Espaço geográfico urbano e consumo de frutas e hortaliças: Pesquisa Nacional de Saúde 2013

Urban geographic space and fruit and vegetable consumption: 2013 National Health Survey

Nathalia Assis Augusto Patricia Constante Jaime Mathias Roberto Loch Sobre os autores

Resumo

O objetivo do estudo foi analisar a associação entre o espaço geográfico urbano e o consumo regular de frutas e hortaliças no Brasil. Estudo de base populacional, transversal, com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (2013), considerando 60.202 adultos ≥18 anos. As variáveis dependentes foram o consumo regular de frutas (CRF) e o consumo regular de hortaliças (CRH). O espaço geográfico urbano foi a variável independente, dividida em: capital, região metropolitana (RM) e interior. Foi calculado o Odds Ratio ajustado pelas variáveis sociodemográficas. Entre as mulheres o CRF foi menor na RM (OR= 0,83; IC95%: 0,73-0,94) e no interior (OR= 0,68; IC95%: 0,61-0,76), o mesmo aconteceu entre os homens (RM: OR= 0,84; IC95%: 0,75-0,93; Interior: OR= 0,78; IC95%: 0,71-0,85). Na maioria das subcategorias o mesmo foi observado na comparação interior x capital. Não houve associação do CRH com o espaço geográfico urbano de maneira geral, e quando estratificado nos subgrupos foram observados resultados contraditórios, pois em alguns subgrupos o CRH foi maior nas capitais e em outros menor. Aspectos locais de produção e distribuição desses alimentos devem ser considerados no planejamento de políticas públicas que busquem a promoção de seu consumo.

Key words:
Urban health; Social determinants of health; Food consumption; Fruit; Vegetables

Abstract

The aim of the study was to analyze the association between the urban geographic space and the regular consumption of fruit and vegetables in Brazil. It involved a population-based and cross-sectional study using data from the 2013 National Health Survey, considering 60,202 adults ≥18 years old. The dependent variables were regular fruit consumption (RFC) and regular vegetable consumption (RVC). The independent variable was the urban geographic space divided into three categories: capital, metropolitan region (MR) and interior. The Odds Ratio was calculated, adjusted by sociodemographic variables. Among women, the RFC was lower in MR (OR= 0.83; 95%CI: 0.73-0.94) and in the interior (OR= 0.68; 95%CI: 0.61-0.76), the same in men (RM: OR= 0.84; 95%CI: 0.75-0.93; Interior: OR= 0.78; 95%CI: 0.71-0.85). In most subcategories, the same was observed in the interior and the capital. There was no association with RVC and the urban geographic space in general, and when stratified in the subgroups even contradictory results were observed, because in some subgroups the RVC was higher in the capitals and lower elsewhere. Local aspects of production and distribution of these food products are considered when planning public policies that seek to promote consumption in the population.

Key words:
Urban health; Social determinants of health; Food consumption; Fruit; Vegetables

Introdução

A dieta inadequada foi o principal fator de risco para mortes e invalidez em 2015, contribuindo com 12,2% dos anos de vida ajustados por incapacidade (disability adjusted life years - DALYs) nos homens e 11,1% nas mulheres no Brasil11 Malta DC, Felisbino-Mendes MS, Machado IE, Passos VMA, Abreu DMX, Ishitani LH, Velásquez-Meléndez G, Carneiro M, Mooney M, Neghavi M. Fatores de risco relacionados à carga global de doença do Brasil e Unidades Federadas, 2015. Rev Bras Epidemiol 2017; 20(1):217-232.. O baixo consumo de frutas e hortaliças é um dos indicadores de dieta inadequada e vem sendo associado a diferentes desfechos de saúde, como maior risco para diabetes tipo 222 Li M, Fan Y, Zhan X, Hou W, Tang Z. Fruit and vegetable intake and risk of type 2 diabetes mellitus: meta-analysis of prospective cohort studies. BMJ Open 2014; 4(11):e005497.,33 Wang PY, Fang J, Gao Z, Zhang C, Xie S. Higher intake of fruits, vegetables or their fiber reduces the risk of type 2 diabetes: A meta-analysis. J Diabetes Investig 2016; 7(1):56-69., doenças cardiovasculares e neoplasias44 Nguyen B, Bauman A, Gale J, Banks E, Kritharides L, Ding D. Fruit and vegetable consumption and all-cause mortality: evidence from a large Australian cohort study. Int J Behav Nutr Phys Act 2016; 13(9).,55 Wang X, Ouyang Y, Liu J, Zhu M, Zhao G, Bao W, Hu FB. Fruit and vegetable consumption and mortality from all causes, cardiovascular disease, and cancer: systematic review and dose-response meta-analysis of prospective cohort studies. BMJ 2014; 349(3):g4490..

