“Tratamento precoce”, antivacinação e negacionismo: quem são os Médicos pela Vida no contexto da pandemia de COVID-19 no Brasil?

Isaura Wayhs Ferrari Márcia Grisotti Lucas de Carvalho de Amorim Larissa Zancan Rodrigues Marcella Trindade Ribas Cristiane Uflacker da Silva Sobre os autores

Resumo

O artigo pretende identificar quem são os “Médicos pela Vida” (MPV), suas informações acadêmicas e profissionais, quais as premissas utilizadas para a defesa do “tratamento precoce” e da negação das vacinas contra COVID-19 e qual a representatividade de seus discursos no contexto da prática médica no Brasil. A análise baseia-se na lista de 276 profissionais médicos catalogados no site dos MPV e em informações acadêmicas e profissionais coletadas nos sites do Conselho Federal de Medicina e da Plataforma Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. A análise do conteúdo aponta para a centralidade das especialidades da Homeopatia e Acupuntura na população de MPV quando comparada ao conjunto dos especialistas do Brasil. A adesão significativa de homeopatas e acupunturistas ao movimento dos MPV pode iluminar a compreensão sobre racionalidades médicas específicas, permitindo distinguir quais categorias e ideias acerca dos processos de saúde e doença estão em disputa. Conclui-se que, para além de descrever a problemática, é preciso estabelecer suas correlações com um conjunto de acontecimentos, práticas, decisões políticas, encadeamentos econômicos, compartilhamento de crenças e uma corrente de processos que configuram seu caráter inegavelmente social.

Palavras-chave:
COVID-19; Tratamento; Movimento contra vacinação

Introdução

Contextos de crise social, como a crise de saúde pública provocada pela pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2), são marcados por riscos e incertezas. Ao mesmo tempo, são momentos que desafiam nossas perspectivas, permitindo observar fenômenos sociais antes turvos ou dispersos, e obrigando-nos a “tirar debaixo do tapete” problemas antigos não resolvidos ou naturalizados. Durante o tempo decorrido da pandemia, a sociedade brasileira foi impactada pelo acirrado debate em torno das disputas pelos “regimes de verdade”11 Foucault M. Do Governo dos Vivos. 1ª ed. São Paulo: Martins Fontes; 2014. que versam as formas de enfrentamento da infecção e da doença, sobretudo em relação à vacinação e ao chamado “tratamento precoce”, termo que durante a pandemia no Brasil, foi utilizado para designar o uso do popularmente chamado “kit covid” (compreende uma ampla lista de remédios que inclui vitaminas C e D, zinco, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina, prednisona, corticosteróides, entre outros) em pacientes com diagnóstico da COVID-19. Debates envolvendo a comunidade científica, sociedade civil, instituições sociais e agentes políticos foram intensos e tais temas parecem ter marcado um ponto central de articulação. Nesse quadro, profissionais da saúde, especialmente médicos e médicas, têm desempenhado papel decisivo na condução das ações a serem tomadas por meio de políticas públicas. Neste contexto, problematiza-se a organização denominada “Médicos pela Vida” (MPV) (https://medicospelavidacovid19.com.br/), composta por profissionais médicos do Brasil que se manifestam e advogam em favor do tratamento precoce para COVID-19, pela não obrigatoriedade da vacinação - sob diversas alegações - e pela valorização da “herança” hipocrática na medicina (https://medicospelavidacovid19.com.br/abaixo-assinado/?abaixoAssinado=2).

Controvérsias, disputas e dissidências dentro da prática médica, como as observadas no caso dos MPV, entretanto, não são novas. A própria vacinação, tema muito mobilizado no debate em questão, é um exemplo emblemático. Encarar a história de acontecimentos importantes na prática médica sob uma perspectiva de um progresso ininterrupto é um exercício de reconstrução bastante deslocado22 Moulin AM. A hipótese vacinal: por uma abordagem crítica e antropológica de um fenômeno histórico. Hist Cien Saude Manguinhos 2003; 10(Supl. 2):499-517.. Sob a ótica das ciências sociais é possível afirmar que essa realidade de disputas e controvérsias é mais complexa e movediça; isso requer, portanto, um exame mais atento e minucioso22 Moulin AM. A hipótese vacinal: por uma abordagem crítica e antropológica de um fenômeno histórico. Hist Cien Saude Manguinhos 2003; 10(Supl. 2):499-517.. Além disso, as justificativas que têm subsidiado o chamado tratamento precoce e a hesitação vacinal não são triviais, e sua análise precisa ser dimensionada historicamente, como única maneira de interpretar o fenômeno para além das idiossincrasias conjunturais que o negacionismo político apresenta33 Roque T. O negacionismo no poder: como fazer frente ao ceticismo que atinge a ciência e a política [Internet]. 2020 [acessado 2022 mar 13]. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-negacionismo-no-poder/.
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O artigo pretende identificar e analisar quem são os MPV, suas informações acadêmicas e profissionais, quais as premissas nas quais se baseiam para a defesa do tratamento precoce e da negação das vacinas contra COVID-19 e qual a representatividade de seus discursos no contexto da prática médica no Brasil. Esperamos compreender e interpretar a diversidade, regularidade e as tendências desse grupo de profissionais diante da situação declarada da pandemia, a qual nos oferece uma oportunidade ímpar de vislumbrar colorações importantes de fenômenos tais quais a relação entre racionalidades médicas distintas e manifestações de hesitação vacinal e de negacionismo científico, que assolaram o contexto pandêmico no Brasil.

