Resumo
O objetivo deste artigo é analisar a associação entre a autoavaliação de saúde dos professores e as condições que eles encontram para trabalhar nas escolas da Educação Básica no Brasil. Estudo transversal, realizado entre 2015 e 2016, representativo dos professores da Educação Básica do País, cuja variável desfecho foi a autoavaliação de saúde (AAS). As variáveis explicativas foram as características relacionadas ao trabalho. Para avaliar os fatores associados à AAS foi utilizado o Modelo de Regressão Logística de Chances Proporcionais. A prevalência de AAS ruim foi de 27%. A probabilidade de pior AAS foi significativamente maior para o grupo que informou episódios de violência verbal (OR=1,26; IC95% 1,09-1,44), pressão laboral (OR=1,18; IC95% 1,04-1,33), e deslocamento para escola superior a 50 minutos (OR=1,19; IC95% 1,03-1,38). A probabilidade de pior AAS foi significativamente menor para aqueles que relataram dispor de tempo suficiente para cumprir suas tarefas (OR=0,77; IC95% 0,64-0,92), apoio social (OR=0,79; IC95% 0,69-0,89) e satisfação com o próprio trabalho (OR=0,79; IC95% 0,69-0,91). Ações sobre o ambiente e a organização escolar e melhorias no transporte dos professores para o trabalho são desejáveis.
Key words:
School Teachers; Occupational exposure; Diagnostic self-evaluation; Occupational Health; Primary and Secondary Education
Abstract
The scope of this article is to analyze the association between teachers’ self-rated health and the conditions in which they work in Basic Education schools in Brazil. It involved a cross-sectional study, carried out between 2015 and 2016, representative of Basic Education teachers in the country, the outcome variable of which was self-rated health (SRH). The explanatory variables were the work-related characteristics. To assess the factors associated with SRH, the Proportional Odds Logistic Regression Model was used. The prevalence of poor SRH was 27%. The probability of poor SRH was significantly higher for the group that reported episodes of verbal violence (OR=1.26; 95%CI 1.09-1.44), work pressure (OR=1.18; 95%CI 1, 04-1.33), and a commute to school of more than 50 minutes (OR=1.19; 95%CI 1.03-1.38). The probability of poor SRH was significantly better for those who reported having enough time to complete their tasks (OR=0.77; 95%CI 0.64-0.92), social support (OR=0.79; 95%CI 0.69-0.89) and satisfaction with their workload (OR=0.79; 95%CI 0.69-0.91). Actions on the school environment and organization and improvements in the transport of teachers to work are desirable.
Key words:
School Teachers; Occupational exposure; Diagnostic self-evaluation; Occupational Health; Primary and Secondary Education
Introdução
Autoavaliação de saúde (AAS) sintetiza a percepção do indivíduo sobre a sua própria saúde. É um indicador validado e amplamente utilizado em inquéritos epidemiológicos, porque fornece informações valiosas não capturadas por medidas objetivas11 Fylkesnes K, Jakobsen MD, Henriksen NO. The value of general health perception in health equity research: A community-based cohort study of long-term mortality risk (Finnmark cohort study 1987-2017). SSM Popul Health 2021; 15:100848.,22 DeSalvo KB, Bloser N, Reynolds K, He J, Muntner P. Mortality prediction with a single general self-rated health question. A meta-analysis. J Gen Intern Med 2006; 21(3):267-275.. Formulado com base na resposta a uma única e simples questão - “Em geral, você diria que a sua saúde é” -, a capacidade desse indicador predizer eventos futuros, principalmente morbimortalidade33 Lorem G, Cook S, Leon DA, Emaus N, Schirmer H. Self-reported health as a predictor of mortality: A cohort study of its relation to other health measurements and observation time. Sci Rep 2020; 10:4886., é reconhecida por inúmeros autores44 Nappo N. Is there an association between working conditions and health? An analysis of the Sixth European Working Conditions Survey data. PLoS One 2019; 14(2):e0211294.. Sabe-se que doenças e capacidade funcional são os principais determinantes da autoavaliação de saúde. Também são robustas as evidências sobre a relação com fatores econômicos, psicológicos e sociais44 Nappo N. Is there an association between working conditions and health? An analysis of the Sixth European Working Conditions Survey data. PLoS One 2019; 14(2):e0211294..
A categoria dos professores da Educação Básica brasileira é numerosa e bastante heterogênea no que se refere às condições de trabalho, quando se consideram o tipo de escola, o nível do ensino e o perfil dos alunos distribuídos no território brasileiro. Além disso, é considerada uma das categorias profissionais mais estressantes, resultado de intensa desvalorização profissional, precarização do trabalho, exacerbação do volume de tarefas55 Codo W. Educação: carinho e trabalho. 4ª ed. Petrópolis: Vozes; 2006.. Em consequência disso, percebe-se inúmeros afastamentos, faltas no trabalho, menor produtividade e abandono da docência66 Benevides-Pereira AMT. Burnout: quando o trabalho ameaça o bem-estar do trabalhador. 4ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2010.. Déficits organizacionais e incoerência das condições que os professores encontram para trabalhar em relação às exigências dos projetos educacionais foram anteriormente problematizados77 Assunção AÁ. Saúde dos professores da Educação Básica no Brasil. Cad Saude Publica 2019; 35(1):1-3.
8 Pereira ÉF, Teixeira CS, Andrade RD, Bleyer FTS, Lopes AS. Associação entre o perfil de ambiente e condições de trabalho com a percepção de saúde e qualidade de vida em professores de educação básica. Cad Saude Colet 2014; 22(2):113-119.-99 Cezar-Vaz MR, Bonow CA, Almeida MCV, Rocha LP, Borges AM. Mental health of elementary schoolteachers in southern brazil: working conditions and health consequences. ScientificWorldJournal 2015; 2015:1-6.. Hipóteses sobre efeitos dessas condições de trabalho na saúde se mantêm presentes na literatura1010 Assunção AA, Medeiros AM, Claro RM, Vieira MT, Maia EG, Andrade JM. Hipóteses, delineamento e instrumentos do Estudo Educatel, Brasil, 2015/2016. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00108618.
