Resumo
Este artigo tem como objetivo analisar a perspectiva de gestores e profissionais sobre o desempenho do SAMU na região do Grande ABC. Trata-se de estudo de caso, de abordagem qualitativa, baseado na formulação de modelo teórico-lógico da intervenção e entrevistas semiestruturadas. O Modelo teórico-lógico traduziu as dimensões de análise do SAMU: regulação, assistência e gestão. O processo de regulação foi entendido como espaço estratégico onde o julgamento da necessidade do paciente e o tempo de despacho da ambulância tem potencial de influenciar nos desfechos dos casos transportados. Na assistência os principais temas que emergiram foram investimento na qualificação da equipe e em telemedicina com a perspectiva de melhorar a qualidade do cuidado e tornar o diagnóstico mais preciso. No âmbito da gestão desafios como integração do SAMU com centros terciários, aperfeiçoamento do sistema de informação e monitoramento e avaliação foram destacados visando qualificar os processos regulatórios alinhando-os aos objetivos propostos na política de saúde. O conjunto de dados analisados reforça a capacidade do SAMU na atenção de urgência na região, no entanto a intervenção precisa superar importantes desafios em busca de melhor prognóstico entre os casos transportados.
Key words:
SAMU; Case study; Health management; Regulation
Abstract
This article aims to analyze the perspective of managers and professionals about the performance of the Mobile Emergency Care Service (SAMU) in the Grande ABC region. This is a qualitative case study based on the formulation of a theoretical-logical model of intervention and semi-structured interviews. The Theoretical-Logical Model translated the dimensions of SAMU analysis: regulation, care and management. The regulation process was understood as a strategic space where the judgment of the patient’s need and the ambulance dispatch time have the potential to influence the outcomes of the cases transported. In health care, the main themes that emerged were investment in the qualification of the team and in telemedicine with the perspective of improving the quality of care and making the diagnosis more accurate. In management, challenges such as integrating SAMU with tertiary centers, improving the information system, and monitoring and evaluation were highlighted aiming to qualify the regulatory processes by aligning them with the objectives proposed in the health policy. The set of data analyzed reinforces the capacity of the SAMU in emergency care in the region; however, the intervention needs to overcome important challenges in order to improve the prognosis of the cases transported.
Key words:
SAMU; Case study; Health management; Regulation
Introdução
A demanda para o atendimento em urgências e emergências pré-hospitalares vem crescendo consideravelmente ao longo dos últimos anos, principalmente pelo aumento da violência urbana, dos acidentes automobilísticos e de quadros agudos de doenças crônicas11 De Negri A, organizador. Cartografia do sistema hospitalar brasileiro (2005-2014). São Paulo: Hospital do Coração; 2014.,22 O'Dwyer G, Machado CV, Alves RP, Salvador FG. Atenção pré-hospitalar móvel às urgências: análise de implantação no estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(7):2189-2200.. Tal situação tem um forte impacto sobre o sistema de saúde desafiando sua capacidade de resposta. Como estratégia para agilizar a atenção no local de ocorrência do agravo ou do acidente, de forma qualificada e humanizada, o Ministério da Saúde implementou em 2003 o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) cujos objetivos são: reduzir o tempo de internação, a letalidade e minimizar sequelas e outras situações adversas que podem resultar de uma intervenção atrasada ou inadequada33 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria GM/MS nº 1.010, de 21 de maio de 2012. Redefine as diretrizes para a implantação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192) e sua Central de Regulação das Urgências, componente da Rede de Atenção às Urgências. Diário Oficial da União; 2012.,44 Abdala V. Filosofia do SAMU elaborada pelos franceses. Brasília: Ag. Brasil; 2005..
Segundo a literatura, a prestação de cuidados na atenção pré-hospitalar (APH) de urgência tende a desempenhar um papel crítico na melhoria dos desfechos atendidos principalmente aqueles dependentes do tempo como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral55 Clawson J, Olola C, Heward A, Patterson B, Scott G. Profile of emergency medical dispatch calls for breathing problems within the medical priority dispatch system protocol. Prehosp Disaster Med 2008; 23(5):412-419.. Entretanto, vários fatores interferem na rapidez da resposta da APH e embora alguns sejam difíceis de transpor, como a geografia da região, a regulação oportuna e a assistência qualificada da equipe em cena tendem a ter potencial para gerar melhor prognóstico entre os pacientes transportados66 Campbell A, Ellington M. Reducing Time to First on Scene: An Ambulance Community First Responder Scheme. Emergency Med Internat 2016; 1915895:1-7..
O SAMU cobre atualmente 85% da população brasileira e mesmo considerando os avanços alcançados ao longo dos 18 anos de implementação da política no país ainda apresenta grandes disparidades regionais gerando capacidade de resposta bastante heterogênea, influenciada principalmente pela capacidade de organização e pelos recursos locais77 Ciconet RM. Tempo resposta de um serviço médico de urgência [tese]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2015.. Esse quadro aponta para a relevância na produção de evidências sobre a intervenção. Considerando a importância de investir na equidade do acesso e na qualidade da atenção ofertada na APH esse artigo tem como objetivo analisar perspectivas de gestores e profissionais quanto ao desempenho do SAMU na região do Grande ABC.
Percurso metodológico
Trata-se de estudo de caso único, com abordagem exploratória-analítica, conduzida entre 2017 e 2018 sendo as evidências extraídas de modelagem teórico-lógica e de entrevistas semiestruturadas no intuito de ampliar compreensão sobre o desempenho do SAMU na perspectiva de gestores e profissionais88 Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2015..