Profissão Médica e os MPV

Historicamente, a profissão médica goza de imenso prestígio. A medicina é um exemplo de profissão que, após a Revolução Industrial e a intensa divisão do trabalho social44 Durkheim E. Da divisão do trabalho social. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes; 1999., apresentou bases cognitivas substantivas, requerendo para si o domínio e monopólio de conhecimentos e suas aplicações através de serviços especializados55 Machado MH, coordenador. Os médicos no Brasil: um retrato da realidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1997.. Ao médico coube o papel de definir realidades, de dizer o que é sanidade ou insanidade e a “prerrogativa de elaborar e executar critérios de saúde e doença, transformando-se em paradigmas médicos-sociais”55 Machado MH, coordenador. Os médicos no Brasil: um retrato da realidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1997.. Sua opinião é frequentemente imperativa e a força dessa autoridade é calcada em um alto grau de legitimidade:

A lógica da confiança, da credibilidade ético-profissional assume feições marcantes e definitivas na relação médico-paciente. Ainda mais importante é o fato de que o médico não só tem autoridade profissional sobre o paciente, mas, principalmente, exerce um real e forte poder de ação sobre ele, tornando-o um consumidor passivo, pouco à vontade para decidir sobre condutas independentes da opinião de seu médico55 Machado MH, coordenador. Os médicos no Brasil: um retrato da realidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1997.(p.22).

Apesar da incontestável validação social da profissão médica e de seus serviços terem, durante a pandemia de COVID-19, reforçado seu caráter de bens sociais, algumas interações no domínio do saber e das práticas médicas enxergaram-se, no mínimo, em descompasso. Recentemente, reiteradas matérias jornalísticas66 Luc M. "A classe médica também se dividiu" com as vacinas [Internet]. Jornal Plural; 2021 [acessado 2022 mar 13]. Disponível em: https://www.plural.jor.br/noticias/vizinhanca/a-classe-medica-tambem-se-dividiu-com-as-vacinas/.
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7 Collucci C, Bottallo A. Carta de médicos contra vacina de Covid-19 inclui nomes sem autorização [Internet]. Folha de São Paulo; 2020 [acessado 2022 mar 13]. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/10/carta-de-medicos-contra-a-vacina-de-covid-19-inclui-nomes-sem-autorizacao.shtml.
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8 Santana F. Conheça o universo dos médicos que chamam a vacina contra covid de 'coisa de ideologia' [Internet]. Jornal Correio; 2021 [acessado 2022 mar 13]. Disponível em: https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/conheca-o-universo-dos-medicos-que-chamam-a-vacina-contra-a-covid-de-coisa-de-ideologia/.
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-99 Leite M. Grávidas relatam que médicos têm contraindicado vacina contra covid-19 [Internet]. Uol; 2021 [acessado 2022 mar 13]. Disponível em: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2021/07/15/covid-19-gravidas-confrontam-medicos-antivacina-e-brigam-por-autorizacao.htm.
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, declarações institucionais e a mídia em geral, apontam que a “classe médica também se dividiu” (https://www.plural.jor.br/noticias/vizinhanca/a-classe-medica-tambem-se-dividiu-com-as-vacinas/), acompanhando a tendência discursiva de alguns grupos hesitantes em relação à vacinação, contra certas medidas preventivas (como o uso de máscaras) e a favor de tratamentos precoces.

Assim, sob clima de ceticismo generalizado e de descrença em variadas instituições, posturas negacionistas têm aflorado33 Roque T. O negacionismo no poder: como fazer frente ao ceticismo que atinge a ciência e a política [Internet]. 2020 [acessado 2022 mar 13]. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-negacionismo-no-poder/.
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havendo, inclusive, a emergência de movimentos organizados que testemunham essa fragmentação, como a dos MPV. Boa parte de suas manifestações vão de encontro às principais orientações institucionais e de especialistas emitidas por organizações importantes no cenário científico, acadêmico e político, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), em nível global, e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Brasil. O grupo denominado Médicos Pela Vida reúne em um website e um perfil no Instagram (https://www.instagram.com/medicospelavidacovid19/) informações e pronunciamentos, manifestos e abaixo assinados com o comum acordo de um grupo considerável de profissionais. Ainda que a lista de médicos e médicas cadastrados seja de 276 profissionais, o primeiro abaixo assinado divulgado pela organização, em abril de 2021, possui, até a data desta consulta, 31.858 assinaturas de médicos e médicas, que podem visar o documento independentemente de estarem cadastrados no site ou não. (Informação atualizada disponível em: https://medicospelavidacovid19.com.br/abaixo-assinado/?abaixoAssinado=1).