11 Santos MN, Marques AC. Condições de saúde, estilo de vida e características de trabalho de professores de uma cidade do sul do Brasil. Cien Saude Colet 2013; 18(3):837-846.-1212 Silva JP, Fischer FM. Multiform invasion of life by work among basic education teachers and repercussions on health. Rev Saude Publica 2020; 54:3.. Porém, há escassez de estudos com amostras mais abrangentes e resultados sobre AAS nesse grupo ocupacional, que abordem prevalência de adoecimento em professores da Educação Básica e fatores associados ao desfecho investigado.
O presente estudo sobre AAS dos professores da Educação Básica focaliza a associação desse indicador com carga de trabalho1313 Birolim MM, Mesas AE, González AD, Santos HG, Haddad MCFL, Andrade SM. Trabalho de alta exigência entre professores: associações com fatores ocupacionais conforme o apoio social. Cien Saude Colet 2019; 24(4):1255-1264., aspectos psicossociais1414 Koga GKC, Melanda FN, Santos HG, Sant'Anna FL, González AD, Mesas AE, Andrade SM. Fatores associados a piores níveis na escala de Burnout em professores da educação básica. Cad Saude Colet 2015; 23(3):268-275. e ambientais do trabalho nas escolas brasileiras88 Pereira ÉF, Teixeira CS, Andrade RD, Bleyer FTS, Lopes AS. Associação entre o perfil de ambiente e condições de trabalho com a percepção de saúde e qualidade de vida em professores de educação básica. Cad Saude Colet 2014; 22(2):113-119., uma vez que muitos desfechos negativos à saúde dos professores podem estar relacionados às condições que eles encontram no trabalho88 Pereira ÉF, Teixeira CS, Andrade RD, Bleyer FTS, Lopes AS. Associação entre o perfil de ambiente e condições de trabalho com a percepção de saúde e qualidade de vida em professores de educação básica. Cad Saude Colet 2014; 22(2):113-119.. A evidência empírica sobre os efeitos das condições de trabalho na saúde provém de dois modelos bastante referenciados nos estudos contemporâneos: “demanda-controle-suporte” e o “modelo desequilíbrio esforço-recompensa”. Esses modelos foram desenvolvidos por Karasek1515 Karasek RA. Job demands, job decision latitude, and mental strain: Implications for job redesign. Adm Sci Q 1979; 24(2):285-308.; Karasek e Theorell1616 Karesek R, Theorell T. Healthy work. Stress, productivity and the reconstruction of work life. New York: Basic Books; 1990. e Siegrist1717 Siegrist J. Adverse health effects of high-effort/low-reward conditions. J Occup Psychol 1996; 1(1):27-41., que estudaram os efeitos das condições de trabalho na saúde individual. Grupos empregados em setores mais exigentes física e psicossocialmente apresentam resultados de saúde menos favoráveis1515 Karasek RA. Job demands, job decision latitude, and mental strain: Implications for job redesign. Adm Sci Q 1979; 24(2):285-308.. Neste contexto, ressalta-se a categoria dos professores da Educação Básica brasileira, estudada pelo Educatel1010 Assunção AA, Medeiros AM, Claro RM, Vieira MT, Maia EG, Andrade JM. Hipóteses, delineamento e instrumentos do Estudo Educatel, Brasil, 2015/2016. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00108618., cujos dados permitiram explorar hipóteses relacionadas aos modelos citados, uma vez disponíveis informações detalhadas sobre uma ampla gama de questões, incluindo exposição a riscos físicos e psicossociais, organização do trabalho, equilíbrio entre vida pessoal e profissional e diferentes medidas de saúde tais como a AAS.
O objetivo foi analisar a associação entre a autoavaliação de saúde dos professores e as condições que eles encontram para trabalhar nas escolas da Educação Básica no Brasil.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal, com dados provenientes da Pesquisa Nacional sobre Saúde, Condições de Trabalho e Faltas dos Professores nas Escolas da Educação Básica - Educatel Brasil 2015/2016. Inquérito ocupacional representativo dos professores da Educação Básica brasileira, com base nos dados do Censo Escolar de 20141818 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo Escolar [Internet]. [acessado 2018 ago 29]. Disponível em: http://inep.gov.br/web/guest/censo-escolar.
http://inep.gov.br/web/guest/censo-escol... que apontou uma população total de 2.229.269 professores.
Processo de seleção dos participantes
O estudo foi realizado entre o último trimestre de 2015 e o primeiro trimestre de 2016, por meio de entrevista telefônica assistida por computador. Para tanto, foi realizada a amostragem estratificada seguida de seleção aleatória simples em cada um dos estratos combinados. Estes estratos foram definidos segundo as grandes regiões (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul), área censitária (urbana ou rural), faixas etárias, sexo, dependência administrativa (escola pública ou privada), tipos de vínculo empregatício e etapas/modalidade de ensino. Para cada domínio foram estimadas perdas baseando-se ainda nos dados do Censo Escolar de 20141818 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo Escolar [Internet]. [acessado 2018 ago 29]. Disponível em: http://inep.gov.br/web/guest/censo-escolar.
http://inep.gov.br/web/guest/censo-escol... .
Considerando os objetivos do estudo, o cálculo do tamanho amostral do Educatel foi elaborado considerando: nível de 95% de confiança; 38% de prevalência de pelo menos um episódio de absenteísmo; 0,99% de margem de erro para estimativa desta prevalência; 20% de taxa de não entrevista devido à recusa ou outras formas de não resposta; 20% de taxa de não aplicação do questionário devido a problemas no cadastro; e correção para populações finitas1919 Vieira MT, Claro RM, Assunção AA. Desenho da amostra e participação no Estudo Educatel. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00167217.. Para assegurar a realização do estudo, foi calculado um tamanho amostral de 13.243, almejando um número mínimo de 6.500 participantes. Foram excluídos aqueles que não estavam mais atuando em sala de aula naquele período e os que não responderam após 15 tentativas realizadas em horários e dias diferentes (inclusive nos finais de semana e período noturno). Foram excluídos ainda aqueles professores cujas escolas não tinham telefone ou o tinham inoperante.
