Resumo
Objetivou-se evidenciar na literatura científica o que se foi discutido sobre o enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes no âmbito da Estratégia Saúde da Família. Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, realizada nas bases de dados Medical Literatute Analysisand Retrieval System Online (Medline), Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Web of Science e American Psychological Association (PsycINFO) e nestas, utilizaram-se os descritores controlados em Ciências da Saúde (DeCs) e do Medical Subject Headings (MeSH), sendo estes: “domestic violence”, “child abuse”, “educational technology”, “primary health care” para DeCs e MeSh. Obteve-se um total de 2.403 resultados, com aplicação dos critérios de inclusão e exclusão foram analisados 15 artigos. A violência é vista como um problema de saúde pública, sendo identificada como um problema sensível a APS. Apesar da identificação de casos de violência contra crianças e adolescentes na ESF, o despreparo dos profissionais e a fragilidade na rede de enfrentamento fragmentam a assistência adequada a este público. Assim, há necessidade de fortalecimento da rede disponibilizada e incentivo a capacitação e formação dos profissionais atuantes na APS.
Key words:
Primary Health Care; Violence; Children and adolescents
Abstract
The scope of this study was to highlight what has been discussed about addressing violence against children and adolescents in the context of the Family Health Strategy in the scientific literature. It involved an integrative review of the literature, conducted in the Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline), Latin American and Caribbean Literature on Health Sciences (LILACS), Web of Science and American Psychological Association (PsycINFO) databases. In the survey, the controlled descriptors in Health Sciences (DeCS) and the Medical Subject Headings (MeSH) were used, including domestic violence, child abuse, educational technology and primary health care for DeCS and MeSH. A total of 2,403 results were obtained, with the application of the inclusion and exclusion criteria, and 15 articles were analyzed. Violence has been seen as a public health problem, being identified as a sensitive problem in PHC. Despite the identification of cases of violence against children and adolescents in the FHS, the lack of preparedness of professionals and the fragility in the coping network prejudice the adequate care for this public. Thus, there is a need to strengthen the network available and encourage the capacity building and training of professionals working in PHC.
Key words:
Primary Health Care; Violence; Children and adolescents
Introdução
A infância é considerada período crítico do desenvolvimento humano, uma vez que esta fase deixará marcas para toda sua existência, devendo, portanto, ser alvo de garantia de direitos e proteção. Neste sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Brasil, se apresenta como uma legislação extremamente importante, uma vez que promove a assistência integral às crianças e aos adolescentes e protege os seus direitos básicos, favorecendo o desenvolvimento saudável e seguro desta população, assegurando, dentre outros, o direito à vida, à identidade e convívio familiar, à liberdade de expressão, à informação, à educação, à honra e privacidade, ao refúgio, saúde, lazer, cultura, respeito, dignidade e proteção. Uma vez garantidos tais direitos, crianças e adolescentes possuem a garantia do pleno desenvolvimento, de forma saudável e harmoniosa, bem como, redução de vulnerabilidades e riscos para adoecimento e agravos, prevenção de doenças e morte prematura11 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 13 jul..
Em relação ao direito de proteção, a Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1959, afirma que em virtude de sua falta de maturidade física e mental, a criança necessita de proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento. No entanto, apesar de prerrogativas e legislações demandarem tais direitos, na prática, eles são violados, muitas vezes como resultado de determinantes sociais, tais como desigualdade social, baixa escolaridade dos responsáveis, baixa renda e convívio com experiências de violência22 Organização das Nações Unidas (ONU). Declaração Universal dos Direitos da Criança [Internet]. 1959 [acessado 2023 jan 5]. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex41. htm.
http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu... .
É fato que crianças e adolescentes são mais vulneráveis às variadas formas de violência e negligência. A mortalidade de crianças por causas externas (acidentes e violências) vem se destacando desde 2008 no Brasil e configura-se como a primeira causa de morte de crianças entre 1 e 9 anos de idade, sendo os acidentes de transporte terrestre, o afogamento e a submersão acidental as principais causas de morte33 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.130, de 5 de agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2015; 6 ago.,44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Impacto da violência na saúde das crianças e adolescentes: prevenção de violências e promoção da cultura de paz. Brasília: MS; 2008..
Diante deste cenário, sabe-se que a exposição prolongada da criança à violência leva o cérebro infantil a responder com medo e ansiedade, prejudicando a aprendizagem e outras áreas complexas do desenvolvimento55 GawryszewkI VP, Valencich DMO, Carnevalle CV, Marcopito LF. Maus-tratos contra crianças e o adolescente no Estado de São Paulo. 2009. Rev Assoc Med Bras 2012; 58 (6):659-665.. Em geral as consequências de vitimização ou exposição do público infantojuvenil à violência se manifesta por meio do abuso de substâncias psicoativas, álcool e outras drogas e da iniciação precoce à atividade sexual, elevando a vulnerabilidade à gravidez, à exploração sexual e à prostituição. Ainda, os impactos na saúde mental causam transtornos depressivos, alucinações, baixo desempenho na escola, alterações de memória, comportamento agressivo, violento e até tentativas de suicídio66 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Impacto da violência na saúde das crianças e adolescentes: Prevenção de violências e promoção da cultura de paz. Brasília: MS; 2008..
