O sujeito, sua práxis e suas consequências

José Geraldo de Sousa JuniorSobre o autor

Recebi como uma convocação o encaminhamento que me fez Maria Helena Machado, coordenadora da equipe das pesquisas “Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19 no Brasil” (pesquisa mãe)11 Machado MH, coordenadora. Pesquisa: Condições de trabalho dos profissionais de saúde no contexto da Covid-19 no Brasil. Rio de Janeiro: ENSP/CEE-Fiocruz; 2020/2021. e “Os trabalhadores invisíveis da saúde: condições de trabalho e saúde mental no contexto da Covid-19 no Brasil” (subprojeto)22 Machado MH, coordenadora. Pesquisa: Os trabalhadores invisíveis da saúde: condições de trabalho e saúde mental no contexto da Covid-19 no Brasil. Rio de Janeiro: ENSP/CEE-Fiocruz; 2021/2022. para comentar o texto “O olhar da Ética e da Bioética sobre o trabalhador e o trabalho em saúde, no contexto da pandemia de COVID-19 no Brasil”, do professor Swedenberger Barbosa, ciente de que o artigo integrará uma edição temática na Revista Ciência & Saúde Coletiva.

Desde logo reconheço no artigo a mesma disposição que o autor já projetara em trabalhos anteriores que conheço e sobre os quais já tive oportunidade de opinar. Notadamente o livro A Bioética no Estado Brasileiro. Situação Atual e Perspectivas Futuras33 Barbosa SN. A Bioética no Estado Brasileiro. Situação Atual e Perspectivas Futuras. Brasília: Editora UnB; 2010. que se inscreve num campo político-epistemológico, presente também no texto que comento, no qual o autor estabelece uma relação cogente entre bioética e direitos humanos. Com efeito, depois que a UNESCO, em 2005, aprovou o teor da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, operou-se, inevitavelmente, essa relação, passando o campo a incorporar, além dos aspectos biomédicos e biotecnológicos tradicionais nos estudos da área, os temas da bioética social com foco na universalização dos direitos e do acesso aos serviços públicos de saúde e outros que dão concretude aos direitos de cidadania.

No livro, o autor aprofunda a abordagem interdisciplinar que já vinha fazendo ao reivindicar uma mais estreita aproximação entre esses campos. Ali, ele começara a problematizar as questões que estão presentes no artigo, voltado para condições de trabalho de profissionais de saúde:

Como, por exemplo, avançar para que os direitos pessoais, morais, sociais sejam garantidos à luz das novas tecnologias biomédicas? Como gerar a interface entre os princípios constitucionais de cidadania e dignidade humana e as urgentes decisões que envolvem condutas e normas morais em sua dimensão bioética e que interferem na vida humana? Como a atual ordem jurídica e as decisões judiciais podem ser consideradas e atualizadas como ‘justas’ sob os aspectos dos princípios e fundamentos do direito e da bioética? Como lidar com recursos escassos em saúde e as decisões sobre a vida? Entendemos que estas e outras questões devam se constituir em uma agenda de discussões multidisciplinares, não restrita à Academia, em que estejam resguardados entre outros elementos, a dignidade humana e as liberdades fundamentais. Um importante instrumento para que se faça este estudo e debate é a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, avaliando-se a sua aplicação à realidade brasileira, sua relação com a legislação do país e eventuais contradições existentes, o que implica necessariamente numa profunda análise de nossa ordem jurídica e de nossas condutas éticas e morais33 Barbosa SN. A Bioética no Estado Brasileiro. Situação Atual e Perspectivas Futuras. Brasília: Editora UnB; 2010..

Assim, pois, com Marilena Chauí, o autor assume no artigo que a ação ética é aquela que torna o sujeito inseparável de sua práxis e consequências. Isto remete à noção de consciência moral, ou seja, o sujeito ético é aquele que sabe o que faz, o que o motivou e responde pelo seu desejo e ação. E isso o remete ao pensador que é a sua referência na Bioética, Hans Jonas, com o qual considera ser necessário e urgente, assumir uma concepção de responsabilidade que opere como princípio ético para conduzir ações, sobretudo políticas, para preservar a integridade o humano que vai constituir as gerações vindouras.

Por isso que, uma outra importante contribuição do autor, sempre presente em suas obras, é atenção às exigências de realização dos direitos e da cidadania, numa sociedade complexa e desigual não é possível sem que se invente, construa e experimente novos paradigmas para a ação política transformadora, uma tarefa que, no estado de direito democrático passa pela sociedade organizada, mas que não pode prescindir da atuação dos agentes e das políticas públicas estatais. Esta dimensão, forte na abordagem de Swedenberger, vai aparecer, por exemplo, em livro que ele organizou para o Ipea, com base em Seminário do qual decorre a obra: Bioética em debate - aqui e lá fora44 Barbosa SN, organizador. Bioética em debate - aqui e lá fora. Brasília: Ipea; 2011..

No artigo que examino, esses pressupostos estão presentes, sobretudo quando a pesquisa põe inteiramente a descoberto, em relação aos profissionais de saúde no contexto da pandemia, o que se passou no Brasil nos últimos quatro anos. Na contramão de todos os princípios morais e sanitários que recomendam esforços responsáveis, o que se viu, em meio à desorientação funcional e errática de autoridades das quais um mínimo de coordenação devesse ser esperada, concedendo que não se atenham a intenções dolosas, uma postura que ultrapassa “todos os limites” ao impulso da “estupidez assassina” que implica o próprio “presidente diante da pandemia de coronavírus” ao ponto de uma “irresponsabilidade delinquente”, que sequer finge “capacidade e maturidade para liderar a nação de 212 milhões de habitantes num momento dramático da sua trajetória coletiva”. É o que disse em editorial o Jornal Folha de São Paulo (“O que Pensa a Folha”, 12/12/2020), ao apostrofar: “Chega de molecagens com a vacina!”.

O artigo de Swedenberger Barbosa abre perspectivas atuais e futuras para orientar políticas públicas de concretização de direitos. E serve de referência para apontamentos posteriores no sentido de não perder de vista a relação necessária entre bioética e direito à saúde, incluindo os direitos dos trabalhadores de saúde e, a partir dessa relação identificar e confrontar os dilemas que se abrem para a discussão e a aplicação dos fundamentos éticos das ações e políticas de saúde pública.

Referências

  • 1
    Machado MH, coordenadora. Pesquisa: Condições de trabalho dos profissionais de saúde no contexto da Covid-19 no Brasil. Rio de Janeiro: ENSP/CEE-Fiocruz; 2020/2021.
  • 2
    Machado MH, coordenadora. Pesquisa: Os trabalhadores invisíveis da saúde: condições de trabalho e saúde mental no contexto da Covid-19 no Brasil. Rio de Janeiro: ENSP/CEE-Fiocruz; 2021/2022.
  • 3
    Barbosa SN. A Bioética no Estado Brasileiro. Situação Atual e Perspectivas Futuras. Brasília: Editora UnB; 2010.
  • 4
    Barbosa SN, organizador. Bioética em debate - aqui e lá fora. Brasília: Ipea; 2011.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Out 2023
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