Questionário do Educatel
Para a construção do questionário foram utilizadas escalas validadas como a Job Stress Scale (JSS)2020 Alves MGM, Chor D, Faerstein E, Lopes CS, Werneck GL. Versão resumida da "job stress scale": adaptação para o português. Rev Saude Publica 2004; 38:164-171. parcialmente incorporada e a escala da atividade física adotada no Estudo Vigilância de Fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico (Vigitel)2121 Santos SMM, Maia EG, Claro RM, Medeiros AM. Limitação do uso da voz na docência e a prática de atividade física no lazer: Estudo Educatel, Brasil, 2015/2016. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00188317.. Considerando a homogeneidade da população alvo quanto à escolaridade, não foram realizadas adaptações linguísticas específicas das regiões. Vários testes foram feitos para verificar a terminologia empregada, formato das questões, organização e duração da entrevista, confirmando-se a validade das respostas. A versão final do questionário foi constituída por 54 perguntas curtas e simples, em sua maioria com respostas preestabelecidas1010 Assunção AA, Medeiros AM, Claro RM, Vieira MT, Maia EG, Andrade JM. Hipóteses, delineamento e instrumentos do Estudo Educatel, Brasil, 2015/2016. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00108618.. Bases, conteúdo e estrutura do questionário foram objeto do Manual Explicativo do Educatel2222 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Análise dos condicionantes de saúde e situação do absenteísmo doença em professores da Educação Básica no Brasil: manual explicativo do questionário. Belo Horizonte: UFMG; 2016..
Coleta de dados do Educatel
As entrevistas foram realizadas no período entre outubro de 2015 a março de 2016. Para tanto, foram feitas 119.378 ligações telefônicas, com uma média de 19 ligações para se completar cada entrevista, cujo tempo médio foi de 12 minutos1919 Vieira MT, Claro RM, Assunção AA. Desenho da amostra e participação no Estudo Educatel. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00167217.. Por meio destas ligações foi possível identificar 7.642 professores elegíveis (57,7% do total inicialmente sorteado).
A equipe responsável pela execução das entrevistas foi composta por 30 entrevistadores previamente treinados e um supervisor geral. Primeiramente o professor era contatado por meio do telefone da escola onde lecionava. Ao certificar-se que o professor era elegível para a pesquisa, a entrevista se iniciava ou era agendada conforme disponibilidade do professor. As respostas das questões eram armazenadas imediatamente com auxílio de uma ferramenta digital produzida para o estudo, que possibilitou agilidade no processo e limitação de possíveis erros1010 Assunção AA, Medeiros AM, Claro RM, Vieira MT, Maia EG, Andrade JM. Hipóteses, delineamento e instrumentos do Estudo Educatel, Brasil, 2015/2016. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00108618..
Mais detalhes sobre o delineamento amostral e outros aspectos metodológicos podem ser consultados em outra publicação1919 Vieira MT, Claro RM, Assunção AA. Desenho da amostra e participação no Estudo Educatel. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00167217..
Variáveis
A seleção de variáveis foi embasada no modelo proposto por Meireles et al.2323 Meireles AL, Xavier CC, Andrade ACS, Friche AAL, Proietti FA, Caiaffa WT. Self-rated health in urban adults, perceptions of the physical and social environment, and reported comorbidities: The BH Health Study. Cad Saude Publica 2015; 31(Supl. 1):120-135. sobre fatores associados à AAS. A essa formulação foram incluídas variáveis psicossociais no trabalho amparadas em Karasek1515 Karasek RA. Job demands, job decision latitude, and mental strain: Implications for job redesign. Adm Sci Q 1979; 24(2):285-308.. Questões específicas do trabalho do professor de Alcantara et al.2424 Alcantara MA, Medeiros AM, Claro RM, Vieira MT. Determinantes de capacidade para o trabalho no cenário da Educação Básica do Brasil: Estudo Educatel, 2016. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00179617. orientaram a inclusão de variáveis nesse âmbito. Portanto, adaptado destes referenciais1515 Karasek RA. Job demands, job decision latitude, and mental strain: Implications for job redesign. Adm Sci Q 1979; 24(2):285-308.,2323 Meireles AL, Xavier CC, Andrade ACS, Friche AAL, Proietti FA, Caiaffa WT. Self-rated health in urban adults, perceptions of the physical and social environment, and reported comorbidities: The BH Health Study. Cad Saude Publica 2015; 31(Supl. 1):120-135.,2424 Alcantara MA, Medeiros AM, Claro RM, Vieira MT. Determinantes de capacidade para o trabalho no cenário da Educação Básica do Brasil: Estudo Educatel, 2016. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00179617., propôs-se o modelo conceitual representado na Figura 1. Vale destacar que as características individuais, sociodemográficas e de saúde foram consideradas variáveis de ajuste nas análises realizadas na presente pesquisa.
Modelo conceitual de entrada hierarquizada dos fatores e condições associados à autoavaliação de saúde dos professores da educação básica brasileira.
Variável desfecho
A variável desfecho foi a AAS obtida pela pergunta: “Em geral, você diria que a sua saúde é: muito ruim, ruim, regular, boa ou muito boa?”. Considerando a frequência de distribuição dos dados, as respostas foram organizadas em três categorias de resposta: AAS ruim (muito ruim, ruim e regular), boa e muito boa. Optou-se por agregar as categorias com menores frequências de resposta na amostra (muito ruim, ruim e regular) e manter as categorias boa e muito boa separadamente, para preservar o caráter ordinal da variável.
Variáveis explicativas
O bloco “Características Individuais e Sociodemográficas” do modelo conceitual (Figura 1) abarca variáveis de ajuste: sexo (masculino/feminino), idade (18 a 39 anos/40 anos ou mais)1818 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo Escolar [Internet]. [acessado 2018 ago 29]. Disponível em: http://inep.gov.br/web/guest/censo-escolar.
http://inep.gov.br/web/guest/censo-escol... , cor da pele (branca/preta ou parda/outras), estado conjugal (com parceiro/sem parceiro)2121 Santos SMM, Maia EG, Claro RM, Medeiros AM. Limitação do uso da voz na docência e a prática de atividade física no lazer: Estudo Educatel, Brasil, 2015/2016. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00188317.,2525 Szwarcwald CL, Damacena GN, Souza Júnior PRB, Almeida WS, Lima LTM, Malta DC, Stopa SR, Vieira MLFP, Pereira CA. Determinantes da autoavaliação de saúde no Brasil e a influência dos comportamentos saudáveis: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(2):33-44.,2626 Abreu MNS, Siqueira AL, Caiaffa WT. Ordinal logistic regression in epidemiological studies. Rev Saude Publica 2009; 43:183-194., escolaridade (até ensino médio/superior)1818 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo Escolar [Internet]. [acessado 2018 ago 29]. Disponível em: http://inep.gov.br/web/guest/censo-escolar.
