Estatuto do Idoso: análise dos fatores associados ao seu conhecimento pela população idosa brasileira

Statute of the Elderly: analysis of the factors associated with awareness of the statute among the elderly Brazilian population

Wanderson Costa Bomfim Mariane Coimbra da Silva Mirela Castro Santos Camargos Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar os fatores associados ao conhecimento do Estatuto do Idoso pela população brasileira não institucionalizada com 60 anos ou mais. Trata-se de um estudo transversal e exploratório, que utilizou dados do Estudo Longitudinal de Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil) realizado nos anos de 2015 e 2016. A análise estatística foi feita por meio do teste qui-quadrado e emprego de modelos logísticos binários. Maiores chances de conhecer o Estatuto do Idoso entre os mais escolarizados (OR: 3,17; IC95%: 2,19-4,60), aqueles pertencentes ao quartil mais alto de riqueza (OR: 2,96; IC95%: 2,00-4,38) e entre os que sofreram discriminação em função da idade (OR: 1,73; IC95%: 1,39-2,16). Em contrapartida, ter 80 anos ou mais (OR: 0,59; IC95%: 0,43-0,82) e menor comunicação com os filhos (OR: 0,56; IC95%: 0,43-0,74) está associado a um menor conhecimento dessa legislação. Muitas desigualdades no conhecimento dessa legislação, em especial as socioeconômicas, foram observadas demonstrando que o conhecimento dos direitos estabelecidos não é homogêneo. O entendimento de toda a população quanto às prerrogativas do Estatuto do Idoso é essencial para avanços quanto a sua aplicabilidade e efetividade.

Key words:
Elderly; Civil rights; Socioeconomic factors; Ageism; Social support

Abstract

The scope of this article is to analyze the factors associated with awareness of the Statute of the Elderly by the non-institutionalized Brazilian population aged 60 years and older. It involves a cross-sectional and exploratory study, which used data from the Longitudinal Study of Health of Elderly Brazilians (ELSI-Brasil) conducted in 2015 and 2016. Statistical analysis was assessed by means of the chi-square test and with the use of binary logistic models. Awareness of the Statute of the Elderly was higher among the better educated elderly group (OR: 3.17; 95%CI: 2.19-4.60), those belonging to the highest quartile of the wealth index (OR: 2.96; 95%CI: 2.00-4.38), and among those who suffered discrimination based on age (OR: 1.73; 95%CI: 1.39-2.16). On the other hand, being 80 years old or older (OR: 0.59; 95%CI: 0.43-0.82) and having less communication with their children (OR: 0.56; 95%CI: 0.43-0.74) is associated with lesser awareness of this legislation. Many inequalities in awareness of the legislation, especially socioeconomic inequalities, were observed, revealing that awareness of established rights is not homogeneous. Awareness of the entire population regarding the prerogatives of the Statute of the Elderly is essential for advances in its applicability and effectiveness.

Key words:
Elderly; Civil rights; Socioeconomic factors; Ageism; Social support

Introdução

A população idosa vem crescendo, principalmente quando se observa o contexto de países de média renda como o Brasil11 Wong LLR, Carvalho JA. O rápido processo de envelhecimento populacional do Brasil: sérios desafios para as políticas públicas. Rev Bras Estud 2006; 23(1):5-26.

2 Camarano AA, Pasinato MT. Envelhecimento, pobreza e proteção social na América Latina. Pap Poblac Toluca 2007; 13(52):9-45.

3 Sudharsanan N, Bloom DE. The Demography of Aging in Low-and middle-income countries: Chronological versus Functional Perspectives. In: Mark D, Malay KM. Future Directions for the Demography of Aging. Proceedings of a Workshop; 2018. p. 309-338.
-44 Neumann LTV, Albert SM. Aging in Brazil. Gerontologist 2018; 58(4):611-617.. Em termos mundiais, estimativas apontam para um crescimento de 34% desse grupo populacional, passando de 1 bilhão em 2019 para 1,4 bilhão em 205055 World Health Organization (WHO). The Global strategy and action plan on ageing and health 2016-2020: towards a world in which everyone can live a long and healthy life. Geneva: WHO; 2020.. Projeções apontam para um envelhecimento da estrutura etária brasileira, sendo visualizado um aumento significativo na proporção de idosos. Em 2060, espera-se que 38,7% da população tenha acima de 60 anos, comparados com 17,1% em 201966 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Idosos indicam caminhos para uma melhor idade [Internet]. [acessado 2020 jan 13]. Disponível em: https://censo2021.ibge.gov.br/2012-agencia-de-noticias/noticias/24036-idosos-indicam-caminhos-para-uma-melhor-idade.html#:~:text=A%20popula%C3%A7%C3%A3o%20idosa%20tende%20a,do%20.
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Em termos populacionais está havendo um crescimento proporcional desse grupo em relação aos demais, e em termos individuais, as pessoas estão se tornando mais envelhecidas, vivendo por períodos mais longos77 Lee R. The Demographic Transition: Three Centuries of Fundamental Change. J Econom Perspect 2003; 17(4):167-190.