Cenário de estudo
O Grande ABC (Figura 1) configura uma das 64 regiões do Estado de São Paulo, localizada na área metropolitana com 635 km², o que corresponde a 0,33% do território paulista. Composta por 6 municípios sua população em 2017 era de aproximadamente 2.769.610 milhões de habitantes. Foi escolhida pelo Ministério da Saúde para implantação do Projeto QualiSUS-Rede em 2012 visando fortalecer a rede de cuidado às urgências na região99 Brasil. Ministério da Saúde (MS). QUALISUS-REDE. Relatório de progresso. Brasília: MS; 2012..
Modelo teórico-lógico da intervenção
Na primeira etapa desse estudo conduziu-se a formulação do modelo teórico-lógico do SAMU de forma a explicitar a teoria do programa na perspectiva de formuladores e implementadores. A escolha metodológica de trabalhar com essa abordagem se deu pela possibilidade de verificar se o programa estava bem desenhado e se apresentava plausibilidade para o alcance dos resultados esperados. O diagrama de funcionamento da intervenção sob estudo focalizou os seus elementos constitutivos, ou seja, os insumos (inputs), os produtos (outputs) e os efeitos (outcomes) de médio e longo prazo. Esta abordagem tem a vantagem de valorizar a dinâmica do contexto norteando a construção de uma imagem mais próxima do mundo real da intervenção1010 Cassiolato M, Gueresi S. Como elaborar Modelo Lógico: roteiro para formular programas e organizar avaliação. Brasília: Ipea; 2010..
Os principais referenciais que auxiliaram a elaboração do modelo teórico-lógico foram as portarias ministeriais que regulamentaram o SAMU como a Política Nacional de Atenção às Urgências1111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.600, de 7 de julho de 2011. Reformula a Política Nacional de Atenção às Urgências e institui a Rede de Atenção às Urgências no Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2011; 8 jul. e da Rede de Urgência e Emergência1212 Torres SFS, Belisário AS, Melo EM. A rede de urgência e emergência da macrorregião norte de Minas Gerais: um estudo de caso. Saude Soc 2015; 24(1):361-373. e os documentos produzidos pelas Coordenações Municipais de Urgência e Emergência do Grande ABC.
A delimitação do escopo do programa foi ainda embasada pela busca de evidências científicas em bases de dados selecionadas: MEDLINE, SCIELO e LILACS com a combinação dos seguintes termos de busca nos idiomas português e inglês: “SAMU”, “atenção pré-hospitalar de urgência”, “rede de urgência e emergência” e “política nacional de atenção às urgências”.
A etapa seguinte envolveu identificar consensos em relação ao diagrama do SAMU, por meio de entrevistas semiestruturadas, alinhando-o às expectativas dos diversos atores institucionais envolvidos (gestores e profissionais que atuam na regulação, gestão e assistência do SAMU na Região do Grande ABC). A validação do modelo teórico-lógico, fundamental para aumentar a validade de constructo e permitir a replicação analítica de estudos de caso1313 Vitorino SAS, Cruz MM, Barros DC. Validação do modelo lógico teórico da vigilância alimentar e nutricional na atenção primária em saúde. Cad Saude Publica 2017; 33(12):e00014217., facilitou entender como o SAMU opera na região e o que se espera alcançar com essa intervenção, permitindo minimizar o risco de divergências quanto ao desenho da política e à interpretação de seus resultados.
Entrevistas semiestruturadas
Foram conduzidas entrevistas semiestruturadas dada a sua potencialidade de captar conhecimentos, atitudes e práticas relacionadas ao SAMU procurando interpretar o que as pessoas sabem, sentem e como atuam a partir de sua experiência pessoal. Esse tipo de estudo auxilia a identificação de potencialidades e fragilidades de uma dada intervenção subsidiando processos avaliativos de desempenho de políticas públicas em saúde1414 Richardson RJ. Pesquisa Social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas; 1999..
O roteiro de entrevista, como instrumento de pesquisa, foi norteado pelas dimensões do modelo teórico-lógico da intervenção, com questões relativas aos objetivos do programa e a operacionalização das ações relacionadas ao desempenho do SAMU.
Informantes-chave foram selecionados de forma intencionada, considerando-se como critério de inclusão o aceite em participar voluntariamente do estudo. Os entrevistados participantes da pesquisa, identificados por códigos alfanuméricos, foram: 6 Gestores municipais do SAMU (GM), 6 médicos reguladores dos municípios da Região do Grande ABC (MR), 5 médicos e 3 enfermeiros socorristas (MS e ES, respectivamente), ou seja, que atuavam diretamente nas ambulâncias do SAMU, além de 1 membro do Comitê Gestor de Urgência e Emergência (CGUE) regional. Os números representam a sequência de realização das entrevistas.
Após leitura exaustiva do material produzido foi realizada análise de conteúdo temática indutiva1515 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011., contemplando suas respectivas etapas, visando identificar os temas úteis ao propósito da pesquisa confrontando-se as perspectivas dos atores. O objetivo foi produzir um texto analítico que tornasse significativa para a investigação. Os temas emergentes da pesquisa, segundo as dimensões de análise definidas com base no modelo teórico-logico e no posicionamento de cada informante-chave, organizaram a apresentação dos resultados e foram fundamentados com literatura pertinente.
A organização e o tratamento dos dados foram realizados com o emprego do Software NVivo versão 9.0. O estudo foi autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de São Paulo.