http://inep.gov.br/web/guest/censo-escol... , remuneração (<2/2 a 3/>3 salários-mínimos), filho(s) (sim/não), tabagismo (sim/não) e atividade física ao lazer (insuficientemente ativo/suficientemente ativo)2121 Santos SMM, Maia EG, Claro RM, Medeiros AM. Limitação do uso da voz na docência e a prática de atividade física no lazer: Estudo Educatel, Brasil, 2015/2016. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00188317.,2525 Szwarcwald CL, Damacena GN, Souza Júnior PRB, Almeida WS, Lima LTM, Malta DC, Stopa SR, Vieira MLFP, Pereira CA. Determinantes da autoavaliação de saúde no Brasil e a influência dos comportamentos saudáveis: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(2):33-44.,2626 Abreu MNS, Siqueira AL, Caiaffa WT. Ordinal logistic regression in epidemiological studies. Rev Saude Publica 2009; 43:183-194., grandes regiões (Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste) e área censitária (urbana/rural)1818 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo Escolar [Internet]. [acessado 2018 ago 29]. Disponível em: http://inep.gov.br/web/guest/censo-escolar.
http://inep.gov.br/web/guest/censo-escol... . A variável prática de atividade física no lazer foi analisada e classificada de acordo com o modelo adotado em Santos et al.2121 Santos SMM, Maia EG, Claro RM, Medeiros AM. Limitação do uso da voz na docência e a prática de atividade física no lazer: Estudo Educatel, Brasil, 2015/2016. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00188317..
Ainda como variáveis de ajuste, no bloco “Características de Saúde”, foram alocadas as variáveis relacionadas à saúde2727 Assunção AA, Abreu MNS. Pressão laboral, saúde e condições de trabalho dos professores da Educação Básica no Brasil. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00169517.: falta por motivos de saúde, doença ocupacional, licença médica, perda de sono por preocupações e uso de medicamento ansiolítico e/ou antidepressivo (para todas, as opções de resposta foram categorizadas em sim/não).
As variáveis explicativas de interesse principal foram as “Características do Trabalho”, que compõem o primeiro bloco, mais distal, subdividido em três grupos: “Carga Atual de Trabalho”, “Condições Psicossociais do Trabalho” e “Condições do Ambiente de Trabalho e Contexto Escolar”2424 Alcantara MA, Medeiros AM, Claro RM, Vieira MT. Determinantes de capacidade para o trabalho no cenário da Educação Básica do Brasil: Estudo Educatel, 2016. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00179617.,2525 Szwarcwald CL, Damacena GN, Souza Júnior PRB, Almeida WS, Lima LTM, Malta DC, Stopa SR, Vieira MLFP, Pereira CA. Determinantes da autoavaliação de saúde no Brasil e a influência dos comportamentos saudáveis: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(2):33-44.,2727 Assunção AA, Abreu MNS. Pressão laboral, saúde e condições de trabalho dos professores da Educação Básica no Brasil. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00169517..
“Carga Atual de Trabalho” englobou quatro variáveis: tempo de serviço; carga horária semanal, ambas questões quantitativas mensuradas em anos e horas respectivamente; exercício de outra atividade remunerada (sim/não) e multiemprego (trabalha em mais de uma escola) (sim/não).
“Condições Psicossociais do Trabalho” agrupam tempo para cumprir as tarefas (sim/não); apoio social (sim/não); satisfação com o trabalho (sim/não); e pressão laboral (sim/não). Quanto à última diz respeito à pressão sofrida para comparecer ao trabalho quando enfermo. Apoio social integra esse grupo, se referindo a uma dimensão do instrumento JSS, cujos itens avaliados investigam se há um ambiente calmo e agradável no trabalho, bom relacionamento, apoio, compressão e afeição entre pares2020 Alves MGM, Chor D, Faerstein E, Lopes CS, Werneck GL. Versão resumida da "job stress scale": adaptação para o português. Rev Saude Publica 2004; 38:164-171..
No bloco “Condições do Ambiente de Trabalho e Contexto Escolar” foram incluídas as variáveis: ruído intenso (sim/não); indisciplina dos alunos (sim/não); violência física (sim/não); violência verbal (sim/não); dependência administrativa da escola (pública/privada)1818 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo Escolar [Internet]. [acessado 2018 ago 29]. Disponível em: http://inep.gov.br/web/guest/censo-escolar.
http://inep.gov.br/web/guest/censo-escol... ; número de alunos por professor (até 30/mais de 30)1818 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo Escolar [Internet]. [acessado 2018 ago 29]. Disponível em: http://inep.gov.br/web/guest/censo-escolar.
http://inep.gov.br/web/guest/censo-escol... ; tempo de deslocamento casa/trabalho (mensurada em minutos).
Análises estatísticas
Para análise dos dados foi utilizado o programa estatístico Stata Statistical Software: Release 16 (STATA), versão 12.0. Inicialmente foi realizada a análise descritiva de todas as variáveis estudadas, considerando as ponderações impostas pelo delineamento amostral complexo (comando svy). Para avaliar os fatores e condições associados à AAS, considerando a natureza ordinal da variável desfecho, foi utilizado o Modelo de Chances Proporcionais tanto uni quanto multivariado, que fornece uma única estimativa de Odds Ratio (OR) para todas as categorias comparadas, segundo o pressuposto de chances proporcionais2727 Assunção AA, Abreu MNS. Pressão laboral, saúde e condições de trabalho dos professores da Educação Básica no Brasil. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00169517.. Para testar se esta suposição é válida, ou seja, se há homogeneidade da razão de chances, foi aplicado em todas as variáveis explicativas o teste de regressão paralela, ou teste de linhas paralelas (teste escore), no qual a hipótese nula é de que as razões de chances são homogêneas.
O modelo de chances proporcionais compara a probabilidade de uma resposta igual ou menor a uma determinada categoria, com probabilidade de uma resposta maior que esta categoria. Neste caso, o modelo realiza duas comparações: primeiro compara a probabilidade de uma categoria menor que 2 (AAS ruim) com a probabilidade de uma categoria maior ou igual a 2 (AAS muito boa e AAS boa). Em seguida compara a probabilidade de uma categoria menor ou igual a 2 (AAS ruim e AAS boa) com a probabilidade de uma categoria maior que 2 (AAS muito boa). Dessas comparações é estimado um OR único que representa uma média ponderada dos OR calculados em cada comparação, sob a suposição de chances proporcionais2020 Alves MGM, Chor D, Faerstein E, Lopes CS, Werneck GL. Versão resumida da "job stress scale": adaptação para o português. Rev Saude Publica 2004; 38:164-171.. A interpretação do valor de OR único estimado pelo modelo representa a probabilidade do indivíduo exposto a determinado fator estar em uma categoria de pior AAS.
