Prescrição farmacêutica: uma revisão sobre percepções e atitudes de pacientes, farmacêuticos e outros interessados

Diego Carneiro Ramos Lorena Ferreira Genival Araujo dos Santos Júnior Lorena Rocha Ayres Carolina Dutra Degli Esposti Sobre os autores

Resumo

A prescrição farmacêutica é uma experiência em expansão em alguns países desenvolvidos, com diferentes sistemas de saúde. Conhecer a contribuição que essa atividade pode desempenhar no processo de assistência à saúde e investigar sua aceitação é de fundamental interesse para os países que a regularam. Este estudo de revisão de literatura, portanto, objetivou desenhar o estado da arte da investigação acadêmica sobre percepção, opiniões e atitudes no contexto da prática da prescrição farmacêutica em países que a adotaram. Para isso, realizou-se investigação nas bases de dados MEDLINE, Scopus, Embase, SciELO e LILACS, resultando na seleção de 17 estudos. Da análise dos artigos, emergiram três categorias de discussão: “compreensão da prática e benefícios percebidos”; “aceitação e adesão à prática”; “barreiras à prática”. Os resultados mostraram aceitação e percepções variáveis nos diferentes públicos, dependendo, entre outras questões, do nível de conhecimento e experiência dos pacientes e dos profissionais de saúde, do perfil do farmacêutico ou da modalidade de prescrição. Este estudo aponta alguns desafios envolvidos na prática da prescrição farmacêutica e seus achados podem ser úteis para sugerir caminhos para o fortalecimento da prática.

Palavras-chave:
Atenção à saúde; Farmacêuticos; Prescrições de medicamentos; Prática profissional

Introdução

As funções e responsabilidades de todos os profissionais de saúde passaram por uma grande transformação no começo do século XXI. Nesse contexto, destaca-se a implementação da prescrição farmacêutica por profissionais de saúde não médicos em muitos países, incluindo Austrália, Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia e Reino Unido11 Stewart D, Jebara T, Cunningham S, Awaisu A, Pallivalapila A, Maclure K. Future perspectives on nonmedical prescribing. Ther Adv Drug Saf 2017; 8(6):183-197., com o objetivo de contribuir para a melhoria da atenção à saúde, proporcionando acesso mais seguro e eficiente aos medicamentos, otimizando o uso das habilidades dos profissionais de saúde22 Hoti K, Hughes J, Sunderland B. An expanded prescribing role for pharmacists - an Australian perspective. Australas Med J 2011; 4(4):236-242.,33 Mcintosh T, Munro K, Mclay J, Stewart D. A cross sectional survey of the views of newly registered pharmacists in Great Britain on their potential prescribing role: a cautious approach. Br J Clin Pharmacol 2012; 73(4):656-660..

Apesar da diversidade de modelos de prescrição utilizados nos diferentes países, de maneira geral, pode-se apontar duas modalidades: a prescrição dependente e a prescrição independente. Na dependente, há um diagnóstico prévio e um plano de manejo clínico, desenvolvido em colaboração com pacientes e seus médicos. Nela o farmacêutico pode selecionar, monitorar, modificar ou descontinuar a farmacoterapia44 Tonna AP, Stewart D, West B, Mccaig D. Pharmacist prescribing in the UK - a literature review of current practice and research. J Clin Pharm Ther 2007; 32(6):545-556.

5 Famiyeh IM, Mccarthy L. Pharmacist prescribing: a scoping review about the views and experiences of patients and the public. Res Social Adm Pharm 2017; 13(1):1-16.
-66 Zhou M, Desborough J, Parkinson A, Douglas K, McDonald D, Boom K. Barriers to pharmacist prescribing: a scoping review comparing the UK, New Zealand, Canadian and Australian experiences. Int J Pharm Pract 2019; 27(6):479-489..

Na prescrição independente, o farmacêutico é responsável por avaliar o paciente, iniciar a terapia e gerenciar os desfechos clínicos. Diante de um paciente já diagnosticado por um médico e em tratamento, o farmacêutico decide, sem necessidade de um acordo colaborativo, pela renovação da prescrição, adaptação ou nova prescrição. Em qualquer das situações, o farmacêutico segue uma lista de medicamentos pré-definidos que regula seu alcance para prescrição55 Famiyeh IM, Mccarthy L. Pharmacist prescribing: a scoping review about the views and experiences of patients and the public. Res Social Adm Pharm 2017; 13(1):1-16.,77 Department of Health. Supplementary prescribing by nurses and pharmacists with the NHS in England: a guide for implementation. London: Department of Health; 2003..

O Reino Unido e o Canadá são os dois países com maior experiência na prática da prescrição farmacêutica. No Reino Unido, a prescrição dependente foi introduzida em 2003 e a independente em 200688 Graham-Clarke E, Rushton A, Noblet T, Marriott J. Non-medical prescribing in the United Kingdom National Health Service: a systematic policy review. PLoS One 2019; 14(7):e0214630.. Nesse contexto, ser prescritor não médico é uma aquisição de título profissional e exige treinamento e validação99 Courtenay M, Carey N, Stenner K. An overiew of non-medical prescribing across one strategic health authority: a questionnaire survey. BMC Health Serv Res 2012; 12:138..

A prescrição farmacêutica no Canadá é do tipo dependente e independente, abrangendo basicamente três modalidades de execução: 1) continuação das prescrições existentes; 2) adaptação das prescrições existentes; e 3) início de novas prescrições. As modalidades possíveis e a necessidade de acordos colaborativos variam conforme a província1010 Law MR, Ma T, Fisher J, Sketris IS. Independent pharmacist prescribing in Canada. Can Pharm J (Ott) 2012; 145(1):17-23.,1111 Bhatia S, Simpson SH, Bungard T. Provincial Comparison of Pharmacist Prescribing in Canada Using Alberta's Model as the Reference Point. Can J Hosp Pharm 2017; 70(5):349-357.. Hoje, em todas as 11 províncias do país é possível renovar ou modificar as prescrições; em nove pode-se realizar uma substituição dentro do mesmo grupo terapêutico e em oito podem ser iniciadas novas prescrições para transtornos menores1212 Canadian Pharmacists Association. Pharmacists' Expanded Scope of Practice in Canada Province/Territory, 2021. [cited 2021 abr 22]. Available from: https://www.pharmacists.ca/ pharmacy-in-canada/scope-of-practice-canada/
https://www.pharmacists.ca/ pharmacy-in-...
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Nos Estados Unidos, atualmente 49 estados permitem ao farmacêutico prescrever sob o modelo de prescrição dependente. O primeiro estado, Washington, o fez no ano de 1979. Lá a autorização para o farmacêutico prescrever advém de um Acordo de Prática Colaborativa com um prescritor independente1313 Adams AJ, Weaver KK. The continuum of pharmacist prescriptive authority. Ann Pharmacother 2016; 50(9):778-784.. Somado a esse cenário, há experiências estaduais de regulação de prescrição dependente, baseadas em acordos de prática colaborativa estaduais, ou seja, sem a necessidade de consulta médica prévia1414 Rodriguez MI, McConnell KJ, Swartz J, Edelman AB. Pharmacist prescription of hormonal contraception in Oregon: Baseline knowledge and interest in provision. J Am Pharm Assoc (2003) 2016; 56(5):521-526..