Resultados e discussão
O SAMU na região do Grande ABC foi criado a partir de iniciativa das Secretarias Municipais de Saúde em conjunto com o Ministério da Saúde. Inicialmente, a implantação na região ocorreu em 2004 em Santo André e, posteriormente, entre os anos de 2004 e 2005, expandiu-se para os demais municípios. Como na época alguns municípios não tinham porte de implantação para constituir uma central de regulação do SAMU, foram realizadas pactuações para instalação regional e, sendo assim, a base de Mauá é referência para Rio Grande da Serra/Ribeirão Pires, a de Santo André é interligada a de São Caetano do Sul, e Diadema e São Bernardo possuem bases próprias.
A região conta ainda com um Grupo Condutor Regional da Rede de Urgência e Emergência (Comitê Gestor). Apesar da literatura apontar o potencial da APH em impactar a dinâmica dos sistemas locais de saúde na atenção a usuários em condições de urgência, o SAMU na região tem ainda desafios como reduzir o tempo de transporte de pacientes vítimas de trauma e urgências clínicas, garantir a referência de forma oportuna e melhorar o prognóstico dos pacientes atendidos.
Para melhor compreensão da lógica de funcionamento do SAMU foram propostas três dimensões para o modelo teórico-lógico: regulação, assistência e gestão, que se baseiam nos objetivos e nas características das práticas da APH de urgência na região. A estrutura teórica do SAMU foi em sequência validada, por meio de entrevistas com atores-chave, visando julgar a pertinência e relevância das dimensões e ações. As sugestões foram consensuadas e incorporadas ao diagrama final explicitado na Figura 2.
Modelo Teórico-Lógico do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) na Região do Grande ABC-SP, 2017/2018.
Dimensão Regulação
Para alcançar um dos objetivos do SAMU no que concerne à regulação é essencial que o paciente tenha o pedido de socorro acolhido, priorizado e atendido no menor intervalo de tempo possível. As entrevistas apontaram que assegurar a escuta médica permanente nas urgências é um processo complexo diante da necessidade de rapidez e precisão no julgamento da real necessidade do caso. A existência de algoritmos para estratificação do risco de gravidade do paciente auxilia a tomada de decisão, entretanto a mobilização para envio da ambulância, forte ou fraca, irá depender da percepção ou não de sinais detectáveis durante a chamada do paciente:
[...] entender o que a pessoa relata para categorizar a gravidade da situação [...] às vezes a pessoa não consegue passar direito a informação, então tem que pedir para ser mais preciso (MR1).
A queixa é uma informação base para direcionar o tipo de atendimento e quanto mais precisa a informação melhor a orientação que pode se dá (MR6).
Para Almoyna1616 Almoyna MM, Nitschke CS. Regulação médica dos serviços de atendimento médico de urgência [Internet]. SAMU; 1999 [acessado 2018 jan 13]. Disponível em: http://www.saude.sc.gov.br/samu.
http://www.saude.sc.gov.br/samu... a regulação é uma forma de triar as saídas de ambulâncias, porém no Brasil essa prática ainda ocorre de forma bastante incipiente apontando a necessidade de aprimorar diversos aspectos na tentativa de assegurar maior equidade na assistência à saúde1616 Almoyna MM, Nitschke CS. Regulação médica dos serviços de atendimento médico de urgência [Internet]. SAMU; 1999 [acessado 2018 jan 13]. Disponível em: http://www.saude.sc.gov.br/samu.
http://www.saude.sc.gov.br/samu... . O médico regulador precisa julgar a gravidade de cada caso, através de orientação médica ou pelo envio de equipes de assistência, num curto espaço de tempo e utilizando técnicas específicas para este fim no intuito de desencadear a melhor resposta.
Na Inglaterra foi elaborado pelo National Health Service (NHS) protocolo padronizado por categorias de gravidade, que estabelece o tempo que o serviço móvel tem para tomada de decisão sendo que para o nível 1, considerado de maior gravidade, 30 segundos depois da chamada a ambulância já deve ser despachada1717 Al-Shagsi S. Models of International Emergency Medical Service (EMS) Systems. Oman Med J 2010; 25(4):320-323..
Na Região do Grande ABC, embora os gestores tenham relatado dificuldade em mensurar com precisão o tempo de resposta total, ficou clara a existência de esforço para aprimorar essa etapa no processo de trabalho. Entrevistados enfatizaram preocupação quanto à necessidade implementação de estratégias que pudessem reduzir o tempo de transporte tais como posicionamento das equipes móvel no território e a identificação da referência mais adequada e próxima do local de ocorrência do agravo ou acidente, de forma a garantir racionalidade sistêmica na utilização dos recursos:
[...] a referência hospitalar fica a cerca de 10 minutos do centro e a 40 minutos do ponto mais distante no município que é Paranapiacaba então o tempo resposta varia entre esse intervalo (MR3).
Resultados do estudo desenvolvido por Ciconet77 Ciconet RM. Tempo resposta de um serviço médico de urgência [tese]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2015. evidenciaram como fatores que permaneceram associados estatisticamente com maior tempo de resposta total (mediana de 19 minutos) o tipo de socorro clínico, turno da noite, dias úteis da semana e ocorrência de incidente no local do chamado77 Ciconet RM. Tempo resposta de um serviço médico de urgência [tese]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2015.. Na Região do Grande ABC a implantação de sistema de rastreamento através de GPS nas ambulâncias surgiu como uma proposta para agilizar a transmissão de dados para a Central de Regulação em tempo real:
Nós pensamos em colocar GPS nas ambulâncias para facilitar o deslocamento e o monitoramento em tempo real (GM3).
Outra dificuldade é o acesso à vítima em locais distantes. No destino final do paciente, encontramos dificuldades para encontrar os pacientes [...] às vezes as ambulâncias percorrem longas distâncias (GM4).