8 Omran AR. The Epidemiologic Transition: A Theory of the Epidemiology of Population Change. Milbank Q 2005; 83(4):731-757.
-99 Vallin J, Meslé F. Convergences and divergences in mortality. A new approach to health transition. Demogr Res 2004; 2:11-44.. Essas mudanças populacionais geram novos desafios e uma necessidade de proporcionar que essas transformações ocorram de forma a possibilitar um envelhecimento saudável1010 World Health Organization (WHO). Decade of Healthy Ageing Plan of Action [Internet]. 2020 [acessado 2022 maio 20]. Disponível em: https://www.who.int/ageing/decade-of-healthy-ageing.
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No cenário nacional, o envelhecimento populacional vem ocorrendo num contexto de muita desigualdade. Atualmente, a população idosa é composta por indivíduos que, em geral, foram expostos durante o curso de vida a piores condições socioeconômicas e demográficas comparadas às gerações atuais mais jovens1111 Zhong Y, Wang J, Nicholas S. Gender, childhood and adult socioeconomic inequalities in functional disability among Chinese older adults. Int J Equity Health 2017; 16(1):165.,1212 Wang Q, Rizzo JA, Fang H. Parents' son preference, childhood adverse experience and mental health in old age: Evidence from China. Child Abuse Negl 2019; 93:249-262.. Desse modo, trata-se de um grupo que em muitas circunstâncias se encontra em condições de vulnerabilidade1313 Martineau A, Plard M. Successful aging: analysis of the components of a gerontological paradigm. Geriatr Psychol Neuropsychiatr Vieil 2018; 16(1):67-77., gerando novos desafios para os próprios indivíduos, famílias e para o Estado1414 Minayo MCS. O envelhecimento da população brasileira e os desafios para o setor saúde.Cad Saude Publica 2012; 28(2):208-210.. Esses fatores, somados a toda a mudança composicional da população brasileira, induziram ações governamentais que assegurassem direitos e que possibilitassem, por lei, o alcance de mínimas condições de vida. Essas ações se condensam em torno de legislações que garantem direitos fundamentais às pessoas idosas1515 Fernandes MTO, Soares SM. O desenvolvimento de políticas públicas de atenção ao idoso no Brasil. Rev Esc Enferm USP 2012; 46(6):1494-1502.,1616 Silva MRF, Yazbek MC. Proteção social aos idosos: concepções, diretrizes e reconhecimento de direitos na América Latina e no Brasil. R Katal 2014; 17(1):102-110.. Em nível nacional, podem-se destacar duas legislações que gozam de um papel central na determinação dos direitos da população idosa: a Política Nacional do Idoso1717 Brasil. Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional do idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União; 1994. e o Estatuto do Idoso1818 Brasil. Lei nº 10.741, de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União; 2003..

No que diz respeito ao Estatuto do Idoso, sua criação se deu por meio da Lei nº 10.741, em 2003, tendo como objetivo regular os direitos assegurados às pessoas idosas1818 Brasil. Lei nº 10.741, de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União; 2003.. A determinação do que é indivíduo idoso se diferencia de acordo com contextos locais, variando segundo fatores socioeconômicos e culturais1919 Orimo H. Reviewing the definition of elderly. Nihon Ronen Igakkai Zasshi 2006; 43(1):27-34.. No Brasil, é considerada pessoa idosa aquela com idade igual ou superior a 60 anos1818 Brasil. Lei nº 10.741, de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União; 2003..

O Estatuto do Idoso sumariza em suas preposições um amplo conjunto de direitos, dentre os quais: à vida, dignidade, liberdade, moradia, alimentação, saúde2020 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Estatuto do Idoso. 3ª ed. Brasília: MS; 2013.. Todavia, há um grande hiato e distorção do que é estabelecido por lei e o que se visualiza diariamente na vida de alguns idosos brasileiros. Essa população é exposta a circunstâncias que possuem impacto significativo em sua saúde e condições de vida, como eventos de violência, problemas associados ao acesso e qualidade dos serviços de saúde, dentre outros. A literatura destaca inúmeras situações em que as prerrogativas do Estatuto do Idoso são desrespeitadas2121 Minayo MCS. Violência: um velho-novo desafio para a atenção à saúde. Rev Bras Educ Med 2005; 29(1):55-63.

22 Minayo MCS. Violência e maus-tratos contra a pessoa idosa: é possível prevenir e superar. In Born T, editor. Cuidar melhor e evitar a violência: manual do cuidador da pessoa idosa. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos; 2008. p. 38-45.

23 Pinto FNFR, Barham EJ, Albuquerque PP. Idosos vítimas de violência: fatores sociodemográficos e subsídios para futuras intervenções. Estud Pesqui Psicol 2013; 13(3):1159-1181.

24 Amaral FLJS, Motta MHA, Silva LPG, Alves SB. Fatores associados com a dificuldade no acesso de idosos com deficiência aos serviços de saúde. Cien Saude Colet 2012; 17(11):2991-3001.
-2525 Almeida APSC, Nunes BP, Duro SMS, Facchin LA. Determinantes socioeconômicos do acesso a serviços de saúde em idosos: revisão sistemática. Rev Saude Publica 2017; 51:50..

Para uma concreta execução do que é estabelecido por lei, é essencial que órgãos governamentais e atores institucionais ajam. Entretanto, também é importante que os cidadãos, em especial os idosos, saibam de seus direitos e deveres. O acesso à informação, em particular o que é estabelecido pelo Estatuto do Idoso, torna-se essencial para o cumprimento da legislação. Contudo, nem sempre os idosos possuem conhecimento no que tange os seus direitos, existindo uma lacuna sobre o conhecimento das legislações existentes capazes de possibilitar mínimas condições de vida para esse grupo populacional2626 Martins MS, Massarollo MCKB. Conhecimento de idosos sobre seus direitos. Acta Paulista Enferm 2010; 23(4):479-485.

27 Silva MSL, Costa SMG. Percepção da Pessoa Idosa Acerca do Estatuto do Idoso. In: VI Congresso Internacional de Envelhecimento Humano. Campina Grande: Realize Editora; 2019.
-2828 Mafra ALS, Guimarães JR. Conhecimento dos Idosos sobre seus Direitos Garantidos no Estatuto do Idoso - Estudo Comparativo entre Idosos Institucionalizados e Não Institucionalizados. Rev Funec Cien 2012; 2:3..

No que diz respeito especificamente ao Estatuto do Idoso, a literatura se mostra incipiente sobre a temática acerca do conhecimento da população idosa sobre essa legislação e se restringe há uma análise mais local e com pouca representatividade. Os estudos evidenciam uma baixa compreensão e domínio da população idosa, além de fornecer indícios de que pessoas com piores condições socioeconômicas possuem um conhecimento ainda mais restrito2727 Silva MSL, Costa SMG. Percepção da Pessoa Idosa Acerca do Estatuto do Idoso. In: VI Congresso Internacional de Envelhecimento Humano. Campina Grande: Realize Editora; 2019.

