Testes rápidos de HIV, sífilis e hepatites crônicas na população carcerária em um complexo penitenciário de Salvador (BA), Brasil

Alice Gramosa da Silva Leite Luanna Mota Damasceno Suzana Coelho Conceição Pedro Flávio Costa Motta Sobre os autores

Resumo

O objetivo do estudo foi analisar quantitativamente resultados de testes rápidos de vírus da imunodeficiência humana (HIV), sífilis e hepatites crônicas na população carcerária em complexo penitenciário de Salvador (BA). Trata-se de um estudo transversal. A amostra foi composta por homens privados de liberdade no período de agosto de 2018 a agosto de 2020, com testes rápidos sendo realizados. Para análise dos dados foi utilizada estatística descritiva e razão de prevalência com os respectivos intervalos de confiança de 95%. Foram estudados 6.160 homens, com maioria (93,1%) de pretos e pardos, residentes de Salvador (65,8%), com escolaridade predominante de ensino fundamental (65,3%). Das pessoas privadas de liberdade, 581 (9,4%) obtiveram resultado reagente para uma ou mais IST, sendo sífilis a mais prevalente (80%). As variáveis idade maior de 25 anos [RP = 1,37 IC95% (1,17-1,61)] e nível de escolaridade sem presença de ensino superior [RP = 2,16 IC95% (1,04-4,49)] se mostraram associadas à maior taxa de positividade nos testes, enquanto o não compartilhamento de drogas em algum momento da vida mostrou ser fator protetor à positividade nos testes [RP = 1,28 IC95% (1,07-1,53)]. Conclui-se que existiu uma baixa prevalência das IST na amostra estudada, sendo sífilis a mais prevalente.

Palavras-chave:
Infecções sexualmente transmissíveis; Cárcere; Saúde pública

Introdução

No cenário moderno, apesar do avanço tecnológico e científico, as infecções sexualmente transmissíveis (IST) ainda constituem um problema de saúde pública. Mesmo diante de um fácil diagnóstico e de tratamento acessível, as IST são uma das causas mais comuns no mundo de doença e até de morte, com consequências econômicas e sociais11 World Health Organization (WHO). Global strategy for the prevention and control of sexually transmitted infections: 2006-2015. Geneva: WHO; 2007.. No Brasil, em 2019, foram notificados 41.919 casos de vírus da imunodeficiência humana (HIV), com registros de que 25,6% deles se concentram na região Nordeste22 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Boletim Epidemiológico HIV/Aids 2020. Brasília: MS; 2020.. Já em casos de hepatite B, o Nordeste é o quarto em concentração, enquanto para a hepatite C foi o terceiro33 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Hepatites Virais. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento Vigilância Epidemiológica. Boletim Epidemiológico Hepatites Virais. Brasília: MS; 2019.. Em relação à sífilis adquirida, no ano de 2019, foram notificados 152.915 casos, sendo 15,8% deles concentrados no Nordeste44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento Vigilância Epidemiológica. Boletim Epidemiológico Sífilis. Brasília: MS; 2020..

Dados estatísticos sobre a prevalência e a incidência da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) e das IST evidenciam que houve uma mudança significativa no que diz respeito ao indivíduo infectado. Enquanto na década de 1980 os infectados eram pessoas brancas, com escolaridade superior a oito anos e predominantemente da comunidade homossexual, hoje o acometimento da infecção se estendeu aos negros, à população de baixa escolaridade e heterossexual, sobretudo à população feminina55 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Consulta Nacional sobre HIV/AIDS no Sistema Penitenciário. Relatório final. Brasília: MS; 2009;. Somado a isso, o Ministério da Saúde classifica como indivíduos de risco e alta vulnerabilidade para a infecção os usuários de drogas injetáveis, as profissionais do sexo, os caminhoneiros, garimpeiros e, principalmente, as pessoas privadas de liberdade66 Alquimim AF. Comportamento de risco para HIV em população carcerária de Montes Claros (MG). Unimontes Científica 2014; 16(1):48-54..