Em Israel, coexistem a prescrição dependente e a independente, regulamentadas respectivamente em 2014 e 20161515 Yariv H. The case of pharmacist prescribing policy in Israel. Isr J Health Policy Res 2015; 4:49.. Na Austrália, o farmacêutico pode prescrever apenas medicamentos que não necessitem de prescrição médica, voltados para situações específicas de saúde, os transtornos menores22 Hoti K, Hughes J, Sunderland B. An expanded prescribing role for pharmacists - an Australian perspective. Australas Med J 2011; 4(4):236-242.. Na Nova Zelândia, o farmacêutico é autorizado a prescrever desde 2013, sendo uma prescrição do tipo dependente, com o farmacêutico trabalhando em prática colaborativa com outros profissionais de saúde1616 Jebara T, Cunningham S, MacLure K, Awaisu A, Pallivalapila A, Stewart D. Stakeholders' views and experiences of pharmacist prescribing: a systematic review. Br J Clin Pharmacol 2018; 84(9):1883-1905..

A expansão da prescrição em todos as nações citadas tem estimulado a produção acadêmica em países em que ainda não há a regulamentação da prescrição farmacêutica. Pesquisadores se mobilizam para produzir informações relevantes que possam sustentar o planejamento da incorporação dessa inovação, como as expectativas dos farmacêuticos e a identificação de fatores que possam interferir numa possível implementação da prática. Há na literatura registros desses estudos, por exemplo, no Qatar1717 Diab MI, Ibrahim A, Abdallah O, El-Awaisi A, Zolezzi M, Ageeb RA, Elkhalifa WHI, Awaisu A. Perspectives of future pharmacists on the potential for development and implementation of pharmacist prescribing in Qatar. Int J Clin Pharm 2020; 42(1):110-123., na Nigéria1818 Auta A, Strickland-Hodge B, Maz J, David S. Pharmacist prescribing: a cross-sectional survey of the views of pharmacists in Nigeria. Int J Pharm Pract 2018; 26(2):111-119. e em Malta1919 Aquilina A, Wirth F, Pizzuto MA, Grech L, Camilleri L, Azzopardi LM, Serracino-Inglott A. Preparing for pharmacist prescribing in Maltese hospitals. J Pharm Health Serv Res 2018; 9(3):237-243..

Toda mudança requer observação e análise. A prescrição farmacêutica no Brasil foi regulada recentemente e ainda pode ser considerada uma inovação na prática profissional, uma vez que data de 2013. Stewart et al.11 Stewart D, Jebara T, Cunningham S, Awaisu A, Pallivalapila A, Maclure K. Future perspectives on nonmedical prescribing. Ther Adv Drug Saf 2017; 8(6):183-197. consideram que duas questões são cruciais na implementação de novas práticas de prescrição não-médicas: desenvolvimento de modelos sustentáveis de atendimento e pesquisa de avaliação robusta e rigorosa.

Assim, conhecer o estado da arte da prescrição farmacêutica no mundo faz-se necessário para subsidiar o planejamento e a avaliação de políticas e intervenções no Brasil. Diante desse cenário, este estudo tem como objetivo explorar, por meio de uma revisão de literatura, a percepção, as opiniões e as atitudes de pacientes, população geral, profissionais de saúde e farmacêuticos a respeito da prescrição farmacêutica.

Metodologia

Este é um estudo de revisão de literatura sobre a prescrição farmacêutica em países que a adotaram, desenvolvido a partir da seleção sistemática da literatura científica.

A pergunta norteadora que caracteriza a primeira etapa da presente pesquisa foi: qual a opinião, percepção, experiência e recepção da prática da prescrição farmacêutica por qualquer grupo de partes interessadas (farmacêuticos, outros profissionais de saúde, pacientes, gestores em saúde e sociedade em geral)?

Na etapa seguinte foram definidas as seguintes bases de dados para a busca dos artigos: MEDLINE (National Library of Medicine); Scopus; Embase; SciELO (Scientific Electronic Library Online); e LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde). O levantamento foi realizado em junho de 2020 e ajustado para os seguintes filtros: período de publicação nos últimos dez anos; e idioma inglês, português e espanhol.

Para a busca dos artigos, foram utilizados termos livres e suas combinações nos três idiomas trabalhados nesta revisão de literatura, já que os termos indexados nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e no Medical Subject Headings (MESH) não contemplavam o objetivo da pesquisa.

Na busca, descritores foram utilizados com auxílio do operador booleano OR, resultando na seguinte combinação: “prescri* farmacêutic*” OR “prescri* colaborativ*” OR “prescri* suplementar” OR “prescri* independente” OR “prescri* não-médica”. Para as bases MEDLINE, Scopus e Embase, foram usados os termos em inglês (“pharmacist prescri*” OR “collaborative prescri*” OR “supplementary prescri*” OR “independent prescri*” OR “non-medical prescri*”). Para SciELO e LILACS nos idiomas inglês, português e espanhol. A base Lilacs foi acessada via Biblioteca Virtual de Saúde (BVS). O caractere “*” foi usado ao final de alguns termos para aumentar seu alcance, abrangendo terminologias diferentes, como prescrição e prescritor, além de sinônimos para o mesmo termo, como prescription e prescribing.

Como as bases LILACS e SciELO não apresentaram resultados, uma nova busca foi realizada, apenas nessas duas bases, com a combinação simples dos termos “prescrição” AND “farmacêutica”, nos idiomas português, inglês e espanhol.

A combinação dos termos, bem como os resultados encontrados para cada plataforma de base eletrônica, são apresentados detalhadamente no Quadro 1.

Quadro 1
Estratégias de busca e resultados nas bases de dados selecionadas.

Critérios de seleção foram aplicados visando alcançar os objetivos da pesquisa. Os critérios de inclusão para a seleção do material foram: 1) publicação nos últimos dez anos, de junho de 2010 a junho de 2020; 2) artigos em língua portuguesa, inglesa ou espanhola; 3) disponível com texto completo em uma das bases de dados utilizadas, via acesso da rede institucional do pesquisador; 4) abordagem qualitativa ou mista; e 5) publicação no formato de artigo. Os critérios de exclusão adotados foram: 1) o espaço de prática dos sujeitos dos estudos, quando aplicável, ser exclusivamente ou majoritariamente em ambiente hospitalar; 2) o estudo estar relacionado apenas ao ensino de habilidades ou atributos de prescrição não-médica; 3) envolver como participantes exclusivamente graduandos ou a maioria ser constituída por profissionais de saúde não farmacêuticos; 4) artigo de revisão, editorial, artigo de opinião, relatório, carta ou comunicação livre, capítulo de livros ou resumo de evento; e 5) artigos que fugiam do escopo temático pretendido.

O processo de seleção dos artigos, que começa com a exportação dos resultados das bases de dados, foi feito com o suporte do software Zotero. As etapas que se seguem nesse processo são a exclusão dos duplicados e o julgamento dos estudos, observando se estavam adequados aos critérios de inclusão e de exclusão e se atendiam aos objetivos da pesquisa. A esquematização do processo de seleção dos trabalhos é apresentada na Figura 1.

Figura 1
Fluxograma de seleção dos estudos.

Para caracterizar as publicações selecionadas para esta revisão de literatura, foram extraídas as seguintes variáveis: autor principal; ano de publicação; local do estudo; objetivos; metodologia; sujeitos participantes; modalidade de prescrição; limitações; e conclusões.

Para a análise qualitativa de conteúdo, foi efetuada a leitura, a análise e a interpretação de cada artigo, utilizando-se a análise de conteúdo temática, proposta por Minayo2020 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014., que empreende a exploração do material de maneira sistemática, visando a interpretação subjetiva de textos e a apresentação dos achados de maneira organizada e categorizada. O processo de análise permitiu sua classificação em três categorias empíricas: “compreensão da prática e benefícios percebidos”, “aceitação e adesão à prática” e “barreiras à prática”.

Resultados

A busca em todas as bases de dados somou um total de 2.818 publicações. Quando concluídas todas as etapas de seleção, chegou-se ao número de 17 artigos, que foram incluídos nesta revisão de literatura. Algumas variáveis das publicações, que as caracterizam, foram organizadas nos quadros 2 e 3.