O primeiro abaixo assinado, que contém o maior número de assinaturas, é uma carta, datada de abril de 2021, destinada ao Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro. Entre os principais temas desenvolvidos no texto estão o tratamento precoce (esclarecimento, informações e defesa); as vacinas (implicações e aspectos jurídicos) e a politização/judicialização do debate sobre a pandemia de COVID-19. As declarações dadas pela organização MPV atacam veementemente uma “ideologização da pandemia”, cujas principais características seriam a prevalência da narrativa midiática altamente controversa e a adoção de medidas equivocadas e falsas soluções, como o uso massivo de máscaras, a obrigatoriedade indireta de vacinação e a determinação de lockdowns, que juntos “estão destruindo a sociedade e sacrificando vidas humanas, muito mais do que a COVID-19”1010 Médicos Pela Vida. "Carta do Brasil" [Internet]. Brasília; 2021 [acessado 2022 mar 13]. Disponível em: https://medicospelavidacovid19.com.br/abaixo-assinado/?abaixoAssinado=1.
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De forma geral, percebe-se que o discurso está amparado em uma sintaxe científica, ou seja, em expressões, termos específicos e a referência constante aos “fatos” que comprovariam suas alegações (apesar de estes não serem citados). Entretanto, trata-se de uma estrutura utilizada de forma superficial e frágil, servindo apenas como um suporte para carregar as crenças, críticas e projetos políticos defendidos, tornando-os palatáveis à leitura do grande público ou de autoridades políticas. Assim, advogam para si o caráter de objetividade científica e de “verdadeira ciência” em suas colocações. A citação abaixo ilustra componentes do posicionamento sobre os dois principais temas, a saber, a vacinação e o tratamento precoce:

As grandes agências de notícias da mídia direcionaram as suas linhas editoriais para fazerem propaganda de vacinas experimentais, com tecnologias não convencionais, sem comprovada eficácia e principalmente a falta de segurança, acuando os governantes a pressionarem a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) a flexibilizar os critérios técnicos de aprovação dos imunizantes, boicotando e demonizando o tratamento imediato, recomendado por médicos de todo o País, cuja autonomia médica é garantida pelo Conselho Federal de Medicina1010 Médicos Pela Vida. "Carta do Brasil" [Internet]. Brasília; 2021 [acessado 2022 mar 13]. Disponível em: https://medicospelavidacovid19.com.br/abaixo-assinado/?abaixoAssinado=1.
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Ainda, nas exigências apresentadas ao final do documento, os assinantes solicitam ação imediata, inclusive, na “determinação da aplicação imediata da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, (Marco Civil da Internet) sobre as plataformas YouTube, Instagram, Facebook e Twitter por exclusão e retirada de postagens favoráveis ao tratamento imediato da COVID-19”. Ou seja, solicitam a livre veiculação de informações favoráveis ao tratamento precoce, já que a maioria das plataformas têm retirado postagens com este cunho, que defendem tratamentos ineficazes contra a COVID-19 ou divulgam informações falsas sobre a vacinação e outras questões relativas. De acordo com pesquisa realizada pela Agência Pública1111 Fleck G, Martins L. Influenciadores digitais receberam R$ 23 mil do governo Bolsonaro para propagandear "atendimento precoce" contra a covid 19 [Internet]. Agência Pública; 2021 [acessado 2022 fev 22]. Disponível em: https://apublica.org/2021/03/influenciadores-digitais-receberam-r-23-mil-do-governo-bolsonaro-para-propagandear-atendimento-precoce-contra-covid-19/.
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entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020, foram investidos mais de R$ 10 milhões em marketing de influência por parte do Ministério da Saúde. Nas postagens palavras como “atendimento” e “tratamento precoce” se confundiam. Diante da escala de difusão de informações falsas sobre a pandemia, diversas redes sociais, entre elas Facebook, Instagram, TikTok, Twitch, Twitter e YouTube, realizaram, no dia 19 de maio de 2021, a campanha #EuMeCuido. Também ocorreram episódios em que houve exclusão de informações presentes nas redes, mas em setembro de 2021, o atual presidente assinou uma medida provisória que alterou o Marco Civil da Internet, regulamentando que as redes sociais antes citadas precisam seguir determinados protocolos antes de remover contas, perfis e conteúdos disponíveis em suas plataformas.