No Brasil, o consumo destes alimentos tem sido investigado por meio de inquéritos alimentares. Segundo estudo de tendência com dados do sistema de Vigilância de Fatores de Risco para doenças crônicas não transmissíveis (VIGITEL), o consumo regular de frutas e hortaliças aumentou, passando de 33% para 35,2% nas capitais brasileiras, entre 2008 e 201666 Silva LES, Claro RM. Tendências temporais do consumo de frutas e hortaliças entre adultos nas capitais brasileiras e Distrito Federal, 2008-2016. Cad Saude Publica 2019; 35(5):e00023618., entretanto, esse aumento ainda é insuficiente. Em relação à participação relativa no total de calorias consumidas pelas famílias brasileiras, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) verificou que a participação das frutas passou de 1,8% em 2002/2003 para 2,8% em 2017/2018 e das verduras e legumes de 0,7% para 0,9% no mesmo período77 Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: avaliação nutricional da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2020..

Muitos são os determinantes do consumo alimentar que, por sua vez, são resultantes das interações de diversos fatores em diferentes contextos, podendo ser influenciados por características socioeconômicas e demográficas88 Malta DC, Stopa SR, Iser BPM, Bernal RTI, Claro RM, Nardi ACF, Reis AAC, Monteiro CA. Fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico nas capitais brasileiras, Vigitel 2014. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(2):238-255.,99 Gorgulho BM, Santos RO, Teixeira JA, Baltar VT, Marchioni DM. Lunch quality and sociodemographic conditions between Brazilian regions. Cad Saude Publica 2018; 34(5):e00067417.. Indivíduos mais jovens e com baixa escolaridade apresentam menor prevalência no consumo de frutas e hortaliças88 Malta DC, Stopa SR, Iser BPM, Bernal RTI, Claro RM, Nardi ACF, Reis AAC, Monteiro CA. Fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico nas capitais brasileiras, Vigitel 2014. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(2):238-255.,1010 Malta DC, Andrade SSCA, Stopa SR, Pereira CA, Szwarcwald CL, Júnior JBS, Reis AAC. Estilos de vida da população brasileira: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(2):217-226.,1111 Jaime PC, Stopa SR, Oliveira TP, Vieira ML, Szwarcwald CL, Malta DC. Prevalência e distribuição sociodemográfica de marcadores de alimentação saudável, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil 2013. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(2):267-276., assim como os de classe econômica mais baixa tendem a consumir menos frutas, legumes e verduras quando comparados com as classes média e alta77 Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: avaliação nutricional da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.,1212 Ferraz D, Oliveira FCR, Moralles HF, Rebelatto DAN. Os Determinantes do Consumo Alimentar Domiciliar: uma comparação entre estratos de renda no Brasil pelos dados da POF de 2008/2009. Segur Aliment Nutr 2018; 25(2):38-50..

Um estudo de revisão sistemática observou que o consumo de frutas e hortaliças é, em boa parte, determinado pelo ambiente, ou seja, por fatores externos ao indivíduo1313 Kamphuis CB, Giskes K, Bruijn GJ, Wendel-Vos W. Environmental determinants of fruit and vegetable consumption in adults: a systematic review. Br J Nutr 2006; 96(4):620-635.. Portanto, estratégias de promoção do consumo de frutas e hortaliças devem considerar o conjunto de fatores que determinam os padrões populacionais de consumo. Estudo de simulação de efeito de diferentes potenciais vetores em políticas públicas na consecução do consumo recomendado de frutas e legumes1414 Mason-D'Croz D, Bogard JR, Sulser TB, Cenacchi N, Dunston S, Herrero M, Wiebe K. Gaps between fruit and vegetable production, demand, and recommended consumption at global and national levels: an integrated modelling study. Lancet 2019; 3(7):e318-e329., sugere que seria necessário um portfólio de intervenções e investimentos focados no aumento da produção de frutas e hortaliças, no desenvolvimento de tecnologias e nas práticas para reduzir o desperdício sem aumentar o custo do consumidor e no aumento dos esforços existentes em educação alimentar dos consumidores. No Brasil, alguns compromissos foram assumidos no âmbito da Década de Ação sobre a Nutrição (2016-2025) (OPAS, 2016), como o aperfeiçoamento dos sistemas alimentares sustentáveis por meio do desenvolvimento de políticas públicas intersetoriais que englobem desde a produção até o consumo dos alimentos1616 Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Sistemas alimentares e nutrição: a experiência brasileira para enfrentar todas as formas de má nutrição. Brasília: OPAS; 2017. [Internet]. [cited 2021 abr 27]. Available from: http://www.cfn.org.br/wp-content/uploads/2017/09/oms.pdf. As políticas de fortalecimento da agricultura familiar, são exemplos de esforços que vêm sendo construídos para incentivar a produção, a comercialização e o acesso a uma alimentação saudável em nível local1717 Bocchi CP, Magalhães ES, Rahal L, Gentil P, Gonçalves RS. A década da nutrição, a política de segurança alimentar e nutricional e as compras públicas da agricultura familiar no Brasil. Rev Panam Salud Publica 2019; 43:e84., podendo contribuir para o maior consumo de frutas e hortaliças entre os brasileiros.