Ao longo da história, o sistema de direito penal foi marcado por grandes transformações77 Santis BMD, Engbruch W. A evolução histórica do sistema prisional e a Penitenciária do Estado de São Paulo. Rev Liberdades 2012; 11:143-160.. A punição transmutou-se de espetáculo apreciado em praças públicas para uma punição fechada que segue regras rígidas, tentando gerar uma proporcionalidade entre o crime e a punição. Todavia, essas transformações não resolveram problemas primordiais dessas instituições. O entrave da falta de vagas nas prisões entregava os primeiros sinais acerca da deterioração dos presídios e as consequências para os ocupantes. Nesse sentido, salienta-se que, em 2017, o Brasil ocupava a terceira posição como maior população carcerária do mundo, com cerca de 726.354 presos88 Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Atualização - Junho de 2017. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública; 2017..

Diante da magnitude da instituição penitenciária, foram necessárias políticas para ratificar os direitos dos apenados. No que diz respeito à saúde, a Lei 8.080, de 1990, que dispõe sobre as condições do Sistema Único de Saúde (SUS), preconiza que a saúde é um direito do cidadão e dever do Estado, e deve ser garantida mediante a oferta de políticas socioeconômicas de caráter universal, integral e gratuito, que deve ser estendida a todos os cidadãos, independentemente de sua condição99 Brasil. Ministério da Justiça (MJ). Departamento Penitenciário Nacional. INFOPEN [Internet]. 2019. [acessado 2020 mar 15]. Disponível em: https:// app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZWI2MmJmMzYtODA2MC00YmZiLWI4M2ItNDU2ZmIyZjFjZGQ0IiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmN y05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9
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. Além disso, essa lei é reiterada no cenário carcerário pela Lei de Execução Penal (LEP), Lei 7.210, de 1984.

Em busca de responder o porquê da ínfima relação entre os encarcerados e as IST, faz- se necessário uma análise em torno dessa população, que, além de privada da liberdade, sofre em suas condições comunitárias. O fato de as pessoas privadas de liberdade estarem mais suscetíveis ao adoecimento e a sua grande dimensão apontam uma imprudência da saúde pública do Brasil. O cenário soteropolitano, com uma vasta demanda no setor de saúde pública carcerária, necessita de análises acerca do perfil epidemiológico da população admitida, para assim identificar propostas de ações e políticas de saúde adequadas para o controle dessas infecções. Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo analisar quantitativamente resultados de testes rápidos de HIV, sífilis e hepatites crônicas na população carcerária em um complexo penitenciário de Salvador (BA).

Métodos

Realizou-se um estudo analítico de corte transversal com dados secundários em uma amostra consecutiva da população carcerária do Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador, Bahia. Na amostra, foram incluídos todos os homens encarcerados no período de agosto 2018 a agosto de 2020, e excluídos aqueles que não realizaram os testes rápidos de triagem de HIV, sífilis e hepatites B e C ao serem admitidos no complexo penitenciário ou que não possuíam registros em seus prontuários desses testes feitos na admissão.

O estudo tem como variável preditora a população admitida no Complexo Penitenciário da Mata Escura em Salvador, e como variável de desfecho o HIV, a sífilis e as hepatites crônicas. Foram analisadas as seguintes variáveis: idade, raça, procedência, nível de escolaridade, estado civil (se têm companheiro - sim ou não), se fazem uso de substâncias ilícitas (sim ou não) e se já fizeram compartilhamento de drogas em algum momento da sua vida (sim ou não), sendo esse dado relativo ao compartilhamento de seringas e cachimbos.

Para a coleta de dados, foram utilizados prontuários eletrônicos do Centro de Observação Penal (COP), baseados na triagem realizada na porta de entrada com os testes rápidos para HIV, sífilis e hepatites B e C. Dada a extensão do período analisado, não foi possível utilizar uma marca padrão nos testes rápidos. Com relação à especificidade e à sensibilidade desses testes rápidos, o de HIV apresenta taxa de sensibilidade entre 99,59% e 100%, e especificidade entre 99,71% e 100%. O teste rápido da sífilis tem sensibilidade de 94,5% e especificidade de 93%. O da hepatite B apresenta sensibilidade de 99,5% e especificidade de 99,4%. O de hepatite C tem sensibilidade de 99,4% e especificidade de 99,4%1010 Negreiros DEH, Vieira D. Prevalência de hepatites B, C, sífilis e HIV em privados de liberdade - Porto Velho, Rondônia. Rev Inter Uninovafapi 2017; 10(1):43-52.