Um segundo documento, de 20 de julho de 2021, direcionado aos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público brasileiros, adentra questões ainda mais ilustrativas acerca do posicionamento da organização. O texto, denominado “Manifesto Hipocrático”, apresenta argumentações ao longo de nove “dilemas” colocados, os quais abordam críticas às vacinas contra COVID-19, aos processos de vacinação adotados pelo país e a defesa de tratamentos medicamentosos com “medicamentos reposicionados (Off-Label)”. Os nove dilemas citados pelos médicos e médicas assinantes apontam uma quantidade alta de riscos envolvidos na descoberta, testes, fabricação e aplicação de vacinas, alegando, inclusive, conflitos de interesses dentre profissionais que “ditam as diretrizes médicas”. E concluem, considerando a vacinação contra COVID-19 no Brasil e diante de uma série de acusações, que “é possível que estejamos diante de um novo crime contra a humanidade, sem precedentes”. Inclusive, em abril de 2021, formou-se uma comissão parlamentar de inquérito para investigar omissões e irregularidades na condução na pandemia em território nacional. Em seu relatório final, a CPI da Pandemia recomendou o indiciamento de 66 pessoas físicas e duas pessoas jurídicas de acordo com práticas de negacionismo a respeito do vírus e das vacinas, de ocorrência de casos de corrupção nas negociações para a compra de vacinas e pelas mortes causadas pelo uso do tratamento precoce.

No website da organização, ainda, é possível “encontrar médicos” que realizam tratamento precoce em cada estado brasileiro. A aba “Encontre um Médico” possibilita o acesso a dados de médicos e médicas cadastrados, os quais incluem (1) nome; (2) cidade e estado; (3) CRM e (4) números de telefone e telefone celular (WhatsApp). Essas informações compõem o conjunto de dados coletados e analisados por esta investigação, que busca caracterizar, em um primeiro momento, as informações acadêmicas e profissionais comuns aos médicos que compõem o MPV.

Métodos

A análise da trajetória científica e da especialização profissional dos MPV é baseada na lista de 276 profissionais médicos catalogados no site dos Médicos pela Vida (cujos dados estão relacionados na Tabela 1) e em suas informações acadêmicas e profissionais, posteriormente coletadas nos sites do Conselho Federal de Medicina e da Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A coleta ocorreu entre 23 de setembro e 22 de novembro de 2021 e buscou investigar aspectos relativos à especialização profissional; presença de currículo lattes; realização de pós-graduação; produção acadêmica; participação em eventos científicos; e caráter da instituição de formação superior (pública ou privada). Primeiramente, todos os dados pessoais disponibilizados pelo website dos MPV foram coletados manualmente; neles estiveram inclusos: (1) Nome do médico/médica; (2) CRM; (3) Cidade e estado de atuação; (4) Número de telefone celular. Estes dados foram dispostos em tabela e, a partir deles, seguiu-se para a pesquisa na Plataforma Lattes, na qual, através dos nomes completos dos profissionais, foi encontrado determinado número de currículos. Por fim, no site do CFM, foram coletados, também através dos nomes completos dos profissionais, os dados relativos à especialização e data de registro no Conselho.

Tabela 1
Distribuição de Médicos no Brasil1212 Scheffer M, Cassenote A, Guerra A, Guilloux AGA, Brandão APD, Miotto BA, Almeida CJ, Gomes JO, Miotto RA. Demografia Médica no Brasil 2020. São Paulo: FMUSP, CFM; 2020. e Médicos pela Vida segundo unidade da Federação, incluindo frequência absoluta e relativa.

Para a análise descritiva dos dados foi utilizado o software SPSS Versão 26 e o software de análise qualitativa MAXQDA Analytics Pro 2020. Efetuou-se, inicialmente, uma análise qualitativa de conteúdo, que visou a identificar elementos com potencial analítico-explicativo em vista das perguntas da pesquisa e, posteriormente, geradas tabelas de distribuição de frequências, gráficos, medidas de tendência central (Média, Mediana e Moda) e identificação de normalidade. Além disso, todos os dados foram comparados com os dados da população de médicos no Brasil, apresentados na pesquisa de Scheffer et al.1212 Scheffer M, Cassenote A, Guerra A, Guilloux AGA, Brandão APD, Miotto BA, Almeida CJ, Gomes JO, Miotto RA. Demografia Médica no Brasil 2020. São Paulo: FMUSP, CFM; 2020.. Dessa forma, elencaram-se, para desenvolvimento das análises, as seguintes características referentes à população de MPV: (1) características sociodemográficas; (2) distribuição segundo unidades da Federação; (3) engajamento acadêmico; e (4) especialidades médicas.

Para testar o nível de uniformidade daqueles médicos que possuem currículo lattes foi utilizada a Análise Fatorial1313 Brown TA. Confirmatory factor analysis for applied research. New York: The Guilford Press; 2006.. Para isto, o software utilizado foi o R. Foram combinadas function for main axis, minimum residual, weighted least squares, e maximum likelihood factor analysis. Os pacotes utilizados foram o “psych”1414 Revelle W. psych: Procedures for Personality and Psychological Research. Evanston: Northwestern University; 2019., para a AF, e “GPArotation”1515 Bernaards CA, Jennrich RI. Gradient Projection Algorithms and Software for Arbitrary Rotation Criteria in Factor Analysis. Educ Psychol Measurement 2005; 65:676-696., para introduzir a rotação varimax. Para medir o impacto do sexo; do IDH dos estados; do tempo de prática profissional; e do tipo de instituição de formação superior nos tipos de especialização e na participação no campo acadêmico, foi desenvolvida a equação a seguir que proporciona uma visualização matemática dos testes que se darão posteriormente:

