Resumo
Este trabalho buscou descrever a saúde prisional paraense. Trata-se de estudo ecológico, em série temporal, baseado em dados secundários de acesso irrestrito a partir de relatórios institucionais do sistema penitenciário, além de informações provenientes do Portal da Transparência do Pará, do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Como resultados, observou-se uma população de maioria jovem, negra e parda, de baixa escolaridade e do sexo masculino. Constatou-se um aumento, em números absolutos, de profissionais de saúde, mas sem acompanhar proporcionalmente o aumento da população carcerária. O número de consultas médicas, odontológicas e psicológicas variou de forma aleatória e fora dos limites quando inseridos em gráficos de controle estatístico. O potencial de cobertura das equipes de saúde prisional vinculadas aos SUS foi de no máximo 45,77%. Mutirões de saúde não aumentaram o número o total de consultas. A incidência de tuberculose mostrou-se muito superior à média para população do estado e sua notificação mostrou-se adequada. Mesmo trabalhando com dados secundários restritos, pôde-se lançar um amplo olhar sobre a saúde prisional do estado, levantando questões que devem ser apreciadas por gestores e profissionais.
Palavras-chave:
Prisões; Serviços de saúde; Pessoas privadas de liberdade; Tuberculose
Introdução
A saúde prisional representa um desafio histórico. Apesar de a Lei de Execução Penal (LEP) prever assistência médica, odontológica e farmacêutica11 Brasil. Presidência da República. Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União 1984; 13 jul., somente em anos recentes o tema deixou de ser objeto de interesse e responsabilidade restrito às políticas de segurança pública para tornar-se objeto de responsabilização conjunta com as políticas sociais e de saúde22 Lermen HS, Gil BL, Cúnico SD, Jesus LO. Saúde no cárcere: análise das políticas sociais de saúde voltadas à população prisional brasileira. Physis 2015; 25(3):905-924..
Várias entidades internacionais têm orientado que a assistência à saúde às pessoas privadas de liberdade (PPL) seja prestada pelo sistema público de saúde ou ao menos na mesma condição que é prestada ao público geral33 Lehtmets A, Pont J. Prison health care and medical ethics: a manual for health-care workers and other prison staf with responsibility for prisoners' well-being [Internet]. Strasbourg: Council of Europe; 2014. [cited 2019 dez 26]. Available from: https://rm.coe.int/prisons-healthcare-and-medical-ethics-eng-2014/16806ab9b5,44 Enggist S, Møller L, Galea G, Udesen C. Prisons in health. Copenhagen: World Health Organization, Regional Office for Europe; 2014.. Europa, Reino Unido, França e Noruega foram pioneiros em transferir tal responsabilidade para o Ministério da Saúde ou órgão correspondente55 Ismail N, Woodall J, Viggiani N. Using laws to further public health causes: the Healthy Prisons Agenda. Glob Health Promot 2020; 27(2):121-124..
No Brasil, apesar da grande população envolvida, a saúde das PPL ainda ocupa um lugar tímido na agenda do Sistema Único de Saúde (SUS). Quinze decisões envolvendo a produção de normas de saúde para o cenário prisional foram tomadas entre 1984 e 2015, tornando-se marcos de direitos fundamentais para a população privada de liberdade22 Lermen HS, Gil BL, Cúnico SD, Jesus LO. Saúde no cárcere: análise das políticas sociais de saúde voltadas à população prisional brasileira. Physis 2015; 25(3):905-924.. Entre elas, destaca-se a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), implementada em 2014.
A PNAISP corrigiu algumas lacunas de normativas anteriores. Determinou que a Unidade de Saúde Prisional se tornasse ponto de atenção da rede de serviços de saúde e expandiu os tipos de equipes, exigindo o registro de estabelecimentos e equipes no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Adicionalmente, promoveu a adequação do incentivo pecuniário66 Schultz ALV, Dias MTG, Lewgoy AMB, Dotta RM. Saúde no sistema prisional: um estudo sobre a legislação brasileira. Argumentum 2017; 9(2):92-107..
Entretanto, a habilitação facultativa de estados e municípios a essa política faz com que nem todas as atividades de saúde estejam sob a égide do SUS, favorecendo um emaranhado de espaços de saúde com vínculos profissionais e financiamentos diversos, onde frequentemente políticas do SUS não são incorporadas. Assim, as políticas públicas de saúde direcionadas às PPL podem ter impacto variado entre os estados, e mesmo dentro de cada um deles.