Quadro 2
Caracterização dos estudos incluídos na revisão da literatura quanto a autor principal, ano de publicação, local do estudo, objetivos, metodologia e sujeitos participantes do estudo.
Quadro 3
Caracterização dos estudos incluídos na revisão da literatura quanto a modalidade de prescrição, limitações do estudo e conclusões dos autores do estudo.

A maior parte dos estudos foram publicados nos anos de 2013 (23%), 2015 (18%) e 2019 (18%). Quanto ao modelo de prescrição, 18% dos estudos eram somente sobre prescrição dependente, 23% apenas acerca de prescrição independente e 59% não faziam distinção, incluindo os dois modelos. Os estudos analisados foram desenvolvidos nos contextos das seguintes localidades: Reino Unido (41,2%), Canadá (47,0%) e Estados Unidos (11,8%).

A partir da análise do material selecionado, formaram-se categorias empíricas: “compreensão da prática e benefícios percebidos”, “aceitação e adesão à prática” e “barreiras à prática”.

Compreensão da prática e benefícios percebidos

No geral, os estudos analisados nesta revisão de literatura demonstraram que os usuários de serviços de saúde têm conhecimento escasso sobre a prescrição farmacêutica, com poucos tendo já experimentado um atendimento acompanhado da prescrição por este profissional2121 Famiyeh IM, Mackeigan L, Thompson A, Kuluski K, Mccarthy LM. Exploring pharmacy service users' support for and willingness to use community pharmacist prescribing services. Res Social Adm Pharm 2019; 15(5):575-583.

22 Feehan M, Durante R, Ruble J, Munger MA. Qualitative interviews regarding pharmacist prescribing in the community setting. Am J Health Syst Pharm 2016; 73(18):1456-1461.
-2323 Hobson RJ, Scott J, Sutton J. Pharmacists and nurses as independent prescribers: exploring the patient's perspective. Fam Pract 2010; 27(1):110-120.,3131 Mccann LM, Haughey SL, ParSONS C, Lloyd F, Crealey G, Gormley GJ, HugheS CM. A patient perspective of pharmacist prescribing: 'crossing the specialisms-crossing the illnesses'. Health Expect 2015; 18(1):58-68.. Os usuários costumam fazer observações positivas a respeito das funções tradicionais do farmacêutico, valorizando seus conselhos2323 Hobson RJ, Scott J, Sutton J. Pharmacists and nurses as independent prescribers: exploring the patient's perspective. Fam Pract 2010; 27(1):110-120., porém tendem a não reconhecer as possibilidades envolvidas na prescrição farmacêutica ou têm receio de sua execução2222 Feehan M, Durante R, Ruble J, Munger MA. Qualitative interviews regarding pharmacist prescribing in the community setting. Am J Health Syst Pharm 2016; 73(18):1456-1461..

Apesar do pouco conhecimento dos usuários acerca da prescrição farmacêutica2121 Famiyeh IM, Mackeigan L, Thompson A, Kuluski K, Mccarthy LM. Exploring pharmacy service users' support for and willingness to use community pharmacist prescribing services. Res Social Adm Pharm 2019; 15(5):575-583.

22 Feehan M, Durante R, Ruble J, Munger MA. Qualitative interviews regarding pharmacist prescribing in the community setting. Am J Health Syst Pharm 2016; 73(18):1456-1461.
-2323 Hobson RJ, Scott J, Sutton J. Pharmacists and nurses as independent prescribers: exploring the patient's perspective. Fam Pract 2010; 27(1):110-120.,3131 Mccann LM, Haughey SL, ParSONS C, Lloyd F, Crealey G, Gormley GJ, HugheS CM. A patient perspective of pharmacist prescribing: 'crossing the specialisms-crossing the illnesses'. Health Expect 2015; 18(1):58-68., ela se destaca em relação às prescrições possíveis por profissionais não médicos. Na Escócia, apesar de vários profissionais de saúde serem autorizados a prescrever, a prescrição farmacêutica é melhor reconhecida pela população e sinônimo de prescrição não-médica3232 MacLure K, George J, Diack L, Bond C, Cunningham S, Stewart D. Views of the Scottish general public on non-medical prescribing. Int J Clin Pharm 2013; 35(5):704-710..

Essa situação de desconhecimento pode mudar quando os usuários passam pela experiência de receber uma prescrição de um farmacêutico, como mostrou estudo do Reino Unido3131 Mccann LM, Haughey SL, ParSONS C, Lloyd F, Crealey G, Gormley GJ, HugheS CM. A patient perspective of pharmacist prescribing: 'crossing the specialisms-crossing the illnesses'. Health Expect 2015; 18(1):58-68., em que os usuários enxergavam vantagens na prescrição farmacêutica, uma vez que consideravam que esse profissional tinha maior conhecimento sobre medicamentos, interações e efeitos colaterais do que os médicos. Reconhecem que cada profissional de saúde deve usar suas habilidades de forma complementar: diagnóstico (médico) e gerenciamento da terapia medicamentosa (farmacêutico).

Além disso, usuários elencavam como vantagens: aumento do tempo para consultas; informações aprofundadas fornecidas sobre seus medicamentos e maior sensação de controle e propriedade de sua condição médica3131 Mccann LM, Haughey SL, ParSONS C, Lloyd F, Crealey G, Gormley GJ, HugheS CM. A patient perspective of pharmacist prescribing: 'crossing the specialisms-crossing the illnesses'. Health Expect 2015; 18(1):58-68.. Numa provável implantação do trabalho de um farmacêutico prescritor em um lar de idosos no Reino Unido, os pacientes visualizaram a inserção como uma proposta muito positiva, atuando como um canal necessário e útil de comunicação oportuna e tranquilizadora sobre medicamentos2727 Lane K, Bond C, Wright D, Alldred DP, Desborough J, Holland R, Hughes C, Poland F. "Everyone needs to understand each other's systems": stakeholder views on the acceptability and viability of a Pharmacist Independent Prescriber role in care homes for older people in the UK. Health Soc Care Community 2020; 28(5):1479-1487..

Para a população em geral, a prática traz benefícios individuais e coletivos. Individuais, pois enxergavam a conveniência de precisar de menos consultas médicas, e coletivos porque enxergavam benefícios para o sistema de saúde, por exemplo a redução da carga horária dos médicos e, consequentemente, maior foco destes em pacientes com necessidades mais complexas2121 Famiyeh IM, Mackeigan L, Thompson A, Kuluski K, Mccarthy LM. Exploring pharmacy service users' support for and willingness to use community pharmacist prescribing services. Res Social Adm Pharm 2019; 15(5):575-583.,3232 MacLure K, George J, Diack L, Bond C, Cunningham S, Stewart D. Views of the Scottish general public on non-medical prescribing. Int J Clin Pharm 2013; 35(5):704-710.. Outra vantagem era que a prescrição adequada poderia incluir a alteração das prescrições atuais dos médicos em caso de efeitos adversos ou a prescrição independente em situações claras de cuidados urgentes ou em prescrição para doenças menores2222 Feehan M, Durante R, Ruble J, Munger MA. Qualitative interviews regarding pharmacist prescribing in the community setting. Am J Health Syst Pharm 2016; 73(18):1456-1461.. O aumento do acesso a medicamentos em situações em que havia barreiras de acesso aos serviços médicos ou demandas pessoais que dificultavam a busca pelo médico também foram apontados como benefícios visualizados2525 Irwin AN, Stewart OC, Nguyen VQ, Bzowyckyj AS. Public perception of pharmacist-prescribed self-administered non-emergency hormonal contraception: an analysis of online social discourse. Res Social Adm Pharm 2019; 15(6):650-655..