28 Mafra ALS, Guimarães JR. Conhecimento dos Idosos sobre seus Direitos Garantidos no Estatuto do Idoso - Estudo Comparativo entre Idosos Institucionalizados e Não Institucionalizados. Rev Funec Cien 2012; 2:3.
-2929 Crippa A, Gomes I, Schwanke C. Conhecimento dos idosos da Estratégia Saúde da Família sobre o Estatuto do Idoso. Rev SORBI 2015; 3(1):60-69.. Nesse caso, os fatores demográficos (idade e sexo) e socioeconômicos (escolaridade) são preditores do conhecimento sobre a legislação, evidenciando que os determinantes socioeconômicos podem influenciar a compreensão sobre legislação2828 Mafra ALS, Guimarães JR. Conhecimento dos Idosos sobre seus Direitos Garantidos no Estatuto do Idoso - Estudo Comparativo entre Idosos Institucionalizados e Não Institucionalizados. Rev Funec Cien 2012; 2:3.,2929 Crippa A, Gomes I, Schwanke C. Conhecimento dos idosos da Estratégia Saúde da Família sobre o Estatuto do Idoso. Rev SORBI 2015; 3(1):60-69.. Entretanto, os estudos realizados até então exploram poucas variáveis preditivas em relação conhecimento do Estatuto do Idoso, ao passo que outros determinantes como, por exemplo, apoio social, acesso a informações, condições de saúde e fatores psicossociais podem ter efeitos significativos. Em um contexto de maior disponibilidade de dados, torna-se de suma importância um aprofundamento no papel de outros grupos de variáveis, para além do que é mencionado na incipiente literatura. Assim sendo, há uma lacuna na literatura que o presente estudo pretende preencher, por meio de uma análise mais ampla nos fatores que influenciam no conhecimento do Estatuto do Idoso.

Para a universalização e integralidade das políticas públicas, é fundamental que o Estatuto do Idoso seja reconhecido por toda a população e, principalmente, pelo seu público-alvo. Assim sendo, para que ações de políticas públicas possam ser implementadas, de modo que a população passe a ter maior compreensão sobre a temática, estudos dos fatores associados ao conhecimento em relação a essa legislação podem fornecer valiosos subsídios.

Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi analisar os fatores associados ao conhecimento do Estatuto do Idoso pela população brasileira não institucionalizada com 60 anos ou mais.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal e exploratório, com abordagem quantitativa que utilizou dados do Estudo Longitudinal de Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil). O ELSI-Brasil é uma pesquisa com representatividade nacional para pessoas com 50 anos ou mais3030 Lima-Costa MF, Andrade FB, Souza Jr PRB, Neri AL, Duarte YAO, Castro-Costa E, Oliveira C. The Brazilian Longitudinal Study of Aging (ELSI-Brazil): Objectives and Design. Am J Epidemiol 2018; 187(7):1345-1353. e faz parte de uma rede internacional de grandes estudos longitudinais sobre o envelhecimento, denominados genericamente como Health and Retirement family of studies. São estudos independentes, mas com alto grau de comparabilidade internacional3131 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Contextualização internacional [Internet]. [acessado 2022 maio 21]. Disponível em: http://elsi.cpqrr.fiocruz.br/a-pesquisa/contextualizacao-internacional/.
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Para este estudo utilizou-se a linha de base da pesquisa, realizada entre os anos de 2015 e 2016, portanto, empregado apenas a chamada primeira onda da pesquisa, a única até então disponibilizada. As ondas subsequentes serão realizadas a cada três anos3232 Lima-Costa MF, Andrade FB, Oliveira C. Brazilian Longitudinal Study of Aging (ELSI-Brazil). In: Gu D, Dupre ME, organizadores. Encyclopedia of Gerontology and Population Aging. 1ª ed. Berlin: Springer International Publishing; 2019. p. 1-5., porém, diante da pandemia de COVID-19, o planejamento de execução da segunda onda foi alterado.

A amostra total do ELSI-Brasil foi composta por 9.412 indivíduos com 50 anos ou mais. Foram utilizadas informações da base operacional geográfica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para a estratificação e seleção das áreas. Trata-se de uma amostragem complexa que levou em consideração a combinação de unidades amostrais (municípios), setores censitários e domicílios3030 Lima-Costa MF, Andrade FB, Souza Jr PRB, Neri AL, Duarte YAO, Castro-Costa E, Oliveira C. The Brazilian Longitudinal Study of Aging (ELSI-Brazil): Objectives and Design. Am J Epidemiol 2018; 187(7):1345-1353.. No presente estudo, a amostra utilizada foi de 5.400 pessoas, considerando apenas as pessoas com 60 anos ou mais e que responderam ao desfecho de interesse.

A variável de desfecho foi o conhecimento da existência do Estatuto do Idoso, baseando-se no seguinte quesito: “O(A) Sr(a) conhece ou já ouviu falar no Estatuto do Idoso?”. Foi dicotomizada em conhece a legislação em questão, por meio das categorias de resposta “Sim e já leu”, “Sim e nunca leu” e desconhece, com “Não conhece ou não ouviu falar”.

Há uma singularidade nesse quesito, não perguntado em nenhum outro grande inquérito nacional. Diante disso, há uma lacuna na literatura no que tange os fatores que podem ajudar a compreender o conhecimento da existência dessa importante legislação brasileira. A definição das variáveis que foram incorporadas nas análises estatísticas se deu pela exploração da base de dados, concomitantemente a consulta da incipiente literatura sobre o tema2727 Silva MSL, Costa SMG. Percepção da Pessoa Idosa Acerca do Estatuto do Idoso. In: VI Congresso Internacional de Envelhecimento Humano. Campina Grande: Realize Editora; 2019.