Mais recentemente, a Portaria do Ministério da Saúde n° 99, de 2020, estabeleceu que todas as equipes de saúde prisional passassem a ser vinculadas ao código 74, correspondente à Equipe de Atenção Primária Prisional (eAPP)77 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 99, de 7 de fevereiro de 2020. Redefine registro das Equipes de Atenção Primária e Saúde Mental no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Diário Oficial da União 2020; 11 fev.. A Nota Técnica n° 4/2021 - COPRIS/CGGAP/DESF/SAPS/MS, por sua vez, esclarece que a Coordenação de Saúde no Sistema Prisional (COPRIS) integra o Departamento de Saúde da Família da Secretaria de Atenção Primária88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Nota Técnica n°4/2021 - COPRIS/CGGAP/DESF/ SAPS/MS. [acessado 2021 abr 27]. Disponível em: https://www.camara.leg.br /propostas-legislativas/2274498
https://www.camara.leg.br /propostas-leg... .
Sobre as pesquisas dentro dessa temática, mesmo frente ao crescimento de estudos acerca dos serviços de saúde nas últimas décadas99 Martins M, Portela MC, Noronha MF. Investigação em serviços de saúde: alguns apontamentos históricos, conceituais e empíricos. Cad Saude Publica. 2020; 36(9):e00006720., raros são aqueles que se dedicam à assistência à saúde no universo do sistema prisional. Por outro lado, reconhece-se que estudos podem ser conduzidos pelos próprios gestores, a fim de aperfeiçoar os serviços1010 Carnie J, Broderick R, Cameron J, Downie D, Williams G. Prisoner Survey 2017 [Internet]. Scotland: Scottish Prison Service; 2017. [cited 2021 abr 27]. Available from: https://www.sps.gov.uk/Corporate/Publications/Publication-6101.aspx,1111 Pate R, Wright D, Railton C, Canty A. A survey of dental services in adult prisons in England and Wales [Internet]. London: Public Health England; 2014. [cited 2020 fev 28]. Available from: https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/328177/A_survey_of_prison_dental_services_in_England_and_Wales_2014.pdf, e que dados de exames admissionais, diagnósticos, localização de serviços, entre outros, podem ser o primeiro passo para entender a estrutura e a provisão do cuidado em saúde1212 Chari KA, Simon AE, DeFrances CJ, Maruschak L. National Survey of Prison Health Care: select findings. Natl Health Stat Rep 2016; 96:1-23..
Ainda que o número de pesquisas sobre saúde no sistema prisional tenha aumentado a partir da década de 1990 nos cinco continentes, inúmeros estudos são restritos a uma única unidade prisional (UP)1313 Cordeiro EL, Silva TM, Silva LSR, Pereira CEA, Patricio FB, Silva CM. Prisoners' epidemiological profile: notifiable pathologies. Av En Enferm 2018; 36(2):170-178.
14 Dourado JLG, Alves RSF. Panorama da saúde do homem preso: dificuldades de acesso ao atendimento de saúde. Bol Acad Paul Psicol 2019; 39(96):47-57.-1515 García SJ, Borges DTM, Blanes L, Ferreira LM. Avaliação clínica e epidemiológica do paciente com feridas em uma unidade prisional do estado de São Paulo. Av En Enferm 2019; 37(1):19-26.. Somado a isso, há limitações pela carência de informações sobre a população prisional e pela falta de padronização de dados de saúde durante o encarceramento1616 Bui J, Wendt M, Bakos A. Understanding and addressing health disparities and health needs of justice-involved populations. Public Health Rep 2019; 134(suppl. 1):3S-7S..
A escassez de estudos abrangentes invisibiliza uma parcela expressiva da população carcerária. A caracterização do cenário da saúde prisional no seu conjunto ainda é um grande desafio, pois contempla formas de organização muito variadas, tendo estruturações diversas, inclusive dentro da mesma unidade federativa.
A reunião de informações relativas ao conjunto de usuários de serviços de saúde que estão privados de liberdade pode permitir novos olhares a respeito da organização do cuidado de saúde no sistema prisional. Nesse sentido, o presente estudo constituiu um esforço para a exploração de dados relacionados à totalidade de PPL do Pará, mitigando potenciais vieses de seleção, o que é relevante frente à heterogeneidade dos serviços e, possivelmente, à situação de saúde das PPL.
Apesar da disponibilização e ampla utilização em pesquisas de diversas bases de dados do SUS, tais dados são desordenados e incompletos no que se refere à saúde prisional, uma vez que nem todas as instituições que prestam assistência à saúde das PPL constam nesses sistemas de informações de saúde. Isso decorre do fato de grande parte da assistência à saúde no sistema prisional ser realizada pelas secretarias de Justiça, Segurança e/ou Penitenciária. Por conta disso, este estudo se baseia principalmente em informações disponíveis em relatórios e sites oficiais das instituições governamentais responsáveis pela custódia e a assistência, o que é em si relevante para considerações acerca dos processos e resultados do cuidado de saúde provido, e mesmo sobre os próprios dados, no sentido de um possível aperfeiçoamento para a gestão1717 Thum MA, Baldisserotto J, Celeste RK. Utilização do e-SUS AB e fatores associados ao registro de procedimentos e consultas da atenção básica nos municípios brasileiros. Cad Saude Publica 2019; 35(2):e00029418..