Yn=αn+βn1X1+βn2X2+βn3X3+βn4X4+en

Yn representa essas diferentes especializações ou o nível de participação no campo acadêmico; Xn representam as variáveis independentes anteriormente descritas. Para esse tipo de estrutura de relação entre variáveis, a análise de regressão é uma das técnicas de análise de dependência mais utilizadas no campo da pesquisa social. A Análise de Regressão Múltipla é usada para analisar o relacionamento entre uma variável dependente única e várias variáveis independentes1616 Hair JE, Anderson RE, Tatham RL. Multivariate Analysis. New York: Macmillian Publishers; 1987.. Para rodar as regressões múltiplas também foi utilizado o software R, com o pacote o “lavaan”1717 Rosseel Y. lavaan: An R Package for Structural Equation Modeling. J Stat Softw 2012; 48(2):1-36..

Quem são e qual a representatividade nacional dos MPV?

Em relação às características sociodemográficas, a população que compreende os MPV é dividida entre 56,5% de homens e 43,5% de mulheres - proporção que se aproxima da demografia nacional de 53,4% de homens e 46,6% de mulheres1212 Scheffer M, Cassenote A, Guerra A, Guilloux AGA, Brandão APD, Miotto BA, Almeida CJ, Gomes JO, Miotto RA. Demografia Médica no Brasil 2020. São Paulo: FMUSP, CFM; 2020. -, com cadastro no CFM ativo, em média, desde 1996 (sd=11,95). Dos que possuíam currículo lattes, 55% informaram que se formaram em universidades públicas, um valor bem acima dos 25,8% que se formam nesse tipo de instituição em âmbito nacional1212 Scheffer M, Cassenote A, Guerra A, Guilloux AGA, Brandão APD, Miotto BA, Almeida CJ, Gomes JO, Miotto RA. Demografia Médica no Brasil 2020. São Paulo: FMUSP, CFM; 2020.. A distribuição da população de Médicos pela Vida por unidade da Federação é descrita a seguir, com destaque para a alta concentração percentual nos estados de Rondônia, Sergipe e Pernambuco, e baixa concentração percentual no Distrito Federal, Paraíba, Goiás e São Paulo.

Engajamento acadêmico

Por engajamento acadêmico referimo-nos às atividades de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas dentro do ambiente acadêmico pelos MPV, seja durante ou após a graduação. Conforme a Tabela 2, em torno de 40% dos médicos catalogados no site MPV possuíam currículo Lattes cadastrado. Destes, um a cada quatro declararam possuir mestrado e um a cada dez, possuir doutorado. Mais de 60% tinham registrado algum tipo de produção ou participação em eventos científicos. A Tabela 3 demonstra os resultados da Análise Fatorial de engajamento acadêmico. A AF apresenta um adequado valor de ajuste do Sum Square Loadings (>1); Adequado Bartlett’s Test (p<0,001); e adequado valor de KMO (>=0,8). Os valores das cargas fatoriais são também valores adequados (>0,4). O teste demonstra uma homogeneidade daqueles que possuem currículo lattes. Estes, em sua grande maioria possuem um envolvimento com algum tipo produção ou participação em eventos científicos e/ou algum tipo de formação acadêmica de nível pós-graduação. Neste sentido, levanta-se a hipótese de que, possivelmente, aqueles 60% que não possuem currículo lattes são os que com mais frequência não possuem este tipo de envolvimento.

Tabela 2
Engajamento acadêmico.
Tabela 3
Análise Fatorial “Engajamento Acadêmico”.

Ainda, após efetuar testes de Regressão Múltipla, observou-se que que nenhuma das variáveis independentes de 1) sexo; 2) tempo de atividade como médico; 3) IDH do estado de atuação e 4) caráter da instituição de formação superior impacta significativamente no nível de engajamento acadêmico desenvolvido pelos médicos analisados, não sendo, portanto, explicativas para tal comportamento.

Especialização: a Homeopatia e a Acupuntura entre os MPV

No Brasil, 38,7% dos médicos são considerados “generalistas”, ou seja, sem título de especialista, e 61,3% são especialistas1212 Scheffer M, Cassenote A, Guerra A, Guilloux AGA, Brandão APD, Miotto BA, Almeida CJ, Gomes JO, Miotto RA. Demografia Médica no Brasil 2020. São Paulo: FMUSP, CFM; 2020.. Em nossa população de MPV possuímos um número muito próximo de especialistas, 59,4%. Como percebido na Tabela 4, alguns tipos de especialidade se destacam como as mais presentes na população de Médicos pela Vida: Ginecologia e Obstetrícia, Pediatria, Medicina do Trabalho, e Clínica Médica. Porém, como a pandemia do COVID-19 envolveu praticamente todo o contingente de médicos no país, o interessante é perceber as categorias mais presentes quando comparadas relativamente ao percentual de médicos de mesma especialidade em âmbito nacional. Neste caso, as categorias que mais se destacaram foram: Homeopatia e Acupuntura (estas com um valor percentual 8 e 6 vezes maior, respectivamente, do que o esperado pela quantidade de médicos especializados nesta categoria no Brasil). Segue-se com Endocrinologia e Metabologia, Medicina de Tráfego, Pneumologia, Medicina do Trabalho, Otorrinolaringologia, Ginecologia e Obstetrícia, Nutrologia e Neurocirurgia.