11 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual técnico para o diagnóstico de hepatites virais [Internet]. Brasília: MS; 2018. [acessado 2021 nov 4]. Disponível em: https://qualitr.paginas.ufsc.br/files/2018/08/manual_tecnico_hepatites_08_2018_web.pdf.
-1212 Rocha TJM, Santos AM, Barbosa AB, Pimentel EC, Rodrigues MML. Avaliação de teste rápido para HIV, padronizado pelo ministério da saúde, utilizado em uma maternidade escola em Maceió-AL. Rev Eletr Farm 2014; 11(3):20-31.. Os dados utilizados foram disponibilizados pela Unidade de Monitoramento da Execução de Penas (UMEP) e pelo Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA). O acesso a esses registros foi viabilizado por uma parceria técnica prévia entre o MP-BA e a Universidade Salvador (UNIFACS).

Os dados foram tabulados e analisados por meio do pacote estatístico IBM SPSS Statistics, versão 21. Utilizou-se frequência simples e relativa para expressar variáveis qualitativas e mediana, e intervalo interquartílico para expressar variáveis quantitativas. A amostra foi dividida em dois grupos para fins de comparação, com e sem IST. Foi calculada a razão de prevalência e respectivo intervalo de confiança de 95% para investigar os fatores associados às IST. Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 32073720.9.0000.5033) da UNIFACS. Não recebeu financiamento institucional ou privado e nega conflito de interesse.

Resultados

Foram estudados 6.160 encarcerados do Complexo Penitenciário da Mata Escura, todos do sexo masculino. A Tabela 1 mostra o perfil clínico e sociodemográfico das pessoas privadas de liberdade avaliadas, sendo a maioria composta por pretos e pardos, 5.162 (93,1%), residentes da cidade Salvador, 3.968 (65,8%), com nível de escolaridade predominante de ensino fundamental, 3.649 (65,3%).

Tabela 1
Características clínicas e sociodemográficas dos encarcerados do Complexo Penitenciário da Mata Escura, Salvador- BA, 2018 a 2020.

A Tabela 2 expõe a distribuição dos encarcerados de acordo com a presença ou não de IST. Entre os presos, 581 (9,4%) apresentaram uma ou mais IST. Em se tratando das coinfecções, dos encarcerados com HIV, 13 (17,1%) testaram positivo também para sífilis, dois (2,6%) para o vírus hepatite B (VHB) e um (1,3%) para o vírus hepatite C (VHC). Quanto à coinfecção de encarcerados com sífilis, dois (0,4%) também testaram positivo para VHB e quatro (0,9%) para VHC. Não foi observada correlação dos encarcerados com VHB e VHC.

Tabela 2
Distribuição dos encarcerados do Complexo Penitenciário da Mata Escura, Salvador-BA, 2018 a 2020, de acordo com a presença ou não de IST.

A Tabela 3 descreve o resultado da análise bivariada. As variáveis idade maior do que 25 anos [RP = 1,378 IC95% (1,172-1,619)], nível de escolaridade sem presença de ensino superior [RP = 2,169 IC95% (1,046-4,494)] e o não compartilhamento de drogas em algum momento da vida [RP = 1,280 IC95% (1,070-1,531)] estão associadas à maior taxa de positividade nos testes rápidos de IST.

Tabela 3
Distribuição dos encarcerados do Complexo Penitenciário da Mata Escura, Salvador- BA, 2018 a 2020, de acordo com a presença de IST.

Discussão

Associa-se ao descontrole das IST o entrave entre a efetivação legislativa da garantia de cidadania e saúde ao preso, em um cenário de doenças conhecidas e de diagnóstico e tratamento tangíveis. Dado esse fato, ainda há uma pequena prevalência de IST na amostra da população carcerária. Das doenças investigadas no presente estudo, a sífilis foi a mais prevalente, seguida da contaminação por HIV e tendo as hepatites crônicas com menor magnitude.