Foram incluídas no modelo multivariado todas as variáveis com valor-p menor que 0,20 na análise univariada. O processo de modelagem foi realizado de forma hierarquizada, por meio de blocos, considerando o modelo conceitual apresentado na Figura 1. Utilizou-se a técnica backward para retirada das variáveis do modelo e permaneceram no modelo final somente as variáveis significativas ao nível de 5%. Foram estimados os valores de OR, com os respectivos Intervalos de Confiança de 95% (IC95%) em ambas as fases de análise (univariada e multivariada).
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi obtido de forma oral no momento do contato telefônico com os entrevistados. No TCLE estavam explicitados o tema, objetivo da pesquisa, a confidencialidade dos dados cuja utilização é única e exclusivamente para fins técnico-científicos. O Educatel foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais (CAAE: 48129115.0.0000.5149).
Resultados
Foram realizadas 6.510 entrevistas (85,2% de taxa de resposta) em 5.737 escolas em todo o Brasil. A prevalência de AAS ruim foi de 27%. Quase metade dos participantes do estudo (49,5%) avaliaram como “boa” sua própria saúde e 23,5% classificaram sua saúde como muito boa.
Com relação às características individuais e sociodemográficas, conforme pode ser observado na Tabela 1, a amostra estudada era predominantemente feminina (80,3%), a maioria (51,4%) encontrava-se na faixa etária de 40 anos ou mais, de pele branca (43,2%), mais da metade (59,2%) possuía companheiro e a maioria tinha nível superior de escolaridade (90,6%). A maior parte (41,5%) era remunerada com menos de dois salários-mínimos, a maioria (66,5%) tinha filho, não fumava (95,9%) e era insuficientemente ativa (62,2%). A maior parte dos professores residia na região Sudeste (40,5%) e 84,1% trabalhavam em escola da área urbana. Com relação à associação entre as características sociodemográficas e a AAS, somente as variáveis escolaridade, estado conjugal, remuneração e tabagismo não mostraram associação estatisticamente significativa. Os resultados demonstraram pior AAS entre as professoras, com mais de 40 anos de idade, de cor preta ou parda, com filho, insuficientemente ativos, que viviam nas regiões Norte e Nordeste, e lecionavam em áreas rurais.
No tocante às características relacionadas à saúde, representadas na Tabela 2, 53,3% dos professores afirmaram que faltaram ao trabalho pelo menos uma vez nos últimos 12 meses em razão de problemas de saúde, 17,8% já foram diagnosticados com alguma doença ocupacional e 20,3% receberam licença médica. Do total de participantes, 33,9% relataram que perdiam o sono devido a preocupações e 14,2% disseram que faziam uso de medicação ansiolítica ou antidepressiva. Todas as variáveis relacionadas à saúde foram significativamente associadas com a autoavaliação de saúde dos professores, sendo esta pior entre aqueles que faltaram por motivos de saúde, que relataram diagnóstico de doença ocupacional e que tiveram licença médica. A AAS foi pior também naqueles que relataram perder o sono por preocupações e que faziam uso de medicamento ansiolítico ou antidepressivo.
Quanto ao bloco “Carga Atual de Trabalho” (Tabela 3), a maior parte dos respondentes (34,6%) trabalhava há menos de 10 anos, mais da metade (56,2%) afirmaram jornada semanal igual ou superior a 40 horas, a maioria (89,6%) não exercia outro tipo de atividade remunerada e 48,6% dos professores trabalhavam em mais de uma escola. Em relação às “Condições Psicossociais do Trabalho”, 86,6% dos respondentes informaram contar com tempo para cumprir suas tarefas, 59,4% contavam com apoio social, a maioria (68,1%) estava satisfeita com o trabalho. A pressão laboral foi informada por mais da metade (54,4%) dos respondentes. Sobre as “Condições do Ambiente do Trabalho e Contexto Escolar”, a exposição a ruído intenso foi informada por 64% dos entrevistados e 70,2% afirmaram indisciplina dos alunos. A violência física foi apontada por 3,1% e a violência verbal por 29,7% dos entrevistados. A maioria trabalhava na rede pública de ensino (79,5%), onde estava assumindo turma de até 30 alunos (72,6%). A duração do deslocamento para o trabalho apresentou um discreto predomínio na faixa de 10 a 20 minutos (35,8%).
A AAS ruim foi associada ao grupo de professores com mais de 20 anos de serviço, que trabalhavam mais de 40 horas semanais, não exerciam outra atividade remunerada, informaram não possuir tempo suficiente para cumprir suas tarefas, não contavam com apoio social, estavam insatisfeitos com o trabalho. A prevalência de AAS ruim também foi maior entre aqueles que afirmaram trabalhar sob pressão, estavam expostos a ruído intenso, vivenciaram indisciplina, violência física e verbal por parte dos alunos, trabalhavam na rede pública e informaram duração do deslocamento de casa para escola superior a 50 minutos.
Na primeira etapa da análise multivariada, foram incluídas no modelo as variáveis relacionadas ao trabalho: tempo de serviço em anos, carga horária semanal, exercer outra atividade remunerada, tempo suficiente para as tarefas, apoio social, satisfação com o trabalho, pressão laboral, ruído, indisciplina dos alunos, violência verbal e tempo de deslocamento casa/serviço (sem considerar as variáveis de ajuste; Tabela 4). Ao ajustar pelo bloco intermediário de variáveis individuais (características sociodemográficas), todas as variáveis do bloco de “Características relacionadas ao trabalho” permaneceram significativas. Por sua vez, com a inserção do bloco proximal contendo variáveis relacionadas à saúde, as variáveis carga horária semanal e ruído perderam sua significância, não permanecendo no modelo final.
