Novas conformações do apoio matricial em tempos de pandemia de COVID-19

Mauricio Pereira de Mattos Adriana Coser Gutiérrez Sobre os autores

Resumo

O presente artigo buscou analisar as diferentes conformações do apoio matricial a partir das mudanças engendradas pela pandemia de SARS-CoV-2, tendo como referência o processo de trabalho do Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF) neste contexto, do município de Maricá, Rio de Janeiro, Brasil. Utilizou-se como método de investigação a pesquisa qualitativa e de análise a hermenêutica dialética, subsidiada por técnicas definidas em função do cenário pandêmico - websurvey, entrevista semiestruturada, análise documental e busca nos sistemas de informações do Sistema Único de Saúde. Como principais resultados, a pesquisa evidenciou: aumento de queixas associadas à saúde mental, em usuários e trabalhadores; necessidade de mobilização das redes de apoio socioassistenciais; ampliação do apoio remoto, sobretudo junto aos profissionais das equipes vinculadas; menor circulação dos especialistas pelos territórios. A pesquisa identificou que o processo de trabalho foi se tornando mais individualizado, dentro dos consultórios, e que as equipes mínimas reuniram poucas condições para a atenção aos agravos decorrentes da COVID-19, confirmando o NASF como uma equipe essencial da Atenção Primária à Saúde.

Palavras-chave:
COVID-19; Atenção Primária à Saúde; Núcleo Ampliado de Saúde da Família; Apoio Matricial; Pesquisa Qualitativa

Introdução

O Sistema Único de Saúde (SUS) passou por profundas transformações desde que o 1º caso de COVID-19 foi confirmado no Brasil, em fevereiro de 2020. A pandemia devastadora que se sucedeu imprimiu mudanças importantes no processo de trabalho nos diferentes serviços de saúde, que precisaram adaptar protocolos, fluxos operacionais e outros arranjos de cuidado, frente às medidas preventivas necessárias para evitar a proliferação do SARS-CoV-2. Além disso, a emergência sanitária trouxe grande sobrecarga e pressão aos trabalhadores da saúde.

Inicialmente, os recursos voltaram-se para o atendimento aos casos graves e no aumento do número de leitos hospitalares, com a Atenção Primária à Saúde (APS) sendo deixada em segundo plano, a despeito de sua capilaridade nos municípios brasileiros e da capacidade em executar medidas de controle da pandemia. Ações de vigilância em saúde, cuidados assistenciais, apoio aos mais vulneráveis, além das intervenções rotineiras dos serviços, são algumas atividades a serem desenvolvidas neste cenário11 Engstrom E, Melo E, Giovanella L, Mendes A, Grabois V, Mendonça MHM. Recomendações para a organização da Atenção Primária à Saúde no SUS no enfrentamento da COVID-19. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2020.

2 Giovanella L, Martufi V, Mendoza DCR, Mendonça MHM, Bousquat A, Aquino R, Medina MG. A contribuição da Atenção Primária à Saúde na rede SUS de enfrentamento à COVID-19. Saude Debate 2020; 44(n. esp. 4):161-176.
-33 Rede de Pesquisa em APS. Bases para uma Atenção Primária à Saúde integral, resolutiva, territorial e comunitária no SUS: aspectos críticos e proposições. Rio de Janeiro: Organização Pan-americana de Saúde, Abrasco; 2022.. Com o início da imunização, a APS volta a ganhar destaque, pela sua expertise e tradição em campanhas vacinais.

Neste contexto, a falta de coordenação nacional e a fragilidade das respostas dadas pelo Governo Federal e Ministério da Saúde (MS) levou ao descontrole da doença no Brasil, refletindo no número de infectados, de mortos e no tempo de duração da pandemia44 Giovanella L, Medina MG, Aquino R, Bousquat A. Negacionismo, desdém e mortes: notas sobre a atuação criminosa do governo federal brasileiro no enfrentamento da COVID-19. Cad Saude Publica 2020; 44(126):895-971.. Houve ainda demora na implantação de medidas de apoio à economia e ao emprego, o que ocasionou o recrudescimento das vulnerabilidades sociais55 Matta GC, Rego S, Souto EP, Segata J, organizadores. Os impactos sociais da COVID-19 no Brasil: populações vulnerabilizadas e respostas à pandemia. Rio de Janeiro: Observatório Covid-19, Editora Fiocruz; 2021..