O objetivo o presente estudo foi prover análises exploratórias da assistência à saúde da população privada de liberdade, em sua totalidade, no estado do Pará, identificando possíveis fragilidades do sistema de saúde em sua penetração nas prisões.
Métodos
O estudo se caracteriza como ecológico, na medida em que trata de dados agregados, e se baseia em fontes secundárias de acesso irrestrito. Os dados empregados neste artigo são referentes ao sistema prisional do Pará e foram obtidos a partir dos relatórios institucionais “SUSIPE em números”, Portal da Transparência do Estado do Pará, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).
Assim, foram consideradas características demográficas das PPL, a disponibilidade de profissionais de saúde e a produção de atendimentos segundo registro do “SUSIPE em números”. Tais relatórios, juntamente com o SINAN, também ofereceram informações sobre a ocorrência de duas condições marcadoras da situação de saúde das PPL, a tuberculose e a hanseníase. O número de agentes prisionais foi contabilizado a partir de informações disponíveis no Portal da Transparência do Estado do Pará. Informações sobre as equipes de saúde prisional foram obtidas através do CNES.
O banco de dados utilizado no estudo foi construído com a ferramenta REDCap (Research Electronic Data Capture, disponível em https://www.project-redcap.org/), com digitação e verificação feitas pela própria autora. Foi possível a observação de uma série temporal expressiva, de maio de 2012 a novembro de 2018.
A partir de variáveis armazenadas, indicadores foram calculados com vistas à apresentação de resultados compatíveis com o que usualmente se encontra na literatura, facilitando a comparabilidade. Para a caracterização da população prisional e da estrutura para oferta de serviços de saúde, produção/uso de serviços de saúde e ocorrência de morbidades relativas à população prisional, foram feitas as análises descritivas média e calculados desvio padrão, valores mínimos e máximo e quartis.
Para observar a variabilidade das medidas no decorrer dos 78 meses contemplados, foram incorporados gráficos de controle estatístico, a fim de capturar tendências no decorrer do tempo e zonas de “estabilidade” no comportamento das variáveis, assim como eventos que eventualmente afetaram positiva ou negativamente tal estabilidade.
O teste não paramétrico de Kruskal-Wallis foi utilizado para comparar características demográficas da população prisional no decorrer dos anos considerados no estudo. Além disso, foram obtidas correlações de Pearson para a identificação de fatores associados a variações na produção/uso de serviços e na ocorrência de morbidades no sistema prisional.
O Statistical Analysis System (SAS) foi o pacote estatístico empregado no gerenciamento dos dados e nas análises estatísticas, sendo utilizado para o cálculo de indicadores em termos de razões e proporções a partir de variáveis do banco original, assim como na obtenção das estatísticas descritivas, correlações e gráficos de controle estatísticos. A versão utilizada foi a 9.4 para Microsoft Windows Workstation for x64.
Este trabalho não incorria na necessidade de apreciação por Comitê de Ética em Pesquisa. De qualquer forma, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), para ratificação desse entendimento, obtendo o parecer de dispensa de apreciação ética n° 10/2020.
Resultados
No período analisado, de maio de 2012 a novembro de 2018, a população prisional do Pará teve aumento de 75,6%, chegando a 19.284 custodiados. Era composta majoritariamente de homens jovens, negros e pardos, de baixa escolaridade. A população LGBTQIA+ não era identificada nos relatórios da época.
O expressivo número de presos provisórios teve queda estatisticamente significante, segundo teste de Kruskal-Wallis (p-valor < 0,0001), indo de 49,2% para 33,4%. A quantidade de vagas e agentes prisionais aumentou, mas não conseguiu acompanhar o crescimento da população prisional paraense, chegando aos valores máximos de 2,2 PPL por vaga e 7,7 PPL por agente prisional.
De maneira semelhante, percebeu-se um aumento, em números absolutos, de profissionais de saúde, porém com diminuição da razão por mil PPL. Contudo, cabe salientar que o sistema prisional paraense chegou a contar com mais de seis psicólogos, dois médicos, dois dentistas, dois enfermeiros e 12 técnicos em enfermagem para cada mil custodiados.
Observou-se ainda correlações positivas médias e altas entre o número de profissionais de saúde e de escolta. Entretanto, quando se avalia os atendimentos médicos, odontológicos e psicológicos frente à quantidade de agentes prisionais, apenas para os atendimentos de psicologia houve forte correlação positiva (correlação de Pearson 0,81; p-valor < 0,0001).
Apenas médicos, dentistas e psicólogos tiveram seus atendimentos individuais computados nos relatórios. Notou-se uma produção muito irregular por profissional para cada uma das três categorias, predominantemente fora de zona de controle estatístico, com evolução similar (Figura 1), resultando em grande variação mensal do número total de serviços de saúde entregues e da quantidade de procedimentos executados por mil PPL.
