nenhum estudo tenha sido classificado como de baixo risco em todos os cinco domínios, somente 7 dos 17 artigos identificados (42%) apresentaram nenhum ou apenas um dos cinco domínios com baixo risco de viés. O risco de relato de resultados seletivos não foi claro para todos os artigos uma vez que a maioria dos estudos não reporta ter publicado o protocolo previamente. Todos os artigos apresentaram a maioria dos itens como alto risco ou risco incerto de viés, ou seja, quatro ou mais itens avaliados foram classificados como risco alto e/ou incerto de viés. Apenas três artigos apresentaram baixo risco de viés no que se refere geração de uma sequência adequada de alocação.

Quadro 2
Avaliação do risco de viés através da escala da colaboração Cochrane para avaliação de ensaios controlados randomizados.

Discussão

O PROERD é o programa de prevenção ao uso de drogas e violência mais disseminado nas escolas brasileiras, mobilizando policiais de todos os estados e ocupando espaço nobre no currículo escolar. Os resultados neutros do atual currículo na prevenção ao uso de drogas1010 Sanchez ZM, Valente JY, Gusmões JDP, Ferreira-Junior V, Caetano SC, Cogo-Moreira H, Andreoni S. Effectiveness of a school-based substance use prevention program taught by police officers in Brazil: Two cluster randomized controlled trials of the PROERD. Int J Drug Policy 2021; 98:103413., bem como a dificuldade de síntese em relação aos diversos estudos de avaliação publicados sobre kiR, o currículo que deu origem ao PROERD, motivou esta revisão sistemática da literatura sobre a efetividade do kiR na prevenção ao uso de drogas e violência. A revisão sistemática dos 17 artigos que avaliaram o efeito do kiR na prevenção ao uso de drogas e/ou violência, através de ECRs, evidenciou que: 1 - A quase totalidade dos artigos identificados avaliaram o efeito do kiR aplicado por professores, mas não a versão DARE-kiR aplicado por policiais; 2 - A maioria dos ECRs avalia diferentes versões do programa kiR, apenas a versão Mantente Real Mexicana possui mais de uma avaliação de efetividade, com amostras diferentes; 3 - As versões adaptadas do kiR são mais efetivas quando comparadas com as originais; 4 - Efeitos favoráveis consistentes foram encontrados apenas no currículo voltado para os alunos do 7º ano e apenas para o uso de drogas; 5 - Nenhum estudo evidenciou sucesso do currículo destinado a alunos de 5º ano, tendo sido conduzido apenas um ECR além do Brasileiro para avaliar a efetividade desse currículo; 6 - A maioria dos artigos reporta achados de estudos realizados nos EUA; e 7 - Todos os artigos de avaliação identificados têm entre os autores algum dos desenvolvedores do programa.

O primeiro achado a ser destacado é a ausência de estudos que demonstrem a efetividade da versão correspondente ao currículo implementado pelo PROERD (DARE-kiR). Este achado está em linha com uma revisão publicada anteriormente que chama atenção para a alta disseminação do currículo DARE-kiR nas escolas americanas sem evidência de efetividade3434 Caputi TL, Thomas McLellan A. Truth and D.A.R.E.: Is D.A.R.E.'s new Keepin' it REAL curriculum suitable for American nationwide implementation? Drugs Educ Prev Policy 2017; 24(1):49-57.. O programa kiR tem pelo menos 14 versões diferentes de currículo e a maioria delas não tem mais de um estudo avaliativo realizado com amostras diferentes, o que dificulta a generalização dos resultados para diferentes amostras. Desta forma, parece inadequado utilizar como evidência de sucesso para a disseminação do PROERD outros currículos do kiR que não a mesma versão que vem sendo utilizada no Brasil: a versão adaptada pelo DARE americano (DARE-kiR). Destaca-se ainda que a versão DARE-kiR é implementada por policiais uniformizados, enquanto todas as outras versões avaliadas (reportadas nessa revisão) são implementadas por professores e outros profissionais da escola, sendo que a influência dos policias na prevenção ao uso de drogas ainda não é totalmente clara, necessitando mais estudos nessa área3535 El-Khatib Z, Herrera C, Campello G, Mattfeld E, Maalouf W. The Role of Law Enforcement Officers/Police in Drug Prevention within Educational Settings - Study Protocol for the Development of a Guiding Document Based on Experts' Opinions. Int J Environ Res Public Health 2021; 18(5):2613.. Importante mencionar que existe um estudo publicado reportando dados de avalição de efetividade do DARE-kiR nas escolas americanas, no entanto ele não preencheu critérios para ser analisado nessa revisão por se tratar de um estudo com desenho quasi-experimental, que avaliou o efeito do programa em desfechos secundários (não no uso de drogas e/ou violência). Os resultados mostraram efeitos promissores do DARE-kir na resistência à pressão dos pares, na confiança em explicar a recusa ao uso de cigarros e no conhecimento e nas habilidades de tomada de decisão responsável em alunos do ensino fundamental3636 Day LE, Miller-Day M, Hecht ML, Fehmie D. Coming to the new D.A.R.E.: A preliminary test of the officer-taught elementary keepin' it REAL curriculum. Addict Behav 2017; 74(May):67-73..