Assim, a violência, em sua complexidade e abrangência vitimiza, dentre outros, crianças e adolescentes, apresentando-se como um evento de alta prevalência e gerador de impacto na saúde dessa população33 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.130, de 5 de agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2015; 6 ago.. A Organização Mundial da Saúde (OMS) caracteriza a violência sofrida pelas crianças como maus-tratos, considerando-a como atos e/ou ações que possam produzir danos potenciais ou reais ao menor77 Moreira GAR, Vieira LJES, Derlandes, SF, Pordeus MA, Gama IS, Brilhante AVM, Fatores associados à notificação de maus-tratos em crianças e adolescentes na atenção básica. Cien Saude Colet 2014; 19(10):4267-4276.,88 Almeida AA, Miranda OB, Lourenço LM. Violência doméstica/intrafamiliar contra crianças e adolescentes: uma revisão bibliométrica. Rev Interinstituc Psicol 2013; 6(2):298-311..
Entre os principais tipos de violência contra crianças e adolescentes tem-se a negligência, violência sexual, violência física e psicológica. Como fenômeno complexo, a violência leva a inúmeras consequências, dentre estas, em especial o aparecimento de transtornos psíquicos, podendo-se destacar depressão, transtorno afetivo, abuso de substâncias, baixa autoestima, distúrbios do sono, ansiedade e em casos mais extremos à morte99 Martins-Monteverde CM, Padovan P, Juruena MF. Transtornos relacionados a traumas e a estressores. Med Ribeirao Preto 2017; 7(1):37-50..
Neste sentido, torna-se necessário uma rede de enfrentamento, com serviços e profissionais que atuem na prevenção da violência, proteção e suporte a crianças e adolescentes vitimadas, que deve ser articulada e contemplar serviços na área da educação, saúde, segurança, justiça e serviços especializados na área social, com envolvimento da comunidade e associações1010 Machado JC, Rodrigues VP, Vilela ABA, Simões AV, Morais RLGL, Rocha EN. Violência intrafamiliar e as estratégias de atuação da equipe de saúde da família. Saude Soc 2014; 23(3):828-840..
Para tanto, objetivando-se a organização de serviços e qualificação da atenção e do cuidado da criança em situação de violência, o Ministério da Saúde, Brasil, por meio da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança em seu Eixo Estratégico V - Atenção Integral à Criança em Situação de Violências, Prevenção de Acidentes e Promoção da Cultura de Paz, orienta, dentre outros, a implantação nos serviços de saúde da “Linha de Cuidado para a Atenção Integral à Saúde de Crianças, Adolescentes e suas Famílias em Situação de Violências”, com diretrizes e orientações para gestores e profissionais de saúde, sobre promoção da saúde e prevenção de violências, numa lógica de continuidade do cuidado que perpassa acolhimento, atendimento, notificação e seguimento em rede, buscando integração com profissionais da rede da Assistência Social, Educação, Conselho Tutelar entre outros, objetivando assegurar não apenas o cuidado e a atenção em saúde, mas também proteção e defesa dos direitos deste público33 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.130, de 5 de agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2015; 6 ago..
Nos serviços de saúde, a abordagem da criança e adolescente em situação de violência demanda humanização do cuidado, acolhimento e atenção multiprofissional, para que o problema não seja reduzido a aspectos físicos e biológicos passíveis de medicalização. Valoriza-se a postura ética, confidencialidade e sigilo da equipe de saúde, com diagnóstico ágil e seguro, mediante uso de técnicas que objetivem não somente o atendimento das demandas identificadas, mas também da prevenção de sua ocorrência. Neste cenário, a Estratégia Saúde da Família (ESF) situa-se em posição privilegiada de enfrentamento.
A ESF é um modelo que procura reorganizar a Atenção Primária à Saúde (APS) de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde (SUS). A APS constitui-se como um conjunto de ações que articulam conhecimentos e técnicas provindos da epidemiologia, do planejamento e das ciências sociais em saúde, redefinindo as práticas em saúde, articulando as bases de promoção, proteção e assistência, a fim de garantir a integralidade do cuidado levando em consideração a realidade dos territórios em que atua1111 Costa EMA, Carbone MH. Saúde da Família: uma abordagem multidisciplinar. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Rubio; 2009..
A análise da situação de saúde nos territórios de inserção das equipes de APS, a exemplo dos profissionais de saúde da ESF, permite a identificação de problemas de saúde e seus possíveis determinantes e condicionantes; conhecimento essencial para o planejamento e execução de ações articuladas de vigilância à saúde, devendo esta ser inserida na construção das Redes de Atenção à Saúde, coordenadas pela APS1212 Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Planificação da atenção primária à saúde. Oficina 3 - Territorialização em saúde. Guia do Facilitador [Internet]. Goiás; 2016 [acessado 2023 jan 5]. Disponível em: https://www.saude.go.gov.br/images/imagens_migradas/uploads/2017/07/manual-oficina-3-territorializacao.pdf.
https://www.saude.go.gov.br/images/image... . Assim, a integração entre Vigilância em Saúde e APS é condição obrigatória para construção da integralidade no cuidado e alcance de resultados, com desenvolvimento de um processo de trabalho condizente com a realidade local, especialmente se identificado vulnerabilidades às violências. No entanto, embora o enfrentamento da violência esteja no escopo de atuação dos profissionais inseridos na Atenção Primária à Saúde, ações de vigilância do agravo ainda são precárias, visto que profissionais das ESF se deparam com alguns desafios que precisam ser superados para atuação de enfrentamento à problemática como medo, insegurança e fragilidades da rede assistencial1313 Lobato GR, Moraes CL, Nascimento MC. Desafios da atenção à violência doméstica contra crianças e adolescentes no Programa Saúde da Família em cidade de médio porte do Estado do Rio de Janeiro Brasil. Cad Saude Publica 2012; 28(9):1749-1758..