Com o avanço da pandemia e o grande número de pessoas acometidas pela COVID-19 em diferentes graus, outras demandas foram surgindo, como a necessidade de atendimento aos casos persistentes e duradouros de COVID longa66 Miranda DAP, Gomes SVC, Filgueiras PS, Corsini CA, Almeida NBF, Silva RA, Medeiros MIVARC, Vilela RVR, Fernandes GR, Grenfell RFQ. Long COVID-19 syndrome: a 14-months longitudinal study during the two first epidemic peaks in Southeast Brazil. Trans R Soc Trop Med Hyg 2022; 116(11):1007-1014.. Os diversos agravos e sequelas associados direta ou indiretamente à pandemia, como questões de saúde mental, empobrecimento da população e insegurança alimentar, além do agravamento das condições crônicas de saúde causado pela interrupção temporária dos acompanhamentos, provocam o tensionamento e a mobilização dos diferentes níveis de atenção, especialmente da APS22 Giovanella L, Martufi V, Mendoza DCR, Mendonça MHM, Bousquat A, Aquino R, Medina MG. A contribuição da Atenção Primária à Saúde na rede SUS de enfrentamento à COVID-19. Saude Debate 2020; 44(n. esp. 4):161-176.,77 Mendes EV. O lado oculto de uma pandemia: a terceira onda da COVID-19 ou o paciente invisível [Internet]. 2020 [acesso 2022 nov 21]. Disponível em: https://www.conass.org.br/biblioteca/o-lado-oculto-de-uma-pandemia-a-terceira-onda-da-covid-19-ou-o-paciente-invisivel/.
https://www.conass.org.br/biblioteca/o-l...
,88 Rede APS. Pós-COVID-19 e a importância da ESF para o cuidado e reabilitação [Internet]. 2020 [acesso 2023 fev 23]. Disponível em: https://redeaps.org.br/2021/08/15/pos-covid-19-e-a-importancia-da-esf-para-o-cuidado-e-reabilitacao/.
https://redeaps.org.br/2021/08/15/pos-co...
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O Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF), equipe interprofissional99 Peduzzi M, Agreli HLF, Silva JAM, Souza HS. Trabalho em equipe: uma revisita ao conceito e a seus desdobramentos no trabalho interprofissional. Trab Educ Saude 2020; 18(Supl. 1):1-20. que executa ações de retaguarda especializada na APS, preferencialmente em intervenções coletivas e grupais, também precisou se adequar aos tempos pandêmicos. Por meio do referencial organizador do apoio matricial, os especialistas do NASF ofertam às Unidades Básicas de Saúde (UBS), apoio técnico-pedagógico e apoio clínico-assistencial1010 Almeida ER, Medina MG. A gênese do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) na agenda da atenção primária à saúde brasileira. Cad Saude Publica 2021; 37(10):1-16.. A maneira com que apoiadores e equipes vinculadas vão compondo seus trabalhos vai engendrar diferentes arranjos e configurações da função apoio, com efeitos na produção do cuidado em saúde.

O NASF pode ser compreendido como uma equipe que potencializa a gestão da clínica ampliada e compartilhada por meio do apoio matricial; o apoio matricial é um recurso da cogestão, um dispositivo que dispara processos de trabalho mais dialógicos e menos verticalizados1111 Campos GWS. Um Método para Análise e Cogestão de Coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda. 5ª ed. São Paulo: Hucitec; 2015.; para que ele se efetive, necessita de alguns arranjos institucionais - como reuniões de equipe e outros espaços coletivos protegidos - que devem ser valorizados e legitimados pela gestão, e que devido a COVID-19 foram reduzidos ou suspensos temporariamente.

Parte-se do pressuposto que a atuação dos especialistas do NASF se torna fundamental frente ao contexto da COVID-19 e outras emergências de saúde pública1212 Mattos MP, Gutiérrez AC, Campos GWS. Construção do referencial histórico-normativo do Núcleo Ampliado de Saúde da Família. Cien Saude Colet 2022; 27(9):3503-3516., o que implica na necessidade de produção de conhecimento acerca de novos modos de atuação. Em que pese os diversos estudos já realizados sobre o apoio matricial, pouco se conhece sobre essas intervenções em tempos de pandemia. Buscou-se, deste modo, analisar as novas conformações a partir de uma pesquisa qualitativa que investigou o processo de trabalho do NASF de Maricá, Rio de Janeiro, Brasil.

Métodos adotados no cenário da pandemia

O estudo foi desenvolvido no 2º semestre de 2021 em Maricá, localizado na região metropolitana II do estado do Rio de Janeiro, cuja população estimada pelo IBGE para o ano de 2021 era de 168.000 mil habitantes. Vivenciando um processo de expansão, a cobertura da Atenção Primária estava em torno de 98% da população projetada, com a atuação de 54 equipes de Saúde da Família (eSF) distribuídas em 24 UBS, além de 6 equipes NASF (eNASF), com 48 trabalhadores. Cabe ressaltar que, diferente da tendência nacional observada durante a realização do estudo1212 Mattos MP, Gutiérrez AC, Campos GWS. Construção do referencial histórico-normativo do Núcleo Ampliado de Saúde da Família. Cien Saude Colet 2022; 27(9):3503-3516., houve o aumento do número de NASF no município, passando de 2 para 6 equipes.

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa pois, segundo Minayo1313 Minayo MCS. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9ª ed. São Paulo: Hucitec; 2006., é o que permite compreender as “interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam”(p.57). Outrossim, os processos de trabalho nos quais os profissionais estão inseridos são produzidos para além das normativas que dão conformidade às práticas profissionais, e se realizam através de encontros entre sujeitos concretos que carregam crenças, desejos, valores e interesses.

As restrições impostas pela transmissibilidade da COVID-19 foram consideradas na definição dos procedimentos metodológicos, tendo em vista que encontros presenciais e espaços coletivos precisavam ser evitados. Neste sentido, optou-se pela conjugação de dados primários e secundários - websurvey, entrevista semiestruturada, análise documental e acesso aos sistemas de informações do SUS. Todas as informações produzidas foram tratadas separadamente, sendo integradas e combinadas na fase da discussão1414 Creswell JW. Projeto de Pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2021..