O fato do kiR ter muitas versões evidencia a relevância de se adaptar o programa para a realidade onde ele é implementado. Além do mais, os estudos que compararam versões do programa que não foram culturalmente adaptadas com versões adaptadas mostraram claramente a importância da adaptação cultural para que o programa consiga atingir os efeitos esperados2222 Hecht ML, Shin Y, Pettigrew J, Miller-Day M, Krieger JL. Designed Cultural Adaptation and Delivery Quality in Rural Substance Use Prevention: an Effectiveness Trial for the Keepin' it REAL Curriculum. Prev Sci 2018; 19(8):1008-1018.,2323 Kulis SS, Ayers SL, Harthun ML. Substance Use Prevention for Urban American Indian Youth: A Efficacy Trial of the Culturally Adapted Living in 2 Worlds Program. J Prim Prev 2017; 38(1-2):137-158.,2727 Kulis SS, Marsiglia FF, Medina-Mora ME, Nuño-Gutiérrez BL, Corona MD, Ayers SL. Keepin' It REAL-Mantente REAL in Mexico: a Cluster Randomized Controlled Trial of a Culturally Adapted Substance Use Prevention Curriculum for Early Adolescents. Prev Sci 2021; 22(5):645-657.. Um dos pilares centrais do kiR é a narrativa cultural22 Gosin M, Marsiglia FF, Hecht ML. keepin' it R.E.A.L.: A Drug Resistance Curriculum Tailored to the Strengths and Needs of Pre-Adolescents of the Southwest. J Drug Educ 2003; 33(2):119-142.,55 Hecht ML, Krieger JLR. The Principle of Cultural Grounding in School-Based Substance Abuse Prevention. J Lang Soc Psychol 2006; 25(3):301-319. e as atividades utilizam exemplos do cotidiano dos jovens para ensinar técnicas de resistência as drogas, o que corrobora a necessidade de adaptação cultural em cada população onde o programa é replicado. A ciência da prevenção corrobora essas recomendações, enfatizando que todos os programas que irão ser implementados em contextos diferentes dos quais eles foram originalmente desenvolvidos devem passar por um processo de avaliação cultural3737 Escoffery C, Lebow-Skelley E, Haardoerfer R, Boing E, Udelson H, Wood R, Hartman M, Fernandez ME, Mullen PD. A systematic review of adaptations of evidence-based public health interventions globally. Implement Sci 2018; 13(1):125..

