Lançada em 2019 pela EDUSP, “Postura em Crianças: Fundamentação Teórica e Prática”11 João SMA, Penha PJ, organizadores. Postura em Crianças: Fundamentação Teórica e Prática. São Paulo: EDUSP; 2019. é uma coletânea de nove capítulos dedicada à apresentação de aspectos relevantes relacionados à avaliação postural (estática e dinâmica) de crianças e à promoção da saúde escolar. Organizada por Sílvia Maria Amado João e Patrícia Jundi Penha, docentes e pesquisadoras com formação em Fisioterapia, a obra se divide em dois grandes eixos: 1) aspectos intrínsecos, extrínsecos e biomecânicos que influenciam tanto a organização da postura quanto a avaliação postural; e 2) ferramentas que auxiliam na realização de uma avaliação postural confiável.
Todos os capítulos contam com um roteiro inicial que destaca os pontos abordados ao longo do texto, o que facilita muito o percurso da leitura. Cinco dos nove capítulos são escritos pelas próprias organizadoras, a saber: “Postura”, em que as autoras destacam pontos importantes sobre o alinhamento postural, sobretudo no plano sagital; “Métodos de Avaliação Postural”, centrado na avaliação qualitativa e quantitativa, ressaltando testes e medidas reportados na literatura científica; “Fatores Intrínsecos e Extrínsecos Relacionados à Postura”, salienta a importância do diagnóstico precoce e as relações da postura com o salto alto, o uso da mochila e as emoções; “Alinhamento Postural em Crianças”, que aborda tópicos interessantes sobre a flexibilidade e avaliação quantitativa da postura, relacionando todo o conteúdo do texto com dados epidemiológicos; e “Avaliação e Intervenção Fisioterapêutica na Escoliose Idiopática do Adolescente”, tem uma característica de escrita objetiva e bemapoiada na literatura científica.
Os outros quatro capítulos contam com a contribuição de autores convidados, reconhecidos pelas pesquisas sobre temas específicos em relação à criança, às variáveis que afetam o desenvolvimento da postura e à saúde escolar. No capítulo “Crescimento e Desenvolvimento Musculoesquelético em Crianças”, a leitura é voltada para a questão fisiológica do crescimento, com informações sobre a saúde geral da criança e do adolescente. No “Aspectos Biomecânicos no Comportamento Estático e Dinâmico dos Membros Inferiores de Crianças” são apontadas de forma detalhada as evidências científicas neste campo, estabelecendo uma relação entre os achados científicos e a prática clínica. No “Avaliação da Postura Dinâmica de Escolares” a leitura é fluida, objetiva e bem fundamentada cientificamente, apresentando uma metodologia com o intuito de realizar a avaliação da postura dinâmica, embasada na literatura. Por último, no capítulo “Promoção da Saúde na Postura Escolar”, os autores fazem um fechamento interessante da obra que direciona o olhar do leitor para aspectos mais abrangente do cuidado em saúde a partir desse tema em particular.
Embora todos os tópicos abordados na obra sejam diretamente relacionados à postura em crianças, é possível perceber diferenças de comunicação, não só devido ao tema, mas também pela prática clínica e domínio da metodologia e linguagem científica de cada um dos nove autores. Essas características tornam alguns capítulos mais claros e objetivos em relação a outros.
O livro é voltado aos estudantes e profissionais da área da saúde que atuam não só nas questões específicas de avaliação e tratamento postural, mas também em diferentes níveis de cuidado e atenção à saúde. Seu diferencial é o foco na população de crianças e escolares, tema escasso no âmbito dos livros brasileiros sobre a postura corporal, com uma abordagem sobre a promoção da saúde escolar centrada nos aspectos básicos da postura nessa fase da vida. Essa característica amplia o leque de possíveis interessados nessa obra, pois fornece subsídios àqueles profissionais da área da saúde que não trabalham diretamente com postura, mas estão em contato direto com crianças nos níveis primários de atenção à saúde, como nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) ou no Programa Saúde na Escola (PSE). Para esses profissionais, o livro pode potencializar a capacidade de reconhecer precocemente desordens de origem postural que comprometam a saúde dos usuários desses serviços.
Ademais, ao instrumentalizar os profissionais da saúde que estão em contato rotineiramente com as crianças, tem-se a possibilidade de promover e ampliar a educação em saúde relacionada à educação postural nesse ambiente. Nesse sentido, os profissionais de saúde podem auxiliar as crianças a adquirirem, e colocarem em prática, conhecimentos sobre a postura, o que pode trazer benefícios não somente às crianças, mas também às pessoas que estão no entorno (familiares e amigos), uma vez que as próprias crianças podem se tornar agentes de disseminação de boas práticas posturais, aos moldes do que preconizam as Escolas Posturais, programas teórico-práticos em educação postural22 Noll M, Vieira A, Darski C, Candotti CT. Escolas posturais desenvolvidas noBrasil: revisão sobre os instrumentos de avaliação, as metodologias de intervenção e seus resultados. Rev Brasil Reumatologia 2014; 54(1):51-58..
A principal contribuição da obra, portanto, é fornecer um “guia” de soluções práticas baseado na produção científica específica da área para o leitor que não necessariamente é da área postural, e/outampoucoconsome artigos científicos sobre o tema.