A presença de conflito entre os usuários e os médicos reguladores em relação à compreensão sobre a urgência da demanda surgiu como um ponto emblemático o que, segundo os entrevistados, repercute na agilidade da tomada de decisão e redução do tempo resposta. Percebeu-se nas falas dos entrevistados que os usuários sentem “desqualificação” de sua queixa no momento da chamada na central de regulação. De fato, a distinção feita pelos usuários sobre o que é ou não urgente é subjetiva o que aliado a vulnerabilidade social e emocional pode resultar em um aumento no número de solicitações não oportunas do serviço:
Eles acham que o SAMU é para tudo e não é [...] tem que conversar com a população o que é risco de vida e o SAMU é para urgência (GM3).
Em trabalho desenvolvido por Almeida1818 Almeida PMV. Análise dos atendimentos do SAMU 192: Componente móvel da rede de atenção às urgências e emergências. Esc Anna Nery 2016; 20(2):289-295. no município de Botucatu, em São Paulo, observou-se que muitos pacientes após avaliação pela equipe do SAMU, não possuíam necessidade de serem encaminhados a um serviço de urgência1818 Almeida PMV. Análise dos atendimentos do SAMU 192: Componente móvel da rede de atenção às urgências e emergências. Esc Anna Nery 2016; 20(2):289-295.:
Para a população tudo é grave...então a gente tem muito trabalho para explicar se precisa mesmo de uma USA ou de uma básica ou até mesmo se é caso de uma orientação por telefone (MR2).
A população cobra muito do SAMU para tudo e acha que a gente precisa dar prioridade para o caso sempre e não é assim, temos uma agenda (GM3).
Uma das gestoras, inclusive, mencionou a importância do diálogo com a população para esclarecer melhor sobre os motivos que devem ser considerados ao chamar o serviço de ambulância. Segundo as diretrizes para emergências cardiovasculares da American Heart Association (2019) a cadeia de sobrevida inicia-se pelo acionamento do serviço móvel de urgência o que torna essa modalidade crucial em circunstâncias de risco de vida que requerem o APH com rapidez e precisão1919 Merchant RM, Topjian AA, Panchal AR. Executive summary: 2020 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation 2020; 142(16 Supl. 2):S337-S357.:
[...] já têm vários estudos publicados que é importante conscientizar a população sobre primeiros socorros [...] também para divulgar o quanto é importante chamar rápido o SAMU [...] faz toda a diferença no resultado final (GM5).
A integração do SAMU aos centros terciários regionais sobressaiu-se como um dos principais desafios no processo de encaminhamento dos pacientes. Mesmo com a existência de protocolo de regulação regional, que estabelece critérios para as solicitações das transferências e define a grade única de unidades pactuadas para referência considerando o grau de complexidade, a dificuldade de integração na rede de urgência e emergência tende a impactar negativamente a coordenação do cuidado e seus resultados. Esse tema remete à discussão da organização da regulação que é pautada predominantemente pela oferta. A literatura reforça a importância de rever esse processo à luz das demandas advindas dos territórios proporcionando resposta adequada e adaptada às necessidades do cidadão.
Na Região do Grande ABC quando não há leito disponível é possível ainda acessar a Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde (CROSS), gerida pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, que tem como objetivo a distribuição adequada dos pacientes para as vagas de atendimento nas áreas hospitalar e ambulatorial, independente da disponibilidade de vagas2020 Fernandes FL. O processo de trabalho da Central de Regulação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - SAMU 192 do município de São Paulo [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2017.:
[...] Quando não tem vaga na grade a gente precisa ligar para o colega daquela unidade e explicar a urgência para receber o paciente (MR1).
Países com mais experiência nessa modalidade de atenção operacionalizam o sistema de forma regionalizada e hierarquizada com bases descentralizadas, posicionadas por meio de pactuação de fluxos de atenção, visando diminuir o deslocamento das ambulâncias e a efetivação da integralidade da atenção no menor tempo possível2121 Nagai DK. Diretriz de Integração do SAMU com os Componentes APS e UPA na Rede de Urgência e Emergência: Pesquisa-Ação [dissertação]. Curitiba: Universidade Federal do Paraná; 2017..
Dimensão Assistência
A organização do processo de trabalho no SAMU, que se efetiva com o atendimento das ocorrências em cena, engloba um amplo leque de cuidados e um aspecto central é o reconhecimento rápido das condições que colocam o paciente em risco de morte adotando medidas adequadas ao seu estado de saúde de forma a minimizar o tempo de atendimento no local da ocorrência do evento e garantir o transporte até o local de referência:
Fazer rápida anamnese, [...] pressão, frequência cardíaca, oxigenação, se é para ser ofertado oxigênio. O mais importante é estabilizar o quadro do paciente [...] (MS2).
Nesse campo de produção de cuidados, médicos e enfermeiros das equipes convergiram nas falas quanto à importância do reconhecimento precoce dos sintomas e à chance de sobrevida dos pacientes transportados. Situações de urgência são complexas e dinâmicas e, portanto, requerem decisões críticas com muita rapidez.
Como ressalta Giglio-Jacquemot2222 Giglio-Jacquemot A. Urgências e Emergências em Saúde: perspectivas de profissionais e usuários. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005. a experiência da equipe, aliada ao atendimento precoce, tem efeito mais importante no aumento da sobrevivência do que intervenções posteriores.