Os benefícios da prática também podem ser percebidos por profissionais de saúde. Para os farmacêuticos, a prescrição proporcionaria maior acesso dos pacientes a medicamentos essenciais, diminuiria custo para os pacientes, promoveria comodidade e poderia reduzir a pressão sobre o sistema de saúde2222 Feehan M, Durante R, Ruble J, Munger MA. Qualitative interviews regarding pharmacist prescribing in the community setting. Am J Health Syst Pharm 2016; 73(18):1456-1461.,3434 Norman WV, Soon JA, Panagiotoglou D, Albert A, Zed PJ. The acceptability of contraception task-sharing among pharmacists in Canada - the ACT-Pharm study. Contraception 2015; 92(1):55-61..

Em estudo em uma província canadense3535 Pojskic N, Mackeigan L, Boon H, Austin Z. Initial perceptions of key stakeholders in Ontario regarding independent prescriptive authority for pharmacists. Res Social Adm Pharm 2014; 10(2):341-354. com profissionais das associações da classe farmacêutica e gestores locais, estes apontaram muitos benefícios em uma proposta de implantação da prescrição farmacêutica independente na província: aumento do acesso dos pacientes aos serviços de atenção primária à saúde; melhoria dos resultados dos pacientes por meio da melhoria da continuidade da terapia medicamentosa; reduções de eventos adversos aos medicamentos; e diminuição dos custos com cuidados de saúde, por meio do redirecionamento dos gastos para profissionais de saúde menos custosos.

Médicos britânicos e canadenses viam, na incorporação de um farmacêutico prescritor em suas equipes de trabalho, vantagens como: colaboração na divisão de trabalhos e responsabilidades, permitindo que o farmacêutico preenchesse uma lacuna de atividades a que o médico pouco se dedicava integralmente por exercer múltiplas tarefas; revisão da farmacoterapia; e gerenciamento da terapia medicamentosa2828 Lloyd F, Parsons C, Hughes CM. 'It's showed me the skills that he has': pharmacists' and mentors' views on pharmacist supplementary prescribing. Int J Pharm Pract 2010; 18(1):29-36.. Em outro estudo, no Reino Unido, a inclusão de um farmacêutico prescritor em um lar de idosos foi visto por médicos e farmacêuticos como capaz de contribuir para o enfrentamento de doenças crônicas, em que as revisões da farmacoterapia são complexas pelas múltiplas comorbidades dos residentes2727 Lane K, Bond C, Wright D, Alldred DP, Desborough J, Holland R, Hughes C, Poland F. "Everyone needs to understand each other's systems": stakeholder views on the acceptability and viability of a Pharmacist Independent Prescriber role in care homes for older people in the UK. Health Soc Care Community 2020; 28(5):1479-1487..

Em estudo com médicos britânicos, os farmacêuticos eram úteis especialmente para pacientes com múltiplas morbidades, por sua formação em farmacologia possibilitar uma visão ampliada sobre o paciente. O conhecimento geral de medicamentos pelo farmacêutico era visto como uma vantagem, por sua atenção aos detalhes, e por isso poderia prescrever com segurança3232 MacLure K, George J, Diack L, Bond C, Cunningham S, Stewart D. Views of the Scottish general public on non-medical prescribing. Int J Clin Pharm 2013; 35(5):704-710..

Aceitação e adesão à prática

Os pacientes sugeriram que um aumento da popularidade do farmacêutico prescritor junto à população estaria diretamente ligado ao tempo natural que leva para os pacientes construírem uma imagem de relacionamento com esse farmacêutico prescritor2323 Hobson RJ, Scott J, Sutton J. Pharmacists and nurses as independent prescribers: exploring the patient's perspective. Fam Pract 2010; 27(1):110-120., assim como com outros profissionais prescritores, como os enfermeiros, que segundo os autores possuem maior aceitação da população por sua prática de prescrição de medicamentos por serem mais facilmente reconhecidos pelo cuidado em saúde.

Na percepção dos farmacêuticos, os médicos e os enfermeiros veem como positivo a prescrição farmacêutica em um ambiente institucional colaborativo, pois assim podem dividir a carga de trabalho, permitindo se concentrarem em outras tarefas clínicas2828 Lloyd F, Parsons C, Hughes CM. 'It's showed me the skills that he has': pharmacists' and mentors' views on pharmacist supplementary prescribing. Int J Pharm Pract 2010; 18(1):29-36.. Os farmacêuticos acreditam que os médicos são mais receptivos se a prescrição estiver dentro de um escopo limitado2222 Feehan M, Durante R, Ruble J, Munger MA. Qualitative interviews regarding pharmacist prescribing in the community setting. Am J Health Syst Pharm 2016; 73(18):1456-1461..

Ainda há certo receio da sociedade acerca das funções prescritivas do farmacêutico, com apoio variável. A maioria do público-alvo da pesquisa de Maclure et al.3232 MacLure K, George J, Diack L, Bond C, Cunningham S, Stewart D. Views of the Scottish general public on non-medical prescribing. Int J Clin Pharm 2013; 35(5):704-710., constituída de cidadãos, sugeria que farmacêuticos só deveriam prescrever para doenças menores ou medicamentos que consideravam de baixo risco, dentro de sua competência e apropriados ao seu campo de prática. Mas os autores notaram também, nas respostas dos sujeitos, que ter uma experiência prévia com farmacêuticos ou ter um farmacêutico de confiança os tornava mais receptivos à prescrição desses profissionais.

Quando médicos e farmacêuticos parecem discordar sobre o papel prescritivo do farmacêutico, o discurso sobre a segurança do paciente é geralmente o ponto central das opiniões conflitantes. Esse desencontro acontece em relação à prescrição independente. Enquanto médicos diziam que a prescrição do farmacêutico significa um perigo para os pacientes, os farmacêuticos também questionavam a segurança da prescrição médica, dada a magnitude dos problemas relacionados com medicamentos que ocorrem em locais sem prescrição de farmacêutico, e argumentavam que, em vez de gerar prejuízo, a prescrição de farmacêuticos aumentaria a segurança por meio do envolvimento mais proativo deles na gestão da terapia medicamentosa do paciente3535 Pojskic N, Mackeigan L, Boon H, Austin Z. Initial perceptions of key stakeholders in Ontario regarding independent prescriptive authority for pharmacists. Res Social Adm Pharm 2014; 10(2):341-354.,3636 Schindel TJ, Given LM. The pharmacist as prescriber: a discourse analysis of newspaper media in Canada. Res Social Adm Pharm 2013; 9(4):384-395..

Foi notável nos estudos que os farmacêuticos têm uma noção muito clara de responsabilidade no ato de prescrever. Isso, por vezes, gerava certo temor inicial de prescrever, mas que ia se dissipando com a experiência. Além disso, contribuía para que eles documentassem bem o processo prescritivo e ampliassem o tempo e a atenção sobre outras funções tradicionais, como revisão da situação clínica dos pacientes e o monitoramento da farmacoterapia2424 Hughes CA, Makowsky M, Sadowski CA, Schindel TJ, Yuksel N, Guirguis LM. What prescribing means to pharmacists: a qualitative exploration of practising pharmacists in Alberta. Int J Pharm Pract 2014; 22(4):283-291.,2929 Makowsky MJ, Guirguis LM, Hughes CA, Sadowski CA, Yuksel N. Factors influencing pharmacists' adoption of prescribing: qualitative application of the diffusion of innovations theory. Implement Sci 2013; 8:109.. Os farmacêuticos também valorizavam a prescrição sob um contexto de equipe interprofissional para a gestão de pacientes com condições de longo prazo e multimorbidades, pois poderia trazer diferentes vantagens para o exercício prescritivo, resultando em um atendimento melhor e mais eficiente para os pacientes3030 Mccann L, Lloyd F, Parsons C, Gormley G, Haughey S, Crealey G, Hughes C. "They come with multiple morbidities": a qualitative assessment of pharmacist prescribing. J Interprof Care 2012; 26(2):127-133..