Trabalhos anteriores investigaram diferenças no consumo de frutas e hortaliças entre as macrorregiões do Brasil1010 Malta DC, Andrade SSCA, Stopa SR, Pereira CA, Szwarcwald CL, Júnior JBS, Reis AAC. Estilos de vida da população brasileira: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(2):217-226.,1818 Paula Costa DV, Lopes MS, Mendonca RD, Malta DC, Freitas PP, Lopes ACS. Diferenças no consumo alimentar nas áreas urbanas e rurais do Brasil: Pesquisa nacional de saúde. Cien Saude Colet 2021; 26(Supl. 2):3805-3813., entre as Unidades da Federação1111 Jaime PC, Stopa SR, Oliveira TP, Vieira ML, Szwarcwald CL, Malta DC. Prevalência e distribuição sociodemográfica de marcadores de alimentação saudável, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil 2013. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(2):267-276. e área rural e urbana1818 Paula Costa DV, Lopes MS, Mendonca RD, Malta DC, Freitas PP, Lopes ACS. Diferenças no consumo alimentar nas áreas urbanas e rurais do Brasil: Pesquisa nacional de saúde. Cien Saude Colet 2021; 26(Supl. 2):3805-3813., porém não foram encontrados estudos que analisaram essas diferenças entre as capitais dos estados e cidades de outros espaços geográficos, o que pode ser relevante para buscar entender os determinantes de uma alimentação mais saudável.

Dado este contexto, o objetivo do estudo foi analisar a associação entre o espaço geográfico urbano (capital, região metropolitana e interior) e o consumo regular de frutas e hortaliças no Brasil.

Metodologia

Estudo de base populacional, com delineamento transversal realizado a partir de dados secundários da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), inquérito domiciliar conduzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde em 2013. A pesquisa foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) em junho de 2013.

A amostra da PNS é uma subamostra da Amostra Mestra do Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares (SIPD) do IBGE, constituída por setores censitários da Base Operacional Geográfica do Censo Demográfico 2010. O plano de amostragem da pesquisa foi organizado por conglomerados em três estágios, com seleção por amostragem aleatória simples em todos eles. O primeiro estágio foram as unidades primárias de amostragem (UPAs) formadas por um ou mais setores censitários, o segundo foram os domicílios selecionados dentro de cada UPA e o terceiro um morador de 18 anos de idade ou mais, selecionado em cada domicílio para responder um questionário individual1919 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2013: percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Rio de Janeiro: IBGE; 2014.. O questionário da PNS foi subdividido em três partes, sendo que as duas primeiras foram respondidas por um morador que soubesse informar sobre características do domicílio e condições socioeconômicas e de saúde de todos os moradores, e a terceira foi respondida pelo morador selecionado e abordava questões sobre morbidade e estilo de vida2020 Szwarcwald CL, Malta DC, Pereira CA, Vieira MLFP, Conde WL, Souza Júnior PRB, Damacena GN, Azevedo LO, Silva GA, Filha MMT, Lopes CS, Romero DE, Almeida WS, Monteiro CA. Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil: concepção e metodologia de aplicação. Cien Saude Colet 2014; 19(2):333-342.. As entrevistas foram agendadas conforme a disponibilidade dos informantes e a coleta de dados aconteceu entre agosto de 2013 e fevereiro de 2014, totalizando 64.348 entrevistas domiciliares e 60.202 entrevistas com os moradores selecionados, sendo que para este estudo foram considerados os dados destes últimos.

Por se tratar de um desenho complexo de amostragem e com probabilidades desiguais de seleção, foi realizada a ponderação amostral, atribuindo pesos para as UPAs, domicílios e morador selecionado. O peso para o morador selecionado foi calculado considerando o peso do domicílio pertencente, a probabilidade de seleção do morador, ajustes de não resposta por sexo e calibração pelos totais populacionais por sexo e classes de idade, estimados com o peso de todos os moradores. Uma descrição mais detalhada da metodologia da PNS pode ser encontrada em publicação do IBGE1919 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2013: percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Rio de Janeiro: IBGE; 2014..

No presente estudo, as variáveis dependentes foram o consumo regular de frutas e o consumo regular de hortaliças. As informações sobre o consumo alimentar foram obtidas por meio de um questionário de frequência alimentar presente no inquérito da PNS, no qual o indivíduo respondeu quantos dias na semana consumia determinado alimento ou grupo alimentar. O consumo regular de frutas (consumo de frutas ou suco natural de frutas cinco ou mais vezes na semana) e o consumo regular de hortaliças (consumo de verduras ou legumes crus ou cozidos cinco ou mais vezes na semana) foram categorizados em sim (consumo regular) e não (consumo não regular).