Procedimentos como eletrocardiograma (ECG) e uso de trombolíticos foram considerados primordiais em caso de suspeita de Infarto Agudo do Miocárdio (IAM), no entanto esse tema gerou controvérsias entre os profissionais entrevistados, pois muitos médicos não se sentem seguros quanto ao diagnóstico de algumas patologias que requerem medicação imediata, optando pela rápida transferência para centro especializado, principalmente para as UPAS, conforme pactuado em portaria ministerial. Estudos internacionais demonstraram que o uso apropriado de trombolíticos seria mais eficiente do que esperar até o paciente chegar na unidade de referência para ser avaliado2323 Björklund E, Stenestrand U, Lindbäck J, Svensson L, Wallentin L, Lindahl B. Prehospital thrombolysis delivered by paramedics is associated with reduced time delay and mortality in ambulance-transported real-life patients with ST- elevation myocardial infarction. Eur Heart J 2006; 27(10):1146-1152.:
Dependendo da situação de atendimento médico no pré-hospitalar móvel já é introduzido o trombolítico com conhecimento e autorização do médico regulador (MI5).
A aplicação do trombolítico na atenção pré-hospitalar, a partir de recomendação médica, é usado desde 2004 em municípios como Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, São Caetano e Santo André, sendo a necessidade identificada dentro da própria ambulância. O município de São Bernardo fez uso desse procedimento até 2011, quando foi inaugurado o Hospital de Clínicas, optando desde então pela transferência imediata dos pacientes para o serviço de hemodinâmica que assume os cuidados médicos de urgência apropriados do cidadão:
Aqui no município o metalyse consegue atuar em cerca de 95% dos casos que demandam o uso (MS1).
[...] não tem angioplastia, mas tem metalyse, os pacientes são trombolizados e são transferidos para a UPA (ES1).
Em vários centros da Europa o uso da trombólise na APH tem sido considerado padrão onde um médico ou uma enfermeira treinada fazem a avaliação, o diagnóstico e o tratamento em caso de IAM. A partir de evidências sobre o manuseio de trombolíticos na APH ambulâncias específicas foram implementadas em várias localidades como Berlim (Alemanha), Edmond (Canadá) e partes da Noruega2323 Björklund E, Stenestrand U, Lindbäck J, Svensson L, Wallentin L, Lindahl B. Prehospital thrombolysis delivered by paramedics is associated with reduced time delay and mortality in ambulance-transported real-life patients with ST- elevation myocardial infarction. Eur Heart J 2006; 27(10):1146-1152.,2424 Morrison LJ, Verbeek PR, McDonald HC, Sawadsky BV, Cook DJ. Mortality and prehospital thrombolysis for acute myocardial infarction: a meta-analysis. JAMA 2000; 283(20):2686-2692..
Entrevistados destacaram ainda a necessidade de reconhecer as condições operacionais apropriadas no SAMU para os procedimentos mais invasivos de forma a garantir a segurança do paciente. Trabalho desenvolvido no Brasil2525 Oliveira MSG, Oliveira ADS, Morais ER, Amorim Neta FL, Cordeiro ECO. Segurança do paciente: experiência do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência Revista de prevenção de infecção em saúde. Rev Pre Infec Saude 2017; 3(4):61-68. identificou incidentes relacionados à administração de medicamentos dentro dos atendimentos do SAMU e apontou estratégias para reduzir essas ocorrências. De fato, APH é um ambiente específico de cuidado que ocorre em um cenário externo podendo sofrer influência climática e de fatores físicos cujos parâmetros de atendimento diferem de unidade hospitalar, amplamente controlada:
[...] Precisamos prestar muita atenção para não cometer erro. Tem que ser rápido e ágil (MS2).
Embora este tema não tenha sido explorado em profundidade nessa pesquisa, dada a escassez de dados sobre a segurança do paciente no SAMU, a literatura reforça que a pouca atenção à segurança do paciente é uma realidade na APH e esse debate não é exclusividade do Brasil. Revisão sistemática realizada no Canadá, considerando o período entre 1999 e 2011, concluiu que o atendimento de urgência mesmo representando uma área de risco para erros e danos ainda recebe pouca atenção2626 Bigham BL, Buick JE, Brooks SC, Morrison M, Shojania KG, Morrison LJ. Patient safety in emergency medical services: a systematic review of the literature. Prehosp Emerg Care 2012; 16(1):20-35..
Os achados evidenciaram a telemedicina como outro ponto chave no âmbito da assistência pré-hospitalar de urgência com o objetivo de melhorar a qualidade do cuidado em saúde, no entanto, a despeito da capacidade de promover maior resolubilidade e agilidade nos encaminhamentos, o único município que dispõe dessa tecnologia é Santo André:
era importante a telemedicina para ter um apoio no diagnóstico [...] ter um cardiologista para uma segunda opinião (MS4).
[...] Seria um avanço ter a telemedicina aqui porque poderíamos trocar ideias sobre o diagnóstico (ES6).
Os informantes referenciaram que a telemedicina pode melhorar o acesso em tempo hábil a diagnóstico e tratamento adequado, na medida em que durante a assistência ocorrem muitas situações complexas e imprevisíveis, requerendo, portanto, intervenções mais qualificadas. Literatura revisada destaca que a telemedicina tem a capacidade de potencializar o diagnóstico e manejo clínico na APH, além de promover maior integração da equipe no sistema de saúde, devendo ser considerada mecanismo prioritário com a perspectiva de superar a fragmentação ainda presente e deletéria para a efetivação do direito integral à saúde2727 Amadi-Obi A, Gilligan P, Owens N, O'Donnell C. Telemedicine in pre-hospital care: a review of telemedicine applications in pre-hospital environment. Int J Emerg Med 2014; 7:29.:
Faz muita falta o telediagnóstico para agilizar o atendimento, mas eu acho que vai chegar em breve aqui (MS5).