Questionários on-line, como websurvey apresentam maior praticidade de aplicação, não sendo necessário a interação física no compartilhamento tampouco para ser respondido. Realizar grupos focais ou um número grande de entrevistas presenciais traria maior complexidade à investigação, dado as restrições sanitárias e o cenário epidemiológico imprevisível do momento de sua realização. Sendo assim, foi desenvolvido o websurvey com vistas a mapear e compreender os modos de organização do processo de trabalho do NASF durante a pandemia. Feito por meio de um Formulário Google composto de 1 pergunta aberta e outras 25 de múltipla escolha - nenhuma delas de preenchimento obrigatório -, evitou-se incluir questões que pudessem identificar o trabalhador respondente, devido a implicação do pesquisador com o campo investigado. Em muitas perguntas era possível responder mais de uma opção, em outras adotou-se escalas de pontuação do tipo Likert, visto que o apoio matricial possui uma multiplicidade de modos de funcionamento e de possibilidades de interação entre profissionais1515 Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP). Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Orientações sobre ética em pesquisa em ambientes virtuais. Comitê de Ética em Pesquisa. Ver 1. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020.,1616 Dalmoro M, Vieira KM. Dilemas na construção de escalas tipo likert: o número de itens e a disposição influenciam nos resultados? Rev Gestao Org 2013; 6(3):161-174..

Após tabulação dos resultados do formulário, realizou-se análise preliminar das informações, com vistas a identificação de pontos relevantes que pudessem servir de referência para o roteiro das entrevistas individuais, assim como complementar algumas informações que o websurvey não conseguiu avançar por suas limitações de técnica1717 Boni RB. Websurveys nos tempos de COVID-19. Cad Saude Publica 2020; 36(7):1-4..

De posse dos roteiros, foram realizadas 3 entrevistas semiestruturadas com ex-gestores e apoiadores técnicos da Organização Social em Saúde (OSS) que assumiu a gestão da APS de Maricá em março de 2020, junto ao início da pandemia no município. Dois encontros foram realizados em ambientes virtuais e o terceiro, a pedido do entrevistado, de forma presencial, respeitando-se todos os protocolos sanitários.

Outras duas técnicas foram adotadas: análise documental, com vistas a identificar e discutir a construção normativas do NASF, período histórico 2008-2021; e análise de base de dados secundários, com acesso ao Sistema E-SUS e ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, o que permitiu o cruzamento entre os dados referentes à expansão da cobertura da ESF no município e sua relação com o número de equipes e profissionais do NASF.

Em função dos procedimentos metodológicos definidos, adotou-se a Hermenêutica Dialética como método de análise do estudo. Os dados primários investigados foram constituídos a partir do acesso a membros e ex-membros do NASF, sendo produtos de uma vivência singular mediada pela experiência coletiva. Neste sentido, as informações obtidas são balizadas por conceitos, diretrizes e modos de atuação, que ora convergem e se aproximam do normativo e em outros momentos divergem do instituído, pois são atualizadas pela ação dos agentes que as operam, que “podem ter simultaneamente interesses coletivos que os unem e interesses específicos que os distinguem e os contrapõem”1313 Minayo MCS. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9ª ed. São Paulo: Hucitec; 2006.(p.347).

O estudo construiu uma matriz de análise conceitual, em que relacionou-se o conceito de apoio matricial com as atividades sugeridas para compor a agenda dos profissionais - enumeradas no Cadernos de Atenção Básica (CAB) no 39 -, com as competências específicas descritas na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) de 20171818 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Cadernos de Atenção Básica, número 39. Brasília: MS; 2014.,1919 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no 2.476, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2017; 22 set.. A escolha desses documentos deveu-se ao fato do CAB 39 ser o principal material orientador do trabalho cotidiano do NASF publicado pelo MS e a PNAB ser a política vigente, em que pese as mudanças implementadas nos últimos anos2020 Giovanella L, Franco CM, Almeida PF. Política Nacional de Atenção Básica: para onde vamos? Cien Saude Colet 2020; 25(4):1475-1482.,2121 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no 2.979, de 12 de novembro de 2019. Institui o Programa Previne Brasil. Diário Oficial da União 2019; 13 nov..

A adoção da matriz de análise não teve a intenção de limitar a potência do trabalho efetivamente realizado, no sentido de ser um instrumento utilizado para aferir conformidade de práticas profissionais a um determinado modelo, ou de impedir o aparecimento de variantes do modo de operar o apoio matricial. Mais que utilizar matrizes como gabaritos para extrair decalques comparativos de conceitos e realidades, usá-las como referências para construir mapas singulares2222 Deleuze G, Guattari F. Introdução: Rizoma. In: Deleuze G, Guatarri F. Mil Platôs - Capitalismo e esquizofrenia 2. Vol. 1. São Paulo: Editora 34; 2011., abertos ao que escapa do prescrito.

Para sintetizar e facilitar a apreensão do fenômeno estudado1313 Minayo MCS. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9ª ed. São Paulo: Hucitec; 2006. foram propostas 5 categorias de análise: perfil profissional dos membros do NASF - o que é valorizado pela gestão; relação interprofissional - modos de cogestão1111 Campos GWS. Um Método para Análise e Cogestão de Coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda. 5ª ed. São Paulo: Hucitec; 2015. entre apoiadores e equipes vinculadas; processo de trabalho na pandemia de COVID-19 - formas de organização das práticas profissionais no contexto da pandemia; padrão de agravo na pandemia - agravos identificados no período; e a gestão e o NASF - apoio ofertado pelas áreas técnicas da prefeitura e OSS as intervenções dos especialistas.

As categorias visam ainda dialogar com a matriz de análise conceitual, avançando nas limitações das normativas vigentes frente às necessidades de saúde colocadas pela pandemia. Existe uma agenda aberta em relação ao processo de trabalho do NASF, que se configura com novas demandas, atribuições e competências para os especialistas não previstas no CAB 39 e na PNAB 2017. Essas insuficiências provocam a necessidade de edição de novas publicações e normativas oficiais, considerando as necessidades desse contexto.