O espaço geográfico, variável independente deste estudo, foi definido a partir da variável “tipo de área” do questionário da PNS, que apresentava as seguintes categorias: capital, região metropolitana (RM), região integrada de desenvolvimento (RIDE) e resto da unidade da federação. As RM são formadas por municípios limítrofes, agrupados para facilitar o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, e as RIDE são definidas como regiões administrativas que abrangem municípios de diferentes unidades da federação2121 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Regiões Integradas de Desenvolvimento [Internet]. 2019 [acessado 2020 jul 31]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/divisao-regional/18354-regioes-metropolitanas-aglomeracoes-urbanas-e-regioes-integradas-de-desenvolvimento.html?=&t=o-que-e
https://www.ibge.gov.br/geociencias/orga...
. Como possuem características similares, optamos por agrupar as duas categorias e manter a nomenclatura RM. Assim, para este estudo, foram consideradas três categorias: capital, RM e interior. Como variáveis de estratificação, foram utilizadas as características sociodemográficas da amostra: faixa etária (18-39 anos, 40-59 anos e 60 anos ou mais), cor da pele (branca, parda, preta), escolaridade (superior completo, ensino médio completo/superior incompleto, ensino fundamental completo/médio incompleto e sem instrução/fundamental incompleto) e macrorregião (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul).

Todas as análises foram realizadas separadamente para homens e mulheres. Para a caracterização da amostra, foi apresentada a frequência de indivíduos em cada espaço geográfico urbano (capital, RM e interior), no total e estratificado pelas variáveis sociodemográficas. Foi apresentada a prevalência dos desfechos (consumo regular de frutas e hortaliças) nas três categorias espaciais, no total e estratificado pelas variáveis sociodemográficas. Para identificar as diferenças nas chances de consumo regular de frutas e hortaliças entre capital, RM e interior foi realizado o cálculo do Odds Ratio e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%) por meio da análise de regressão logística ajustada por faixa etária, cor da pele, escolaridade e macrorregião, sendo sempre a capital a categoria de referência. Especificamente com relação à variável cor da pele, optamos por estratificar apenas três categorias (branca, parda e preta) não sendo apresentados os dados das categorias “amarela” e “indígena”, devido ao baixo n amostral e consequente baixo poder das análises de associação. No entanto, para fins de ajuste, foram considerados as cinco categorias disponíveis para esta variável no banco de dados (branca, amarela, parda, preta e indígena). Vale mencionar que outros estudos que utilizaram o banco de dados da PNS 2013, também realizaram esta escolha metodológica1111 Jaime PC, Stopa SR, Oliveira TP, Vieira ML, Szwarcwald CL, Malta DC. Prevalência e distribuição sociodemográfica de marcadores de alimentação saudável, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil 2013. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(2):267-276.,1818 Paula Costa DV, Lopes MS, Mendonca RD, Malta DC, Freitas PP, Lopes ACS. Diferenças no consumo alimentar nas áreas urbanas e rurais do Brasil: Pesquisa nacional de saúde. Cien Saude Colet 2021; 26(Supl. 2):3805-3813.,2222 Ferreira APS, Szwarcwald CL, Damacena GN. Prevalência e fatores associados da obesidade na população brasileira: estudo com dados aferidos da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev Bras Epidemiol 2019; 22:e190024.. O programa IBM SPSS versão 19.0. foi utilizado em todas as análises, considerando sempre a ponderação amostral.

Resultados

A amostra do estudo foi composta por homens e mulheres que residiam em sua maioria no interior (58,5%), seguido por capital (24,7%) e região metropolitana (16,8%). Nas três categorias espaciais predominaram indivíduos na faixa etária de 18-39 anos e com cor da pele branca, nas capitais e na RM a escolaridade predominante foi ensino médio completo/superior incompleto e no interior sem instrução/fundamental incompleto (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização da amostra de homens e mulheres (≥18 anos) residentes nas capitais, região metropolitana e interior dos estados brasileiros. Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013 (n = 60.202).

Entre os homens, a prevalência do consumo regular de frutas na capital, RM e interior foi 55,9%, 49,1% e 43,5% e entre as mulheres 63,2%, 56,0% e 54,3% respectivamente, já as prevalências do consumo regular de hortaliças não apresentaram grandes diferenças entre os homens (50,8%, 51,5% e 47,8%) e mulheres (59,5%, 59,7% e 59,0%) nas capitais, RM e interior, respectivamente (Tabela 2).

Tabela 2
Prevalência do consumo regular de frutas e hortaliças em homens e mulheres (≥18 anos) residentes nas capitais, região metropolitana e interior dos estados brasileiros. Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013 (n = 60.202).