É importante ter Telessaúde para trocar opiniões sobre o diagnóstico e ter mais precisão da conduta a ser adotada (ES1).
Mesmo considerando os benefícios apontados por especialistas e a evolução da telemedicina no país nos últimos anos, poucas ações foram implementadas para efetivamente expandir sua utilização no SAMU. Serviços de telemedicina já são rotineiramente oferecidos em países mais desenvolvidos. Em estudo prospectivo controlado realizado na Alemanha com o objetivo de avaliar o impacto da telemedicina em ambiente pré-hospitalar foi observada melhoria no tratamento e na segurança dos pacientes aderindo mais às diretrizes preconizadas. Esse trabalho, no entanto, não mostrou redução do tempo resposta2828 Reggi S, Carvalho AC. Importância da telemedicina e da trombólise pré-hospitalar. Rev Soc Cardiol Estado São Paulo 2016; 2(26):86-92..
Dimensão Gestão e articulação em rede
A gestão é um dos eixos estratégicos para regulação e organização dos atendimentos de urgência e para as transferências inter-hospitalares de pacientes graves ao envolver além de planejamento das atividades, coordenação de pessoal, apoio logístico e educacional e organização junto aos centros de apoio na atenção à saúde. A comunicação eficiente em nenhum outro nível de atenção parece ser mais crítica do que na regulação de urgência, que atua como um centro nervoso que busca equalizar os recursos disponíveis e a demanda dos usuários.
As entrevistas revelaram que o diálogo e a interação constante com a equipe são potentes ferramentas, tendo em vista a rotina intensa na coordenação, cujas circunstâncias de trabalho se caracterizam em grande parte como estressoras.
O financiamento foi uma questão que tangenciou fortemente a fala dos gestores, enfatizando que a demanda para o SAMU vem aumentando sem a retaguarda de expansão de recurso financeiro para manutenção e compra de novas ambulâncias. Foram relatadas ausência e/ou deficiência de equipamentos, mobiliários e outros insumos necessários para APH. Em um cenário com recursos limitados esse quadro pode interferir na capacidade de produzir resultados mais favoráveis. Tal achado corrobora a literatura, considerando que o SAMU é um serviço oneroso que exige recurso financeiro compatível para a sua consolidação enquanto tecnologia de apoio a vida2929 Teles AS, Coelho TSB, Ferreira MPS, Scatena JHG. Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) do Estado da Bahia: subfinanciamento e desigualdade regional. Cad Saude Colet 2017; 25 (1):51-57.:
Aporte do MS é insuficiente que não custeia nem a central de regulação muito menos a parte assistencial (GM1).
Existe problema de falta de equipamentos importantes e alguns estão obsoletos [...]. Tem atraso tecnológico. Infraestrutura poderia ser melhor porque os equipamentos são caros (GM3).
Todos os informantes convergiram sobre o treinamento das equipes, que aliado à experiência proporcionada pela prática, prepara a APH para situações que exigem tomada de decisão rápida e intervenção assertiva. Exceto São Caetano do Sul, todos os municípios possuem Núcleo de Educação em Urgência (NEU), segundo as diretrizes do Ministério da Saúde, visando promover capacitação e educação permanente dos trabalhadores da saúde, especialmente naquelas áreas onde são encontradas mais dificuldades como durante o manejo clínico na assistência3030 Ciconet RM, Marques GQ, Lima MADS. Educação em serviço para profissionais de saúde do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU): relato da experiência de Porto Alegre-RS. Comuni Saude Educ 2008; 12(26):659-666.:
[...] precisamos investir mais em treinamento principalmente em cardiologia (G4).
[...] treinar mais os profissionais aqui, investir no NEU e fazer parcerias com os hospitais para discussão da atenção cardiológica (GM6).
No Brasil os NEU foram acoplados ao SAMU com a finalidade de contribuir para a qualidade assistencial proporcionando espaço de discussão sobre questões relativas à atenção ao paciente transportado. Esses núcleos, atualmente, vêm sendo implementados em maior escala no país com pressuposto de investir nas necessidades educacionais e ofertas de formação no ambiente do trabalho a partir da supervisão. Na França, o treinamento de equipes do SAMU requer habilidades específicas definidas pelo sistema de saúde local, diferente de outros países como Reino Unido e Austrália onde treinamento pré-hospitalar foi formalizado com o desenvolvimento da medicina de emergência como subespecialidade médica3030 Ciconet RM, Marques GQ, Lima MADS. Educação em serviço para profissionais de saúde do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU): relato da experiência de Porto Alegre-RS. Comuni Saude Educ 2008; 12(26):659-666.,3131 Ortiga AM. Avaliação do serviço de atendimento móvel de urgência em santa Catarina [tese]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2014..
Cabe destacar que em Santo André o NEU lançou o Projeto SAMU nas escolas que vem atuando nas comunidades para ampliar a divulgação sobre o SAMU e reduzir trotes, ou seja, ligações anônimas que podem gerar deslocamento de viaturas sem necessidade. Os entrevistados destacaram que a estratégia vem demonstrando bons resultados na diminuição dessas chamadas, além de ser também um mecanismo de diálogo do serviço com a população enfatizando a sua importância em situações de risco:
[...] nós temos trabalho com o samuzinho nas escolas para tentar diminuir trote e conversar mais com a população sobre o papel do SAMU (GM6).
A população ainda não entendeu para que serve o SAMU [...] precisamos divulgar mais sobre o que é o SAMU [...] fazer mais trabalhos com o Samuzinho (ES1).