Todos os aspectos éticos e legais foram respeitados, com a pesquisa sendo aprovada sob o CAEE 47280621.9.0000.5240. Após a aprovação, iniciou-se o “aquecimento do campo”, estratégia utilizada para garantir adesão expressiva à pesquisa. Inicialmente, apresentou-se o estudo nas reuniões das 6 equipes de NASF do município, esclarecendo os objetivos e métodos definidos, além de discutir a relevância da realização de uma análise em profundidade sobre o processo de trabalho no qual o profissional está inserido. Cada encontro contou em média com 5 profissionais, sendo realizado em espaço aberto, ventilado e com uso de equipamentos de proteção individual.

Antes de compartilhar o formulário eletrônico pelo aplicativo WhatsApp, foi enviada mensagem no grupo de trabalho da equipe, resgatando o que foi conversado nas reuniões, em que se reafirmou o caráter voluntário, sigiloso e anônimo da participação na pesquisa. Por meio de mensagem privada, enviou-se o link com o websurvey para os 38 profissionais elencados, segundo os critérios de inclusão - ser profissional do NASF - e de exclusão - atuar a menos de 3 meses na equipe.

Para alcançar um número positivo de respostas, foram enviados 2 lembretes por mensagem eletrônica ao longo dos 28 dias de realização desta fase, sendo o 1º após 8 dias do compartilhamento e o 2º na última semana. Essa estratégia foi adaptada da utilizada em pesquisas cujos questionários são enviados por serviço postal, onde são expedidas cartas de lembrança2323 Flick U. Introdução a metodologia de pesquisa: um guia para os iniciantes. Porto Alegre: Penso; 2013., aqui substituídas pelas mensagens. Por fim, 32 profissionais responderam ao questionário, em torno de 84% dos potenciais participantes.

Resultados e discussão

No momento em que o estudo foi realizado, o NASF era composto de 48 membros (7 fisioterapeutas, 6 assistentes sociais, 6 nutricionistas, 6 psicólogas, 5 farmacêuticos, 5 fonoaudiólogos, 5 médicas pediatras, 4 educadores físicos, 3 médicos gineco-obstetras e 1 enfermeira sanitarista), divididos em 6 grupos. Nessa organização, cada eNASF acompanha um número de 8 a 10 equipes, abrangendo 54 eSF, 1 de consultório na rua e 1 de saúde indígena, alcançando 100% das equipes de Atenção Primária do município.

Encontrou-se 2 tipos de vínculos empregatícios - 5 eram servidores estatutários e 43 contratados pela OSS - e 4 cargas horárias diferentes: 40 horas; 30 horas semanais para aqueles que têm essa definição em legislação própria; estatutários atuando 20 horas semanais; e médicos contratados pela OSS cumprindo 16 horas por semana. Diferenças nas cargas horárias implica diretamente na capacidade de apoio dos especialistas, podendo trazer sobrecarga de trabalho para algumas categorias. Médicos, por exemplo, precisam dividir as 16 horas para acompanhar até 10 equipes. Isto também ocorreu com alguns educadores físicos, que respondiam por todas as equipes do distrito no qual estavam inseridos. Além disso, esse tipo de inserção diminui sensivelmente a presença de especialidades junto às equipes mínimas, por vezes dificultando a participação em reuniões de equipe, estudo de caso, visitas domiciliares (VD) e a cogestão entre eNASF e eSF, provocando uma inserção mais verticalizada.

Conformações do apoio no município de Maricá

No Quadro 1 estão os resultados identificados no mapeamento do processo de trabalho feito a partir das informações primárias, agregadas de acordo com as 5 categorias de análise. Esses dados conformam os tipos de arranjos, adaptações e intervenções realizadas pelos especialistas, a partir das mudanças engendradas pela pandemia de SARS-CoV-2.

Quadro 1
Modos de organização do NASF de Maricá na pandemia.

Analisando os resultados encontrados, é possível verificar que pouco mais da metade dos profissionais ingressaram no NASF durante a pandemia, configurando-se como uma equipe nova. Contudo, grande parte já possuía experiência em outros municípios como apoiadores matriciais. Tal fato se torna plausível quando existe a consolidação de uma política e de uma prática, com acúmulo de profissionais com conhecimento técnico para operá-la, fruto do investimento que vinha sendo feito pelo MS desde 2008, interrompido pelo Programa Previne Brasil1212 Mattos MP, Gutiérrez AC, Campos GWS. Construção do referencial histórico-normativo do Núcleo Ampliado de Saúde da Família. Cien Saude Colet 2022; 27(9):3503-3516.,2121 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no 2.979, de 12 de novembro de 2019. Institui o Programa Previne Brasil. Diário Oficial da União 2019; 13 nov..

A maioria dos membros da equipe buscou iniciativas de formação sobre a pandemia, entretanto, um número considerável de 37,5% dos profissionais não participou de nenhum momento de capacitação sobre a COVID-19, a despeito das grandes mudanças na organização e nas intervenções das práticas de saúde. Alguns participaram de formações oferecidas por instituições externas, não sendo possível garantir a qualidade e o grau de aprofundamento dessas capacitações. Importante ressaltar o número de profissionais que foram capacitados também pelas equipes apoiadas - ¼ dos participantes -, evidenciando a via de mão dupla da função apoio.