No total, homens e mulheres que residiam em RM e no interior apresentaram menor consumo regular de frutas se comparados à capital. Estratificando pelas variáveis sociodemográficas, essa diferença foi significativa para os homens da RM na faixa etária de 40-59 anos (OR= 0,73; IC95%: 0,60-0,88), com cor da pele branca (OR= 0,78; IC95%: 0,64-0,95), nos extremos de escolaridade, ensino superior completo (OR= 0,69; IC95%: 0,48-0,99) e sem escolaridade/fundamental incompleto (OR= 0,80; IC95%: 0,65-0,97), e na região Sudeste (OR= 0,75; IC95%: 0,60-0,93). No interior, as diferenças no consumo de frutas foram ainda mais evidentes, não apresentando significância estatística apenas naqueles com ensino fundamental completo/médio incompleto e nas regiões Norte e Sul, quando comparados aos homens desta mesma categoria na capital (Tabela 3).

Tabela 3
Associação do espaço geográfico urbano (capital, região metropolitana e interior) com o consumo regular de frutas em homens e mulheres (≥18 anos). Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013 (n = 60.202).

As mulheres residentes em RM tiveram menor consumo regular de frutas se comparadas às da capital na faixa etária de 60 anos ou mais (OR= 0,61; IC95%: 0,47-0,79), com cor da pele parda (OR= 0,79; IC95%: 0,68-0,92), naquelas sem instrução/fundamental incompleto (OR= 0,69; IC95%: 0,57-0,84) e na região Centro-Oeste (OR= 0,55; IC95%: 0,42-0,73). No interior, o menor consumo regular de frutas não foi significativo apenas para aquelas com ensino médio completo/superior incompleto e região Sul, se comparadas às mulheres da mesma categoria na capital (Tabela 3).

Em relação ao consumo regular de hortaliças (Tabela 4), no total, não houve diferenças entre os espaços geográficos, porém quando estratificado pelas variáveis sociodemográficas observou-se menor consumo regular destes alimentos entre homens do interior com cor da pele parda (OR= 0,85; IC95%: 0,74-0,97), sem instrução/fundamental incompleto (OR= 0,82; IC95%: 0,70-0,97), da região Nordeste (OR= 0,82; IC95%: 0,69-0,98), e entre homens e mulheres da RM na região Norte (OR= 0,48; IC95%: 0,33-0,72) e (OR= 0,52; IC95%: 0,38-0,71), respectivamente. Em algumas categorias da RM e do interior, o consumo regular de hortaliças foi maior do que na capital, especificamente nos homens da RM do Nordeste (OR= 1,25; IC95%: 1,05-1,50), homens do interior com cor da pele branca (OR= 1,23; IC95%: 1,04-1,44) e com ensino fundamental completo/médio incompleto (OR= 1,26; IC95%: 1,01-1,58), e nas mulheres da RM e interior também com ensino fundamental completo/médio incompleto (OR= 1,13; IC95%: 1,04-1,66 e OR= 1,29; IC95%: 1,07-1,57), respectivamente, e mulheres do interior da região Sudeste (OR= 1,36; IC95%: 1,15-1,61).

Tabela 4
Associação do espaço geográfico urbano (capital, região metropolitana e interior) com o consumo regular de hortaliças em homens e mulheres (≥18 anos). Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013 (n = 60.202).

Discussão

Entre os principais achados deste estudo, que buscou analisar a associação entre o espaço geográfico urbano (capital, região metropolitana e interior) e o consumo regular de frutas e hortaliças no Brasil a partir dos dados da PNS 2013, estão: 1) em ambos os sexos o consumo regular de frutas foi menor nas RM e no interior do que nas capitais, de maneira total (sem estratificar por outras características demográficas) e em quase todas as subcategorias do interior; 2) para o consumo regular de hortaliças não foram encontradas diferenças entre as categorias espaciais no total, porém o consumo foi menor em algumas categorias (homens do interior com cor da pele parda e sem instrução/fundamental incompleto) e maior em outras (homens do interior com cor da pele branca e mulheres da RM e interior com ensino fundamental completo/médio incompleto), se comparadas à capital; 3) entre as macrorregiões, houve menor consumo de frutas, principalmente no interior, com exceção da região Norte e Sul entre os homens e região Sul entre as mulheres. O consumo de hortaliças foi menor entre homens do interior do Nordeste e entre homens e mulheres da RM da região Norte, mas foi também observado maior consumo entre homens da RM do Nordeste e mulheres do interior da região Sudeste.