Conforme dados encontrados nesta pesquisa, a amostra carcerária se caracteriza por homens com idade entre 18 e 28 anos, 3.906 (63,6%), variando de 18 a 92 anos. O perfil das pessoas privadas de liberdade no Brasil tem predomínio da população jovem99 Brasil. Ministério da Justiça (MJ). Departamento Penitenciário Nacional. INFOPEN [Internet]. 2019. [acessado 2020 mar 15]. Disponível em: https:// app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZWI2MmJmMzYtODA2MC00YmZiLWI4M2ItNDU2ZmIyZjFjZGQ0IiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmN y05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9
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. Além disso, estudos corroboram esse achado, enfatizando a presença de presos de faixa etária entre duas e três décadas1010 Negreiros DEH, Vieira D. Prevalência de hepatites B, C, sífilis e HIV em privados de liberdade - Porto Velho, Rondônia. Rev Inter Uninovafapi 2017; 10(1):43-52.

11 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual técnico para o diagnóstico de hepatites virais [Internet]. Brasília: MS; 2018. [acessado 2021 nov 4]. Disponível em: https://qualitr.paginas.ufsc.br/files/2018/08/manual_tecnico_hepatites_08_2018_web.pdf.

12 Rocha TJM, Santos AM, Barbosa AB, Pimentel EC, Rodrigues MML. Avaliação de teste rápido para HIV, padronizado pelo ministério da saúde, utilizado em uma maternidade escola em Maceió-AL. Rev Eletr Farm 2014; 11(3):20-31.

13 Coelho HC, Oliveira SAN, Miguel JC, Oliveira MLA, Figueiredo JFC, Perdoná GC, Passos ADC. Soroprevalência da infecção pelo vírus da Hepatite B em uma prisão brasileira. Rev Bras Epidemiol 2009; 12(2):124-31.

14 Silva AAS, Araújo TME, Teles AS, Magalhães RLB, Andrade ELR. Prevalência de hepatite B e fatores associados em internos de sistema prisional. Acta Paul Enferm 2017; 30(1):66-72.

15 Rosa F, Carmeiro M, Duro LN, Valim ARM, Reuter CP, Burgos MS, Possuelo L. Resumo Prevalência de anti-HCV em uma população privada de liberdade. Rev Assoc Med Bras 2012; 58(5)557-560.

16 Albuquerque AC, Silva DM, Rabelo DC, Lucena WA, Lima PC, Coelho MR, Tiago GG. Soroprevalência e fatores associados ao vírus da imunodeficiência humana (HIV) e sífilis em presidiários do Estado de Pernambuco, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(7):2125-2132.
-1717 Soares SCL, Spagno O, Souza C, Lima AAM, Lima EKV. Sífilis em privados de liberdade em uma unidade prisional no interior de Rondônia. BJHR 2019; 2(3):2195-2205..

A população soteropolitana é 80,2% negra. A amostra carcerária do estudo é composta por 2.202 (39,7%) pretos e 2.960 (53,4%) pardos, com 340 (6,1%) brancos. Com isso, a raça que prevalece no âmbito carcerário é reflexo do perfil demográfico, como pode ser percebido em outros estudos1212 Rocha TJM, Santos AM, Barbosa AB, Pimentel EC, Rodrigues MML. Avaliação de teste rápido para HIV, padronizado pelo ministério da saúde, utilizado em uma maternidade escola em Maceió-AL. Rev Eletr Farm 2014; 11(3):20-31.,1414 Silva AAS, Araújo TME, Teles AS, Magalhães RLB, Andrade ELR. Prevalência de hepatite B e fatores associados em internos de sistema prisional. Acta Paul Enferm 2017; 30(1):66-72.,1515 Rosa F, Carmeiro M, Duro LN, Valim ARM, Reuter CP, Burgos MS, Possuelo L. Resumo Prevalência de anti-HCV em uma população privada de liberdade. Rev Assoc Med Bras 2012; 58(5)557-560.. No entanto, fatores como racismo institucional, seletividade penal e vulnerabilidade social e econômica também sustentam a formação do perfil racial negro nas cadeias1818 Junior AO, Lima VCA. Segurança pública e racismo institucional [Internet]. 2013. [acessado 2022 out 12]. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/5931/1/BAPI_n04_p21-26_RD_Seguranca-publica-racismo_Diest_2013-out.pdf
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19 Lima RS. Atributos raciais no funcionamento do Sistema de Justiça Criminal Paulista. São Paulo Perspect 2004; 18(1):60-65.
-2020 Sinhoretto J, Morais DS. Violência e racismo: novas faces de uma afinidade reiterada. Rev Estud Sociales 2017; 64:15-26..