28 Mafra ALS, Guimarães JR. Conhecimento dos Idosos sobre seus Direitos Garantidos no Estatuto do Idoso - Estudo Comparativo entre Idosos Institucionalizados e Não Institucionalizados. Rev Funec Cien 2012; 2:3.
-2929 Crippa A, Gomes I, Schwanke C. Conhecimento dos idosos da Estratégia Saúde da Família sobre o Estatuto do Idoso. Rev SORBI 2015; 3(1):60-69.. Dessa forma, foram usados blocos de variáveis explicativas nas análises de associação e nos modelos empreendidos. Os blocos utilizados foram: demográficas, socioeconômicas, saúde e psicossociais.

As variáveis explicativas demográficas utilizadas foram sexo; idade (50 a 59 anos, 60 a 69 anos, 70 a 79 anos e 80 anos e mais); situação conjugal (casado(a)/união consensual/mora junto, solteiro(a), divorciado(a)/separado(a), viúvo(a)); área (rural e urbano) e raça/cor (branco, não branco - formado por preto, pardo, amarela e indígena).

No que tange às variáveis socioeconômicas, foram utilizadas a escolaridade, renda mensal domiciliar per capita e índice de riqueza. A classificação de escolaridade empregada foi: “sem instrução; ensino fundamental; ensino médio; ensino superior/pós-graduação”. A informação de renda utilizada foi em relação a domiciliar per capita, empregada de forma categórica, classificada em quatro quartis.

O índice de riqueza foi mensurado com base na posse de bens duráveis domésticos, qualidade da habitação e instalações sanitárias, como realizado em outros estudos3333 Vyas S, Kumaranayake L. Constructing sócio-economica status índices: How to use principle compenent analysis. Health Policy Planning 2006; 21(6):459-468.,3434 Le DD, Leon-Gonzales R, Giang LT. Decomposing Gender Inequality In Functional Disability Among Older People In Vietnam. Arch Gerontol Geriatric 2019; 87(4):103989.. Esse índice foi construído por meio da Principal Component Analysis (PCA). A forma escolhida para a definição das variáveis utilizadas no índice de riqueza foi mediante a análise da matriz de correlação policórica. Variáveis que apresentaram valores negativos ou próximos a zero foram excluídas. As variáveis que entraram na construção do índice de riqueza, em termos de quantidade, foram: geladeira, máquina de lavar roupa, micro-ondas, televisão, telefone fixo, ar-condicionado, computador, televisão por assinatura, carro e banheiro.

Em relação às variáveis de saúde, foram utilizadas quantidade de doenças crônicas, autopercepção de saúde e posse de plano de saúde. A variável referente ao número de doenças crônicas foi baseada no autorelato de: hipertensão arterial; diabetes; colesterol alto; infarto, angina, insuficiência cardíaca; acidente vascular cerebral; asma (ou bronquite asmática); artrite ou reumatismo; problemas de coluna; depressão; doença pulmonar obstrutiva crônica; câncer; insuficiência renal crônica. O número de doenças crônicas foi categorizado em nenhuma, uma e duas ou mais. A autopercepção do estado de saúde foi categorizada em: muito boa/boa; regular e ruim/muito ruim. Por fim, foi utilizada a informação se o indivíduo tinha ou não plano de saúde.

Ademais, foram utilizadas variáveis psicossociais. A primeira se refere à discriminação sofrida em função da idade, baseada no quesito “Na sua opinião, existe discriminação na cidade ou localidade onde o(a) Sr(a) mora em relação a pessoas mais velhas?” e dicotomizada em sim e não. As redes de apoio social também foram avaliadas pela comunicação dos idosos com seus filhos, categorizada em 1 ou mais vezes por semana; entre 1 vez por mês ou a cada 3 meses; e entre 1 vez ao ano e menos que 1 vez ao ano. Para tal, utilizou-se o quesito “Com que frequência conversa por telefone com algum de seus filhos, sem contar os que moram junto com o(a) Sr(a)?”.

Os resultados descritivos foram expostos em termos relativos. Em seguida, foram feitas análises de associação univariada entre as variáveis independentes e o desfecho baseada no teste qui-quadrado de Pearson com correção de Rao-Scott. Aquelas que apresentaram p-valor≤0,05 foram englobadas nos modelos de regressão. Para os modelos, foi empregada a regressão logística binomial. Visando verificar possíveis correlações perfeitas existentes entre as variáveis independentes, principalmente entre as informações socioeconômicas, foi utilizado o teste de fator de inflação da variância (VIF). Os resultados do emprego do VIF foram inferiores a 5, evidenciando a não existência de multicolinearidade. Foi aplicado o teste de Hosmer-Lemeshow para averiguar a adequação do modelo. Esses testes são importantes para a verificação da qualidade dos modelos e para um melhor controle quanto a possíveis vieses que podem influenciar nos coeficientes e, por consequente, nas análises dos resultados.

As análises levaram em consideração a amostragem complexa da base de dados, utilizando-se do programa estatístico Stata, versão 15. O ELSI-Brasil foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Pesquisas René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz (Protocolo no. 886.754).

Resultados

Os resultados descritivos mostram que a maioria dos idosos brasileiros conhece, em algum grau, o Estatuto do Idoso (77,5%: IC95%; 74,9-79,9). As demais informações das características da amostra estão descritas na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização da amostra, frequências relativas e valores de associação em relação ao conhecimento do Estatuto do idoso, ELSI-Brasil, 2015-2016.

A idade teve associação positiva (p-valor<0,001) e evidenciou que o conhecimento do Estatuto do Idoso é maior para os idosos mais jovens. Entre aqueles com 80 anos ou mais, apenas 66,8% (IC95%: 61,7-71,6) disseram que conheciam. Houve uma diferença considerável entre os idosos que residiam na área urbana em relação à área rural. Para aqueles residentes em áreas rurais, apenas 62,9% (IC95%: 53,8-71,6) disseram que conheciam o Estatuto do Idoso. No que diz respeito à raça/cor, também foram observadas diferenças significativas, apesar de não tão expressivas. Dentre os que se declararam brancos, 81,7% (IC95%: 78,9-84,2) relataram que conheciam o Estatuto do Idoso. Já entre os de cor parda foram 75,1% (IC95%: 71,7-78,2).