Gráfico de controle estatístico do número de atendimentos por dentista, médico e psicólogo no sistema prisional. Pará, maio 2012-novembro 2018.
O número de consultas mensais oferecidas à população prisional paraense teve média e mediana, respectivamente, de 24,6 e 23,2 por dentista, 24,1 e 23,9 por psicólogo, e 41,3 e 39,4 por médico. Os números máximos atingidos em um mês foram 91,2 consultas internas realizadas por médico, 52,4 atendimentos odontológicos por cirurgião dentista e 34,3 atendimentos individuais por psicólogo.
Até então com uma única equipe habilitada, o ano de 2014 foi marcante para o aumento de equipes de saúde prisional, coincidentemente com a promulgação da PNAISP. Entretanto, até novembro de 2018, a capacidade máxima de cobertura foi de 45,8% da população custodiada (Figura 2). A parceria foi mais forte com a secretaria estadual de saúde do que com as municipais.
Evolução do percentual da cobertura das equipes de saúde prisional. Pará, maio de 2012-novembro de 2018.
Os relatórios “SUSIPE em Números” mencionam sete mutirões de saúde (Figura 3), que não parecem ter impactado o total de serviços de saúde entregues à população prisional, mostrando inclusive correlação de Pearson negativa, embora fraca (-0,17, p-valor = 0,14).
Evolução da soma do total de atendimentos de médicos, dentistas e psicólogos e ocorrência de mutirões assistenciais no sistema prisional. Pará, maio 2012-novembro 2018.
A média de incidência de novos casos de tuberculose por 100 mil custodiados no sistema penal paraense foi de 148,92 e houve 5,03 exames laboratoriais intramuros para cada novo caso inserido no programa de controle. O número de exames laboratoriais realizados em um mês foi de zero ao máximo de 168. A razão entre os números de novos casos de tuberculose declarados nos relatórios do sistema prisional e aqueles notificados no SINAN apresentou patamares mais elevados e grande variabilidade até 2014. A partir de janeiro de 2015, há significativa redução na variabilidade, com média de 0,94, majoritariamente dentro da zona de controle estatístico (Figura 4).
Gráfico de controle estatístico da razão entre o número de novos casos no programa de tuberculose segundo o relatório “SUSIPE em Números” e o número de casos relatados no SINAN. Pará, maio 2012-novembro 2018.
A comparação entre as incidências de hanseníase e tuberculose calculadas a partir dos relatórios institucionais do sistema prisional paraense e aquelas apresentadas pelos boletins epidemiológicos e séries históricas do Ministério da Saúde para população geral paraense é mostrada na Tabela 1. São notórias as diferenças entre as taxas. Para hanseníase, as PPL apresentam incidência menor, enquanto para tuberculose a incidência é bastante superior.
Discussão
Este trabalho descreve o cuidado em saúde no sistema prisional do estado do Pará entre 2012 e 2018. Tomar os relatórios da então SUSIPE como confiáveis para uma pesquisa científica foi uma opção diante do acompanhamento e da conferência pela autora em vários momentos no período aqui apresentado. Adicionalmente, este material lança um olhar longitudinal sobre o objeto do estudo, com uma série temporal expressiva e que dá conta da implementação de políticas relevantes no setor.
Apesar de os resultados mostrarem o crescimento de equipes de saúde propiciado pela PNAISP a partir de 2014, fica evidente que a infraestrutura de saúde não conseguiu acompanhar o acentuado crescimento populacional. Além disso, observou-se um padrão muito irregular na quantidade mensal de consultas de saúde. O esperado efeito da maior disponibilidade de agentes prisionais para provisão de atendimento foi evidenciado somente na correlação positiva para psicologia. A incidência de tuberculose mostrou-se superior à da população geral paraense, enquanto a de hanseníase teve o número bem menor na mesma comparação. Houve melhoria do padrão de notificação no SINAN dos casos de tuberculose diagnosticados intramuros.
De maneira geral, a descrição da população carcerária paraense é semelhante àquela descrita nos estudos e documentos sobre o sistema prisional brasileiro: maioria absoluta de jovens, negros e pardos, baixa escolaridade e sexo masculino. A maioria parda e negra da população prisional merece atenção à medida que os efeitos da discriminação racial se refletem na saúde1818 Chehuen Neto JA, Fonseca GM, Brum IV, Santos JLCT, Rodrigues TCGF, Paulino KR, Ferreira RE. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: implementação, conhecimento e aspectos socioeconômicos sob a perspectiva desse segmento populacional. Cien Saude Colet 2015; 20(6):1909-1916..