Embora tenha sido identificada nas entrevistas a relevância da consolidação regional do SAMU não se observou integração entre os municípios com essa perspectiva; exceto um dos gestores que ressaltou que o desenho do SAMU na rede poderia oportunizar o acesso e garantir desfecho mais adequado para o paciente.
A regionalização e o posicionamento das equipes de APH móvel no território são aspectos a serem observados para melhor desempenho no atendimento as vítimas em situações graves de urgência, contribuindo com o estado de saúde em que os pacientes chegam aos hospitais.
Em pesquisa desenvolvida por Ibanez3232 Ibanez N. Os hospitais e a rede de atenção às urgências e emergências: desafios. Consensus 2013; III:36-43. observou-se que a integração da APH na rede de atenção limita-se ao encaminhamento dos casos e na maioria das situações é dependente do profissional de saúde, ao invés de ser uma atividade padronizada no sistema. Konder et al.3333 Konder MT, O'dwyer G. As Unidades de Pronto-Atendimento na Política Nacional de Atenção às Urgências. Physis 2015; 25:525-545., no Município do Rio de Janeiro, observaram que há dificuldade de interlocução entre os componentes da RUE sendo indicada referência da UPA pelo SAMU apenas nos quadros clínicos de dor torácica.
[...] na gestão do SAMU, o ideal é a regionalização do SAMU. Agregar todas as centrais de regulação. Já houve debate sobre isso, levantamento de custo inclusive, mas não foi adiante. Deveria ter uma Central de Regulação única em rede integrada (GM2).
Outro aspecto relevante na dimensão de Gestão do SAMU está relacionado ao monitoramento e à avaliação enquanto ações estratégicas no sentido de propiciar um gerenciamento eficaz, comportando mecanismos de ajustamento para a contínua vigilância do desempenho, elemento vital de todo o processo de garantia de qualidade.
O E-SUS-SAMU é o sistema em vigência utilizado para captura de dados dos atendimentos e registros dos procedimentos realizados no SAMU, mas que ainda apresenta uma série de limitações como a falta de conexão com outros sistemas de informação constituindo-se em fator restritivo para a própria regulação do sistema. Além disso há dificuldade na própria tecnologia informacional quanto à monitoração contínua da magnitude da gravidade das ocorrências atendidas o que facilitaria a comunicação entre os diferentes pontos de atenção da rede de assistência às urgências.
A gente não consegue avaliar com o que tem de sistema de informação atualmente porque ele é muito incipiente... eu queria monitorar por agravo e não consigo... queria saber exatamente sobre a qualidade da atenção e não é possível... (GM1).
O Ministério da Saúde precisa avançar e lançar um sistema de informação que seja mais completo... que ajude a gestão de fato (GM5).
O Sistema de informação além de diminuir custos pode ser um dispositivo de aprimoramento de ações com potencial de elevar o desempenho do serviço e das equipes. Desafios foram sinalizados quanto à reestruturação do E-SUS, integração do sistema com o GPS e incorporação de outros indicadores que permitam manejo mais potente dos problemas no SAMU e melhoria nas decisões de gestão e clínicas, minimizando duplicação de esforços e iatrogenias.
O Município de Mauá, que atua com SAMU regionalizado, possui um Sistema de Informação próprio, implantado em 2012, agregando informações desde a chamada do usuário até entrada do paciente na unidade de saúde de referência. É considerado ferramenta estratégica para emissão de relatórios mensais e anuais sobre os atendimentos de urgência, transferências inter-hospitalares de pacientes graves e recursos disponíveis na rede de saúde que podem subsidiar a avaliação dessa modalidade de assistência na rede de urgência e emergência.
Conclusão
O exercício junto aos stakeholders ressaltou a importância da elaboração do modelo teórico-lógico do SAMU, que embora pareça refletir uma estrutura engessada, deu suporte à generalização analítica do método. Observou-se que a capacidade de articulação da regulação e a coordenação da gestão, bem como dos processos assistenciais envolvidos, é o que define o arranjo do SAMU na região do Grande ABC. Os resultados do estudo sinalizam que a ação coordenada e sinérgica entre os diferentes componentes é fundamental para o alcance dos objetivos estabelecidos pelo SAMU.
O processo de regulação do SAMU apresentou-se como elemento decisivo na organização da atenção às urgências, porém ainda querer investimento que permita maior rapidez para agilizar a tomada de decisão na prestação de cuidado. A expansão da telemedicina e a inclusão de programas educacionais contínuos, com cenários simulados, pode favorecer a retenção de habilidades para a melhoria da qualidade da atenção ofertada na urgência. O sistema precisar ser melhor organizado regionalmente de forma a garantir a oferta de atendimento de qualidade e intervenções clínicas seguras aos pacientes transportados de maneira responsiva e eficiente.
Em síntese os desafios perpassam a superação de problemas estruturais e operacionais com relação à sua macro-organização (gestão do SAMU, regulação e regionalização) e à micro-organização (processo de trabalho das equipes de assistência nas ambulâncias) de forma a potencializar benefícios em relação ao acesso e resolubilidade na APH de urgência.
Apesar do limitado número de entrevistados envolvidos nessa pesquisa e das particularidades do contexto em que foi realizado - inviabilizando a sua generalização -, os resultados revelaram que o modo de transporte para o hospital está fortemente associado aos desfechos e a APH exerce papel fundamental para garantia de melhor prognóstico dos pacientes transportados.
Referências
- 1De Negri A, organizador. Cartografia do sistema hospitalar brasileiro (2005-2014). São Paulo: Hospital do Coração; 2014.
- 2O'Dwyer G, Machado CV, Alves RP, Salvador FG. Atenção pré-hospitalar móvel às urgências: análise de implantação no estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(7):2189-2200.