Apesar dos desafios, devido à posição privilegiada por estar inseridos na porta de entrada do sistema de saúde, profissionais que compõem a ESF têm importante papel no combate à violência doméstica contra crianças e adolescentes. Com composição mínima, enfermeiro, médico, técnico de enfermagem e Agentes Comunitários de Saúde (ACS) devem manter vínculo, diálogo e realizar a escuta ativa das vítimas de violência1414 Silva CD, Gomes VLO, Oliveira DC, Marques SC, Fonseca AD, Martins SR. Representação social da violência doméstica contra a mulher entre técnicos de enfermagem e agentes comunitários. Rev Esc Enferm USP 2015; 49(1):22-29..
Entre esses profissionais, o ACS apresenta características que lhes são favoráveis ao enfrentamento da violência doméstica contra crianças e adolescentes, pois compreendem a dinâmica familiar e as visitas de rotina as famílias potencializam as ações da ESF e favorecem o enfrentamento da violência por meio de seu reconhecimento precoce. Assim, verifica-se que o ACS, por compor a equipe e estar inserido na dinâmica da comunidade, é um aliado na identificação e enfretamento da violência contra crianças e adolescentes, pois o contato e vínculo possibilitam reconhecer e atender as vítimas de forma facilitada1414 Silva CD, Gomes VLO, Oliveira DC, Marques SC, Fonseca AD, Martins SR. Representação social da violência doméstica contra a mulher entre técnicos de enfermagem e agentes comunitários. Rev Esc Enferm USP 2015; 49(1):22-29., desde que devidamente capacitados e sensibilizados para o reconhecimento e atuação na temática.
Para tanto, faz-se necessário a educação permanente desses profissionais quanto à problemática, visto que existe a necessidade de discussões para aprofundamento sobre o tema violência doméstica contra crianças e adolescentes, de modo a empoderar esses profissionais ao efetivo enfrentamento. Dessa forma, faz-se necessário, para além dos debates, evidenciar através das produções científicas, o que a literatura aponta sobre a atuação da ESF e como esta atuação pode ser primordial para o enfrentamento do problema.
Neste contexto, o objetivo desse estudo é identificar o estado da arte do conhecimento e atuação da equipe da Estratégia de Saúde da Família diante de situações de violência contra crianças e adolescentes.
Método
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, onde esta é compreendida como uma estratégia para coletar dados através de um levantamento bibliográfico. Serve para demonstrar o conhecimento atual sobre determinados assuntos, onde há a possiblidade de analisar e consolidar resultados de pesquisas1515 Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein 2010; 8(1):102-106..
A presente revisão foi constituída nas etapas apresentadas a seguir1515 Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein 2010; 8(1):102-106.:a) construção da pergunta norteadora; b) busca nas bases de dados; c) coleta de dados; d) análise crítica dos estudos encontrados e incluídos; e) interpretação dos resultados e f) apresentação dos resultados.
Foram utilizadas as seguintes bases de dados Medical Literatute Analysisand Retrieval System Online (Medline), Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Web of Science e American Psychological Association (PsycINFO) e nestas, utilizou-se os descritores controlados em Ciências da Saúde (DeCs) e do Medical Subject Headings (MeSH), para conhecimento dos descritores universais. Em seguida foram cruzados com o operador booleano and conforme demonstra a Tabela 1, via plataforma CAFe.
Utilizou-se os seguintes critérios de inclusão no processo de busca dos dados: apresentar publicação na íntegra; ter como idioma de publicação o português, inglês e espanhol e ter sido publicado entre 1990-2017. O recorte temporal teve como marco a criação do Estatuto da Criança e do Adolescentes (ECA) em 1990.
Os estudos que não se adequavam à pesquisa foram excluídos, devido fuga da temática, serem artigos de revisões, biografias, dissertações, relatos de experiência, teses e estudos de acesso pago.
A busca dos artigos para a revisão aconteceu com início no ano de 2017 e término no ano de 2019 e aconteceu de forma pareada. Realizou-se inicialmente uma análise dos títulos e resumos, com auxílio de checklist para seleção dos artigos na perspectiva de identificar aqueles que poderiam responder a questão norteadora. Assim, foram selecionados 68 artigos, que foram lidos na íntegra e deste modo, 15 fizeram parte da amostra, devido a duplicações, fugas do tema, acesso pago e revisões. Os 15 artigos foram lidos de forma exaustiva, foram analisados de forma descritiva e classificados por nível de evidência1616 Melnyk BM, Fineout-Overholt E. Making the case for evidence-based practice. In: Melnyk BM, Fineout-Overholt E. Evidence-based practice in nursing & healthcare. A guide to best practice. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2005. p. 3-24..