Alguns fatores podem influenciar as diferenças encontradas no consumo de frutas e hortaliças entre as três categorias espaciais, como o abastecimento, a disponibilidade e o acesso a esses alimentos. Um estudo que buscou analisar a associação de fatores ambientais e sociais com o consumo de frutas e hortaliças, observou que estes alimentos são mais consumidos por indivíduos que vivem em lugares com maior concentração de estabelecimentos de alimentação saudável2323 Pessoa MC, Mendes LL, Gomes CS, Martins PA, Velasquez-Melendez G. Ambiente alimentar e consumo de frutas e vegetais em uma população urbana: uma análise multinível. BMC Public Health 2015; 15(1012).. Um aspecto que pode influenciar é o maior acesso aos hipermercados, pois estes estabelecimentos podem oferecer maior variedade de alimentosin naturae com preços mais acessíveis2424 Duran AC, Almeida SL, Latorre MR, Jaime PC. The role of the local retail food environment in fruit, vegetable and sugar-sweetened beverage consumption in Brazil. Public Health Nutr 2015; 19(6):1093-1102.. Entre os equipamentos de varejo de alimentos disponíveis no Brasil, os supermercados são responsáveis ​​pela maior parcela de aquisição de todos os grupos de alimentos, incluindo os alimentos in natura (59,6%) como frutas e hortaliças2525 Machado PP, Claro RM, Martins APB, Costa JC, Levy RB. Is food store type associated with the consumption of ultra-processed food and drink products in Brazil?. Public Health Nutr 2018; 21(1):201-209., por outro lado, há de se considerar que, segundo o relatório do IBGE de Produção Agrícola Municipal de 20132626 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Produção Agrícola Municipal - Cultura temporárias e permanentes. Rio de Janeiro: IBGE; 2013; 40(1-102)., mesmo ano da coleta de dados da PNS, os municípios com maior produção de frutas do país, eram os municípios do interior, ou seja, apenas a concentração de produção pode não significar disponibilidade para o consumidor.

Evidências relativas a inquéritos populacionais de consumo alimentar, com análises segundo tipo de equipamento de varejo, trazem a perspectiva do acesso, porém, não dialogam com outras dimensões da segurança alimentar e nutricional, tais como uma cadeia de produção e consumo de alimentos que favoreça a economia local e contemple as dimensões econômicas, políticas, de saúde, meio ambiente, sociais e culturais dos sistemas alimentares na interface com a sustentabilidade. Vale lembrar que o Guia Alimentar para a população brasileira2727 Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed. Brasília: MS; 2014. reconhece que a alimentação saudável é mais que a ingestão de nutrientes e alimentos e assume como princípio que a Alimentação adequada e saudável deriva de sistema alimentar socialmente e ambientalmente sustentável. Desta forma, o Guia destaca que a forma como se organizam os sistemas de produção e distribuição de alimentos nos territórios, pode impactar a promoção da justiça social e na proteção do ambiente, e que ações de promoção de alimentação saudável, no âmbito individual e coletivo, precisam levar isso em conta.

Em um estudo sobre consumo e abastecimento de frutas e hortaliças, realizado em um município do interior do Rio Grande do Sul, observou-se que o abastecimento desses alimentos era dependente de fornecedores de outras regiões do estado, o que reforça a necessidade de aproximação dos produtores e consumidores de alimentos, e que estratégias como a organização de feiras livres e a entrega direta dos agricultores aos espaços comerciais podem ser boas alternativas2828 Dutra EG, Silva GP. Consumo e abastecimento de frutas e hortaliças em espaços de alimentação comercial e coletiva. Desenvolv Reg Debate 2017; 7(2):20-38.. Evidentemente que cada espaço geográfico apresenta suas próprias dinâmicas de abastecimento alimentar, porém, é importante priorizar produtores locais e garantir pontos de venda de frutas e hortaliças próximos ao consumidor, aumentando o acesso da população a alimentos adequados e de qualidade.

No presente estudo, homens e mulheres com maior vulnerabilidade social, como idosos, cor da pele preta e sem instrução/fundamental incompleto que residiam no interior, apresentaram diferenças expressivas no consumo de frutas (menor consumo se comparados à capital) e, quando observamos esses indivíduos com maior vulnerabilidade em espaços geográficos diferentes, as desigualdades em relação aos outros subgrupos se tornam ainda mais expressivas. Constata-se que indivíduos com baixa escolaridade1010 Malta DC, Andrade SSCA, Stopa SR, Pereira CA, Szwarcwald CL, Júnior JBS, Reis AAC. Estilos de vida da população brasileira: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(2):217-226.,1111 Jaime PC, Stopa SR, Oliveira TP, Vieira ML, Szwarcwald CL, Malta DC. Prevalência e distribuição sociodemográfica de marcadores de alimentação saudável, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil 2013. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(2):267-276. e baixo nível socioeconômico77 Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: avaliação nutricional da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.,1212 Ferraz D, Oliveira FCR, Moralles HF, Rebelatto DAN. Os Determinantes do Consumo Alimentar Domiciliar: uma comparação entre estratos de renda no Brasil pelos dados da POF de 2008/2009. Segur Aliment Nutr 2018; 25(2):38-50. apresentam menor consumo de frutas e hortaliças. Esforços vêm sendo construídos para promover o acesso a uma alimentação adequada e saudável voltada às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que compra alimentos produzidos pela agricultura familiar e distribui para pessoas em risco alimentar, da mesma região onde foi produzido1717 Bocchi CP, Magalhães ES, Rahal L, Gentil P, Gonçalves RS. A década da nutrição, a política de segurança alimentar e nutricional e as compras públicas da agricultura familiar no Brasil. Rev Panam Salud Publica 2019; 43:e84..