As variáveis socioeconômicas tiveram associação positiva com o desfecho analisado, todas com p-valor<0,001. No que tange à escolaridade, por exemplo, 93,3% (IC95%: 91,4-94,9) dos idosos com 8 anos ou mais de estudo conheciam o Estatuto do Idoso, contra 64,2% (IC95%: 60,3-67,9) daqueles com menos de 4 anos. Analisando o índice de riqueza observou-se uma diferença importante entre os extremos, haja vista que aqueles indivíduos dentro do 1º quartil, o mais baixo, apenas 59,5% (IC95%: 53,7-64,9) conheciam a legislação em análise, contra 91,5 % (IC95%: 89,3-92,2) quando se restringe a aqueles dentro do 4º quartil de riqueza. Essas diferenças também foram observadas quando comparados os quartis de renda domiciliar per capita, contudo em nível inferior.

Em relação às variáveis de saúde e às psicossociais, ter plano de saúde, ter sofrido discriminação pela idade e o nível de relação com os filhos tiveram associação estatisticamente positiva. Entre aqueles com plano de saúde, 87,0% (IC95%: 83,6-89,7) relataram que conheciam o Estatuto do Idoso. Também foi verificado maior conhecimento do estatuto entre aqueles que sofreram discriminação pela idade (86,1%; IC95%: 84,3-87,8). E quanto maior o nível de contato e comunicação com os filhos, maior o conhecimento sobre essa legislação (80,8%; IC95%: 77,9-83,3).

Os resultados dos modelos de regressão empregados estão descritos na Tabela 2. Na análise univariada, todas as variáveis que foram selecionadas com base no critério estatístico estabelecido apresentaram associação estatisticamente significativa. Na análise multivariada, grupos etários de 60 a 79 anos, raça/cor, área de residência, renda domiciliar per capita e plano de saúde passaram a não ter mais significância estatística. O p-valor do teste Hosmer-Lemeshow para o modelo ajustado (0.687) demonstrou boa qualidade de ajuste no modelo final com todas as variáveis.

Tabela 2
Resultados dos modelos de regressão logística dos fatores explicativos do conhecimento do Estatuto do Idoso pela população com 60 anos ou mais, ELSI, Brasil, 2015-2016.

Analisando a idade, a significância se manteve apenas para os idosos com 80 anos ou mais, que apresentaram uma chance inferior de conhecer o Estatuto do Idoso em relação aos com 60 a 64 anos (OR: 0,59; IC95%: 0,43-0,82).

A escolaridade teve um efeito muito expressivo na análise univariada. Apesar de uma diminuição na análise multivariada, o seu efeito se manteve expressivo. Aqueles com oito ou mais anos de estudo tiveram uma chance 3,17 vezes maior (IC95%: 2,19-4,60) de conhecer a legislação em questão do que aqueles com menos de 4 anos.

Resultados bastante expressivos também para o índice de riqueza. Aqueles que estavam no 4º quartil tinham uma chance 2,96 vezes maior (IC95%: 2,00-4,38) de conhecer o Estatuto do Idoso comparado aos do 1º quartil.

A discriminação em função da idade também teve importante efeito. Aqueles que relataram que sofreram esse tipo de discriminação tiveram maior chance de conhecer o Estatuo do Idoso (OR: 1,73: IC95%: 1,39-2,16).

Por fim, os idosos que tiveram pouca comunicação com seus filhos, apresentaram menor chance de conhecer a legislação em análise. Aqueles que conversavam com os filhos entre 1 vez ao ano e menos que 1 vez ao ano tiveram 0,56 (IC95%; 0,43-0,74) da chance de quem conversava uma ou mais vezes por semana de conhecer o Estatuto do Idoso.

Discussão

O presente estudo teve como objetivo verificar os fatores associados ao conhecimento da população idosa brasileira em relação ao Estatuto do Idoso. Os resultados apontaram principalmente para muitas desigualdades sociais e econômicas, evidenciando que os indivíduos que vivenciam e estão expostos a piores condições de vida, são os que menos conhecem uma das principais legislações de proteção da população idosa no Brasil.

As prevalências de pessoas idosas que conhecem o Estatuto do Idoso se diferem de estudos anteriores, pois evidenciaram que grande parte da população estudada conhece, em algum grau, essa legislação. Um estudo realizado com idosos de uma Unidade Básica de Saúde no município de João Pessoa demonstrou que metade dos idosos não tinha o conhecimento de alguns direitos básicos, como o atendimento integral prioritário e boa parte desconhecia também o direito ao acesso a medicamentos de forma gratuita2727 Silva MSL, Costa SMG. Percepção da Pessoa Idosa Acerca do Estatuto do Idoso. In: VI Congresso Internacional de Envelhecimento Humano. Campina Grande: Realize Editora; 2019.. Outro trabalho, analisando idosos em municípios do estado do Rio de Janeiro, baseando-se num conjunto de questões, chegou à conclusão de que o Estatuto do Idoso é pouco conhecido por grande parte desses indivíduos3535 Santos EN, Campos LAM, Bonioli D, Santos KM. Crenças de Idosos em Relação ao Estatuto do Idoso. Lex Hum 2018; 10(2):14-40.. Ressalta-se que há diferenças na forma de perguntar sobre o Estatuto do Idoso, sendo necessário, portanto, cautela na comparação dos resultados.

Usando informações dos Núcleos de Convivência de Idosos (NCI) no município de São Paulo, um estudo identificou que menos da metade dos idosos (49,2%) conheciam seus direitos, porém não se restringiu a perguntar especificamente sobre aqueles garantidos pelo Estatuto do Idoso. Além disso, apenas 25% deles relataram que os seus direitos são respeitados2626 Martins MS, Massarollo MCKB. Conhecimento de idosos sobre seus direitos. Acta Paulista Enferm 2010; 23(4):479-485..