No que se refere ao estado civil, as pessoas privadas de liberdade deste estudo são solteiros, sem parceira fixa (2.878 - 51%), uma maioria diminuta, assim como estudos realizados em presídios localizados em Rondônia, Mato Grosso do Sul, Piauí e Rio Grande do Sul1010 Negreiros DEH, Vieira D. Prevalência de hepatites B, C, sífilis e HIV em privados de liberdade - Porto Velho, Rondônia. Rev Inter Uninovafapi 2017; 10(1):43-52.,1212 Rocha TJM, Santos AM, Barbosa AB, Pimentel EC, Rodrigues MML. Avaliação de teste rápido para HIV, padronizado pelo ministério da saúde, utilizado em uma maternidade escola em Maceió-AL. Rev Eletr Farm 2014; 11(3):20-31.,1414 Silva AAS, Araújo TME, Teles AS, Magalhães RLB, Andrade ELR. Prevalência de hepatite B e fatores associados em internos de sistema prisional. Acta Paul Enferm 2017; 30(1):66-72.,1515 Rosa F, Carmeiro M, Duro LN, Valim ARM, Reuter CP, Burgos MS, Possuelo L. Resumo Prevalência de anti-HCV em uma população privada de liberdade. Rev Assoc Med Bras 2012; 58(5)557-560.. Entretanto, dados obtidos em um número menor de pesquisas evidenciaram uma maioria de casados ou solteiros com parceiras fixas1313 Coelho HC, Oliveira SAN, Miguel JC, Oliveira MLA, Figueiredo JFC, Perdoná GC, Passos ADC. Soroprevalência da infecção pelo vírus da Hepatite B em uma prisão brasileira. Rev Bras Epidemiol 2009; 12(2):124-31.,1616 Albuquerque AC, Silva DM, Rabelo DC, Lucena WA, Lima PC, Coelho MR, Tiago GG. Soroprevalência e fatores associados ao vírus da imunodeficiência humana (HIV) e sífilis em presidiários do Estado de Pernambuco, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(7):2125-2132.. Logo, consolida-se que a população carcerária do Brasil é caracterizada por homens solteiros.

Comparado a um estudo do Mato Grosso do Sul em que 54% dos presos faziam uso de substâncias ilícitas, a população carcerária da Bahia apresentou maior índice associado a essa prática, 3.627 (79,8%)1212 Rocha TJM, Santos AM, Barbosa AB, Pimentel EC, Rodrigues MML. Avaliação de teste rápido para HIV, padronizado pelo ministério da saúde, utilizado em uma maternidade escola em Maceió-AL. Rev Eletr Farm 2014; 11(3):20-31.. No que diz respeito ao compartilhamento de drogas, pesquisas revelaram que apenas 3% dos presos estavam associados1212 Rocha TJM, Santos AM, Barbosa AB, Pimentel EC, Rodrigues MML. Avaliação de teste rápido para HIV, padronizado pelo ministério da saúde, utilizado em uma maternidade escola em Maceió-AL. Rev Eletr Farm 2014; 11(3):20-31.,1313 Coelho HC, Oliveira SAN, Miguel JC, Oliveira MLA, Figueiredo JFC, Perdoná GC, Passos ADC. Soroprevalência da infecção pelo vírus da Hepatite B em uma prisão brasileira. Rev Bras Epidemiol 2009; 12(2):124-31.. Entretanto, o presente estudo revela um número de 1.578 (34,8%) presos que em algum momento de sua vida vieram a compartilhar cachimbos ou seringas. Apesar desse dado ser referente também a uma modalidade não atrelada ao risco de transmissão de IST, o percentual maior do uso de drogas ilícitas corrobora achado de maior compartilhamento de drogas na população carcerária de Salvador.