Estudo com farmacêuticos canadenses apontou que até mesmo as concepções que esses têm da prática prescritiva impactam na adesão deles à atividade. Aqueles que traziam uma definição mais integrada da prescrição ao processo de cuidado em saúde geralmente possuíam mais iniciativa para prescrever de maneira independente2424 Hughes CA, Makowsky M, Sadowski CA, Schindel TJ, Yuksel N, Guirguis LM. What prescribing means to pharmacists: a qualitative exploration of practising pharmacists in Alberta. Int J Pharm Pract 2014; 22(4):283-291..

No estudo de Makowsky et al.2929 Makowsky MJ, Guirguis LM, Hughes CA, Sadowski CA, Yuksel N. Factors influencing pharmacists' adoption of prescribing: qualitative application of the diffusion of innovations theory. Implement Sci 2013; 8:109., os farmacêuticos que achavam que havia poucas vantagens em prescrever eram menos propensos a prescrever ou a obter a autorização de prescrição, assim como aqueles que não acreditavam que a prescrição fazia parte de seu papel profissional. Os autores também observaram que os farmacêuticos eram menos propensos a prescrever em situações mais complexas, nas quais o paciente utilizava vários medicamentos, tinha um diagnóstico pouco claro ou não se encaixava nas diretrizes clínicas típicas. De outro modo, em situações em que o farmacêutico sentia domínio do problema, a intenção de prescrever era maior. Quando os farmacêuticos tinham hábito prescritivo, eles mencionavam vantagens da prescrição para sua própria prática profissional, como aumento do seu senso de profissionalismo, melhoramento da autoimagem como profissional de saúde e da própria satisfação no trabalho.

O campo da prática e a modalidade da prescrição exercem impactos diferentes sobre a adoção da prescrição. Em um estudo longitudinal no Reino Unido com farmacêuticos um ano após receberem a autoridade prescritiva, apenas 25% prescreviam ativamente, sobretudo na área hospitalar, com pouca ou nenhuma atividade em outros ambientes, e essencialmente na modalidade dependente2828 Lloyd F, Parsons C, Hughes CM. 'It's showed me the skills that he has': pharmacists' and mentors' views on pharmacist supplementary prescribing. Int J Pharm Pract 2010; 18(1):29-36..

Barreiras à prática

Nos estudos selecionados para a revisão, os pacientes manifestavam alguns receios a respeito da prescrição farmacêutica: aprovavam a prescrição só em casos menos graves2323 Hobson RJ, Scott J, Sutton J. Pharmacists and nurses as independent prescribers: exploring the patient's perspective. Fam Pract 2010; 27(1):110-120., condições crônicas, nas quais haveria certo controle2121 Famiyeh IM, Mackeigan L, Thompson A, Kuluski K, Mccarthy LM. Exploring pharmacy service users' support for and willingness to use community pharmacist prescribing services. Res Social Adm Pharm 2019; 15(5):575-583. ou áreas de atuação pré-determinadas3131 Mccann LM, Haughey SL, ParSONS C, Lloyd F, Crealey G, Gormley GJ, HugheS CM. A patient perspective of pharmacist prescribing: 'crossing the specialisms-crossing the illnesses'. Health Expect 2015; 18(1):58-68.. Desconfiavam que os farmacêuticos não teriam acesso às informações clínicas de registro médico necessárias para fazer uma avaliação2121 Famiyeh IM, Mackeigan L, Thompson A, Kuluski K, Mccarthy LM. Exploring pharmacy service users' support for and willingness to use community pharmacist prescribing services. Res Social Adm Pharm 2019; 15(5):575-583., ou mesmo se preocupavam em relação ao sigilo sobre esses dados2323 Hobson RJ, Scott J, Sutton J. Pharmacists and nurses as independent prescribers: exploring the patient's perspective. Fam Pract 2010; 27(1):110-120..

Os estudos com farmacêuticos mostraram que estes têm grande interesse na prática da prescrição, mas manifestam, como barreiras para a prática, uma necessidade de maior treinamento, aquisição de conhecimento e desenvolvimento de habilidades2222 Feehan M, Durante R, Ruble J, Munger MA. Qualitative interviews regarding pharmacist prescribing in the community setting. Am J Health Syst Pharm 2016; 73(18):1456-1461.,2626 Isenor JE, Minard LV, Stewart SA, Curran JA, Deal H, Rodrigues G, Sketris IS. Identification of the relationship between barriers and facilitators of pharmacist prescribing and self-reported prescribing activity using the theoretical domains framework. Res Social Adm Pharm 2018; 14(8):784-791.,2929 Makowsky MJ, Guirguis LM, Hughes CA, Sadowski CA, Yuksel N. Factors influencing pharmacists' adoption of prescribing: qualitative application of the diffusion of innovations theory. Implement Sci 2013; 8:109.,3737 Schindel TJ, Yuksel N, Breault R, Daniels J, Varnhagen S, Hughes CA. Pharmacists' learning needs in the era of expanding scopes of practice: evolving practices and changing needs, Res Social Adm Pharm 2019; 15(4):448-458.. Essa necessidade pode não se mostrar homogênea, pois dependia do perfil do farmacêutico com relação ao número de anos na prática, ao ambiente da prática (comunidade ou hospital), à educação prévia e ao status de autorização para prescrição adicional3737 Schindel TJ, Yuksel N, Breault R, Daniels J, Varnhagen S, Hughes CA. Pharmacists' learning needs in the era of expanding scopes of practice: evolving practices and changing needs, Res Social Adm Pharm 2019; 15(4):448-458.. Nesse estudo canadense, os autores notaram que farmacêuticos com muito tempo de experiência (mais de 20 anos) e em ambiente de trabalho não-colaborativo (farmácia comunitária) relatavam com mais ênfase a necessidade de treinamento adicional.

Farmacêuticos recém-formados do Reino Unido, ainda sem registro e treinamento, demonstraram preocupação sobre sua própria competência para prescrição, ressaltando falta de habilidades diagnósticas, sentindo-se mais confortáveis com a prescrição no modelo dependente, que necessita de um pacto com um profissional médico3333 Mcintosh T, Stewart D. A qualitative study of UK pharmacy pre-registration graduates' views and reflections on pharmacist prescribing. Int J Pharm Pract 2016; 24(2):139-141..

A falta de estratégia organizacional que estimule a prescrição farmacêutica, o receio de um aumento de responsabilidade e da carga de trabalho eram apontados como barreiras à iniciação da prescrição. Somam-se a esses fatores a falta de financiamento específico para a atividade, a burocracia envolvendo o plano de gerenciamento clínico, a falta de apoio governamental das regionais de saúde e sua relutância em criar estímulos para a prática. Outro ponto citado foi a falta de conhecimento geral dos demais profissionais de saúde sobre a prática2828 Lloyd F, Parsons C, Hughes CM. 'It's showed me the skills that he has': pharmacists' and mentors' views on pharmacist supplementary prescribing. Int J Pharm Pract 2010; 18(1):29-36.,3333 Mcintosh T, Stewart D. A qualitative study of UK pharmacy pre-registration graduates' views and reflections on pharmacist prescribing. Int J Pharm Pract 2016; 24(2):139-141..