Tabela 4
Especialidades: MPV e Médicos do BR.

Na Tabela 5 são relacionados os resultados de regressões múltiplas, através das quais podemos perceber que os Homeopatas e Acupunturistas, que são a categoria com mais alta taxa relativa quando comparada com a população de especialistas do Brasil, estão mais concentrados em estados que apresentam um IDH mais elevado. Além disso, em especial os acupunturistas, são em sua maioria homens (77,8%, valor muito acima dos 48,8% de homens médicos acupunturistas no Brasil1212 Scheffer M, Cassenote A, Guerra A, Guilloux AGA, Brandão APD, Miotto BA, Almeida CJ, Gomes JO, Miotto RA. Demografia Médica no Brasil 2020. São Paulo: FMUSP, CFM; 2020.). Outras características significantes encontradas com as regressões foram: maior concentração de mulheres Endocrinologistas e Metabologistas (100%, superior aos 70,6% de uma também maioria de mulheres atuantes nessa especialidade1212 Scheffer M, Cassenote A, Guerra A, Guilloux AGA, Brandão APD, Miotto BA, Almeida CJ, Gomes JO, Miotto RA. Demografia Médica no Brasil 2020. São Paulo: FMUSP, CFM; 2020.); médicos pneumologistas ativos a mais tempo do que a média no CFM (o que condiz com uma média elevada da idade de médicos pneumologistas no Brasil de 50,9 anos1212 Scheffer M, Cassenote A, Guerra A, Guilloux AGA, Brandão APD, Miotto BA, Almeida CJ, Gomes JO, Miotto RA. Demografia Médica no Brasil 2020. São Paulo: FMUSP, CFM; 2020.); maior concentração de homens Otorrinolaringologistas (81,8%, superior aos 59,5% de uma também maioria de homens atuantes nessa especialidade1212 Scheffer M, Cassenote A, Guerra A, Guilloux AGA, Brandão APD, Miotto BA, Almeida CJ, Gomes JO, Miotto RA. Demografia Médica no Brasil 2020. São Paulo: FMUSP, CFM; 2020.); uma presença maior de ginecologistas e obstetras em regiões com o IDH mais elevado, assim como os homeopatas e acupunturistas, e com uma característica de que esses profissionais em nossa população são todos formados em instituições públicas (dados referentes àqueles que inseriram esta informação no currículo lattes); e uma maior concentração de nutrólogos em nossa população em regiões de baixo IDH.

Tabela 5
Análise de Regressão Múltipla “Especializações”.

Discussão e conclusões

Considerando a centralidade da Homeopatia e da Acupuntura nas especialidades de MPV (quando comparada com a população de especialistas do Brasil), adentramos um contexto que, desde 2006, se destaca. Neste ano o Ministério da Saúde aprovou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS), cuja implementação, segundo o documento oficial “atende à necessidade de incorporar e implementar experiências que já vêm sendo desenvolvidas na rede pública de muitos municípios e estados, entre as quais destacam-se aquelas no âmbito da Medicina Tradicional Chinesa - Acupuntura, da Homeopatia, da Fitoterapia, da medicina Antroposófica e do Termalismo-Crenoterapia”1818 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS - PNPIC-SUS. Brasília: MS; 2006.. Entretanto, a implementação não ocorreu sem controvérsias, já que a Academia Brasileira de Ciências, a Academia Nacional de Medicina e o Conselho Federal de Medicina declararam preocupação, em 2018, em relação à inserção de dez novas práticas de terapias alternativas no SUS, uma vez que consideram central para políticas públicas em saúde que certos critérios sejam levados em conta, como “o benefício resultante à população atendida, o impacto no custo da assistência, a capacidade do sistema em oferecer a nova tecnologia de maneira uniforme e justa a todo sistema de saúde, e, de forma importante, dispor de evidências de que a tecnologia oferecida tenha eficácia e, portanto, justifique o custo de oferecê-la”1919 Academia Brasileira de Ciências. Documento da ABC e ANM ao ministro da saúde [Internet]. Rio de Janeiro; 2018 [acessado 2022 fev 22]. Disponível em: http://www.abc.org.br/IMG/pdf/documento_da_abc_e_anm_ao_ministro_da_saude.pdf.
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A incorporação dessas práticas no SUS é encarada como fundamental, uma vez que se observa a crescente legitimação no âmbito social. Isso demanda, dessa forma, diretrizes específicas que permitam o fornecimento adequado de insumos e de ações de acompanhamento e avaliação, que não permaneçam restritos às práticas de cunho unicamente privado2020 Ferrari IW. As facetas de um discurso: uma contribuição foucaultiana sobre os discursos espírita e biomédico [tese]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2020.. No Brasil, durante a pandemia, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou, em maio de 2020, uma recomendação para a inclusão e divulgação das Práticas Integrativas e Complementares (Pics) no tratamento para combater a COVID-19, sob justificativa de que, na ausência de medicação para a cura, profissionais poderiam utilizar as práticas como forma de complementar a assistência, o que, segundo o Conselho, apresentou alguns registros de melhora em determinados tratamentos2121 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Conselho Nacional de Saúde (CNS). Covid-19: CNS recomenda divulgação de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (Pics) na assistência ao tratamento [Internet]. Brasília: MS; 2020 [acessado 2022 jan 8]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/1196-covid-19-cns-recomenda-divulgacao-de-praticas-integrativas-e-complementares-em-saude-pics-na-assistencia-ao-tratamentov..