Finalmente, tendo em vista o modelo ajustado por ambos os blocos (variáveis individuais e de saúde), considerando portanto, as variáveis que permaneceram no modelo final, foram fatores significativamente associados a uma pior AAS ter entre 10 e 20 anos de tempo de serviço (OR=1,17; IC95% 1,01-1,35), trabalhar sob pressão laboral (OR=1,18; IC95% 1,04-1,33), vivenciar casos de indisciplina (OR=1,26; IC95% 1,10-1,45) e violência verbal (OR=1,26; IC95% 1,09-1,44) e, ainda, levar mais de 50 minutos para chegar ao trabalho (OR=1,19; IC95% 1,03-1,38). Por outro lado, a probabilidade de pior autoavaliação de saúde foi significativamente menor para os docentes com outro tipo de atividade remunerada (OR=0,78; IC95% 0,65-0,94), tempo suficiente para cumprir suas tarefas (OR=0,77; IC95% 0,64-0,92) e apoio social (OR=0,79; IC95% 0,69-0,89), bem como, para aqueles satisfeitos com o próprio trabalho (OR=0,79; IC95% 0,69-0,91). Ressalta-se que o modelo apresentou bom ajuste segundo o teste de linhas paralelas (p-valor>0,05).
Discussão
Resultados inéditos sobre a associação entre autoavaliação de saúde e condições de trabalho foram obtidos de uma amostra de professores representativos da categoria inserida nas escolas da Educação Básica no Brasil. Associações entre pior AAS e condições de trabalho dos professores eram esperadas. Foi observada maior probabilidade de pior AAS no grupo de professores que tinham mais tempo de carreira, que relataram pressão laboral, vivências de indisciplina e violência no contexto do trabalho escolar. Chama atenção a associação entre pior AAS e o relato de deslocamentos de casa para o trabalho escolar com duração superior a 50 minutos.
Um em cada quatro professores não se percebem com boa saúde. Esse resultado é preocupante, principalmente se comparado com a prevalência de AAS ruim em outros cenários, como entre professores da Educação Básica da Suécia (13,3%)2828 Schad E, Johnsson P. Well-Being and Working Conditions of Teachers in Sweden. Psychol Russ State Art 2019; 12(4):23-46. e Austrália (12%)2929 Lemerle KA. Evaluating the impact of the school environment on teachers' health and job commitment: is the health promoting school a healthier workplace? [tese]. Brisbane: Escola de Saúde Pública da Universidade de Tecnologia Queensland; 2005.. Veja-se que esses profissionais se ocupam da missão de introduzir os alunos nos significados da cultura e da ciência por meio de suas práticas pedagógicas. Como garantir os objetivos do ensino-aprendizagem se os profissionais que se ocupam dessa missão estiverem desanimados, cansados e doentes1010 Assunção AA, Medeiros AM, Claro RM, Vieira MT, Maia EG, Andrade JM. Hipóteses, delineamento e instrumentos do Estudo Educatel, Brasil, 2015/2016. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00108618.? Sendo a educação um direito, um aspecto fundamental para o desenvolvimento do homem, aos professores, profissionais majoritariamente envolvidos, devem ser destinados maior sustentação e apoio governamentais na tentativa de minimizar as consequências perniciosas do trabalho na vida deles.
Vale mencionar que a situação dos professores é mais favorável se comparada à população brasileira em geral. De acordo, com a Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 e a Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) de 2016, 33,9%3030 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Brasil, grandes regiões e unidade de federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2014. e 31%3131 Brasil. Mistério da Saúde (MS). Datasus. Departamento de Informática do SUS [Internet]. [acessado 2020 jun 19]. Disponível em: http://datasus.saude.gov.br/.
http://datasus.saude.gov.br... dos adultos brasileiros, respectivamente, consideraram ruim a sua saúde. Essa diferença pode ser explicada. Primeiramente, inquéritos ocupacionais, como é o caso do Educatel, dizem respeito a população ativa, portanto, em condições de saúde para desempenhar as suas funções. A amostra estudada, em segundo lugar, é mais escolarizada do que a média da população geral, de maneira a permitir inferir sobre melhores condições de saúde porque escolaridade é determinante da saúde dos adultos2525 Szwarcwald CL, Damacena GN, Souza Júnior PRB, Almeida WS, Lima LTM, Malta DC, Stopa SR, Vieira MLFP, Pereira CA. Determinantes da autoavaliação de saúde no Brasil e a influência dos comportamentos saudáveis: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(2):33-44..
As condições de trabalho estudadas foram associadas à AAS de forma convergente com literatura2626 Abreu MNS, Siqueira AL, Caiaffa WT. Ordinal logistic regression in epidemiological studies. Rev Saude Publica 2009; 43:183-194.. Porém, de forma divergente, a associação com o tempo de serviço, foi identificada somente na faixa intermediária. Pode-se evocar a hipótese sobre o acúmulo dos efeitos das condições de trabalho sobre a saúde em resposta ao processo de desgaste ao longo dos anos. Se for assim, entende-se por que não foi encontrada associação entre pior AAS e o grupo com menos de dez anos de profissão, em contraposição à situação do grupo com dez a vinte anos. Contudo, observou-se, semelhança da AAS entre o grupo de professores com menor antiguidade na profissão e aqueles com mais de 20 anos de profissão. Seria, provavelmente, o efeito denominado trabalhador sadio: aqueles que se encontram ativos são os que não adoeceram nem se acidentaram3232 Nielsen MB, Knardahl S. The healthy worker effect: do health problems predict participation rates in, and the results of, a follow-up survey? Int Arch Occup Environ Health 2015; 89(2):231-238..
A percepção de sofrer pressão laboral foi associada à pior saúde autorrelatada. Tal achado corrobora outros resultados que identificaram associações entre ter que comparecer ao trabalho quando doente e relato de agravos à saúde entre professores2525 Szwarcwald CL, Damacena GN, Souza Júnior PRB, Almeida WS, Lima LTM, Malta DC, Stopa SR, Vieira MLFP, Pereira CA. Determinantes da autoavaliação de saúde no Brasil e a influência dos comportamentos saudáveis: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(2):33-44.. Tendo em vista possíveis retaliações, além das dificuldades em garantir a sua substituição, o professor comparece, ainda que doente. Essa situação denominada presenteísmo pode levar a prejuízos em âmbito individual e coletivo2525 Szwarcwald CL, Damacena GN, Souza Júnior PRB, Almeida WS, Lima LTM, Malta DC, Stopa SR, Vieira MLFP, Pereira CA. Determinantes da autoavaliação de saúde no Brasil e a influência dos comportamentos saudáveis: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev Bras Epidemiol 2015; 18(2):33-44..