O presente estudo apresenta um panorama das pessoas privadas de liberdade em relação ao cenário das IST, das quais 581 (9,4%) apresentaram positividade nos testes rápidos. Essa taxa comprova as análises feitas em diversos estudos no que se refere à caracterização dessas pessoas como população de risco, tendo em vista uma maior taxa de positividade em comparação com a população geral1111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual técnico para o diagnóstico de hepatites virais [Internet]. Brasília: MS; 2018. [acessado 2021 nov 4]. Disponível em: https://qualitr.paginas.ufsc.br/files/2018/08/manual_tecnico_hepatites_08_2018_web.pdf.,1313 Coelho HC, Oliveira SAN, Miguel JC, Oliveira MLA, Figueiredo JFC, Perdoná GC, Passos ADC. Soroprevalência da infecção pelo vírus da Hepatite B em uma prisão brasileira. Rev Bras Epidemiol 2009; 12(2):124-31.,1515 Rosa F, Carmeiro M, Duro LN, Valim ARM, Reuter CP, Burgos MS, Possuelo L. Resumo Prevalência de anti-HCV em uma população privada de liberdade. Rev Assoc Med Bras 2012; 58(5)557-560.,2121 Sousa KAA, Araújo TME, Teles AS, Rangel EML, Nery IS. Fatores associados à prevalência do vírus da imunodeficiência humana em população privada de liberdade. Rev Esc Enferm USP 2017; 51:e03274.,2222 Coelho HC, Perdoná GC, Neves FR, Passos AD. HIV prevalence and risk factors in a Brazilian penitentiary. Cad Saude Publica 2007; 23(9):2197-2204..

A sífilis foi IST com maiores índices na população carcerária de Salvador. Do total de presos, 465 (7,5%) tiveram positividade em seus testes rápidos. Valores inferiores para os resultados reagentes à sífilis foram encontrados em análises realizadas no Rio Grande do Sul (6%), em Rondônia (6% e 5,1%) e em Pernambuco (3,9%)1010 Negreiros DEH, Vieira D. Prevalência de hepatites B, C, sífilis e HIV em privados de liberdade - Porto Velho, Rondônia. Rev Inter Uninovafapi 2017; 10(1):43-52.,1111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual técnico para o diagnóstico de hepatites virais [Internet]. Brasília: MS; 2018. [acessado 2021 nov 4]. Disponível em: https://qualitr.paginas.ufsc.br/files/2018/08/manual_tecnico_hepatites_08_2018_web.pdf.,1616 Albuquerque AC, Silva DM, Rabelo DC, Lucena WA, Lima PC, Coelho MR, Tiago GG. Soroprevalência e fatores associados ao vírus da imunodeficiência humana (HIV) e sífilis em presidiários do Estado de Pernambuco, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(7):2125-2132.,1717 Soares SCL, Spagno O, Souza C, Lima AAM, Lima EKV. Sífilis em privados de liberdade em uma unidade prisional no interior de Rondônia. BJHR 2019; 2(3):2195-2205..