Dentre as práticas da PNPIC, a Acupuntura e a Homeopatia, que se destacaram com a mais alta taxa relativa entre a população de MPV, são marcadas por controvérsias e estratégias de legitimação, que se transformaram conforme diferentes contextos2222 Sigolo RP. Homeopatia, medicina alternativa: entre contracultura, Nova Era e oficialização (Brasil, década de 1970). Hist Cien Saude Manguinhos 2019; 26(4):1317-1335.. “No Brasil, tanto a homeopatia como a acupuntura são consideradas especialidades médicas reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) desde 1980 e 1995, respectivamente, com a consulta e os procedimentos médicos (repertorização na homeopatia e aplicação das agulhas na acupuntura)”2323 Teixeira MZ, Lin CA, Martins MA. O Ensino de Práticas Não-Convencionais em Saúde nas Faculdades de Medicina: Panorama Mundial e Perspectivas Brasileiras. Rev Bras Educ Med 2004; 28(1):51-60.(p.52). A investigação sobre a adesão significativa de homeopatas e acupunturistas ao movimento dos MPV pode iluminar a compreensão sobre representações e aproximações a racionalidades médicas específicas, permitindo distinguir quais categorias e ideias acerca dos processos de saúde e doença estão em disputa2222 Sigolo RP. Homeopatia, medicina alternativa: entre contracultura, Nova Era e oficialização (Brasil, década de 1970). Hist Cien Saude Manguinhos 2019; 26(4):1317-1335..

Sabe-se que tais práticas são parte de abordagens terapêuticas que baseiam-se na justificativa da promoção, manutenção e recuperação de um modelo de saúde ancorado em princípios como o da atenção humanizada e integral, ou seja, na visão de um indivíduo global, que esteja sob a luz da corresponsabilidade na saúde, tanto do profissional quanto do paciente, “contribuindo, assim, para o aumento da cidadania”1818 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS - PNPIC-SUS. Brasília: MS; 2006.. O campo que compreende a Homeopatia e Acupuntura contempla complexos sistemas médicos e diferentes recursos terapêuticos, que são denominados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como “medicina tradicional e complementar/alternativa”. O termo foi enunciado pela OMS em 1962, como “uma prática tecnologicamente despojada de medicina, aliada a um conjunto de saberes médicos tradicionais”2424 Luz MT. Cultura Contemporânea e Medicinas Alternativas: novos Paradigmas em Saúde no Fim do Século XX. Physis 2005; 7(1):144-176.. É proposto como uma alternativa à medicina especializada e tecnocientífica. Entretanto, trata-se de uma definição que não abarca a pluralidade da prática e, por isso, posteriormente, passa a designar práticas terapêuticas diversas e, muitas vezes, adversas à medicina científica. Hoje, compreende qualquer forma de cura que não seja propriamente biomédica2020 Ferrari IW. As facetas de um discurso: uma contribuição foucaultiana sobre os discursos espírita e biomédico [tese]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2020..

Nesse sentido, observa-se uma aproximação às declarações dos MPV, que, de forma geral, defendem a abordagem holística do indivíduo e uma assistência humanizada, alegando afastamento em relação a interesses e empreendimentos comerciais e políticos envolvendo a “indústria farmacêutica”, responsável pelo desenvolvimento e ampla venda de vacinas contra a COVID-19. No abaixo assinado denominado “Carta do Brasil” relatam:

Se alguns dos governantes não estivessem subservientes à narrativa única da mídia e adotassem as medidas que realmente salvaguardassem a vida humana, não flexibilizariam os protocolos da ANVISA para satisfazer o poderoso lobby das indústrias farmacêuticas, promovendo as controversas vacinas experimentais, apresentando-as como solução final para a pandemia, mas cujos efeitos adversos e óbitos decorrentes de sua utilização, vêm crescendo a cada dia1010 Médicos Pela Vida. "Carta do Brasil" [Internet]. Brasília; 2021 [acessado 2022 mar 13]. Disponível em: https://medicospelavidacovid19.com.br/abaixo-assinado/?abaixoAssinado=1.
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Seguindo os princípios milenares da boa prática médica e reduzindo consideravelmente a pressão das indústrias farmacêuticas (nacionais e internacionais) nestas diretrizes, definimos como principais pilares para a Assistência em Saúde na Covid-19, a prevenção de doenças e a promoção da saúde, seguindo as estratégias abaixo: 1) ações com objetivo de aumentar a imunidade da população, com promoção de hábitos saudáveis, alimentação adequada e sono regular, informações confiáveis, redução do estresse, atividade ao ar livre e exposição regular ao sol, incentivo a atividades culturais e esportivas, da religiosidade ou espiritualidade, dentre outras [...]1010 Médicos Pela Vida. "Carta do Brasil" [Internet]. Brasília; 2021 [acessado 2022 mar 13]. Disponível em: https://medicospelavidacovid19.com.br/abaixo-assinado/?abaixoAssinado=1.
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O ponto que se sobressai, portanto, diz respeito à natureza da relação entre hesitação vacinal, a defesa do tratamento precoce e a prática de terapias alternativas/integrativas/complementares. A defesa e promoção de terapias alternativas ao modelo biomédico de medicina, identificadas nas afirmações dos MPV, encontram boa aceitação nos discursos antivacinação; essa relação vem sendo questionada pela OMS2525 Organização Mundial da Saúde (OMS). Report of the SAGE Working Group on Vaccine Hesitancy [Internet]. 2014 [cited 2021 set 8]. Available from: https://www.who.int/Report_WORKING_GROUP_vaccine_hesitancy_final.pdf.
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e investigada por pesquisadores2626 Browne M, Thomson P, Rockloff MJ, Pennycook G. Going against the Herd: psychological and cultural factors underlying the 'vaccination confidence gap'. Plos One 2015; 10(9):1-15.. Outros autores2727 Machado DFT, Siqueira AF, Gitahy L. Natural Stings: selling distrust about vaccines on brazilian youtube. Front Commun 2020; 5:1-9. apontam, inclusive, um viés mercadológico presente na relação entre a negação de vacinas e a venda de serviços de saúde em canais de Youtube brasileiros:

There is a collaboration between channels that promote alternative health services. From 20 channels spreading M&D [misinformation and disinformation] about vaccines, 11 mentioned Lair Ribeiro (Dr. Lair Ribeiro Oficial), a cardiologist and nutrologist that promotes alternative therapies, diets, and pseudoscience-homeopathy, detox, law of attraction, quantum medicine-in his videos and talks. The collaboration occurs through the reproduction of videos from “associate” channels or via endorsement of content creators and their courses. Besides that, the channels promote other professionals that support alternative therapies or other content creators that endorse M&D about vaccines2727 Machado DFT, Siqueira AF, Gitahy L. Natural Stings: selling distrust about vaccines on brazilian youtube. Front Commun 2020; 5:1-9.(p.4).

Por isso, trata-se de um acontecimento importante na análise efetuada, e que endossa preocupações e achados na literatura, que observam a significância dessa correlação. A defesa de um modelo de saúde integral, holista e humanizada é apropriada, muitas vezes, equivocadamente, criando uma arma potente contra práticas de imunização através de vacinas. A crítica e insatisfação com o modelo biomédico, com a superespecialização e com sua proximidade à indústria farmacêutica, observada nas últimas décadas no Brasil2828 Otani MAP, Barros NF. "A Medicina Integrativa e a construção de um novo modelo na saúde". Cien Saude Colet 2011; 16(3):1801-1811., neste caso, são convenientemente utilizadas para atacar a vacinação e defender o tratamento precoce. O exemplo apontado2727 Machado DFT, Siqueira AF, Gitahy L. Natural Stings: selling distrust about vaccines on brazilian youtube. Front Commun 2020; 5:1-9. é importante para perceber a discussão em sua complexidade, uma vez que demonstram que muitos dos profissionais que oferecem serviços de terapias alternativas e de métodos naturais fazem parte de um complexo sistema de relações comerciais e negação de vacinas2727 Machado DFT, Siqueira AF, Gitahy L. Natural Stings: selling distrust about vaccines on brazilian youtube. Front Commun 2020; 5:1-9.. Ao nos dirigirmos, portanto, a essa problemática singular, além de descrevê-la, é preciso estabelecer suas correlações com um conjunto de acontecimentos, práticas, decisões políticas, encadeamentos econômicos, compartilhamento de crenças e, de forma geral, uma corrente de processos que configuram seu caráter social e suas disposições quando confrontados com outros discursos2828 Otani MAP, Barros NF. "A Medicina Integrativa e a construção de um novo modelo na saúde". Cien Saude Colet 2011; 16(3):1801-1811., que, neste artigo, deixamos como pistas para futuros trabalhos.

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  • Financiamento

    Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - 434747/2018.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Nov 2022

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2022
  • Aceito
    29 Jun 2022
  • Publicado
    01 Jul 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br