O aumento da população prisional é realidade mundial1919 Walmsley R. World prison population list [Internet]. Londres: University of London; 2018. [cited 2021 set 14]. Available from: https://www.prisonstudies.org/research-publications?shs_term_node_tid_depth=27. O Pará segue essa tendência, apresentando um aumento de 7.628 indivíduos custodiados no período estudado, alcançando 2,2 PPL por vaga disponível. Associada a uma estrutura física insalubre, a superlotação nos presídios é fator determinante para a deterioração da saúde no contexto prisional, fartamente retratada na literatura2020 Carvalho SG, Santos ABS, Santos IM. A pandemia no cárcere: intervenções no superisolamento. Cien Saude Colet 2020; 25(9):3493-3502.
21 Sánchez A, Larouzé B. Controle da tuberculose nas prisões, da pesquisa à ação: a experiência do Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(7):2071-2080.-2222 Topp SM, Moonga CN, Luo N, Kaingu M, Chileshe C, Magwende G, Henostroza G. Mapping the Zambian prison health system: an analysis of key structural determinants. Glob Public Health 2017; 12(7):858-875..
Desde 2000, a população de presos provisórios cresceu em todos os continentes, exceto na Europa2323 Heard C, Fair H. Pre-trial detention and its over use: evidence from ten countries [Internet]. Londres: Institute for Crime & Justice Policy Research; 2019. [cited 2020 nov 5]. Available from: https://www.prisonstudies.org/sites/default/files/resources/downloads/pre-trial_detention_final.pdf. Sob outra perspectiva, porém, no Brasil, em análises quinquenais, a proporção de presos provisórios é crescente até 2015 e a partir de então segue em queda2424 Brasil. Ministério da Justiça (MJ). Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Atualização - Junho de 2017. Brasília: MJ; 2019., provavelmente associada às audiências de custódia, implementadas nos tribunais do país2525 Azevedo RG, Sinhoretto J, Silvestre G. Encarceramento e desencarceramento no Brasil: a audiência de custódia como espaço de disputa. Sociologias 2022; 24(59):264-294.. O Pará, entretanto, mostra nos relatórios do seu sistema carcerário estar na vanguarda dessa diminuição, apresentando, desde 2012, uma apreciável e progressiva queda do percentual da população de custodiados sob regime provisório.
Com relação aos atendimentos de saúde, uma questão recorrente se refere à quantidade adequada de profissionais e de serviços a serem prestados. Sabe-se que essa previsão depende das necessidades de saúde da população2626 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. e que o número de profissionais e de consultas realizadas são apenas alguns de uma série de indicadores que se pode utilizar para avaliar o desempenho2727 França MASA, Freire MCM, Pereira EM, Marcelo VC. Indicadores de saúde bucal propostos pelo Ministério da Saúde para monitoramento e avaliação das ações no Sistema Único de Saúde: pesquisa documental, 2000-2017. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(1):e2018406..
Dessa forma, das poucas sugestões acerca do número de profissionais adequado, há a recomendação de um médico da Estratégia Saúde da Família para aproximadamente 2.500 pessoas (0,4 médico/1.000 habitantes) e um enfermeiro para cada mil habitantes de populações específicas (moradores de rua e ribeirinhos)2626 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.. Para o sistema prisional, a orientação do Ministério da Saúde é que os diversos tipos de equipes atendam entre 500 e 1.200 PPL, sugerindo ainda adequações de carga horária à unidade prisional a partir do número de internos2828 Brasil. Ministérios de Estado de Saúde (MS) e da Justiça (MJ). Portaria Interministerial n° 1, de 2 de janeiro de 2014. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2014; 3 jan..
A composição do quadro funcional de saúde das penitenciárias paraenses é adequada a essa diretriz, dispondo de mais de um profissional para cada mil PPL em todo o período analisado, com exceção de farmacêuticos e técnicos de higiene bucal/auxiliar de saúde bucal. Não se investigou, todavia, a distribuição desses profissionais por equipes e a distribuição destas equipes nas unidades prisionais.
Para a realização dos atendimentos, além dos profissionais de saúde, os agentes prisionais têm um papel importante. Eles são responsáveis pela retirada do paciente de sua cela, pela revista, pela condução, acompanhamento e segurança durante o procedimento. Na presente pesquisa foi observado que, quando o número de agentes prisionais aumentava, o número de atendimentos de psicologia também aumentava no mesmo período. Essa constatação não ocorreu para os atendimentos médicos e odontológicos.
O Brasil sugere como adequada a razão de um agente prisional para cada cinco pessoas presas2929 Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Resolução nº 9, de 13 de novembro de 2009. Dispõe sobre a exigência mínima de presos por agentes em estabelecimentos penais destinados a presos provisórios e em regime fechado.. O sistema penitenciário do Pará contabilizou 7,67 PPL para cada profissional de custódia ao final do período analisado. Vale lembrar que os servidores nomeados como agentes prisionais no portal da transparência do estado do Pará desempenham, habitualmente, também funções de secretaria e portaria. Portanto, suas atividades não estão limitadas exclusivamente à escolta.