Além das diferenças culturais existentes entre os comportamentos relacionados ao uso de drogas e as estratégias usadas para resistir à pressão dos pares55 Hecht ML, Krieger JLR. The Principle of Cultural Grounding in School-Based Substance Abuse Prevention. J Lang Soc Psychol 2006; 25(3):301-319., é importante citar as diferenças educacionais entre os EUA, onde o currículo original foi criado, e o Brasil. Muitas atividades do currículo dos alunos do 5º ano envolvem habilidades de leitura, interpretação de textos e escrita que não são compatíveis com os conhecimentos dos estudantes de 5º ano brasileiros. Na avaliação do PISA, o desempenho em leitura (que mede a capacidade de entender, usar e refletir sobre textos escritos) demonstra que o Brasil ocupa a 59ª posição em relação aos EUA que se encontra na 24ª posição3838 Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). Brasil no PISA 2015: análises e reflexões sobre o desempenho dos estudantes brasileiros. São Paulo: Fundação Santillana; 2016.. No caso do PROERD, parece que não houve adaptação cultural, mas apenas tradução para o português. A falta de adaptação cultural do PROERD para a realidade brasileira foi considerada como a principal hipótese para explicar os efeitos negativos do programa na prevenção ao uso de drogas1010 Sanchez ZM, Valente JY, Gusmões JDP, Ferreira-Junior V, Caetano SC, Cogo-Moreira H, Andreoni S. Effectiveness of a school-based substance use prevention program taught by police officers in Brazil: Two cluster randomized controlled trials of the PROERD. Int J Drug Policy 2021; 98:103413.,3939 Valente JY, Sanchez ZM. Short-Term Secondary Effects of a School-Based Drug Prevention Program: Cluster-Randomized Controlled Trial of the Brazilian Version of DARE's Keepin' it REAL. Prev Sci 2022; 23(1):10-23.. Assim como o PROERD outros programas também são apenas traduzidos para um novo idioma ou possuem adaptações superficiais, como mudanças nas cores e imagens4040 Castro FG, Barrera M, Martinez CR. The cultural adaptation of prevention interventions: resolving tensions between fidelity and fit. Prev Sci 2004; 5(1):41-45.. Esses dados refletem um dos atuais desafios do campo da prevenção: garantir a eficácia dos currículos de prevenção quando implementados em diferentes contextos e produzir diretrizes e práticas de adaptação cultural mais rigorosa3737 Escoffery C, Lebow-Skelley E, Haardoerfer R, Boing E, Udelson H, Wood R, Hartman M, Fernandez ME, Mullen PD. A systematic review of adaptations of evidence-based public health interventions globally. Implement Sci 2018; 13(1):125.,4141 Baumann AA, Powell BJ, Kohl PL, States MU, Penalba V. Cultural Adaptation and Implementation of Evidence-Based Parent-Training: A Systematic Review and Critique of Guiding Evidence. Child Youth Serv Rev 2016; 1(53):113-120..

O kiR parece apresentar efeitos favoráveis consistentes quando aplicado em alunos do 7º ano para os desfechos de uso de álcool, cigarro e maconha, tanto para os alunos que não usavam drogas quanto para os que já utilizava drogas ou apresentavam outros comportamentos de risco (antes de iniciar o programa). Apesar dos relevantes resultados do programa entre os alunos do 7º ano, é importante destacar que a maioria dos estudos foi realizada nos EUA, fato que também dificulta a extrapolação e comparação dos resultados para a população brasileira. Além disso, como foi discutido no parágrafo anterior, esses resultados favoráveis são de versões do programa adaptadas para a realidade do local de implementação. O que corrobora a necessidade da adaptação cultural da versão brasileira do programa. Por outro lado, é importante destacar que, assim como o estudo brasileiro, nenhum estudo evidenciou sucesso do currículo destinado a alunos de 5º ano. Este resultado levanta preocupação, uma vez que a maior abrangência populacional do PROERD é entre estudantes do 5º ano, sendo este o currículo menos avaliado (apenas um ECR, além do conduzido no Brasil) e com evidências preventivas desfavoráveis internacionalmente88 Elek E, Wagstaff DA, Hecht ML. Effects of the 5th and 7th Grade Enhanced Versions of the Keepin' it Real Substance Use Prevention Curriculum. J Drug Educ 2010; 40(1):61-79.,2020 Hecht ML, Elek E, Wagstaff DA, Kam JA, Marsiglia F, Dustman P, Reeves L, Harthun M. Immediate and Short-Term Effects of the 5th Grade Version of the Keepin' it Real Substance Use Prevention Intervention. J Drug Educ 2008; 38(3):225-251. e neutros no Brasil1010 Sanchez ZM, Valente JY, Gusmões JDP, Ferreira-Junior V, Caetano SC, Cogo-Moreira H, Andreoni S. Effectiveness of a school-based substance use prevention program taught by police officers in Brazil: Two cluster randomized controlled trials of the PROERD. Int J Drug Policy 2021; 98:103413..