- 3Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria GM/MS nº 1.010, de 21 de maio de 2012. Redefine as diretrizes para a implantação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192) e sua Central de Regulação das Urgências, componente da Rede de Atenção às Urgências. Diário Oficial da União; 2012.
- 4Abdala V. Filosofia do SAMU elaborada pelos franceses. Brasília: Ag. Brasil; 2005.
- 5Clawson J, Olola C, Heward A, Patterson B, Scott G. Profile of emergency medical dispatch calls for breathing problems within the medical priority dispatch system protocol. Prehosp Disaster Med 2008; 23(5):412-419.
- 6Campbell A, Ellington M. Reducing Time to First on Scene: An Ambulance Community First Responder Scheme. Emergency Med Internat 2016; 1915895:1-7.
- 7Ciconet RM. Tempo resposta de um serviço médico de urgência [tese]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2015.
- 8Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2015.
- 9Brasil. Ministério da Saúde (MS). QUALISUS-REDE. Relatório de progresso. Brasília: MS; 2012.
- 10Cassiolato M, Gueresi S. Como elaborar Modelo Lógico: roteiro para formular programas e organizar avaliação. Brasília: Ipea; 2010.
- 11Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.600, de 7 de julho de 2011. Reformula a Política Nacional de Atenção às Urgências e institui a Rede de Atenção às Urgências no Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2011; 8 jul.
- 12Torres SFS, Belisário AS, Melo EM. A rede de urgência e emergência da macrorregião norte de Minas Gerais: um estudo de caso. Saude Soc 2015; 24(1):361-373.
- 13Vitorino SAS, Cruz MM, Barros DC. Validação do modelo lógico teórico da vigilância alimentar e nutricional na atenção primária em saúde. Cad Saude Publica 2017; 33(12):e00014217.
- 14Richardson RJ. Pesquisa Social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas; 1999.
- 15Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.
- 16Almoyna MM, Nitschke CS. Regulação médica dos serviços de atendimento médico de urgência [Internet]. SAMU; 1999 [acessado 2018 jan 13]. Disponível em: http://www.saude.sc.gov.br/samu
» http://www.saude.sc.gov.br/samu - 17Al-Shagsi S. Models of International Emergency Medical Service (EMS) Systems. Oman Med J 2010; 25(4):320-323.
- 18Almeida PMV. Análise dos atendimentos do SAMU 192: Componente móvel da rede de atenção às urgências e emergências. Esc Anna Nery 2016; 20(2):289-295.
- 19Merchant RM, Topjian AA, Panchal AR. Executive summary: 2020 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation 2020; 142(16 Supl. 2):S337-S357.
- 20Fernandes FL. O processo de trabalho da Central de Regulação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - SAMU 192 do município de São Paulo [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2017.
- 21Nagai DK. Diretriz de Integração do SAMU com os Componentes APS e UPA na Rede de Urgência e Emergência: Pesquisa-Ação [dissertação]. Curitiba: Universidade Federal do Paraná; 2017.
- 22Giglio-Jacquemot A. Urgências e Emergências em Saúde: perspectivas de profissionais e usuários. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005.
- 23Björklund E, Stenestrand U, Lindbäck J, Svensson L, Wallentin L, Lindahl B. Prehospital thrombolysis delivered by paramedics is associated with reduced time delay and mortality in ambulance-transported real-life patients with ST- elevation myocardial infarction. Eur Heart J 2006; 27(10):1146-1152.
- 24Morrison LJ, Verbeek PR, McDonald HC, Sawadsky BV, Cook DJ. Mortality and prehospital thrombolysis for acute myocardial infarction: a meta-analysis. JAMA 2000; 283(20):2686-2692.
- 25Oliveira MSG, Oliveira ADS, Morais ER, Amorim Neta FL, Cordeiro ECO. Segurança do paciente: experiência do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência Revista de prevenção de infecção em saúde. Rev Pre Infec Saude 2017; 3(4):61-68.
- 26Bigham BL, Buick JE, Brooks SC, Morrison M, Shojania KG, Morrison LJ. Patient safety in emergency medical services: a systematic review of the literature. Prehosp Emerg Care 2012; 16(1):20-35.
- 27Amadi-Obi A, Gilligan P, Owens N, O'Donnell C. Telemedicine in pre-hospital care: a review of telemedicine applications in pre-hospital environment. Int J Emerg Med 2014; 7:29.
- 28Reggi S, Carvalho AC. Importância da telemedicina e da trombólise pré-hospitalar. Rev Soc Cardiol Estado São Paulo 2016; 2(26):86-92.
- 29Teles AS, Coelho TSB, Ferreira MPS, Scatena JHG. Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) do Estado da Bahia: subfinanciamento e desigualdade regional. Cad Saude Colet 2017; 25 (1):51-57.
- 30Ciconet RM, Marques GQ, Lima MADS. Educação em serviço para profissionais de saúde do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU): relato da experiência de Porto Alegre-RS. Comuni Saude Educ 2008; 12(26):659-666.
- 31Ortiga AM. Avaliação do serviço de atendimento móvel de urgência em santa Catarina [tese]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2014.
- 32Ibanez N. Os hospitais e a rede de atenção às urgências e emergências: desafios. Consensus 2013; III:36-43.
- 33Konder MT, O'dwyer G. As Unidades de Pronto-Atendimento na Política Nacional de Atenção às Urgências. Physis 2015; 25:525-545.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
22 Abr 2022 - Data do Fascículo
Abr 2022
Histórico
- Recebido
20 Ago 2020 - Aceito
09 Jun 2021 - Publicado
11 Jun 2021