Quanto à produtividade, verificou-se altíssima variabilidade na quantidade de consultas mensais de médicos, dentistas e psicólogos, evoluindo com padrão semelhante para os três grupos de profissionais. A partir desse desempenho similar, pode-se conjecturar que o aumento ou diminuição do número de atendimentos em saúde está ligado a questões estruturais e logísticas mais amplas do sistema prisional, e não a aspectos individuais de cada uma dessas atividades profissionais. A grande variabilidade, em padrões que fogem ao controle estatístico, gera imprevisibilidade danosa para o planejamento de ações em saúde, bem como deixa patente a dúvida sobre qual a real capacidade produtiva do setor de saúde.
A literatura descreve certa variabilidade na quantidade de serviços em saúde entregues à população, com a possibilidade de variação sazonal e maior produção no meio do ano3030 Andrade FB, Pinto R S, Antunes JLF. Tendências nos indicadores de desempenho e monitoramento de produção dos Centros de Especialidades Odontológicas do Brasil. Cad Saude Publica 2020; 36(9):e00162019.. No sistema prisional paraense, a variação pareceu mais aleatória, não se verificando tendências em períodos específicos.
A produtividade pode ser submetida a metas. Entretanto, assume-se como consensual o entendimento de que quaisquer parâmetros de planejamento e programação são referenciais, sem nenhum caráter impositivo ou obrigatório3131 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.631, de 1º de outubro de 2015. Aprova critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS. Diário Oficial da União 2015; 2 out.. Mais especificamente, para o sistema prisional, a falta de parâmetros de comparação dificulta uma análise crítica da produção mensal com as médias e medianas apresentadas.
Também é arriscado fazer considerações sobre o nível de assistência/desassistência no sistema prisional paraense. A decisão sobre a quantidade de atendimentos adequada deve estar de acordo com as necessidades de saúde, perfil epidemiológico e demográfico e traços culturais da população, que modificam o perfil da demanda e da utilização dos serviços de saúde2626 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Critérios e parâmetros para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2015..
Somado a isso, o cuidado em saúde no cárcere exige condições estruturais e logísticas singulares. O encontro de paciente e profissional de saúde, além de ser repleto de exigências de segurança, desde a remoção da cela, revista, entre outras normas, também se sujeita à rotina da cadeia e às suas inúmeras demandas, como visita, atendimento jurídico, educacional e religioso, somadas a situações críticas, como fugas, brigas e motins, que não são totalmente inusitadas dentro das prisões. No entanto, pode-se estimar que há oferta reprimida a partir do baixo percentual de PPL cobertas por equipes de saúde e da alta incidência de tuberculose, como será discutido a seguir.
O aumento do número de equipes de saúde prisional é factual, apesar de alcançar no máximo 45,8% da população custodiada. Também no cenário nacional, o total de equipes cadastradas no CNES jamais chegou a atingir a totalidade da população penitenciária3232 Silva M. Saúde penitenciária no Brasil: plano e política. Brasília: Verbena Editora; 2015..
Não há publicações que cruzem informações sobre o acesso ao cuidado e as equipes de saúde prisional. Contudo, a partir de experiências da Estratégia Saúde da Família, entre outras, pode-se afirmar que há diferenças de desempenho frente à heterogeneidade na organização da atenção no âmbito do SUS3333 Cardozo DD, Hilgert JB, Stein C, Hauser L, Harzheim E, Hugo FN. Presence and extension of the attributes of primary health care in public dental services in Porto Alegre, Rio Grande do Sul State, Brazil. Cad Saude Publica 2020; 36(2):e00004219.,3434 Cunha CRH, Harzheim E, Medeiros OL, D'Avila OP, Martins C, Wollmann L, Faller LA. Carteira de Serviços da Atenção Primária à Saúde: garantia de integralidade nas Equipes de Saúde da Família e Saúde Bucal no Brasil. Cien Saude Colet 2020; 25(4):1313-1326.. Dessa forma, é provável que haja diferenças marcantes entre as UPs atendidas por equipes de saúde vinculadas ao PNAISP e aquelas com assistência tradicional prestada por profissionais de saúde vinculados somente ao sistema penitenciário.
Outra questão a ser levada em consideração é que, apesar da PNAISP ser uma política na qual estados e municípios tenham responsabilidade por ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, este estudo só pôde avaliar o número de consultas de médicos, dentistas e psicólogos. Nos dados secundários disponíveis, a falta de informações a respeito da atuação de outros profissionais previstos na política, como enfermeiros e assistentes sociais, bem como a ausência da descrição de ações de prevenção e promoção de saúde, como palestras e vacinação, ocultam elementos importantíssimos sobre a concretização da política nacional dentro dos presídios paraenses.