No entanto, apesar das características da obra e das qualidades acima arroladas, cabe destacar que alguns pontos mereciam um tratamento mais aprofundado. No capítulo dedicado à definição do que é postura, por exemplo, não fica clara qual é a postura considerada padrão entre as crianças e quais são as possíveis alterações posturais. Tais questões são importantes porque servem de base para o entendimento dos assuntos abordados nos capítulos seguintes. Para aprender a avaliar e trabalhar as alterações, é necessário primeiro entender o que é fisiológico, ou seja: qual é o padrão postural esperado para determinada faixa etária. Não obstante, é importante compreender essas definições na população-alvo em estudo, ou seja, entre crianças, uma vez que a organização corporal e a postura de crianças é diferente de adolescentes e de adultos33 Cil A, Yazici M, Uzumcugil A, Kandemir U, Alanay A, Alanay Y, Acaroglu RE, Surat A. The evolution of sagittal segmental alignment of the spine during childhood. Spine 2005; 30(1):93-100.. Nesse sentido, teria sido importante aprofundar as discussões sobre a abordagem quantitativa da avaliação postural no capítulo introdutório. Esta abordagem é mencionada no Capítulo 3, porém não traz valores de referência para os instrumentos considerados padrão ouro44 Furlanetto TS, Sedrez JA, Candotti CT, Loss JF. Reference values for Cobb angles when evaluating the spine in the sagittal plane: a systematic review with meta-analysis. Motricidade 2018; 14(2-3):115-128.e/ou para as ferramentas da avaliação alternativas55 Krawczky B, Pacheco AG, Mainenti MR. A systematic review of the angular values obtained by computerized photogrammetry in sagittal plane: a proposal for reference values. J Manipulative Physiological Therapeutics 2014; 37(4):269-275.,66 Ribeiro AFM, Bergmann A, Lemos T, Pacheco AG, Russo MM, Oliveira LAS, Rodrigues EC. Reference values for human posture measurements based on computerized photogrammetry: a systematic review. J Manipulative Physiological Therapeutics 2017; 40(3):156-168., algo fundamental para uma avaliação com significado clínico.
Da mesma forma, entender o que é fisiológico na postura poderia facilitara compreensão e incorporação prática das ferramentas citadas pelo livro. Uma avaliação postural confiável é importante tanto para traçar os objetivos e prognóstico de uma intervenção, quanto para a realização de uma triagem e encaminhamento de possíveis casos de desvios posturais a especialistas. Assim, é crescente a necessidade de utilização de instrumentos válidos e confiáveis na prática.
Os conceitos de validade e confiabilidade são importantes aliados no entendimento e leitura crítica das evidências científicas e, principalmente, a aplicação destes conceitos sobre os instrumentos de avaliação postural77 Mokkink LB, Terwee CB, Patrick DL, Alonso J, Stratford PW, Knol DL, Bouter LM, Vet HCW. The COSMIN checklist for assessing the methodological quality of studies on measurement properties of health status measurement instruments: an international Delphi study. Quality of Life Research 2010; 19(4):539-549.. Antes de um instrumento ser considerado útil para a avaliação postural quantitativa, suas propriedades de medida precisam ser testadas, garantindo sua confiabilidade.
Portanto, ao disponibilizar informações sobre as diversas ferramentas para avaliação postural quantitativa (Capítulo 3), teria sido interessante que o livro também tivesse trazido informações acerca de suas propriedades de medida. Assim, contribuiria para uma prática profissional embasada nas evidências científicas, na qual a escolha da melhor alternativa se daria conforme a confiabilidade de cada instrumento, o que aumentaria a margem de segurança para os profissionais comprometidos com uma avaliação postural acurada.
Embora tenhamos sentido a necessidade de aprofundamento em tópicos já mencionados, recomendamos a obra para estudantes e profissionais da saúde de diferentes áreas que estão interessados no universo da postura corporal, ou que atuam em serviços de atenção básica à saúde, devido a suas potencialidades de uso. Essa recomendação baseia-se no fato de que encontramos no livro um apanhado geral bem fundamentado sobre a postura estática e dinâmica e os instrumentos de avaliação disponíveis. A obra fornece ao leitor um panorama sobre os conceitos de postura corporal e suas relações, as possibilidades em avaliação postural qualitativa ou quantitativa, instrumentando o leitor a realizar avaliações posturais nos mais diferentes contextos e níveis de atenção à saúde.
Referências
- 1João SMA, Penha PJ, organizadores. Postura em Crianças: Fundamentação Teórica e Prática. São Paulo: EDUSP; 2019.
- 2Noll M, Vieira A, Darski C, Candotti CT. Escolas posturais desenvolvidas noBrasil: revisão sobre os instrumentos de avaliação, as metodologias de intervenção e seus resultados. Rev Brasil Reumatologia 2014; 54(1):51-58.
- 3Cil A, Yazici M, Uzumcugil A, Kandemir U, Alanay A, Alanay Y, Acaroglu RE, Surat A. The evolution of sagittal segmental alignment of the spine during childhood. Spine 2005; 30(1):93-100.
- 4Furlanetto TS, Sedrez JA, Candotti CT, Loss JF. Reference values for Cobb angles when evaluating the spine in the sagittal plane: a systematic review with meta-analysis. Motricidade 2018; 14(2-3):115-128.
- 5Krawczky B, Pacheco AG, Mainenti MR. A systematic review of the angular values obtained by computerized photogrammetry in sagittal plane: a proposal for reference values. J Manipulative Physiological Therapeutics 2014; 37(4):269-275.
- 6Ribeiro AFM, Bergmann A, Lemos T, Pacheco AG, Russo MM, Oliveira LAS, Rodrigues EC. Reference values for human posture measurements based on computerized photogrammetry: a systematic review. J Manipulative Physiological Therapeutics 2017; 40(3):156-168.
- 7Mokkink LB, Terwee CB, Patrick DL, Alonso J, Stratford PW, Knol DL, Bouter LM, Vet HCW. The COSMIN checklist for assessing the methodological quality of studies on measurement properties of health status measurement instruments: an international Delphi study. Quality of Life Research 2010; 19(4):539-549.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
11 Mar 2022 - Data do Fascículo
Mar 2022