Dessa forma, os artigos foram classificados em sete níveis: I) aqueles provenientes de revisões sistemáticas ou de metanálise; II) estudos derivados de ensaios clínicos, desde que controlados e delineados; III) origina-se de ensaios clínicos sem randomização; IV) classificação para estudos de coorte e caso-controle; V) classificação dada para estudos de revisão sistemática de pesquisas descritivas e qualitativas; VI) classificação de pesquisas descritivas ou qualitativas e VII) aquelas pesquisas provenientes de opiniões de pesquisados referenciados como autoridades e/ou de opinião de um comitê de especialistas1616 Melnyk BM, Fineout-Overholt E. Making the case for evidence-based practice. In: Melnyk BM, Fineout-Overholt E. Evidence-based practice in nursing & healthcare. A guide to best practice. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2005. p. 3-24.. O processo de filtragem pode ser observado na Figura 1.
Resultados
As buscas realizadas apresentaram um total de 2.403 resultados. Após a utilização dos critérios de inclusão e exclusão, foram utilizados para o estudo 15 artigos.
O Quadro 1 demonstra a caracterização dos estudos utilizados na presente revisão com dados de autoria, ano e país, além de objetivo e principais resultados.
Observa-se que dentre as publicações houve prevalência de estudos realizados no ano de 2017 (quatro) e 2014 (quatro), seguidos de 2016 (dois), 2011 (dois), 2015 (um), 2013 (um) e 2012 (um), com predominância de estudos com abordagens qualitativa (oito), seguidos quantitativo (seis) e misto (um).
Discussão
A violência contra crianças e adolescentes apresenta-se como um fenômeno complexo, apresentando consequências que percorrem o aspecto individual e social. É influenciada por questões sociais, econômicas e, permeada por características culturais e relacionais1717 Ramos MLC, Silva AL. Estudo sobre violência doméstica contra a criança em unidades básicas de saúde do município de São Paulo - Brasil. Saude Soc 2011; 20(1):136-146., apresentando causas complexas e de difícil detecção1818 Dosari MS, Ferwana M, Addulmajeed I, Aldrossari KK. Parent's perceptions about child abuse and their impacto on physical and emotional child abuse: a study from primary health care centers in Riyadh, Saudi Arabia. J Family Community Med 2017; 24(2):79-85.. Para enfrentá-la, como primeiro passo, torna-se importante o (re)conhecimento de casos de violência, bem como, o aprofundamento sobre suas variantes, causas e consequências.
Neste sentido, a violência contra crianças e adolescentes pode ser demonstrada em quatro tipos como negligência, violência sexual, violência física e psicológica1717 Ramos MLC, Silva AL. Estudo sobre violência doméstica contra a criança em unidades básicas de saúde do município de São Paulo - Brasil. Saude Soc 2011; 20(1):136-146.. Violência física pode ser definida como agressão física, de caráter não acidental, praticada por cuidadores ou pais. Já a psicológica é compreendida como agressões verbais a vítima, sendo exemplificada por insultos, críticas ou bloqueio das iniciativas infantis. A negligência é definida como ausência de cuidados ao menor pelos responsáveis de necessidades básicas e é representada como o tipo mais frequente de violência contra este público1717 Ramos MLC, Silva AL. Estudo sobre violência doméstica contra a criança em unidades básicas de saúde do município de São Paulo - Brasil. Saude Soc 2011; 20(1):136-146.. A violência sexual é compreendida como a prática de comportamentos sexual, que tem por objetivo a excitação sexual do agressor, sem permissão da vítima, ou exposição da mesma a material pornográfico1919 Apostólico MR, Hino O, Egry EY. As possibilidades de enfrentamento da violência infantil na consulta de enfermagem sistematizada. Rev Esc Enferm USP 2013; 47(2):320-327..
Assim, reconhecendo sua existência e variantes, existe a necessidade de funcionamento efetivo de uma rede de enfrentamento que deve dispor de serviços e profissionais para combate ao fenômeno (prevenção, diagnóstico, intervenção e reabilitação), havendo a necessidade de um olhar sensível dos profissionais envolvidos, a exemplo dos alocados nos serviços de saúde, que devem estar capacitados para identificação dos sinais decorrentes de cada agravo. O processo de enfrentamento da violência é complexo, sendo este, possivelmente, permeado por desafios que precisam ser enfrentados e articulados. A Atenção Primária à Saúde (APS) representa uma das estratégias para enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes, onde esse serviço possui características que lhes são favoráveis.
Sabe-se que a APS, tendo como porta de entrada a ESF, dispõe de organização e condições para o desenvolvimento de práticas direcionadas ao enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes. Neste sentido, instrumentos de trabalho propício ao efetivo enfrentamento se constituem de reuniões em equipe/planejamento/avaliação, proximidade dos profissionais com a comunidade, vínculo estabelecido entre usuários e profissionais do serviço, visitas domiciliares e utilização do trabalho do ACS para entendimento da dinâmica familiar77 Moreira GAR, Vieira LJES, Derlandes, SF, Pordeus MA, Gama IS, Brilhante AVM, Fatores associados à notificação de maus-tratos em crianças e adolescentes na atenção básica. Cien Saude Colet 2014; 19(10):4267-4276.,1919 Apostólico MR, Hino O, Egry EY. As possibilidades de enfrentamento da violência infantil na consulta de enfermagem sistematizada. Rev Esc Enferm USP 2013; 47(2):320-327.