Em relação aos achados referentes a classificação de viés dos artigos, de um modo geral os artigos foram classificados como apresentando viés incerto ou alto risco de viés na maioria dos domínios, principalmente no que se refere a reportar a geração adequada da alocação, ocultação de alocação e risco de relato de resultados seletivos. Sendo importante destacar que 14 dos 17 estudos não realizaram ou não reportaram como foi realizada a geração de sequência aleatória adequada, sendo este um passo essencial em um ECR para garantir a comparabilidade entre os grupos e diminuir o viés de seleção4242 Wholey J, Hatry H, Newcomer K. Handbook of Practical Program Evaluation. 3a ed. Wholey JS, Hatry HP, Newcomer K, editors. San Francisco: Jossey-Bass Ed; 2010.. Resultados similares foram encontrados em outras revisões sistemáticas de programas escolares de prevenção1919 Newton NC, Champion KE, Slade T, Chapman C, Stapinski L, Koning I, Tonks Z, Teesson M. A systematic review of combined student- and parent-based programs to prevent alcohol and other drug use among adolescents. Drug Alcohol Rev 2017; 36(3):337-351., o que chama atenção para a necessidade de maior rigor da implementação de ECR na área de avaliação de programas de prevenção para minimizar os riscos de viés e aumentar a possibilidade de validade interna dos resultados4343 Solomon P, Cavanaugh MM, Draine J. Randomized controlled trials : design and implementation for community-based psychosocial interventions. New York: Oxford University Press; 2009..

Este artigo possui algumas limitações principalmente no que se refere a dificuldade de sintetizar os achados dos estudos em função das diferentes versões do programa. Apesar dos estudos reportarem os achados de efeito de versões do kiR adaptadas culturalmente para diferentes populações, todos possuem em comum os mesmos elementos chave e referencial teórico. Além disso, apesar de existiram muitas publicações sobre os efeitos do programa, constatou-se que poucos foram os estudos conduzidos para avaliação da mesma versão do programa, sendo a grande maioria das versões do programa avaliadas apenas uma única vez. O que ocorre é que alguns artigos reportam resultados de diferentes análises oriundas de uma mesma amostra populacional. Outra limitação importante de ser discutida se refere ao fato de que todas as avaliações do kiR publicadas (exceto a brasileira) têm entre os autores pelo menos um dos desenvolvedores do programa. Fato que configura conflito de interesses e pode implicar em viés aos resultados4444 Gorman DM. Can we trust positive findings of intervention research? The role of conflict of interest. Prev Sci 2018; 19(3):295-305.. Entretanto, esta parece ser uma limitação comum ao campo dos programas de prevenção ao uso de drogas, já que existem relativamente poucas avaliações publicadas que não envolvem o desenvolvedores do programa e existem poucos casos em que há separação completa entre o programa desenvolvedor, o implementador e o avaliador do programa4545 Gorman DM, Conde E. Conflict of interest in the evaluation and dissemination of "model" school-based drug and violence prevention programs. Eval Program Plann 2007; 30(4):422-429..

Considerando que o PROERD hoje é o programa escolar de prevenção com maior capilaridade nas escolas Brasileiras e que contará com considerável expansão nos próximos anos, é importante que se invista não só em avaliações de efetividade, mas também em estudos que preencham as lacunas de conhecimento sobre a efetividade do programa americano que deu origem ao atual currículo do PROERD: o Keepin’ it REAL (kiR).

Os resultados desta revisão denotam que o kiR apresenta evidências de efetividade consistentes na redução do uso de drogas quando consideramos o currículo implementado no sétimo ano. Entretanto, não foram encontradas evidências que o kiR funcione para os alunos do quinto ano. Esses achados corroboram os resultados obtidos pelo estudo de efetividade do PROERD no que se refere a ausência de efetividade para o currículo do quinto ano, mas contradizem os achados dessa revisão no que se refere aos achados nulos do currículo do PROERD para o sétimo ano. As evidências internacionais relativas ao efeito do kiR em outras populações e o modelo teórico do programa ressaltam a maior efetividade do programa quando submetido a adaptação cultural o que contrasta com a ausência de adaptação cultural do PROERD para a população brasileira, evidenciada pela recente avaliação de efetividade do programa.

Referências

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  • Financiamento

    Este estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) por meio das bolsas 17-22300-7 (ZM Sanchez) e 2019/27519-2 (JY Valente). As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade do(s) autor(es) e não necessariamente refletem a visão da FAPESP.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Nov 2022

Histórico

  • Recebido
    01 Out 2021
  • Aceito
    01 Jul 2022
  • Publicado
    03 Jul 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br