O panorama da sífilis nas pessoas privadas de liberdade de Salvador reflete o aumento observado dessa patologia na Bahia. No período de 2012 a 2018, foram registrados 36.194 casos de sífilis adquirida, um aumento de 427,6%2323 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria da Saúde do Governo. Boletim Epidemiológico de Sífilis. Brasília: MS; 2019.,2424 Marques V. Aumento da sífilis no Brasil e a importância do teste rápido. Rev Oswaldo Cruz 2019; 6(23). [acessado 2020 nov 4]. Disponível em: http://revista.oswaldocruz.br/Content/pdf/Edicao_23_VICTORIA_MARQUES.pdf
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. Esse crescimento está atrelado a fatores como a recusa ao uso de preservativo, a desistência do tratamento, a não adesão ao tratamento, a resistência dos profissionais de saúde à administração da penicilina na atenção básica, o desabastecimento mundial de penicilina e o aprimoramento do sistema de vigilância2525 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. Boletim Epidemiológico de Sífilis. Brasília: MS; 2017.. Nos últimos anos, foram observadas estratégias criadas pelo Ministério de Saúde para reduzir os índices de sífilis no Brasil, como a ampliação da cobertura do diagnóstico por meio de testes rápidos2626 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Agenda de ações estratégicas para redução da sífilis no Brasil. Brasília: MS; 2017.. Entretanto, essas estratégias não foram suficientes para conter a infecção, o que pode ser atribuído a uma falta de associação entre os diagnósticos identificados e as ações de prevenção, aconselhamento e tratamento da doença.

No que se refere à soroprevalência do HIV, o valor de positividade apresentado foi de 76 (1,2%), assemelhando-se aos valores encontrados nas pessoas privadas de liberdade de Rondônia (1,1%), Piauí (1%), Pernambuco (1,2%) e de Mato Grosso do Sul (1,8%)1010 Negreiros DEH, Vieira D. Prevalência de hepatites B, C, sífilis e HIV em privados de liberdade - Porto Velho, Rondônia. Rev Inter Uninovafapi 2017; 10(1):43-52.,1212 Rocha TJM, Santos AM, Barbosa AB, Pimentel EC, Rodrigues MML. Avaliação de teste rápido para HIV, padronizado pelo ministério da saúde, utilizado em uma maternidade escola em Maceió-AL. Rev Eletr Farm 2014; 11(3):20-31.,2121 Sousa KAA, Araújo TME, Teles AS, Rangel EML, Nery IS. Fatores associados à prevalência do vírus da imunodeficiência humana em população privada de liberdade. Rev Esc Enferm USP 2017; 51:e03274.. Além disso, estudos revelaram taxas superiores, como no Rio Grande do Sul (4,9%) e em Ribeirão Preto (5,7%)1111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual técnico para o diagnóstico de hepatites virais [Internet]. Brasília: MS; 2018. [acessado 2021 nov 4]. Disponível em: https://qualitr.paginas.ufsc.br/files/2018/08/manual_tecnico_hepatites_08_2018_web.pdf.,2222 Coelho HC, Perdoná GC, Neves FR, Passos AD. HIV prevalence and risk factors in a Brazilian penitentiary. Cad Saude Publica 2007; 23(9):2197-2204..

Com relação à infecção pela VHB, 30 (0,5%) pessoas privadas de liberdade apresentaram resultado reagente, desfecho semelhante ao encontrado na população carcerária do Piauí, porém diferente de estudos como os realizados no Rio Grande do Sul e em Rondônia, em que a taxa de positividade encontrada foram, respectivamente, 2,6% e 8,7%1010 Negreiros DEH, Vieira D. Prevalência de hepatites B, C, sífilis e HIV em privados de liberdade - Porto Velho, Rondônia. Rev Inter Uninovafapi 2017; 10(1):43-52.,1111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual técnico para o diagnóstico de hepatites virais [Internet]. Brasília: MS; 2018. [acessado 2021 nov 4]. Disponível em: https://qualitr.paginas.ufsc.br/files/2018/08/manual_tecnico_hepatites_08_2018_web.pdf.,1414 Silva AAS, Araújo TME, Teles AS, Magalhães RLB, Andrade ELR. Prevalência de hepatite B e fatores associados em internos de sistema prisional. Acta Paul Enferm 2017; 30(1):66-72.. Quanto à infecção pelo VHC, 32 (0,5%) pessoas privadas de liberdade apresentaram positividade no teste rápido. Taxas semelhantes foram observadas em Rondônia (0,7%), enquanto no Rio Grande do Sul foram encontrados resultados diferentes: 8,3% e 9,7%1010 Negreiros DEH, Vieira D. Prevalência de hepatites B, C, sífilis e HIV em privados de liberdade - Porto Velho, Rondônia. Rev Inter Uninovafapi 2017; 10(1):43-52.,1111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual técnico para o diagnóstico de hepatites virais [Internet]. Brasília: MS; 2018. [acessado 2021 nov 4]. Disponível em: https://qualitr.paginas.ufsc.br/files/2018/08/manual_tecnico_hepatites_08_2018_web.pdf.,1515 Rosa F, Carmeiro M, Duro LN, Valim ARM, Reuter CP, Burgos MS, Possuelo L. Resumo Prevalência de anti-HCV em uma população privada de liberdade. Rev Assoc Med Bras 2012; 58(5)557-560..