Outro ponto de destaque refere-se ao pouco investimento feito pelas áreas técnicas da prefeitura e OSS na discussão sobre a COVID-19, com apenas 12,5% dos especialistas mencionando que participaram de capacitação oferecida pela gestão local. A falta de ofertas desses espaços oferecidos pela gestão pode ser entendida como baixo investimento no processo de educação permanente das equipes. A formação dos profissionais do NASF ganha maior importância pois o conhecimento adquirido reverbera nas equipes apoiadas, seja por uma ação matriciadora de compartilhamento de saberes e práticas, ou mesmo através da atenção direta aos usuários e coletivos. Mesmo assim, a gestão foi identificada como um apoio importante para os especialistas frente às questões que envolvem a COVID-19, ficando atrás somente dos próprios membros do NASF, considerados os maiores apoiadores durante a pandemia.

As agendas de trabalho do NASF foram definidas em conjunto com as equipes apoiadas e, também, em articulação com os outros membros especialistas. Programar as intervenções conjuntamente com aqueles que demandam o apoio, discuti-las coletivamente como serão executadas e respondidas, permite que as ações sejam realizadas com a corresponsabilização daqueles que participam de sua contratualização. Quando são implicados no planejamento e gestão do processo de trabalho, o cuidado em saúde passa a ter outro sentido para aqueles que o executam, com ganhos para além de seu valor de uso utilitário. O trabalho produzindo mercadoria - o cuidado em saúde - e engendrando mudanças no sujeito trabalhador1111 Campos GWS. Um Método para Análise e Cogestão de Coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda. 5ª ed. São Paulo: Hucitec; 2015..

Outro aspecto relevante dessa pactuação está relacionado às condições objetivas para que as intervenções aconteçam, como a garantia de infraestrutura e espaços físicos protegidos para realização das atividades grupais, interconsultas ou mesmo dos atendimentos individuais. Visitas domiciliares, por exemplo, dependem da viabilidade de algumas condições, como a garantia do deslocamento dos profissionais até a residência do usuário. Por isso, é imprescindível o planejamento conjunto para que se estabeleçam acordos entre as equipes, com o suporte da gestão.

Os resultados mostram que os profissionais que mais buscaram apoio do NASF nesse contexto foram os enfermeiros e os agentes comunitários de saúde (ACS). Em seguida vieram os médicos, gerentes de UBS, técnicos de enfermagem e, por último, dentista e/ou equipe de saúde bucal. Um dos gestores entrevistados aponta que tal fato pode refletir diversos fatores, como o maior número de ACS por equipe, profissional que, mesmo durante a pandemia, não deixou de atuar nos territórios. Outra justificativa seria a legitimação dada pela área técnica para o ACS acionar diretamente o NASF, evitando a centralidade ou restrição do apoio à médicos e outros profissionais de nível superior.

Os maiores parceiros de interconsultas foram os próprios profissionais do NASF, seguido dos enfermeiros e médicos, em uma pergunta do websurvey que utilizou escala de pontuação Likert. Nenhum dos 32 especialistas respondentes assinalou grau máximo no atendimento conjunto com médico, diferente de todos os outros profissionais, que obtiveram ao menos uma pontuação máxima. Podem ser feitas diferentes interpretações sobre essa questão. Na primeira, indicar a impossibilidade desses agrupamentos acontecerem na pandemia, devido a necessidade de distanciamento trazida pelas medidas sanitárias. Também pode denotar a falta de abertura dos médicos aos especialistas, ou vice-versa. Outro dificultador das interconsultas são agendas de trabalho eventualmente desencontradas e não coincidentes entre os dias do NASF na unidade e a disponibilidade dos médicos para a consulta compartilhada. Para um dos entrevistados, muitas vezes quando o especialista encontra barreiras para acessar a eSF e não ocorre a vinculação de trabalho com as equipes mínimas, ele busca espaço junto aos próprios companheiros de equipe.

No dispositivo interconsulta, além da troca de conhecimento é importante que ocorra a corresponsabilização entre os profissionais que estão partilhando o caso, não devendo se restringir apenas a um momento onde a eSF vai ter uma segunda opinião ou um parecer técnico de um especialista2424 Gutiérrez AC. Núcleo de Apoio a` Saúde da Família do Território Escola Manguinhos: análise sob a perspectiva do apoio matricial [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2014.. Na consulta compartilhada, núcleos profissionais distintos interagem com o usuário, e também entre si, em uma ação onde diferentes formas de manejo sobre determinado problema de saúde ocorrem durante a consulta. Através da colaboração e da observação se opera a dimensão técnico-pedagógica do apoio matricial que, por meio do compartilhamento de práticas e saberes, possibilita a ampliação da capacidade resolutiva dos envolvidos.

Um dos grandes desafios para o apoio matricial é o de propor um modelo de funcionamento em que as ações e intervenções propostas são cogeridas, e para que isso ocorra, é necessário que as equipes tenham espaços de discussão e de planejamento conjunto. A discussão do caso por si só não garante a cogestão, porém, sem que ela ocorra repete-se as antigas formas de encaminhamento que o NASF busca superar1818 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Cadernos de Atenção Básica, número 39. Brasília: MS; 2014.. Mais que isso, é preciso que ambas as equipes acreditem na potência do trabalho em equipe, que vejam sentido e maior resolutividade deste tipo de arranjo e que estejam abertas para a cooperação e divisão de tarefas contratualizadas nos espaços coletivos.

Com a necessidade de distanciamento social, as atividades coletivas com usuários foram interrompidas temporariamente. Por outro lado, houve o aumento dos atendimentos diretos individuais, com essas demandas sendo organizadas preferencialmente por meio das interconsultas. Consultas eletivas e o segmento de algumas linhas de cuidado precisaram ser suspensos, impactando nos indicadores de produção do NASF, segundo um entrevistado.