Outra observação relevante no período pesquisado foram os sete mutirões de saúde mencionados nos relatórios. É esperado o aumento do número de atendimentos durante tais eventos. É inclusive relatado em pesquisa científica redução na fila de espera e baixo número de complicações cirúrgicas nos mutirões3535 Antunes ML, Frazatto R, Macoto EK, Vieira FM, Yonamine FK. Mutirão de cirurgias de adenotonsilectomias: uma solução viável? Rev Bras Otorrinolaringol 2007; 73(4):446-451.. Entretanto, essa não foi a realidade no sistema prisional paraense. A realização de mutirão não teve correlação com aumento do número total de consultas.
Os mutirões de saúde nos presídios paraenses, de maneira geral, tiveram convênio com secretarias de saúde municipais ou estadual. Alguns foram exclusivos de um setor, como os mutirões odontológicos, e outros reuniram vários serviços, agregando consultas e exames diversos. Não raramente, aconteceram junto com mutirões jurídicos. As secretarias colaboravam com profissionais e alguma infraestrutura de equipamentos e materiais, como ônibus com consultórios e insumos odontológicos, raio X, testes rápidos etc., que, somados ao quadro de pessoal de saúde do sistema penal, empenhavam-se na produção dos serviços.
Os mutirões cumprem importante papel nas unidades mais necessitadas de assistência. Por outro lado, mobilizam de forma muito intensa toda a logística do atendimento regular diário, paralisando o serviço em algumas unidades que entregam grande parte de sua mão de obra ao mutirão. Mesmo levando-se em consideração que é possível haver sub-registro das atividades do mutirão, há de se considerar a possiblidade de impactar negativamente o atendimento de unidades prisionais não participantes do evento, o que pode ter impedido o aumento no total da produção de serviços de saúde.
Cabe destacar que o objetivo do mutirão pode ser a busca de solução para problemas focais, em unidades específicas, que tenham uma alta demanda reprimida. Assim, o não aumento do total da produtividade pode não ser uma falha no propósito dessa empreitada.
O sistema prisional paraense executou em seu laboratório próprio no máximo 168 exames de tuberculose em um mês, para uma população que chegou a 19.284 pessoas no período estudado. Fica claro que a maioria dos diagnósticos de tuberculose não é feita por meio do laboratório existente no sistema penal, na medida em que, mesmo quando os exames param de acontecer, o número de diagnósticos mensais permanece estável.
A existência de laboratório próprio do sistema penal, funcionando inclusive dentro de uma unidade penitenciária, deveria ser um facilitador logístico. Entretanto, vários problemas de utilização desse serviço são percebidos na rotina do cuidado em saúde. Mesmo sem levar em consideração dificuldades de funcionamento do próprio laboratório, o envio de material para exame não é uma rotina trivial frente, por exemplo, à distância de 36 quilômetros entre o principal polo penitenciário do estado e o laboratório, e principalmente entre as unidades penais localizadas no interior do Pará que necessitam de transporte de avião ou barco para acesso à região metropolitana de Belém.
Assim, grande parte dos profissionais de saúde precisam recorrer a serviços externos para o diagnóstico. Em conversa com enfermeira servidora do sistema prisional, ela revelou que grande parte dos pacientes sintomáticos são diagnosticados por meio de radiografias feitas na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais próxima ou por exames laboratoriais enviados a laboratórios externos à instituição responsável pela custódia. Maior atenção ainda deve ser dada ao rastreamento baseado não somente na existência de sintomas, que em alguns casos podem identificar apenas uma pequena proporção dos doentes2121 Sánchez A, Larouzé B. Controle da tuberculose nas prisões, da pesquisa à ação: a experiência do Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(7):2071-2080..
Sobre a notificação compulsória de doenças, no sistema prisional paraense esse ato é feito por unidades de saúde externas. Além disso, a literatura revela a baixa completude de campos relacionados às populações especiais, entre elas a população privada de liberdade3636 Rocha MS, Bartholomay P, Cavalcante MV, Medeiros FC, Codenotti SB, Pelissari DM, Andrade KB, Silva GDM, Arakaki-Sanchez D, Pinheiro RS. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan): principais características da notificação e da análise de dados relacionada à tuberculose. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(1):e2019017.. Frente a esses desafios, a manutenção da razão entre os números de novos casos relatados pelos relatórios do sistema prisional e pelo SINAN próximo de um, e suas variações dentro do controle estatístico, retratam um padrão adequado de notificações, o que remete a uma boa comunicação interinstitucional, fato importante para a vigilância epidemiológica e o estabelecimento do tratamento.
Uma possível explicação para o fato de, em alguns meses, aparecerem mais novos casos no banco de dados do SINAN do que aqueles relatados pelo sistema penitenciário do Pará pode ser a abrangência do conceito de PPL. Não inclui apenas a população sob custódia do sistema prisional, estendendo-se, por exemplo, a menores infratores. Em suma, é cabível a notificação de indivíduos não descritos nos relatórios “SUSIPE em números”.