20 Carlos DM, Pádua EMM, Ferriani MG. Violência contra crianças e adolescentes: o olhar da atenção primária à saúde. Rev Bras Enferm 2017; 70(3):537-544.-2121 Porto RTS, Bispo Júnior JP, Lima, EC. Violência doméstica e sexual no âmbito da estratégia saúde da família: atuação profissional e barreiras para o enfrentamento. Physis 2014; 24(3):787-807..
Além das atividades acima realizadas, uma ação que deve ser desenvolvida por todos é o acolhimento como uma tecnologia leve que deve ser oferecida a todos os usuários que buscam o serviço de saúde2020 Carlos DM, Pádua EMM, Ferriani MG. Violência contra crianças e adolescentes: o olhar da atenção primária à saúde. Rev Bras Enferm 2017; 70(3):537-544.,2121 Porto RTS, Bispo Júnior JP, Lima, EC. Violência doméstica e sexual no âmbito da estratégia saúde da família: atuação profissional e barreiras para o enfrentamento. Physis 2014; 24(3):787-807.. Esta tecnologia contribui para enfrentamento da violência, pois o ato de acolher faz com que os profissionais identifiquem queixas dos usuários, geralmente, decorrentes de demanda espontânea, e assim, fornece a possibilidade de identificar e intervir em casos de violência2020 Carlos DM, Pádua EMM, Ferriani MG. Violência contra crianças e adolescentes: o olhar da atenção primária à saúde. Rev Bras Enferm 2017; 70(3):537-544.. Tal tecnologia fortalece a assistência à clientela por todos os profissionais2121 Porto RTS, Bispo Júnior JP, Lima, EC. Violência doméstica e sexual no âmbito da estratégia saúde da família: atuação profissional e barreiras para o enfrentamento. Physis 2014; 24(3):787-807..
Dentre os diversos profissionais da ESF, o ACS representa um personagem de destaque implementação das ações de acolhimento e de demais ações que podem ser desenvolvidas pela equipe no enfrentamento à violência, pois o conhecimento sobre a rotina dos membros da comunidade e do cotidiano das famílias faz com que o ACS seja sempre solicitado juntos às reuniões de planejamento. O ACS serve como mediador entre profissionais e comunidade ao avaliar as ações implementadas e fornecer retorno sobre seus resultados; ainda, identifica na comunidade possíveis elos para fortalecimento do enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes77 Moreira GAR, Vieira LJES, Derlandes, SF, Pordeus MA, Gama IS, Brilhante AVM, Fatores associados à notificação de maus-tratos em crianças e adolescentes na atenção básica. Cien Saude Colet 2014; 19(10):4267-4276.,2121 Porto RTS, Bispo Júnior JP, Lima, EC. Violência doméstica e sexual no âmbito da estratégia saúde da família: atuação profissional e barreiras para o enfrentamento. Physis 2014; 24(3):787-807..
O papel do ACS tem destaque, visto que, suspeitas dos casos de violência são identificadas, principalmente nas visitas domiciliares, onde observam-se indícios de violência, a verbalização por parte da criança do ato ou informações fornecidas por membros da comunidade1717 Ramos MLC, Silva AL. Estudo sobre violência doméstica contra a criança em unidades básicas de saúde do município de São Paulo - Brasil. Saude Soc 2011; 20(1):136-146.,2121 Porto RTS, Bispo Júnior JP, Lima, EC. Violência doméstica e sexual no âmbito da estratégia saúde da família: atuação profissional e barreiras para o enfrentamento. Physis 2014; 24(3):787-807.. Tais informações fornecem aos ACS e profissionais da APS subsídios para identificar crianças e adolescentes vítimas de violência, seja ela realizada por pais e responsáveis, ou por terceiros. A possibilidade de abordagem variada, nas visitas ou nos consultórios, auxilia nesta identificação.
Destarte, a identificação dos sinais de violência contra crianças e adolescentes acontece também durante as consultas por profissionais na ESF, principalmente com médicos e enfermeiros, onde através de anamnese e exame físico, o profissional tem a possibilidade de suspeitar, a partir das informações fornecidas e no processo de avaliação do usuário e suas queixas, intervir de forma precoce após a identificação de achados que remetam a violência1717 Ramos MLC, Silva AL. Estudo sobre violência doméstica contra a criança em unidades básicas de saúde do município de São Paulo - Brasil. Saude Soc 2011; 20(1):136-146.. Entre os principais achados nas consultas estão as lesões decorrentes das agressões, devendo os profissionais estarem atentos para outros sinais de violência facilitando seu enfrentamento2121 Porto RTS, Bispo Júnior JP, Lima, EC. Violência doméstica e sexual no âmbito da estratégia saúde da família: atuação profissional e barreiras para o enfrentamento. Physis 2014; 24(3):787-807..