Há evidências da relação entre problemas comportamentais dos alunos e problemas de saúde do professor3333 Nagaraj D, Ramesh N. Occupational stress and its associated factors among school teachers in Rural Karnataka: A cross sectional study. Int J Adv Community Med 2020; 1(3):86-90.. No presente estudo, a violência verbal e a indisciplina dos alunos foram associadas à pior AAS. Esses resultados reforçam o conhecimento sobre os danos na saúde do professor oriundos de relações conflituosas na sala de aula3434 Maia EG, Claro RM, Assunção AA. Múltiplas exposições ao risco de faltar ao trabalho nas escolas da Educação Básica no Brasil. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00166517.. Promover ambientes de paz, justiça e fomentar acordos colaborativos no intuito de discutir maneiras de se evitar e como proceder diante de eventos, são indicações propaladas1313 Birolim MM, Mesas AE, González AD, Santos HG, Haddad MCFL, Andrade SM. Trabalho de alta exigência entre professores: associações com fatores ocupacionais conforme o apoio social. Cien Saude Colet 2019; 24(4):1255-1264.. Nesse sentido, o reconhecimento de parcerias intersetoriais, também pode propiciar melhorias comportamentais dos alunos. Tais parcerias envolvem, por exemplo, iniciativas esportivas, artísticas e de inserção social que promovam um ambiente cooperativo entre alunos, familiares e professores.
Maior duração do deslocamento de casa para a escola foi associado à pior AAS. Duração prolongada do deslocamento até o local de trabalho foi anteriormente associada a desfechos de saúde do professor3333 Nagaraj D, Ramesh N. Occupational stress and its associated factors among school teachers in Rural Karnataka: A cross sectional study. Int J Adv Community Med 2020; 1(3):86-90.. Na Índia, um estudo local com professores da Educação Básica evidenciou associação com maior tempo de deslocamento e estresse3333 Nagaraj D, Ramesh N. Occupational stress and its associated factors among school teachers in Rural Karnataka: A cross sectional study. Int J Adv Community Med 2020; 1(3):86-90.. Provavelmente longos trajetos implicam em redução do tempo que seria destinado ao descanso e recuperação3535 Medeiros AM, Vieira MT. Ausência ao trabalho por distúrbio vocal de professores da Educação Básica no Brasil. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00171717..
Exercer outro tipo de atividade remunerada associou-se a uma melhor AAS. Sobre essa associação, existem controvérsias. Professores da Educação Básica de Londrina-PR, que exerciam outro tipo de atividade remunerada, relataram sobrecarga mental laboral3636 Guerreiro NP, Nunes EFPA, González AD, Mesas AE. Perfil sociodemográfico, condições e cargas de trabalho de professores da rede estadual de ensino de um município da região Sul do Brasil. Trab Educ Saude 2016; 14(1):197-217.. É possível, por um lado, que o multiemprego seja uma saída diante das restrições salariais no setor educacional3737 Silva LG, Silva MC. Condições de trabalho e saúde de professores pré-escolares da rede pública de ensino de Pelotas, RS, Brasil. Cien Saude Colet 2013; 18(11):3137-3146., mas com repercussões, por outro lado, sobre a saúde daquele que o pratica. Entretanto, fator protetor de exercer outra atividade remunerada também foi encontrada em um estudo que evidenciou menor prevalência de dor musculoesquelética em professores da rede de ensino municipal de Salvador, Bahia. Provavelmente, estariam experenciando uma atividade laboral mais favorável à saúde, se comparada com a docência3838 Cardoso JP, Ribeiro IQB, Araújo TM, Carvalho FM, Reis EJFB. Prevalência de dor musculoesquelética em professores. Rev Bras Epidemiol 2009; 12(4):604-614.. Vale ressaltar que os estudos mencionados são menos abrangentes no que tange tamanho amostral e representatividade, se comparados ao Educatel.
Tempo suficiente para cumprir as tarefas mostrou-se associado a uma melhor percepção de saúde. Resultados similares foram encontrados entre professores de escolas públicas no sul do Brasil99 Cezar-Vaz MR, Bonow CA, Almeida MCV, Rocha LP, Borges AM. Mental health of elementary schoolteachers in southern brazil: working conditions and health consequences. ScientificWorldJournal 2015; 2015:1-6. e na Itália3939 Borrelli I, Benevene P, Fiorilli C, D'Amelio F, Pozzi G. Working conditions and mental health in teachers: a preliminary study. Occup Med (Lond) 2014; 64(7):530-532.. A sobrecarga das tarefas ou tempo insuficiente para cumpri-las é fator de estresse para os professores4040 Scheuch K, Haufe E, Seibt R. Teachers' health. Dtsch Arztebl Int 2015; 112(20):347-356..
Apoio social é uma noção que remete à qualidade e quantidade de relações interpessoais e suportes organizacionais oferecidos aos sujeitos envolvidos1111 Santos MN, Marques AC. Condições de saúde, estilo de vida e características de trabalho de professores de uma cidade do sul do Brasil. Cien Saude Colet 2013; 18(3):837-846.. A percepção de contar com apoio social é crucial para favorecer um melhor desenvolvimento das tarefas3333 Nagaraj D, Ramesh N. Occupational stress and its associated factors among school teachers in Rural Karnataka: A cross sectional study. Int J Adv Community Med 2020; 1(3):86-90.. A percepção de fraco apoio social produz efeitos sobre a saúde dos professores3333 Nagaraj D, Ramesh N. Occupational stress and its associated factors among school teachers in Rural Karnataka: A cross sectional study. Int J Adv Community Med 2020; 1(3):86-90.,4040 Scheuch K, Haufe E, Seibt R. Teachers' health. Dtsch Arztebl Int 2015; 112(20):347-356.,4141 Kidger J, Brockman R, Tilling K, Campbell R, Ford T, Araya R, King M, Gunnell D. Teachers' wellbeing and depressive symptoms, and associated risk factors: a large cross sectional study in english secondary schools. J Affect Disord 2016; 192:76-82.. Além de fator estressante3333 Nagaraj D, Ramesh N. Occupational stress and its associated factors among school teachers in Rural Karnataka: A cross sectional study. Int J Adv Community Med 2020; 1(3):86-90., está associado às faltas ao trabalho escolar no Brasil e no mundo11 Fylkesnes K, Jakobsen MD, Henriksen NO. The value of general health perception in health equity research: A community-based cohort study of long-term mortality risk (Finnmark cohort study 1987-2017). SSM Popul Health 2021; 15:100848. 33 Lorem G, Cook S, Leon DA, Emaus N, Schirmer H. Self-reported health as a predictor of mortality: A cohort study of its relation to other health measurements and observation time. Sci Rep 2020; 10:4886.. Promover a percepção de apoio entre colegas é uma estratégia crucial diante do estresse ocupacional vivenciado pelo professor. Nesse âmbito, proporcionar espaços de troca e expressão entre colegas seria uma medida para favorecer o enfrentamento dos desafios diários1313 Birolim MM, Mesas AE, González AD, Santos HG, Haddad MCFL, Andrade SM. Trabalho de alta exigência entre professores: associações com fatores ocupacionais conforme o apoio social. Cien Saude Colet 2019; 24(4):1255-1264..