No estudo de Feehan et al.2222 Feehan M, Durante R, Ruble J, Munger MA. Qualitative interviews regarding pharmacist prescribing in the community setting. Am J Health Syst Pharm 2016; 73(18):1456-1461., os farmacêuticos que não tinham interesse em prescrever alegavam falta de treinamento, somado à preocupação quanto à reação de médicos e outros prestadores de cuidados de saúde, que poderiam não ser receptivos à prática, entendendo a prescrição farmacêutica como uma ameaça ao seu negócio e, de forma mais sutil, à sua posição profissional.

A falta de um ambiente de trabalho em equipe mostrava-se, para os farmacêuticos, uma barreira à iniciação da prescrição. Em um estudo com farmacêuticos recém autorizados a prescrever2828 Lloyd F, Parsons C, Hughes CM. 'It's showed me the skills that he has': pharmacists' and mentors' views on pharmacist supplementary prescribing. Int J Pharm Pract 2010; 18(1):29-36., os sujeitos acreditavam que os farmacêuticos hospitalares estavam em uma posição ideal para a prescrição dependente e enxergavam dificuldades de execução da prescrição na prática da farmácia comunitária, muito pela distância natural do prescritor independente e pela maior facilidade, no ambiente hospitalar, de acesso aos registros dos pacientes.

O conhecimento sobre a própria regulação da prescrição se faz relevante para a adoção da prática. No Canadá, como é preciso obter uma autorização para prescrever na modalidade independente na maioria das províncias, é fundamental que o farmacêutico saiba as condições para obtê-la. Mesmo assim, estudos observaram que a maioria dos farmacêuticos desconhecia certos pré-requisitos para obter a autorização de prescrição ou as práticas de prescrição possíveis2424 Hughes CA, Makowsky M, Sadowski CA, Schindel TJ, Yuksel N, Guirguis LM. What prescribing means to pharmacists: a qualitative exploration of practising pharmacists in Alberta. Int J Pharm Pract 2014; 22(4):283-291.,2929 Makowsky MJ, Guirguis LM, Hughes CA, Sadowski CA, Yuksel N. Factors influencing pharmacists' adoption of prescribing: qualitative application of the diffusion of innovations theory. Implement Sci 2013; 8:109..

Discussão

Esta é a primeira revisão de literatura escrita em português sobre a prescrição farmacêutica praticada no mundo. Foram exploradas as experiências e visões dos pacientes, bem como as opiniões do público geral, dos farmacêuticos, dos médicos e demais interessados em relação à prescrição farmacêutica, apresentando um caráter exploratório sobre a recepção da atividade por distintos públicos.

Outros trabalhos de revisão sobre o assunto55 Famiyeh IM, Mccarthy L. Pharmacist prescribing: a scoping review about the views and experiences of patients and the public. Res Social Adm Pharm 2017; 13(1):1-16.,66 Zhou M, Desborough J, Parkinson A, Douglas K, McDonald D, Boom K. Barriers to pharmacist prescribing: a scoping review comparing the UK, New Zealand, Canadian and Australian experiences. Int J Pharm Pract 2019; 27(6):479-489.,1616 Jebara T, Cunningham S, MacLure K, Awaisu A, Pallivalapila A, Stewart D. Stakeholders' views and experiences of pharmacist prescribing: a systematic review. Br J Clin Pharmacol 2018; 84(9):1883-1905.,3838 Cope LC, Abuzour AS, Tully MP. Nonmedical prescribing: where are we now? Ther Adv Drug Saf 2016; 7(4):165-172.

39 Noblet T, Marriott J, Graham-Clarke E, Rushton A. Barriers to and facilitators of independent non-medical prescribing in clinical practice: a mixed-methods systematic review. J Physiother 2017; 63(4):221-234.
-4040 Graham-Clarke E, Rushton A, Noblet T, Marriott J. Facilitators and barriers to non-medical prescribing - a systematic review and thematic synthesis. PLoS One 2018; 13(4):e0196471. foram publicados em outros idiomas. Essas revisões, de maneira geral, notaram que as barreiras para a implantação da prática da prescrição não-médica (incluindo farmacêutica) são multifatoriais e que, para a prática ser bem-sucedida, deve envolver todas as partes interessadas, em uma abordagem coordenada. Questões pessoais, de compreensão sobre qual sua “área de competência” e do relacionamento entre os profissionais de saúde, foram relevantes para a prescrição ocorrer. E o impacto da atividade prescritiva nas opiniões e resultados dos pacientes e nas opiniões dos médicos e outros profissionais de saúde era geralmente positivo.

Pode-se considerar que a literatura que aborda o assunto ainda é limitada aos países que regularizaram a prescrição farmacêutica há mais tempo e apresentam variedade maior na prática, como Reino Unido e Canadá. No Canadá, as possibilidades de prescrição farmacêutica diferem por província, e isso se refletiu nos resultados, com maior número de estudos na província de Alberta, onde a prática encontra-se mais avançada.

Esta revisão de literatura não encontrou artigos publicados com experiências brasileiras sobre o assunto. Essa ausência é um achado importante, que sinaliza uma ainda incipiente produção acadêmica nessa área no Brasil, o que provavelmente reflete uma prática não consolidada da prescrição farmacêutica no país. Essas afirmações encontram maior consistência quando os autores, de forma experimental (fora da coleta de dados aqui apresentados), aumentaram a amplitude da pesquisa (literatura cinzenta) para buscar artigos de experiências brasileiras. Ação que também não logrou êxito. A ausência de estudos a respeito da prática no Brasil faz com que sejam necessários estímulos para que ela ocorra, tornando a compreensão da prática em outros países um caminho possível para a exploração do tema.

Este estudo de revisão notou que os pacientes e o público geral (não-pacientes) costumam expressar diferentes visões sobre a expansão da atuação farmacêutica na prescrição2121 Famiyeh IM, Mackeigan L, Thompson A, Kuluski K, Mccarthy LM. Exploring pharmacy service users' support for and willingness to use community pharmacist prescribing services. Res Social Adm Pharm 2019; 15(5):575-583.

22 Feehan M, Durante R, Ruble J, Munger MA. Qualitative interviews regarding pharmacist prescribing in the community setting. Am J Health Syst Pharm 2016; 73(18):1456-1461.
-2323 Hobson RJ, Scott J, Sutton J. Pharmacists and nurses as independent prescribers: exploring the patient's perspective. Fam Pract 2010; 27(1):110-120.,2525 Irwin AN, Stewart OC, Nguyen VQ, Bzowyckyj AS. Public perception of pharmacist-prescribed self-administered non-emergency hormonal contraception: an analysis of online social discourse. Res Social Adm Pharm 2019; 15(6):650-655.,2727 Lane K, Bond C, Wright D, Alldred DP, Desborough J, Holland R, Hughes C, Poland F. "Everyone needs to understand each other's systems": stakeholder views on the acceptability and viability of a Pharmacist Independent Prescriber role in care homes for older people in the UK. Health Soc Care Community 2020; 28(5):1479-1487.,3131 Mccann LM, Haughey SL, ParSONS C, Lloyd F, Crealey G, Gormley GJ, HugheS CM. A patient perspective of pharmacist prescribing: 'crossing the specialisms-crossing the illnesses'. Health Expect 2015; 18(1):58-68.,3232 MacLure K, George J, Diack L, Bond C, Cunningham S, Stewart D. Views of the Scottish general public on non-medical prescribing. Int J Clin Pharm 2013; 35(5):704-710.. São favoráveis, de maneira geral, à prescrição, mas receosos quanto aos limites da prática, e muitas vezes desconhecem como ocorre a prescrição farmacêutica e a capacitação dos farmacêuticos para o ato2121 Famiyeh IM, Mackeigan L, Thompson A, Kuluski K, Mccarthy LM. Exploring pharmacy service users' support for and willingness to use community pharmacist prescribing services. Res Social Adm Pharm 2019; 15(5):575-583.