Para além do (re)conhecimento de casos de violência contra crianças e adolescentes, há a necessidade de ações realizadas por profissionais de saúde no tocante à sua prevenção, tais como orientações durante consulta de pré-natal para estabelecimento de vínculo entre criança/genitores; educação em saúde para prevenção de gravidez indesejada, identificação precoce e intervenção em problemas emocionais, sociais e intrafamiliares, dentre outros.
Realizar ações direcionadas à educação e compartilhar informações por meio de diálogo com a comunidade e familiares, bem como orientações direcionadas aos pais para que compreendam o processo de desenvolvimento da criança e do adolescente e entendam as necessidades de comportamentos dos infantes1717 Ramos MLC, Silva AL. Estudo sobre violência doméstica contra a criança em unidades básicas de saúde do município de São Paulo - Brasil. Saude Soc 2011; 20(1):136-146.,2222 Andrade EM, Nakamura E, Paula CS, Nascimento R, Bordin IA, Martin D. A visão dos profissionais de saúde em relação à violência doméstica contra crianças e adolescentes: um estudo qualitativo. Saude Soc 2011; 20(1):147-155., estão entre as principais estratégias de prevenção ao fenômeno. Ainda, o conhecimento sobre aspectos culturais e sociais são importantes para que os profissionais de saúde compreendam a complexidade da dinâmica familiar e comunitária, sendo fatores que auxiliam na melhoria das ações de enfrentamento à violência2020 Carlos DM, Pádua EMM, Ferriani MG. Violência contra crianças e adolescentes: o olhar da atenção primária à saúde. Rev Bras Enferm 2017; 70(3):537-544.,2323 Egry EY, Apostólico MR, Morais TCP, Lisboa CCR. Enfrentar a violência infantil na atenção básica: como os profissionais percebem? Rev Bras Enferm 2016; 70(1):113-119..
Ações como educação permanente dos profissionais sobre a temática também devem ser incentivadas2020 Carlos DM, Pádua EMM, Ferriani MG. Violência contra crianças e adolescentes: o olhar da atenção primária à saúde. Rev Bras Enferm 2017; 70(3):537-544.,2424 Maia JNM, Ferrari RAP, Gabani FL, Tacla MTGM, Reis TB, Fernandes MLC. Violência contra criança: cotidiano de profissionais na atenção primária à saúde. Rev Rene 2016; 17(5):593-601.. Essa atividade fornece embasamento teórico e segurança para que os profissionais desenvolvam ações adequadas e seguras para a criança e adolescente vítima de violência, fazendo com que as ações de enfrentamento sejam eficazes2525 Lewis NV, Larkins C, Stanley N, Szilassy E, Turner W, Drinkwater J, Feder GS. Training in domestic violence and child safeguarding in general practice: a evaluation of the method of a pilot intervention. BMC Farm Pract 2017; 4(18):18-33..
Para fortalecer sua atuação, entre os serviços que devem compor a rede de enfrentamento e que atuam como suporte para as ações da APS estão os serviços vinculados à assistência social, jurídico e educação, que podem e devem ser acionados, sempre que necessário, permitindo-se uma atuação em rede com atendimento e implementação de cuidado adequado às crianças e famílias envolvidas com a violência2020 Carlos DM, Pádua EMM, Ferriani MG. Violência contra crianças e adolescentes: o olhar da atenção primária à saúde. Rev Bras Enferm 2017; 70(3):537-544.. Outros, são os serviços de urgência e emergência que fazem atendimento às vítimas. Ainda, é sabido que o juizado de menores sempre deve ser contatado, por representar uma instituição de proteção de crianças e adolescentes vítimas de violência no Brasil, apesar da grande dificuldade relatada quanto a interação entre profissional de saúde e Conselho Tutelar2020 Carlos DM, Pádua EMM, Ferriani MG. Violência contra crianças e adolescentes: o olhar da atenção primária à saúde. Rev Bras Enferm 2017; 70(3):537-544.,2222 Andrade EM, Nakamura E, Paula CS, Nascimento R, Bordin IA, Martin D. A visão dos profissionais de saúde em relação à violência doméstica contra crianças e adolescentes: um estudo qualitativo. Saude Soc 2011; 20(1):147-155..
As ações interdisciplinares e com integração de diversos setores proporcionam a formação de um serviço de saúde integralizado, pois a complexidade do fenômeno da violência faz com que haja abordagem de diversos profissionais para um cuidado geral e integral2020 Carlos DM, Pádua EMM, Ferriani MG. Violência contra crianças e adolescentes: o olhar da atenção primária à saúde. Rev Bras Enferm 2017; 70(3):537-544.. Para isso, há a necessidade de um suporte aos profissionais que realizam ações para enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes, suporte que seria o apoio de profissionais da saúde mental para auxiliar no processo de condutas e mesmo preparo psicológico do profissional de saúde e dos envolvidos com o agravo - vítima e agressor2222 Andrade EM, Nakamura E, Paula CS, Nascimento R, Bordin IA, Martin D. A visão dos profissionais de saúde em relação à violência doméstica contra crianças e adolescentes: um estudo qualitativo. Saude Soc 2011; 20(1):147-155.. A atuação do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB) e o apoio matricial se tornam potencializadores deste processo, possibilitando enfrentar a complexidade do problema (ao ampliar capacidades de cuidado), produzindo conhecimento mútuo e trocas, além de aproximação e conversações com outros serviços e setores, sendo uma ferramenta de trabalho como forma de planejar as ações dentro das equipes2626 Melo EA. Caderno do curso Apoio Matricial na atenção básica com ênfase nos NASF: aperfeiçoamento. 2ª ed. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2016..