Também foi observado que 22 (0,4%) presos possuíam coinfecções. Da população privada de liberdade deste estudo, 13 (0,2%) testaram positivo para HIV e sífilis, a maior correlação encontrada, assim como em estudo feito em Rio Grande do Sul (0,9%)1111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual técnico para o diagnóstico de hepatites virais [Internet]. Brasília: MS; 2018. [acessado 2021 nov 4]. Disponível em: https://qualitr.paginas.ufsc.br/files/2018/08/manual_tecnico_hepatites_08_2018_web.pdf.. Essa relação se baseia no maior risco de transmissão sexual do vírus HIV para os que têm sífilis, devido à presença de lesões genitais ulceradas2323 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria da Saúde do Governo. Boletim Epidemiológico de Sífilis. Brasília: MS; 2019..

Em relação às pessoas privadas de liberdade com IST, esses foram caracterizados por serem pardos e pretos (50,7% e 43,5%, respectivamente), com mediana de 27 anos de idade, da região de Salvador (73%), com ensino fundamental (68,8%), sem companheiros (52,6%), fazendo uso de drogas ilícitas (80,9%), mas sem compartilhamento dessas (59,5%). No que concerne à procedência, foram encontradas taxas equivalentes de positividade para IST entre os diferentes bairros de Salvador. Vale destacar elevada prevalência de positivos nos moradores de rua (24%), como já evidenciado pela literatura2727 Silva THS, Calisto MM, Carvalho ACM, Magalhães HJC, Monteiro-Neto V, Ribeiro EEC, Sousa MMF, Pereira DMS, Monteiro SG. Prevalência das hepatites B e C em moradores de rua em São Luís-MA. Rev Investig Biomédica 2018; 10(3):219-226.,2828 Grangeiro A, Holcman MM, Onaga ET, Alencar HDR, Placco ALN, Teixeira PR. Prevalência e vulnerabilidade à infecção pelo HIV de moradores de rua em São Paulo, SP. Rev Saude Publica 2012; 46(4):674-684..

O presente estudo possui algumas limitações por apresentar uma metodologia transversal com dados secundários obtidos por meio de uma planilha de triagem na porta de entrada, feita por profissionais do complexo penitenciário, o que pode ter ocasionado perda de informações das variáveis. No entanto, o estudo traz informações pertinentes para o Sistema Prisional de Salvador, que permitem o aprimoramento e o desenvolvimento de estratégias em relação à melhoria do atendimento às pessoas privadas de liberdade e seu retorno à comunidade, por servir como local oportuno para diagnóstico e tratamento.

Conclusão

Conclui-se que houve baixa prevalência de IST na amostra estudada. As variáveis idade maior do que 25 anos e nível de escolaridade sem presença de ensino superior se mostraram associadas à maior taxa de positividade nos testes rápidos de IST. Em contrapartida, o não compartilhamento de drogas em algum momento da vida mostrou ser fator protetor para a positividade nos testes rápidos de IST. A sífilis se apresentou como a IST mais prevalente nas pessoas privadas de liberdade que passam pela porta de entrada do Complexo Penitenciário da Mata Escura. O crescente número de casos de sífilis na Bahia, associado à presença de outras IST, nas pessoas privadas de liberdade reafirma a necessidade de ações de triagem, tratamento, aconselhamento e apoio preventivo na porta de entrada, devendo ser considerados e avaliados como componentes centrais na prevenção das IST.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Dez 2022

Histórico

  • Recebido
    25 Nov 2021
  • Aceito
    30 Jun 2022
  • Publicado
    02 Jul 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br