Os resultados do estudo apontaram para uma relação positiva entre condições socioeconômicas e conhecimento do Estatuto do Idoso, principalmente quando se leva em consideração a escolaridade e o índice de riqueza. Um estudo realizado com idosos da Estratégia Saúde da Família de Porto Alegre-RS também evidenciou uma associação positiva entre o conhecimento dessa legislação com a escolaridade, contudo, não observou associação significativa com a renda2929 Crippa A, Gomes I, Schwanke C. Conhecimento dos idosos da Estratégia Saúde da Família sobre o Estatuto do Idoso. Rev SORBI 2015; 3(1):60-69.. O estudo, no entanto, se restringiu a uma população bastante restrita e não realizou nenhuma análise multivariada para verificar os efeitos de associação com as variáveis analisadas conjuntamente.

Ter sofrido discriminação também teve associação significativa com conhecer o Estatuto do Idoso. Esse resultado pode indicar que a discriminação pode gerar um comportamento de procura sobre os direitos da pessoa idosa, de modo que o ato seja punido e/ou não ocorra novamente. O idoso é exposto a diferentes formas de discriminação e preconceito relacionados com estereótipos que ainda hoje estão vinculados ao envelhecimento, como por exemplo, a fragilidade, a solidão, doença, improdutividade, dentre outros3636 Nussbaum JF, Pitts MJ, Huber FN, Krieger JRL, Ohs JE. Ageism and ageist language across the life span: Intimate relationships and non-intimate interactions. J Soc Issues 2005; 61:287-305..

A discriminação, em muitas circunstâncias, também pode estar associada a situações de violência. A literatura evidencia situações de violência física, sexual e psicológica sofridas por idosos, cometidas por distintos atores, incluindo membros da própria família, como cônjuges, filhos, genros, noras e netos que deveriam, a priori, ser responsáveis por zelar sua pela vida2121 Minayo MCS. Violência: um velho-novo desafio para a atenção à saúde. Rev Bras Educ Med 2005; 29(1):55-63.

22 Minayo MCS. Violência e maus-tratos contra a pessoa idosa: é possível prevenir e superar. In Born T, editor. Cuidar melhor e evitar a violência: manual do cuidador da pessoa idosa. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos; 2008. p. 38-45.
-2323 Pinto FNFR, Barham EJ, Albuquerque PP. Idosos vítimas de violência: fatores sociodemográficos e subsídios para futuras intervenções. Estud Pesqui Psicol 2013; 13(3):1159-1181.,3737 World Health Organization (WHO). Violence against women: Global picture health response. Geneva: Department of Reproductive Health and Research, WHO; 2013.,3838 World Health Organization (WHO). Department of gender, women and health, family and community health. Adressing violence against women and achieving the milennium goals. Geneva: WHO; 2005..

A comunicação com os filhos também teve um efeito significativo com o conhecimento do Estatuto do Idoso. Gerações mais jovens possuem mais acesso e numa velocidade maior às fontes externas de informações comparadas com as pessoas mais envelhecidas, incluindo também um maior nível de habilidade de lidar com as novas tecnologias3939 Helman CG. Cultural aspects of time and ageing. Time is not the same in every culture and every circumstance; our views of aging also differ. EMBO Rep 2005; 6(Supl. 1):S54-S58.,4040 Schneider RH, Irigaray TQ. O envelhecimento na atualidade: aspectos cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais. Estud Psicol 2008; 25(4):585-593.. Esses conhecimentos e novos aprendizados podem ser passados não somente pelos filhos, mas também pelos netos para os membros mais velhos da família, o que inclui informações sobre as legislações. A família tem um considerável papel de apoio e no cuidado do indivíduo idoso. O contexto social e cultural do Brasil em termos do cuidado é considerado como “familismo” implícito, no qual a responsabilidade recai principalmente sobre as famílias. As instituições tendem a prover cuidados em menor nível4141 Passos L, Machado DC. Regime de cuidados no Brasil: uma análise à luz de três tipologias. Rev Bras Estud Pop 2021; 38:1-24..

O Estatuto do Idoso tem estabelecido em suas diretrizes, distintos direitos básicos como, por exemplo, saúde, alimentação, educação. Todavia, o que se observa na prática nem sempre condiz com o que é estabelecido legalmente4242 Silva ACAP. Conhecimento, Cidadania e Direito do Idoso: relatos pós-Lei nº 10.741/2003. Rev Bras Geriatr Gerontol 2008; 11(1):45-55.. Em relação à saúde, por exemplo, há evidências de muitas barreiras no acesso e utilização de serviços, particularmente para aqueles com piores condições socioeconômicas2424 Amaral FLJS, Motta MHA, Silva LPG, Alves SB. Fatores associados com a dificuldade no acesso de idosos com deficiência aos serviços de saúde. Cien Saude Colet 2012; 17(11):2991-3001.,2525 Almeida APSC, Nunes BP, Duro SMS, Facchin LA. Determinantes socioeconômicos do acesso a serviços de saúde em idosos: revisão sistemática. Rev Saude Publica 2017; 51:50.. A alimentação adequada é fundamental para boas condições de saúde e de vida, não somente para as pessoas mais velhas. Não obstante, a literatura evidencia que nem sempre isso é visualizado na prática por parte da população idosa, que é exposta a circunstâncias de insegurança alimentar, além das dificuldades de uma alimentação mais saudável, principalmente em grupos mais vulneráveis4343 Previdelli AN, Goulart RMM, Aquino RC. Balanço de macronutrientes na dieta de idosos brasileiros: análises da Pesquisa Nacional de Alimentação 2008-2009. Rev Bras Epidemiol 2017; 20(1):70-80.

44 Venturini CD, Engroff P, Sgnaolin V, Milani El Kik R, Morrone FB, Gomes I. Inadequate food intake in elderly: drug-nutrient interaction. PAJAR 2020; 8(1):e34072.2020.
-4545 Zou P. Facilitators and Barriers to Healthy Eating in Aged Chinese Canadians with Hypertension: A Qualitative Exploration. Nutrients 2019; 11(1):111..