Houve ainda a redução do número de profissionais nas VD e menor atuação pelos territórios. Com interrupção temporária das atividades grupais, o processo de trabalho foi organizado de modo mais individualizado, dentro dos consultórios, um modus operandi diferente dos atributos da APS22 Giovanella L, Martufi V, Mendoza DCR, Mendonça MHM, Bousquat A, Aquino R, Medina MG. A contribuição da Atenção Primária à Saúde na rede SUS de enfrentamento à COVID-19. Saude Debate 2020; 44(n. esp. 4):161-176.,33 Rede de Pesquisa em APS. Bases para uma Atenção Primária à Saúde integral, resolutiva, territorial e comunitária no SUS: aspectos críticos e proposições. Rio de Janeiro: Organização Pan-americana de Saúde, Abrasco; 2022., que precisa aliar o cuidado individual com as abordagens coletiva, familiar e de base comunitária.

Muitos especialistas responderam não utilizar o tele apoio/teleatendimento com usuários, mesmo em tempos de distanciamento social. Sobre esse aspecto, um fator deve ser ponderado, o NASF não dispunha de telefone institucional próprio para essa comunicação quando foi realizado o estudo. Ao não possuir número protegido, muitos trabalhadores podem não se sentir à vontade de expor seus contatos pessoais e de terem suas vidas particulares atravessadas pela vida profissional, com ligações e mensagens fora do horário de expediente e demandas que extrapolam os vínculos de trabalho.

Um dado que precisa ser considerado é a possibilidade efetiva do tele apoio se efetivar, pois muitos usuários do SUS são oriundos de camadas populares, e podem não dispor de condições socioeconômicas para adquirir um smartphone com internet que permita um acompanhamento eficaz. Outros são idosos, sem domínio e conhecimento para utilização das novas tecnologias comunicacionais. Neste sentido, há de se cuidar para que o maior uso dessas ferramentas não se transforme numa nova barreira de acesso, produzindo iniquidades em saúde. Segundo Fonseca e Morosini2525 Fonseca AF, Morosini MV. Nota técnica: O caráter estratégico do Agente Comunitário de Saúde na APS integral. APS 2021; 3(3):210-223., diferentes aspectos devem ser ponderados na ampliação do uso das tecnologias digitais de comunicação, como a perda da importância da territorialização, devido à menor circulação e presença dos profissionais nos territórios adscritos. As autoras consideram ainda ser “necessário atentar para o risco de se acentuar a invisibilidade das dinâmicas sociais na produção do adoecimento e de se limitar o foco da atenção, enfatizando aspectos clínicos que reforcem o modelo de queixa-conduta que a ESF busca superar”2525 Fonseca AF, Morosini MV. Nota técnica: O caráter estratégico do Agente Comunitário de Saúde na APS integral. APS 2021; 3(3):210-223.(p.219).

Por outro lado, a maioria dos profissionais utiliza o apoio remoto com equipes acompanhadas, especialmente por meio do WhatsApp. Essa ferramenta de comunicação vem sendo amplamente utilizada pelos profissionais de saúde, e muitos casos já vinham sendo compartilhados desse modo antes da pandemia. Contudo, a troca de mensagem em si não configura um ato de cuidado cogerido, podendo ser apenas passagem de informação por meio de uma comunicação superficial, trazendo a falsa sensação de compartilhamento e de trabalho em equipe2626 Previato GF, Baldissera VDA. A comunicação na perspectiva dialógica da prática interprofissional colaborativa em saúde na Atenção Primária à Saúde. Interface (Botucatu) 2018; 22(Supl. 2):1535-1547..

Agravos relacionados à pandemia de COVID-19

Quando os profissionais do NASF foram indagados sobre os tipos de demandas relacionadas à pandemia - única pergunta aberta do websurvey -, identificou-se 37 agravos elencados no Quadro 2, organizados e divididos de acordo com áreas estratégicas do NASF2727 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no 154, de 24 de janeiro de 2008. Cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF. Diário Oficial da União 2008; 4 mar.. A última coluna do quadro apresenta o respectivo número de menções de cada agravo. No entanto, essa divisão é meramente esquemática, dada a multifatorialidade de grande parte das questões apontadas.

Quadro 2
Padrão de agravo na pandemia.

Identificou-se que as questões referentes à saúde mental foram os agravos mais citados, fenômeno que se repete também em dados nacionais. Estudo aponta o crescimento do número de segurados do Instituto Nacional de Seguridade Social afastados por transtornos mentais e comportamentais em 2020, o que demonstra que a pandemia teve forte impacto sobre os processos de subjetivização do brasileiro2828 Mrejen M, Rache B, Nunes L. COVID-19 e Saúde Mental: Uma Análise de Tendências Recentes no Brasil. IEPS 2021; 20:1-5..

Refletindo esse cenário, nota-se o grande número de articulações realizadas com os dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do município, composto por 1 Centro de Atenção Psicossocial II, 1 Centro de Atenção Psicossocial Infanto juvenil, 1 Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas e 4 Equipes Multidisciplinar de Atenção Psicossocial, as EMAPS, um dispositivo de cuidado organizado pela prefeitura em substituição ao modelo ambulatorial.