Apesar dos profissionais da APS possuírem características e condições promissoras para enfrentar a violência contra crianças e adolescentes, eles também apresentam dificuldades em lidar com tais casos, contribuindo para o enfraquecimento das ações desempenhadas.
A subnotificação dos casos de violência contra crianças e adolescentes representa um fator comprometedor para seu enfrentamento, gerando um desconhecimento sobre a real magnitude do problema no território de atuação, como para entendimento geral do agravo. Pode estar relacionada ao despreparo dos profissionais em abordar o problema2727 Rolim ACA, Moreira GAR, Gordim SMM, Paz SS, Vieira LJES. Fatores associados à notificação de maus-tratos em crianças e adolescentes realizada por enfermeiros na atenção primária à saúde. Lat-Am Enferm 2014; 22(6):1048., onde é reconhecida a invisibilidade da violência, seguido de silêncio e negação2121 Porto RTS, Bispo Júnior JP, Lima, EC. Violência doméstica e sexual no âmbito da estratégia saúde da família: atuação profissional e barreiras para o enfrentamento. Physis 2014; 24(3):787-807.. O desconhecimento por parte dos profissionais em como abordar situações de violência gera uma assistência insuficiente e ações obrigatórias, tais como a notificação, deixam de ser realizadas.
Quanto às notificações de violência contra crianças e adolescentes, há baixa frequência no quantitativo das mesmas, embora seja obrigatória, como orienta o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Observa-se que a notificação de casos de violência contra crianças e adolescentes não é uma prática rotineira dos profissionais da saúde2828 Moreira L, Santos HR, Gonçalvez E, Souza FC, Scussel JL, Vieira P. A educação permanente em saúde e sua relação com o empoderamento: reflexões a partir das agentes comunitárias de saúde. Rev Teias 2013; 14(34):163-190.. Entre outras razões, estariam a incerteza sobre a suspeita, encaminhamento para outros profissionais, serviço de proteção infantil já associado ao caso de violência, medo de perder a confiança e o contato com a família e falta de tempo2929 Talsma M, Brstrom KB, Ostberg AL. Facing suspected child abuse - what keeps Swedish general practitioners from reporting to child protective services? Scand J Prim Health Care 2015; 33(1):21-26.. A ausência de preparo dos profissionais dificulta uma assistência adequada, pois realizam apenas encaminhamentos e fragmentam a assistência2121 Porto RTS, Bispo Júnior JP, Lima, EC. Violência doméstica e sexual no âmbito da estratégia saúde da família: atuação profissional e barreiras para o enfrentamento. Physis 2014; 24(3):787-807.,2222 Andrade EM, Nakamura E, Paula CS, Nascimento R, Bordin IA, Martin D. A visão dos profissionais de saúde em relação à violência doméstica contra crianças e adolescentes: um estudo qualitativo. Saude Soc 2011; 20(1):147-155..
Um possível motivo para este problema seria o medo dos profissionais em estarem envolvidos de forma legal na operacionalização da notificação2828 Moreira L, Santos HR, Gonçalvez E, Souza FC, Scussel JL, Vieira P. A educação permanente em saúde e sua relação com o empoderamento: reflexões a partir das agentes comunitárias de saúde. Rev Teias 2013; 14(34):163-190.. Outro aspecto que compromete o enfrentamento da violência é a não intervenção frente ao ciclo geracional, onde a criança vítima de violência ou abuso irá reproduzir tais atos quando adulto, sendo a violência repassada para a nova família1818 Dosari MS, Ferwana M, Addulmajeed I, Aldrossari KK. Parent's perceptions about child abuse and their impacto on physical and emotional child abuse: a study from primary health care centers in Riyadh, Saudi Arabia. J Family Community Med 2017; 24(2):79-85.,2323 Egry EY, Apostólico MR, Morais TCP, Lisboa CCR. Enfrentar a violência infantil na atenção básica: como os profissionais percebem? Rev Bras Enferm 2016; 70(1):113-119..
Ainda, a dificuldade de atuação dos profissionais de saúde em comunidades na qual os moradores estão envolvidos com o consumo de drogas e narcotráfico, o medo do profissional em serem vítimas de retaliações e a ausência de conhecimentos sobre como abordar a criança e a família em situação de violência, apresentam-se como aspectos que comprometem o seu enfrentamento77 Moreira GAR, Vieira LJES, Derlandes, SF, Pordeus MA, Gama IS, Brilhante AVM, Fatores associados à notificação de maus-tratos em crianças e adolescentes na atenção básica. Cien Saude Colet 2014; 19(10):4267-4276.,2222 Andrade EM, Nakamura E, Paula CS, Nascimento R, Bordin IA, Martin D. A visão dos profissionais de saúde em relação à violência doméstica contra crianças e adolescentes: um estudo qualitativo. Saude Soc 2011; 20(1):147-155.,2424 Maia JNM, Ferrari RAP, Gabani FL, Tacla MTGM, Reis TB, Fernandes MLC. Violência contra criança: cotidiano de profissionais na atenção primária à saúde. Rev Rene 2016; 17(5):593-601..