Como mencionado, as condições socioeconômicas estão intimamente relacionadas às condições de vida dos idosos e a educação, em especial, é um dos principais direitos estabelecidos nas diretrizes do Estatuto do Idoso. Alguns indicadores educacionais elucidam que melhorias estão sendo observadas e que as pessoas vêm apresentando melhores níveis de escolaridade4646 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). PNAD Contínua - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua [Internet]. [acessado 2021 maio 10]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?=&t=o-que-e.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
. Todavia, ainda persistem grandes desigualdades dentro do cenário brasileiro4646 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). PNAD Contínua - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua [Internet]. [acessado 2021 maio 10]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?=&t=o-que-e.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
,4747 Peres MAC. Velhice e analfabetismo, uma relação paradoxal: a exclusão educacional em contextos rurais da região Nordeste. Soc Estado 2011; 26(3):631-662.. Os determinantes sociais, em particular a educação, são ferramentas essenciais para a redução das inequidades observadas, colaborando para um envelhecimento saudável e maior qualidade de vida4848 Mallmann DG, Galindo Neto NM, Sousa JC, Vasconcelos EMR. Educação em saúde como principal alternativa para promover a saúde do idoso. Cien Saude Colet 2015; 20(6):1763-1772.,4949 Guo J, Wu Y, Deng X, Liu Z, Chen L, Huang Y. Association between social determinants of health and direct economic burden on middle-aged and elderly individuals living with diabetes in China. PLoS One 2021; 16(4):e0250200..

A educação pode propiciar ao idoso maior conhecimento em relação aos seus direitos, como aqueles relacionados à saúde, lazer, moradia. O idoso atual, especialmente aquele de idade mais avançada, ainda carrega as consequências das desigualdades educacionais vivenciadas no passado. É necessário que a sociedade compreenda que os idosos têm muito a ensinar, mas também ainda a aprender, principalmente em relação aos seus direitos, demonstrando a necessidade de estar em contato constante com novos conhecimentos e novas experiências5050 Oliveira R, Scortegagna P, Oliveira F. Mudanças sociais e saberes: o papel da educação na terceira idade. Rev Bras Cien Envelhecimento Hum 2010; 6(3):382-392.. Ações como as Universidades Abertas da Terceira Idade, que promovem integração e educação continuada, podem se mostrar importantes para ampliar a autoestima, qualidade de vida, reflexão, práticas de novos aprendizados e resgaste da cidadania5151 Martins RCCC, Casetto SJ, Guerra RLF. Mudanças na qualidade de vida: a experiência de idosas em uma universidade aberta à terceira idade. Rev Bras Geriatr Gerontol 2019; 22(1):e180167..

O Estatuto do Idoso foi, sem dúvidas, um marco no que tange à organização dos direitos da pessoa idosa. Mais do que estabelecer novas determinações, ele condensou e organizou diretrizes estabelecidas por outras legislações5252 Boas MAV. Estatuto do Idoso Comentado. 5ª ed. São Paulo: Editora Forense; 2015.. Todavia, ainda existem muitos desafios em relação a sua execução. Apesar de quase duas décadas de sua criação, a população idosa ainda não o conhece com o devido aprofundamento, carecendo de um processo mais efetivo de disseminação de seu conteúdo para esse grupo, como também para toda a sociedade brasileira, haja vista que para que suas prerrogativas sejam alcançadas, é necessário que todos compreendam e assimilem seu conteúdo3535 Santos EN, Campos LAM, Bonioli D, Santos KM. Crenças de Idosos em Relação ao Estatuto do Idoso. Lex Hum 2018; 10(2):14-40..

Há também fragilidades no próprio Estatuto do Idoso que podem prejudicar a efetividades das suas disposições. Nele, há elementos que corroboram com uma visão atrasada do idoso atrelado à fragilidade, dependência, carência e outros componentes que remetem a estigmas5353 Justo JS, Rozendo AS. A velhice no Estatuto do Idoso. Estud. Pesqui Psicol 2010; 10(2):471-489.. Apesar de o idoso tender a possuir maiores prevalências de doenças crônicas, condições incapacitantes e outros fatores que influenciam nas suas condições de vida e saúde5454 Wang LM, Chen ZH, Zhang M, Zhao ZP, Huang ZJ, Zhang X, Li C, Guan YQ, Wang X, Wang ZH, Zhou MG. Study of the prevalence and disease burden of chronic disease in the elderly in China. Zhonghua Liu Xing Bing Xue Za Zhi 2019; 40(3):277-283.

55 Figueiredo AEB, Ceccon RF, Figueiredo JHC. Doenças crônicas não transmissíveis e suas implicações na vida de idosos dependentes. Cien Saude Colet 2021; 26(1):77-88.
-5656 Malta DC, Bernal RTI, Gomes CS, Cardoso LSM, Lima MG, Barros MBA. Desigualdades na utilização de serviços de saúde por adultos e idosos com e sem doenças crônicas no Brasil, Pesquisa Nacional de Saúde 2019. Rev Bras Epidemiol 2021; 24(Supl. 2):E210003., há a capacidade do exercício pleno de suas atividades sociais e de vida.

Isto posto, é necessário uma reflexão e reavaliação das disposições dessa legislação no que diz respeito às características associadas ao indivíduo idoso, por vezes estereotipadas. A legislação não pode corroborar com uma caracterização ultrapassada e incorreta quanto à pessoa idosa.

É importante ressaltar que desde meados da última década do século XX, vem se buscando no contexto nacional o avanço da legislação de proteção da população idosa, sendo visualizadas importantes conquistas. Contudo, diante de um cenário de profundas mudanças da composição populacional, será cada vez mais essencial à consolidação dos direitos dessa população5757 Camarano AA. Estatuto do idoso: Avanços com contradições. Brasília: Ipea; 2013..