Depois de Saúde Mental, os agravos relacionados à área estratégica Alimentação e Nutrição aparecem em destaque. A “obesidade” foi o mais mencionado, além de “ganho de peso”, “sobrepeso”, “maus hábitos alimentares” e “distúrbios alimentares”. A “fome” foi classificada dentro de Alimentação e Nutrição, no entanto pode ser circunscrita também na área Serviço Social, pois se relaciona com o “aumento da pobreza”, “falta de renda familiar” e ao “desemprego”. “Violência intrafamiliar” também foi incluído no Serviço Social, mas entende-se que o tema violências é multifatorial. O campo da Reabilitação, aqui compreendido de maneira mais ampliada, teve como maiores menções “sequelas motoras” e “dores” - generalizada e em articulação -, agravos que podem ser associados a “problemas relacionados ao sedentarismo”, “falta de atividade física” e “fraqueza muscular”, classificados na área estratégica Práticas corporais e atividade física.

As questões identificadas neste item, apesar de uma amostra restrita, dão pistas sobre os tipos de necessidades de saúde que vêm se configurando a partir do advento da COVID-1966 Miranda DAP, Gomes SVC, Filgueiras PS, Corsini CA, Almeida NBF, Silva RA, Medeiros MIVARC, Vilela RVR, Fernandes GR, Grenfell RFQ. Long COVID-19 syndrome: a 14-months longitudinal study during the two first epidemic peaks in Southeast Brazil. Trans R Soc Trop Med Hyg 2022; 116(11):1007-1014.. A dimensão multifatorial e multicausal de grande parte dos pontos listados no Quadro 2 reafirma a importância das intervenções em saúde serem cogeridas por meio de equipes interdisciplinares.

Num cenário de persistência de sintomas associados à doença, de agravos decorrentes e de casos de Covid longa, torna-se imprescindível a publicação de cadernos orientadores, como o lançado pelo MS na emergência do Zika vírus, em 20162929 Brasil. Ministério da Saúde (MS). A estimulação precoce na Atenção Básica: guia para abordagem do desenvolvimento neuropsicomotor pelas equipes de Atenção Básica, Saúde da Família e Núcleo de Apoio a` Saúde da Família (NASF), no contexto da síndrome congênita por Zika. Brasília: MS; 2016.. Cabe ressaltar que a falta de notas técnicas e normativas organizativas da gestão e da clínica voltadas à atuação do NASF na pandemia, provocou o surgimento de processos autogestionários nas equipes, que precisaram criar ou customizar formas singulares de atuação.

A partir dos achados do estudo, lista-se intervenções do NASF identificadas no processo de trabalho investigado e na revisão bibliográfica realizada: (a) teleapoio às equipes vinculadas, tele atendimento e telemonitoramento aos usuários; (b) substituição dos atendimentos coletivos por atividades e grupos remotos; (c) produção e divulgação de material informativo sobre a pandemia, e de material audiovisual com ações de saúde para serem realizadas a distância; (d) acolhimento psicossocial a equipes apoiadas e usuários; (e) apoio nas estratégias de testagem e vacinação; (f) identificação e acompanhamento de usuários com sintomas persistentes de COVID-19 no território; (g) acompanhamento a grupos de maior vulnerabilidade social; (h) identificação e mobilização das redes de apoio dos territórios22 Giovanella L, Martufi V, Mendoza DCR, Mendonça MHM, Bousquat A, Aquino R, Medina MG. A contribuição da Atenção Primária à Saúde na rede SUS de enfrentamento à COVID-19. Saude Debate 2020; 44(n. esp. 4):161-176.,33 Rede de Pesquisa em APS. Bases para uma Atenção Primária à Saúde integral, resolutiva, territorial e comunitária no SUS: aspectos críticos e proposições. Rio de Janeiro: Organização Pan-americana de Saúde, Abrasco; 2022.,88 Rede APS. Pós-COVID-19 e a importância da ESF para o cuidado e reabilitação [Internet]. 2020 [acesso 2023 fev 23]. Disponível em: https://redeaps.org.br/2021/08/15/pos-covid-19-e-a-importancia-da-esf-para-o-cuidado-e-reabilitacao/.
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,3030 Costa AFR, Lopes CA, Gonçalves FS, Gonçalves RP. Reorganização do trabalho do NASF-AB no enfrentamento da pandemia COVID-19: um relato de experiência. Com Cien Saude 2020; 31(3):33-39.

31 Oliveira MAB, Monteiro LDS, Oliveira RDC, Moreira TS, Marques ACF, Silva UMA, Oliveira NA, Pereira GFC, Silva ACS, Santana RM. A prática do núcleo de apoio à saúde da família do Recife no enfrentamento à pandemia COVID-19. APS 2020; 2(2):142-150.

32 Rede APS. Experiências de atuação NASF no enfrentamento da COVID-19 [Internet]. 2020 [acesso em 2023 fev 25]. Disponível em: https://redeaps.org.br/2020/06/05/experiencias-de-atuacao-nasf-no-enfrentamento-da-covid-19/.
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-3333 Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. Nota Técnica SAPS/SGAIS/SES-RJ nº 01/2020. Orientações quanto à atuação do NASF-AB no contexto de pandemia COVID-19. Rio de Janeiro; 29 jun 2020..

O rol de atividades revela modos de organização do apoio matricial ao longo da pandemia, com a possibilidade de muitas serem incorporadas nas práticas do NASF em outros contextos. Outras já vinham sendo utilizadas pelos especialistas, e foram ampliadas nesse cenário, como as tecnologias de informação e comunicação, que tiveram o seu uso massificado, especialmente entre equipes.