22 Feehan M, Durante R, Ruble J, Munger MA. Qualitative interviews regarding pharmacist prescribing in the community setting. Am J Health Syst Pharm 2016; 73(18):1456-1461.
-2323 Hobson RJ, Scott J, Sutton J. Pharmacists and nurses as independent prescribers: exploring the patient's perspective. Fam Pract 2010; 27(1):110-120.,2525 Irwin AN, Stewart OC, Nguyen VQ, Bzowyckyj AS. Public perception of pharmacist-prescribed self-administered non-emergency hormonal contraception: an analysis of online social discourse. Res Social Adm Pharm 2019; 15(6):650-655.,2727 Lane K, Bond C, Wright D, Alldred DP, Desborough J, Holland R, Hughes C, Poland F. "Everyone needs to understand each other's systems": stakeholder views on the acceptability and viability of a Pharmacist Independent Prescriber role in care homes for older people in the UK. Health Soc Care Community 2020; 28(5):1479-1487.,3131 Mccann LM, Haughey SL, ParSONS C, Lloyd F, Crealey G, Gormley GJ, HugheS CM. A patient perspective of pharmacist prescribing: 'crossing the specialisms-crossing the illnesses'. Health Expect 2015; 18(1):58-68.,3232 MacLure K, George J, Diack L, Bond C, Cunningham S, Stewart D. Views of the Scottish general public on non-medical prescribing. Int J Clin Pharm 2013; 35(5):704-710.. Notou-se que muito do desconhecimento da prática vinha da falta de vivência nesse atendimento com um farmacêutico3131 Mccann LM, Haughey SL, ParSONS C, Lloyd F, Crealey G, Gormley GJ, HugheS CM. A patient perspective of pharmacist prescribing: 'crossing the specialisms-crossing the illnesses'. Health Expect 2015; 18(1):58-68.,3232 MacLure K, George J, Diack L, Bond C, Cunningham S, Stewart D. Views of the Scottish general public on non-medical prescribing. Int J Clin Pharm 2013; 35(5):704-710..

O processo de consolidação de novas práticas profissionais pode se mostrar demorado. A profissão farmacêutica no mundo viveu profunda transformação histórica. A partir da expansão da industrialização dos medicamentos, a função tradicional de produzir o medicamento para o paciente praticamente deixou de existir e o farmacêutico precisou encontrar outro modelo de prática na farmácia comunitária. Essa nova e necessária direção da prática farmacêutica demorou a acontecer, mas hoje se afirma na proposta de tratar o paciente como o foco principal, em um esforço de proporcionar para o paciente resultados satisfatórios na saúde, melhorando sua qualidade de vida4141 Pereira LRL, Freitas O. A evolução da atenção farmacêutica e a perspectiva para o Brasil. Rev Bras Cienc Farm 2008; 44(4):601-612.,4242 Pereira ML, Nascimento MMG. Das boticas aos cuidados farmacêuticos: perspectivas do profissional farmacêutico. Rev Bras Farm 2011; 92(4): 245-252.. No contexto brasileiro, em que as demandas por atenção à saúde não são plenamente atendidas e a farmácia comunitária acaba por ocupar lugar como estabelecimento de saúde mais acessível à população, a automedicação e a indicação terapêutica tornaram-se práticas comuns4343 Naves JOS, Castro LLC, Carvalho CMS, Merchán-Hamann E. Automedicação: uma abordagem qualitativa de suas motivações. Cien Saude Colet 2010;15(1):1751-1762.. Uma transição de um cenário de automedicação e indicações informais de medicamentos por balconistas e farmacêuticos para uma prática documentada e profissional de prescrição farmacêutica representa um objetivo traçado pela regulação da prescrição farmacêutica no Brasil, com a resolução CFF n° 586/134444 Conselho Federal de Farmácia. Resolução nº 586 de 29 de agosto de 2013. Regula a prescrição farmacêutica e dá outras providências. Diário Oficial da União 2013; 26 set..

Neste estudo, pacientes e público geral tenderam a demonstrar mais apoio quando possuíam histórico de atendimento com um farmacêutico prescritor. A percepção desse público era de que: os farmacêuticos fornecem informações minuciosas; são acessíveis e didáticos; investem tempo para determinar o melhor tratamento e a segurança dos medicamentos; e são abertos a explicar o suficiente sobre a condição médica do paciente2121 Famiyeh IM, Mackeigan L, Thompson A, Kuluski K, Mccarthy LM. Exploring pharmacy service users' support for and willingness to use community pharmacist prescribing services. Res Social Adm Pharm 2019; 15(5):575-583.. Outras revisões também encontraram pontos de vistas e experiências positivas do mesmo grupo de sujeitos interessados, apontando: facilidade de acesso ao farmacêutico; melhores resultados do paciente; melhor uso das habilidades e conhecimentos dos farmacêuticos; boa comunicação com o farmacêutico prescritor; e redução da carga de trabalho do médico55 Famiyeh IM, Mccarthy L. Pharmacist prescribing: a scoping review about the views and experiences of patients and the public. Res Social Adm Pharm 2017; 13(1):1-16.,1616 Jebara T, Cunningham S, MacLure K, Awaisu A, Pallivalapila A, Stewart D. Stakeholders' views and experiences of pharmacist prescribing: a systematic review. Br J Clin Pharmacol 2018; 84(9):1883-1905..

Sobre a adesão do farmacêutico à prescrição, o que se notou na presente revisão é que ela não é homogênea, estando relacionada à percepção que esse profissional tem da própria atividade de prescrição, da percepção de seu papel profissional, das exigências que acredita haver para prescrever e do ambiente de trabalho onde está inserido.

Para Hughes et al.2424 Hughes CA, Makowsky M, Sadowski CA, Schindel TJ, Yuksel N, Guirguis LM. What prescribing means to pharmacists: a qualitative exploration of practising pharmacists in Alberta. Int J Pharm Pract 2014; 22(4):283-291., o conceito de prescrição farmacêutica é relativamente novo e pode exigir uma redefinição da identidade profissional. Assim, à medida que mais farmacêuticos expandem sua prática dentro do contexto das estruturas legislativas, é bem possível que suas visões sobre prescrição e identidade profissional também evoluam.

Barreiras relacionadas ao ambiente de trabalho (tempo adequado, estrutura da farmácia, garantia de privacidade e acesso a dados), regulação (preocupações relacionadas à responsabilidade) e apoio de outros profissionais (relacionamento farmacêutico-médico) estavam presentes. Barreiras semelhantes foram identificadas em revisão feita por Zhou et al.66 Zhou M, Desborough J, Parkinson A, Douglas K, McDonald D, Boom K. Barriers to pharmacist prescribing: a scoping review comparing the UK, New Zealand, Canadian and Australian experiences. Int J Pharm Pract 2019; 27(6):479-489.

Apesar das barreiras descritas, os farmacêuticos, quando prescreviam, viam efeitos muito positivos para sua satisfação profissional, para a qualidade do atendimento farmacêutico-paciente e para a melhoria da assistência à saúde. Para Lloyd et al.2828 Lloyd F, Parsons C, Hughes CM. 'It's showed me the skills that he has': pharmacists' and mentors' views on pharmacist supplementary prescribing. Int J Pharm Pract 2010; 18(1):29-36., exercer a prescrição gera transformação na confiança do farmacêutico e no contato com o paciente, com melhorias percebidas na continuidade, qualidade e segurança do atendimento.