Entre as macrorregiões do Brasil, a região Sul foi a única que não apresentou diferenças no consumo de frutas entre as categorias espaciais, e a região Centro-Oeste foi a que apresentou diferenças mais expressivas. Segundo relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)2929 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Relatório do Desenvolvimento Humano 2019. Além do rendimento, além das médias, além do presente: As desigualdades do desenvolvimento humano no século XXI. Nova York: PNUD; 2019., o Brasil é um dos países com maior desigualdade social do mundo, e entre as macrorregiões, a região Sul é a menos desigual3030 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Brasília: PNUD; 2013 [acessado 2020 jul 31]. Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/consulta/, o que pode explicar parcialmente a homogeneidade entre as categorias espaciais nesta macrorregião, reforçando a ideia de que as desigualdades sociais refletem nas desigualdades em saúde. Segundo a POF, a região Sul apresentou maiores médias de aquisição domiciliar per capita em sete grupos de alimentos, entre eles, frutas e hortaliças77 Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: avaliação nutricional da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2020..

Na região Centro-Oeste foi observada a maior diferença no consumo de frutas entre a capital e interior, muito em função da baixa prevalência do consumo de frutas nos indivíduos residentes no interior dessa macrorregião. É possível que, parte deste resultado, tenha influência da baixa densidade demográfica desta região, que tem uma urbanização dispersa3131 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mapa de Densidade Demográfica de 2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2010. [acessado 2020 dez 27]. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo.html? view=noticia&id=1&idnoticia=2501&busca=1&t=ibge-lanca-mapa-densidade-demografica-2010. Esta situação pode levar à uma menor disponibilidade de alimentos e outros bens de consumo, especialmente alimentos in natura e altamente perecíveis como frutas e hortaliças. Vale mencionar que a região Centro-Oeste foi a única macrorregião que não teve nenhum município na lista dos 50 principais produtores de frutas em 20132626 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Produção Agrícola Municipal - Cultura temporárias e permanentes. Rio de Janeiro: IBGE; 2013; 40(1-102)..

Duas pesquisas nacionais investigaram barreiras para o consumo de frutas e hortaliças, uma realizada em Belo Horizonte e outra em uma cidade no interior do Paraná, e as principais barreiras percebidas pela população, nos dois estudos, foram o preço dos alimentos, comércio inadequado, falta de hábito e falta de tempo3232 Figueira TR, Lopes ACS, Moderna CM. Barreiras e fatores promotores do consumo de frutas e hortaliças entre usuários do Programa Academia da Saúde. Rev de Nutrição 2016; 29(1):85-95.,3333 Santos GMGC, Silva AMR, Carvalho WOC, Rech CR, Loch MR. Barreiras percebidas para o consumo de frutas e de verduras ou legumes em adultos brasileiros. Cien Saude Colet 2019; 4(7):2461-2470.. Isso indica que, indivíduos que vivem em espaços geográficos diferentes podem apresentar obstáculos semelhantes para o consumo de frutas e hortaliças. Apesar das dificuldades individuais serem importantes nesse contexto, a disponibilidade de alimentos no ambiente alimentar é o primeiro fator que deve ser levado em consideração quando pensamos em fatores determinantes do consumo alimentar. Se não há disponibilidade, a aquisição e o consumo são prejudicados3434 Turner C, Aggarwal A, Walls H, Herforth A, Drewnowski A, Coates J, Kalamatianou S, Kadiyala S. Concepts and critical perspectives for food environment research: A global framework with implications for action in low- and middle-income countries. Glob Food Sec 2018; 18:93-101. É necessário um olhar especial para cada ambiente na construção dos Planos Municipais de Segurança Alimentar Nutricional (PLAMSAN), que realizam a gestão, planejamento, monitoramento e avaliação da Política de Segurança Alimentar e Nutricional. Apesar do número crescente de cidades que elaboraram o PLAMSAN, em 2018, aproximadamente 69,2% dos municípios brasileiros ainda não tinham um PLAMSAN3535 Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Departamento de Estruturação e Integração de Sistemas Públicos Agroalimentares. Sumário Executivo: Mapeamento de Segurança Alimentar e Nutricional de 2018. Brasília: MDS; 2018..