Conforme já mencionado, deve-se cuidar para que a utilização de tecnologias digitais de comunicação não represente nova barreira de acesso ao SUS ou resultem em desvinculação dos atributos concernentes a ESF. Neste sentido, é preciso atentar para a possibilidade do afastamento dos profissionais da vivência dos territórios; vigiar para que a substituição do contato presencial pela interação remota não implique na perda da longitudinalidade e vínculo com usuários e famílias; avaliar se a redução das interações grupais presenciais pode significar o enfraquecimento dos vínculos comunitários e de coletividade2525 Fonseca AF, Morosini MV. Nota técnica: O caráter estratégico do Agente Comunitário de Saúde na APS integral. APS 2021; 3(3):210-223.,2626 Previato GF, Baldissera VDA. A comunicação na perspectiva dialógica da prática interprofissional colaborativa em saúde na Atenção Primária à Saúde. Interface (Botucatu) 2018; 22(Supl. 2):1535-1547..

Destaca-se a importância da identificação dos usuários com sintomas persistentes de COVID-19 no território, e do devido acompanhamento dos casos que possam ser manejados na Atenção Primária por meio de estratégias de cuidado coletivas e individuais. Isso reforça a necessidade de um olhar mais atento e cuidadoso da ESF, e da relevância do apoio interprofissional aos casos emergentes - sejam eles crônicos ou de menos gravidade22 Giovanella L, Martufi V, Mendoza DCR, Mendonça MHM, Bousquat A, Aquino R, Medina MG. A contribuição da Atenção Primária à Saúde na rede SUS de enfrentamento à COVID-19. Saude Debate 2020; 44(n. esp. 4):161-176.,33 Rede de Pesquisa em APS. Bases para uma Atenção Primária à Saúde integral, resolutiva, territorial e comunitária no SUS: aspectos críticos e proposições. Rio de Janeiro: Organização Pan-americana de Saúde, Abrasco; 2022.,88 Rede APS. Pós-COVID-19 e a importância da ESF para o cuidado e reabilitação [Internet]. 2020 [acesso 2023 fev 23]. Disponível em: https://redeaps.org.br/2021/08/15/pos-covid-19-e-a-importancia-da-esf-para-o-cuidado-e-reabilitacao/.
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. Resta ainda compreender possíveis limitações técnicas desta equipe frente a cenários imprevisíveis, como o vivenciado na pandemia.

Considerações finais

O estudo apontou novos meios de organizar o processo de trabalho a partir do referencial do apoio matricial, e que ficou mais proeminente na emergência sanitária, confirmando a hipótese da pesquisa. Se em determinados momentos, as equipes investigadas precisaram se afastar da abordagem territorial e comunitária, interrompendo temporariamente grupos e VD, individualizando as intervenções nos períodos mais agudos, além de agregar funções aparentemente distantes de seus núcleos de competências profissionais e dos atributos da APS, estas foram as conformações possíveis e necessárias, determinadas pelas condições da pandemia.

Por ser um dispositivo organizador de atuação em equipe, o apoio matricial está numa constante necessidade de atualização, em conformidade com as necessidades conjunturais do SUS, irrompendo movimentos instituintes e processos de criação. No caso estudado, a pandemia foi mandatória para repensar e ajustar novas conformações das práticas nos serviços de saúde.

O advento da pandemia ampliou o rol de demandas clínicas para a APS, que ainda restam ser esclarecidas. Por isso, justifica-se a existência de equipes nos moldes do NASF e do apoio matricial, pois estas operam por meio de ações com as equipes apoiadas e na assistência direta a usuários e coletivos. O caráter multifatorial da maioria dos agravos decorrentes da pandemia que foram identificados no estudo, reforça a posição estratégica da interprofissionalidade do NASF. Acompanhar as necessidades de saúde, atualizando os modos de operar e de intervir, diz respeito à própria permanência do NASF no SUS, assim como uma forma de se contrapor às políticas de desmonte implementadas durante a realização do estudo.

A retomada do financiamento para o NASF, atualizado para uma nova conformação de equipe, a eMulti - equipe multiprofissional na Atenção Primária à Saúde3434 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no 356, de 22 de maio de 2023. Institui, define e cria incentivo financeiro federal de implantação, custeio e desempenho para as modalidades de equipes Multiprofissionais na Atenção Primária à Saúde. Diário Oficial da União 2023; 22 maio. -, reafirma a importância do apoio matricial para a oferta de um cuidado abrangente e longitudinal, seja por meio do atendimento compartilhado entre profissionais e equipes, pela construção conjunta de projetos terapêuticos e intervenções no território, ou nas discussões de casos. Também avança em atualizações e novidades, como a incorporação de ações à distância - um legado da pandemia - e o estabelecimento de indicadores de desempenho a partir de 2024.

Sobre a metodologia, a aposta de realizar os resultados do formulário eletrônico antes das entrevistas com gestores permitiu a identificação de pontos de relevância a serem incluídos no roteiro semiestruturado, e de avançar sobre as insuficiências técnicas do websurvey, qualificando as entrevistas; a estratégia de esquentar o campo do estudo, com a apresentação da pesquisa nas reuniões de equipe e o envio de mensagens-lembretes via WhatsApp ao longo da fase empírica, produziu a adesão positiva dos trabalhadores.

As análises deste estudo foram realizadas a partir dos discursos de profissionais e gestores do NASF, não sendo acessados membros das equipes apoiadas, tampouco usuários, o que demonstra a importância de outras investigações. Esta limitação está relacionada ao tempo definido para a pesquisa que embasa o texto, circunscrita ao escopo de um mestrado, e pelo contexto da pandemia de COVID-19, fatores que inviabilizaram um levantamento mais abrangente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2023

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2023
  • Aceito
    22 Ago 2023
  • Publicado
    24 Ago 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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