A investigação de barreiras à execução de uma prática inovadora em uma profissão tradicional é essencial para traçar caminhos de estímulo à sua prática. Como argumentam Batra et al.4545 Batra P, Rafie S, Zhang Z, Singh AV, Bird CE, Sridhar A, Sullivan JG. An evaluation of the implementation of pharmacist-prescribed hormonal contraceptives in California. Obstet Gynecol 2018; 131(5):850-855., uma única mudança legislativa pode não ser suficiente para alterar a prática de forma eficaz e rápida. Então é preciso conhecer as particularidades da adesão à prática para desenhar estratégias de superação.

Quanto ao ambiente de prática, esta pesquisa observou que naqueles onde o farmacêutico trabalha em parceria com outros profissionais de saúde, especialmente médicos, a prescrição farmacêutica acontece com maior fluidez, em geral de forma colaborativa. Já os farmacêuticos que trabalham de maneira independente costumam sentir maior dificuldade e receio de prescrever. Para Weiss e Sutton4646 Weiss MC, Sutton J. The changing nature of prescribing: pharmacists as prescribers and challenges to medical dominance. Sociol Health Illn 2009; 31(3):406-421., mesmo com a autorização para prescrever, farmacêuticos podem se enxergar como subordinados dentro de uma hierarquia dominada pela medicina, buscando uma aprovação do médico antes de prescrever medicamentos.

Foi comum os farmacêuticos manifestarem demanda por mais treinamento e capacitação, seja para começar a prescrever ou prescrever de maneira independente. Quando os entrevistados sentiam que tinham as habilidades necessárias para a atividade, eram mais propensos a fazê-la.

Quando mostram o receio de farmacêuticos iniciarem a prescrição2626 Isenor JE, Minard LV, Stewart SA, Curran JA, Deal H, Rodrigues G, Sketris IS. Identification of the relationship between barriers and facilitators of pharmacist prescribing and self-reported prescribing activity using the theoretical domains framework. Res Social Adm Pharm 2018; 14(8):784-791.,3333 Mcintosh T, Stewart D. A qualitative study of UK pharmacy pre-registration graduates' views and reflections on pharmacist prescribing. Int J Pharm Pract 2016; 24(2):139-141., os resultados servem de alerta para uma reorganização dos programas educacionais de formação de graduação para a profissão. É necessário que preparem o farmacêutico com habilidades clínicas e gerenciais que o capacitem para propor a implementação de novos serviços farmacêuticos, como a prescrição dentro das organizações em que trabalharão. Farmacêuticos motivados a aplicar seus conhecimentos e habilidades proporcionarão aumento no apoio da sociedade, dos outros profissionais de saúde e da própria categoria farmacêutica à atividade prescrita.

McIntosh et al.3333 Mcintosh T, Stewart D. A qualitative study of UK pharmacy pre-registration graduates' views and reflections on pharmacist prescribing. Int J Pharm Pract 2016; 24(2):139-141., observando o cenário no Reino Unido, sugerem como provável caminho uma revisão da formação de farmacêuticos e do treinamento de pré-registro para um possível programa integrado que leve à graduação e ao registro, promovendo uma contextualização da aprendizagem de forma mais clinicamente focada.

Nos EUA, onde a prescrição é majoritariamente dependente, a expansão da prescrição tem acontecido com rapidez, de maneira variável a depender do estado e com novos modelos de prática4747 Adams AJ. Pharmacist prescriptive authority: lessons from Idaho. Pharmacy (Basel) 2020; 8(3):112.. Esse avanço é acompanhado pelo desejo da categoria profissional, que manifesta o interesse em exercer a atividade4848 Vu K, Rafie S, Grindlay K, Gutierrez H, Grossman D. Pharmacist intentions to prescribe hormonal contraception following new legislative authority in California. J Pharm Pract 2019; 32(1):54-61.. Adams et al.1313 Adams AJ, Weaver KK. The continuum of pharmacist prescriptive authority. Ann Pharmacother 2016; 50(9):778-784. acreditam que, à medida que o público e outros prestadores de serviços de saúde se acostumarem mais com a ideia de prescrição farmacêutica, modelos de prescrição independente (pouco comuns nos EUA) se tornarão mais amplamente utilizados para uma gama mais ampla de medicamentos.

O apoio condicional dos médicos à modalidade da prescrição farmacêutica tornava propício a existência de conflito de narrativas, o que foi visualizado em um estudo3535 Pojskic N, Mackeigan L, Boon H, Austin Z. Initial perceptions of key stakeholders in Ontario regarding independent prescriptive authority for pharmacists. Res Social Adm Pharm 2014; 10(2):341-354. que aponta confronto nas visões da Associação Farmacêutica de Ontário e da Associação Médica de Ontário. Enquanto os representantes e os documentos da associação médica se opunham à prescrição farmacêutica, argumentando que colocaria em risco a segurança do paciente, em contraste, documentos das organizações farmacêuticas argumentavam justamente o contrário. Esse tipo de conflito também foi apontado em estudos em outros países que buscam a expansão da autoridade prescritiva do farmacêutico22 Hoti K, Hughes J, Sunderland B. An expanded prescribing role for pharmacists - an Australian perspective. Australas Med J 2011; 4(4):236-242..

Uma limitação do presente estudo diz respeito à escolha dos idiomas inglês, português e espanhol, pois, apesar de proporcionarem uma busca abrangente, podem não ter contemplado materiais publicados em outros idiomas nas bases. Outra limitação é a não ampliação dos textos para além dos que foram encontrados nas plataformas de pesquisa, porém essa medida foi necessária diante do objetivo do estudo. Por fim, é também importante considerar que, apesar do esforço de considerar bases de dados de grande relevância na área de pesquisa em saúde, a estratégia metodológica adotada não pressupõe uma revisão exaustiva de todos os artigos já produzidos sobre o assunto.

Considerações finais

Diante da literatura científica encontrada a partir desta revisão, pode-se concluir que existe uma variedade de percepções das partes interessadas sobre a prescrição farmacêutica. O público em geral costuma mostrar desconhecimento a respeito da prática, com apoio variado. A atividade da prescrição farmacêutica foi regulada há mais de dez anos no Reino Unido e no Canadá, mas ainda é desconhecida para grande parte de sua população. Sendo assim, entende-se que um tempo maior é necessário para que uma nova prática seja de amplo conhecimento da população.

Os estudos mostraram que a prescrição farmacêutica em geral é aceita na prática, mas não amplamente prevalente. Em grande parte, isso pode ser atribuído a barreiras logísticas e organizacionais. Embora os farmacêuticos estejam sendo treinados como prescritores, as mudanças estruturais e organizacionais necessárias para apoiar essa mudança não aconteceram em conjunto. Para aumentar a difusão dessa inovação prática, uma reorganização radical das estruturas tradicionais pode ser considerada.

Os resultados deste estudo mostram que avanços na área da prescrição farmacêutica são recentes e já significativos, mas que a categoria profissional farmacêutica ainda está diante de grandes e inúmeros desafios para consolidar a prática no campo da atenção à saúde. Estudos que objetivem conhecer as barreiras de aceitação e da adesão à prática da prescrição farmacêutica são fundamentais para o direcionamento de ações educativas que visem contornar essas dificuldades. Por ser uma inovação em saúde, é esperada uma resistência natural à mudança, em um campo tão tradicional quanto a assistência à saúde. A vantagem que os farmacêuticos possuem nesse campo é a confiança da população na provisão de atividades clínicas que envolvam o acompanhamento farmacêutico.

Apesar de os resultados não mostrarem pesquisas executadas no Brasil, o conhecimento da experiência internacional é extremamente válido para antecipar cenários possíveis no país. Destaca-se, também, que mais estudos são necessários para que seja possível conhecer com mais profundidade a prática da prescrição farmacêutica nos países que a adotaram.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Set 2022

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2021
  • Aceito
    26 Maio 2022
  • Publicado
    28 Maio 2022
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