Partindo para o retrato da situação de saúde, essa descrição da população prisional paraense a partir dos dados secundários apresentados nos relatórios institucionais é limitada. Isso porque há apenas informações sobre pessoas inseridas em programas específicos de saúde, que a partir de agosto de 2014 passam a apresentar somente os novos casos, então assumidos como incidência, não permitindo estimar de maneira acurada o número de pessoas efetivamente doentes.
As comparações entre os valores apresentados pelos boletins epidemiológicos e pelas séries históricas do Ministério da Saúde mostraram que a taxa de incidência de hanseníase no Pará é menor para PPL do que para a população geral. Por outro lado, pessoas privadas de liberdade têm incidência de tuberculose muito superior à média de seus conterrâneos em liberdade.
A população prisional é mais vulnerável a doenças do que a população geral devido às precárias condições de confinamento3737 Benetti SAW, Bugs DG, Pretto CR, Andolhe R, Ammar M, Stumm EMF, Goi CB. Estratégias de enfrentamento da COVID-19 no cárcere: relato de experiência. Rev Bras Saude Ocupacional 2021; 46:e30.. Assim, os achados de tuberculose concordam com a literatura, sendo ainda ratificados pelos boletins epidemiológicos que relatam a situação prisional3838 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Boletim Epidemiológico Especial: Tuberculose 2020. Brasília: MS; 2020..
Quanto à hanseníase, o sistema penitenciário paraense divulgou redução de 42% do número de casos3939 Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Pará. Susipe reduz em 42% o número de casos de hanseníase nos presídios do Pará [Internet]. 2018. [citado 2021 jan 23]. Disponível em: http://www.seap.pa.gov.br/noticias/susipe-reduz-em-42-o-n%C3%BAmero-de-casos-de-hansen%C3%ADase-nos-pres%C3%ADdios-do-par%C3%A1
http://www.seap.pa.gov.br/noticias/susip... . Entretanto, deve-se estar alerta quanto à possibilidade de baixa detecção. Na Paraíba, por exemplo, houve 27,84 detecções de casos de hanseníase por 100 mil habitantes na população geral do estado, enquanto para a população prisional foi de 193,50, chegando a 526,30 em unidades prisionais onde houve mutirões de detecção de casos4040 Governo do Estado de Pernambuco. Tuberculose e hanseníase no Sistema Prisional [Internet]. Vigilância em Saúde 2016; 2. [acessado 2021 23]. Disponível em: http://portal.saude.pe.gov.br/sites/portal.saude.pe.gov.br/files/tb_hansen_informe_segundo_semestre2016gerencia_tbhansenses.pdf
http://portal.saude.pe.gov.br/sites/port... .
Diante de tudo que foi exposto, são evidenciados achados em uma área pouco estudada. A análise do cuidado em saúde prestado à totalidade da população prisional do estado de Pará foi um passo valioso para tentar compreender melhor a rotina dos serviços de saúde nas prisões frente às políticas públicas direcionadas às PPL. Por outro lado, é nítida a limitação dos dados, tornando urgente informações mais precisas da situação de saúde e capacidade de produção de serviços para planejamento logístico neste setor da saúde pública. Assim, esta pesquisa também traz à tona novas perguntas a serem respondidas para a organização e otimização do cuidado.
Considerações finais
O presente estudo, utilizando a análise estatística dos dados disponíveis, pôde exibir uma visão geral do cuidado em saúde prisional no Pará. Por outro lado, algumas deficiências do serviço a serem sanadas também se revelaram.
Apesar de trabalhar com dados secundários de confiabilidade variável, foram alcançados resultados positivos, como a descrição da população prisional, de algumas situações de saúde e correlações que podem impactar as atividades de saúde.
Obviamente, também fica colocada a necessidade de mais dados a serem apresentados de forma pública, irrestrita e contínua, que possibilitem um aprofundamento a respeito de questões relevantes e pertinentes às necessidades de saúde, oferta, acesso e uso de serviços, produtividade de mais profissionais, estrutura física, aporte de insumos e questões de segurança, para uma suposição mais firme da capacidade produtiva direcionada à saúde dentro do cárcere.
A convicção da grande oscilação das consultas de saúde efetuadas dentro das prisões deve servir para se pensar a reorganização do trabalho, de forma que a previsibilidade seja aliada do planejamento.
A consistência das notificações de tuberculose de PPL por meio do SINAN se mostra bastante satisfatória no Pará e deixa patente a necessidade das informações sobre populações especiais nas notificações de outras doenças de interesse para esse público.
Tudo que foi discutido neste estudo, ainda que carente de respostas completas e definitivas, descreve de maneira geral o cuidado em saúde prisional no estado. Ao analisar dados sobre a totalidade das ações no estado do Pará, é possível pensar soluções não apenas pontuais e assim lançar novos desafios à gestão para melhoria do serviço.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
14 Nov 2022 - Data do Fascículo
Dez 2022
Histórico
- Recebido
26 Nov 2021 - Aceito
28 Jun 2022 - Publicado
30 Jun 2022