As políticas públicas devem acompanhar as mudanças etárias populacionais e as distinções quanto às demandas dessa população tão heterogênea, que apresenta características que se diferenciam muito de acordo com fatores geográficos, sociais e econômicos5858 McEniry M. Early-life conditions and older adult health in low- and middle-income countries: a review. J Dev Orig Health Dis 2013; 4(1):10-29.,5959 Belasco AGS, Okuno MFP. Reality and challenges of ageing. Rev Bras Enferm 2019; 72(Supl. 2):1-2.. Esses elementos sugerem reflexões importantes no que diz respeito às necessidades de legislações e ações governamentais que levem em conta esses diferenciais, e também que a população idosa hoje é distinta da que viveu décadas atrás. Aqueles atualmente com 60 anos não são iguais aos com mesma idade há 30 anos6060 Sanderson WC, Scherbov S. A new perspective on population aging. Demogr Res 2007; 16(2):27-58.,6161 Lima KC, Mendes TCO. Qual o limite etário ideal para uma pessoa ser considerada idosa na atualidade? Rev Bras Geriatr Gerontol 2019; 22(5):e190298.. Este último ponto induz outra reflexão ainda pouco discutida e investigada no cenário nacional: a determinação de uma idade para a definição do que é idoso6161 Lima KC, Mendes TCO. Qual o limite etário ideal para uma pessoa ser considerada idosa na atualidade? Rev Bras Geriatr Gerontol 2019; 22(5):e190298.. Isso posto, é necessário avaliar em termos de políticas o quão benéfico é e os custos vinculados à definição da idade cronológica única e fixa adotada atualmente como ponto de corte para designação do indivíduo idoso.

A efetividade dessa e demais legislações referentes à população idosa, bem como outras políticas públicas em distintas faixas de idade são essenciais para garantir melhores condições de vida em idades avançadas, atuando na minimização das desigualdades saúde, educação, emprego e renda. É importante estabelecer como finalidade um processo de envelhecimento saudável, que abarque todo o curso de vida, de tal modo que os idosos sejam integralmente incorporados na sociedade, num sistema mútuo de fortalecimento6262 World Health Organization (WHO). The Global strategy and action plan on ageing and health 2016-2020: towards a world in which everyone can live a long and healthy life. Geneva: WHO; 2020.. Há a necessidade de ações em nível global para garantia das necessidades dos idosos, incluindo o aspecto do estabelecimento de seus direitos, como um compromisso para a obtenção de um envelhecimento saudável, que possam garantir benefícios a todos6363 World Health Organization (WHO). Decade of Healthy Ageing Plan of Action [Internet]. 2020 [acessado 2022 maio 20]. Disponível em: https://www.who.int/ageing/decade-of-healthy-ageing.
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,6464 World Health Organization (WHO). Ageing and health [Internet]. 2021 [acessado 2022 maio 20]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/ageing-and-health.
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Essa perspectiva de envelhecimento saudável está muito atrelada a uma concepção contemporânea do que é o idoso e de como a sociedade enxerga o ser idoso em tempos mais atuais. Uma população ativa, em relação às suas condições de saúde, mas também no aspecto social, de integração com a sociedade. Uma visão desatrelada de estereótipos reducionistas referentes à fragilidade, inatividade e incapacidade5353 Justo JS, Rozendo AS. A velhice no Estatuto do Idoso. Estud. Pesqui Psicol 2010; 10(2):471-489.,6565 Neri AL. As Políticas de Atendimento aos Direitos da Pessoa Idosa Expressas no Estatuto do Idoso. Terceira Idade 2005; 16(34):7-24.

66 Souza MSE, Machado CV. Governance, intersectoriality and social participation in public policy: the National Council on the Rights of the Elderly. Cien Saude Colet 2018; 23(10):3189-3200.
-6767 López-López R, Sánchez M. The Institutional Active Aging Paradigm in Europe (2002-2015). Gerontologist 2020; 60(3):406-415..

Este estudo possuiu pontos fortes e fracos. O ponto forte é a realização de uma análise com dados representativos para todo o Brasil no que se refere a pessoas com 60 anos ou mais. Esse tipo de análise, apesar de não permitir verificar as especificadas locais e regionais, possibilita uma avaliação mais precisa das associações existentes, dado o tamanho de sua amostra. Ademais, preenche uma lacuna existente na literatura nacional sobre a temática tão essencial em termos sociais e de saúde. Apesar de se tratar de uma das principais legislações brasileiras sobre idosos, há poucos estudos na literatura. Como limitação ressalta-se a impossibilidade de estabelecer uma relação causal entre a variável de desfecho com as demais, pois se trata de uma abordagem transversal. Estudos futuros poderão explorar esse tipo de relação de causalidade, quando o ELSI-BRASIL tiver outras ondas disponíveis para análise. Há também como limitação a indisponibilidade de realização de análises mais regionalizadas como, por exemplo, por grandes regiões do Brasil, pois a base de dados não possuiu representatividade estatística para tal. Ademais, o ELSI-Brasil tem como objetivo a compreensão dos determinantes do envelhecimento brasileiro, com ênfase na saúde, e a variável referente ao conhecimento do Estatuto do Idoso é apenas uma das inúmeras existentes. Assim sendo, não há um aprofundamento dos fatores que podem estar associados a ela, já que foge das prerrogativas da base. Algumas questões que poderiam ser importantes, como o acesso ao Estatuto do Idoso e outros fatores não estão disponíveis.

Conclusão

Os resultados apontam para a necessidade de amplificação da disseminação do Estatuto do Idoso, especialmente para aqueles indivíduos em piores condições socioeconômicas, expostos a condições de maior vulnerabilidade. Os idosos que menos conhecem essa legislação são os que mais necessitam ter seus direitos assegurados. Ações que envolvam o Estado, as famílias, a sociedade civil e os próprios idosos são imprescindíveis para os avanços na execução dessas políticas. Finalmente, cabe mencionar que o Estatuto do Idoso é um convite simbólico para que a sociedade repense alguns comportamentos até então adotados e traz um apelo à reflexão que todos os indivíduos envelhecem e é preciso investir em todas as idades.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio no desenvolvimento deste estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Nov 2022

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2022
  • Aceito
    01 Jul 2022
  • Publicado
    03 Jul 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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