Uma rede não articulada no processo de enfrentamento da violência doméstica contra crianças e adolescentes comprometerá sua dinâmica, não sendo as ações resolutivas e as ações profissionais fragmentadas2222 Andrade EM, Nakamura E, Paula CS, Nascimento R, Bordin IA, Martin D. A visão dos profissionais de saúde em relação à violência doméstica contra crianças e adolescentes: um estudo qualitativo. Saude Soc 2011; 20(1):147-155.,2727 Rolim ACA, Moreira GAR, Gordim SMM, Paz SS, Vieira LJES. Fatores associados à notificação de maus-tratos em crianças e adolescentes realizada por enfermeiros na atenção primária à saúde. Lat-Am Enferm 2014; 22(6):1048.,3030 Carlos DM, Pádua EMM, Ferriani MGC. Rede de atenção às famílias envolvidas na violência contra crianças e adolescentes: a perspectiva da Atenção Primária à Saúde. J Clin Nurs 2017; 26:15-16.,3131 Dubowitz H, Lane WG, Semiatin JN, Magder LS. The SEEK Model of Pediatric Primary Care Can Child Maltreatment Be Prevented in a Low-Risk Acad Pediatr 2012; 12(4):259-268.. Os profissionais da APS devem ter conhecimento sobre o funcionamento da rede em seus municípios e quais serviços estão disponíveis na mesma, para assim entender e visualizar a possibilidade de ações e estratégias, bem como subsidiar a assistência.
Em síntese, os pontos mencionados anteriormente são ilustrados na Figura 2, que apresenta os principais achados da revisão integrativa. Assim, é observado que a assistência a crianças e adolescentes, vítimas de violência, deve ser realizada por profissionais capacitados, dispondo de uma rede de enfrentamento articulada com o serviço de saúde existente. Apesar da APS dispor de condições para tal, o despreparo dos profissionais, redes fragmentadas e a violência invisibilizada trazem prejuízos às vítimas, por não fornecer assistência e suporte suficientes.
Compreende-se que o apoio junto à equipe multiprofissional e serviços que são contemplados na rede de enfrentamento à violência2424 Maia JNM, Ferrari RAP, Gabani FL, Tacla MTGM, Reis TB, Fernandes MLC. Violência contra criança: cotidiano de profissionais na atenção primária à saúde. Rev Rene 2016; 17(5):593-601. fortalece as ações da APS. Para tanto, os profissionais da ESF devem desempenhar suas atividades e ações direcionados na execução da clínica ampliada, fazendo com que haja uma abordagem integral à vítima2121 Porto RTS, Bispo Júnior JP, Lima, EC. Violência doméstica e sexual no âmbito da estratégia saúde da família: atuação profissional e barreiras para o enfrentamento. Physis 2014; 24(3):787-807. e para isso, há a necessidade de uma articulação em rede, onde serviços e instituições são utilizadas para dar suporte e contribuir para o enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes.
Considerações finais
Observa-se que a negligência, seguido de violência sexual, física e psicológica apresentam-se como as principais violências cometidas contra crianças e adolescentes. Estas, identificadas nas consultas por profissionais da APS e visitas domiciliares dos ACS demonstram que o fenômeno é frequente e que necessita de intervenções.
A suspeita é identificada, principalmente, por médicos e enfermeiros, contudo, o ACS apresenta-se como mediador entre a comunidade e o serviço de saúde, levando as demandas do seu território à ESF, onde busca-se intervenções para os problemas, entre eles, a violência.
Apesar de identificar sinais de violência e suspeitar, é visto que a equipe da ESF se sente despreparada para enfrentar e intervir em casos de violência contra crianças e adolescentes, onde o despreparo se apresenta como um problema para que estes profissionais desempenhem suas atividades de forma eficaz, o que implica em subnotificação dos casos e consequente não intervenção.
A não articulação da rede de serviços é apresentada como fragilidade neste enfrentamento, havendo a necessidade de que se fortaleça a relação entre os serviços, tanto no âmbito da saúde, quanto de caráter interdisciplinar, fazendo com que seja ofertada uma assistência integral e eficaz às crianças e adolescentes vítimas de violência. Há de se fortalecer o processo de educação permanente dos profissionais da APS, fazendo com que seja abordado a atuação destes desde a suspeita até a intervenção junto à vítima e família.
Espera-se que os achados possam contribuir para o fornecimento de assistência qualificada pela equipe ESF, onde profissionais e estudantes possam refletir sobre a assistência prestada ao público em estudo. Contudo, recomenda-se, o desenvolvimento de novos estudos sobre a temática, visto que é um assunto inesgotável, onde os achados fortalecerão o enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes.
Referências
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
10 Nov 2023 - Data do Fascículo
Nov 2023
Histórico
- Recebido
25 Fev 2022 - Aceito
17 Mar 2023 - Publicado
19 Mar 2023