Quanto à satisfação com o trabalho, professores que se sentem satisfeitos tiveram melhor percepção de saúde, de forma convergente com os resultados encontrados em estudo transversal de um estado da Índia4242 Benevene P, Ittan MM, Cortini M. Self-Esteem and Happiness as Predictors of School Teachers' Health: the mediating role of job satisfaction. Front Psychol 2018; 9:1-5.. A satisfação laboral diz respeito à resposta psicológica frente ao julgamento que o indivíduo faz sobre diferentes atributos do trabalho.
As limitações da pesquisa devem ser mencionadas. Em primeiro lugar, a escassez de abordagens com foco na AAS em grupos de professores da Educação Básica dificultou comparações. Informações obtidas por meio telefônico, em segundo lugar, são passíveis de vieses, em que pese a disseminação desse tipo de estratégia de coleta de dados1313 Birolim MM, Mesas AE, González AD, Santos HG, Haddad MCFL, Andrade SM. Trabalho de alta exigência entre professores: associações com fatores ocupacionais conforme o apoio social. Cien Saude Colet 2019; 24(4):1255-1264.. As vantagens referentes ao custo e agilidade na coleta, principalmente quando se trata de uma amostra robusta e esparsa, como é o caso do presente estudo, justificam o uso da entrevista ao telefone.
O viés de seleção denominado efeito do trabalhador sadio, conforme mencionado acima, é comum em inquéritos ocupacionais. Estar ativo na ocupação significa gozar de capacidades físicas, cognitivas e psíquicas para atender às demandas da produção. Aqueles cuja saúde foi alterada pelos efeitos das condições de trabalho, provavelmente não foram encontrados pelos entrevistadores que se dirigiram ao local de trabalho do professor. Se for assim, é esperada sobrerrepresentação dos mais sadios. Configurada a relação saúde, atividade e capacidade laboral, é maior a probabilidade de melhor AAS em grupos entrevistados no local de trabalho se comparados aos adultos encontrados nos seus domicílios3434 Maia EG, Claro RM, Assunção AA. Múltiplas exposições ao risco de faltar ao trabalho nas escolas da Educação Básica no Brasil. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00166517..
A abordagem da autoavaliação de saúde de cunho ordinal em vez de uma variável dicotomizada permitiu a identificação ampla, porém direta, de uma gama de inadequações nas condições laborais presentes no cotidiano do professor que culminam em prejuízo de sua saúde. Ainda que os dados tenham sido coletados nos anos de 2015/2016, diante da relevância da temática de cunho inédito e intersetorial (saúde, educação e trabalho), o panorama obtido desta categoria profissional, fornece subsídios para planejamentos em vários níveis organizacionais (locais, regionais, nacionais), o que reforça a possibilidade de comparações com coletas de dados mais recentes.
Como pode ser observado, condições do trabalho, sob a ótica do próprio professor, influenciam sua saúde, além dos fatores individuais e clínicos esperados. Questões estruturais, organizacionais e até mesmo políticas, apontam para efeitos deletérios na saúde dos professores e consequentemente para prejuízos na Educação Básica brasileira. Estes profissionais, enfrentam problemas oriundos do seu contexto escolar, em maior ou menor grau, que culminam em distúrbios muitas vezes despercebidos ou negligenciados para que o trabalho continue.
Esses resultados chamam atenção para intervenções no plano sistêmico, em vez de priorizar modelos que atribuem exclusivamente ao indivíduo a responsabilidade pela melhoria de sua situação de saúde. Arranjos gerenciais endereçados às modificações das condições de trabalho dos professores são indicados2727 Assunção AA, Abreu MNS. Pressão laboral, saúde e condições de trabalho dos professores da Educação Básica no Brasil. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 1):e00169517.. Sugere-se ainda considerar o tempo de deslocamento entre moradia e escola, flexibilizando escalas e horários em consideração às características do trajeto.
Vale ressaltar a existência de mudanças políticas no decorrer dos anos, como exemplo das alterações de leis trabalhistas em 2017, relacionadas à precarização do trabalho4343 Galvão A, Castro B, Krein JD, Teixeira MO. Reforma Trabalhista: precarização do trabalho e os desafios para o sindicalismo. Cad CRH 2019; 32(86):253-269., perdas de direitos trabalhistas e desregulamentação das relações de trabalho4444 Morais AM. O contexto das reformas trabalhistas do governo Temer: Precarização do trabalho no Brasil. Ser Soc Perspect 2018; 2(n. esp.):326-338.. Subsequente e concomitante a isso, o distanciamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus também trouxe alterações importantes no trabalho dos professores, que se viram obrigados a se adequarem a um novo formato de lecionar, em que o ambiente de trabalho se misturava ao ambiente doméstico, além de um limite tênue entre a carga horária de trabalho e descanso4545 Souza KR, Santos GB, Rodrigues MAS, Felix EG, Gomes L, Rocha GL, Conceição RCM, Rocha FS, Peixoto RB. Trabalho remoto, saúde docente e greve virtual em cenário de pandemia. Trab Educ Saude 2021; 19:e00309141.. Diante desse contexto, é possível que a prevalência de AAS ruim entre os professores da Educação Básica no Brasil atualmente, seja ainda mais acentuada.
Agradecimentos
À Secretaria de Articulação de Sistemas de Ensino do Ministério da Educação, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
Referências
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
06 Jan 2023 - Data do Fascículo
Jan 2023
Histórico
- Recebido
27 Dez 2021 - Aceito
08 Jul 2022 - Publicado
10 Jul 2022