No presente estudo foram observadas importantes associações entre o consumo regular de frutas e o espaço geográfico, porém o mesmo não foi observado em relação ao consumo de hortaliças. Este resultado precisa ser confirmado por outras pesquisas, uma vez que não foram encontrados estudos anteriores que realizaram análises semelhantes às realizadas neste estudo. É importante ter cautela ao generalizar interior, RM ou capital, pois não são categorias homogêneas, cada região ou até mesmo estado tem suas particularidades. O Brasil é um país de dimensões continentais e é preciso conhecer as diferentes características do espaço geográfico urbano dentro das macrorregiões para entender as diferenças encontradas no consumo de frutas e hortaliças. A Câmera Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) desenvolveu um estudo técnico de Mapeamento dos Desertos Alimentares no Brasil em 20183636 Câmera Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN). Secretaria Executiva da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional. Ministério da Cidadania. Estudo Técnico: Mapeamento dos Desertos Alimentares no Brasil. Brasília: CAISAN; 2019. com o objetivo de mapear no território brasileiro locais com pouca oferta de alimentos saudáveis, porém, ainda não existem análises que considerem municípios do interior ou de pequeno porte, separados por macrorregião.

Vale mencionar que não é incomum que os estudos agrupem em uma mesma variável o consumo regular de frutas e hortaliças e que talvez seja o caso de esta escolha ser repensada, especialmente quando estas variáveis forem as variáveis dependentes dos estudos, uma vez que é possível que existam diferenças importantes no consumo de cada um destes grupos de alimentos. No entanto, mais uma vez ressaltamos a necessidade de estudos que confirmem nossos achados relativos às diferenças dos fatores associados (no nosso caso, o espaço geográfico, mas que pode ser testado com outras variáveis independentes/exposições) ao consumo de frutas e de hortaliças.

Como potencialidades do presente estudo, apontamos a originalidade do recorte espacial analisado, não encontrado anteriormente na literatura, e dispomos de uma amostra significativa da população adulta brasileira. Entretanto, por utilizarmos este recorte espacial, a comparação dos resultados com estudos anteriores ficou limitada. Como fragilidades, apontamos a utilização do questionário de frequência alimentar, que pode apresentar viés de aferição da dieta habitual, por falha de memória do entrevistado e super ou subestimação do consumo alimentar3737 Fisberg RM, Marchioni DML, Colucci ACA. Avaliação do consumo alimentar e da ingestão de nutrientes na prática clínica. Arq Bras Endocrinol Metab 2009; 53(5):617-624., e, ainda, o método avalia o consumo alimentar apenas qualitativamente. O consumo “regular” utilizado no presente estudo (consumo de frutas ou suco natural de frutas e consumo de verduras ou legumes crus ou cozidos cinco ou mais vezes na semana) não atinge a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 400 gramas ou 5 porções diárias3838 World Health Organization (WHO). Diet, nutrition and the prevention of chronic diseases: report of a joint WHO/FAO expert consultation. Geneva: WHO; 2003., apesar disso, este método é amplamente utilizado para estimar o consumo alimentar de populações3939 Loch MR, Souza RKT, Mesas AE, Martinez-Gómmez D, Rodríguez-Artalejo F. Associação entre indicadores de capital social e estilo de vida em adultos brasileiros. Cad Saude Publica 2015; 31(8):1636-1647.,4040 Maziero CCS, Jaime PC, Duran AC. A influência dos locais de refeição e de aquisição de alimentos no consumo de frutas e hortaliças por adultos no município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2017; 20(04):611-623.. Outra limitação é não termos apresentado as categorias “amarela” e “indígena” da variável “cor da pele/raça”, em função do n amostral reduzido, entretanto, destacamos a importância de investigar desigualdades em saúde segundo cor da pele e sugerimos estudos específicos para estes grupos.

Conclusão

Os resultados mostram que, no geral, o espaço geográfico foi associado ao consumo regular de frutas, com menor consumo na RM e no interior se comparados à capital, mas a associação com o consumo regular de hortaliças não foi consistente. A organização social do espaço por territórios deve ser levada em conta para uma melhor compreensão das diferenças na saúde, visto que pode influenciar o consumo regular de frutas e hortaliças, alimentos importantes para a prevenção de doenças e promoção da saúde. Para a redução das diferenças encontradas no consumo, principalmente de frutas, entre Capital, RM e interior indica-se a necessidade do fomento à agricultura familiar, a diversificação da produção e o mapeamento da biodiversidade de alimentos para a valorização de frutas regionais4141 Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO). BFN - Biodiversidade e Nutrição [Internet]. 2020 [acessado 2020 dez 27]. Disponível em: https://www.funbio.org.br/programas_e_projetos/gef-nutricao/
https://www.funbio.org.br/programas_e_pr...
, além de se considerar aspectos locais de produção e distribuição dos alimentos para o planejamento de políticas públicas que busquem a promoção do seu consumo na população. Para isso, uma das necessidades, principalmente para municípios do interior, é a implementação de um PLAMSAN que considere as especificidades de cada espaço geográfico urbano.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela concessão de bolsa de estudos para a primeira autora deste trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Abr 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2020
  • Aceito
    01 Jun 2021
  • Publicado
    03 Jun 2021
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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