Resumo
Estudo ecológico com objetivo de determinar o consumo de naltrexona em baixa dose (LDN) nas 26 capitais brasileiras e Distrito Federal e acompanhar a tendência entre os anos de 2014 e 2020. A coleta de dados da dispensação de naltrexona manipulada, se deu por meio do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados, publicizado em 2020, considerando-se baixa dose prescrições de até 5 mg. O cálculo dos coeficientes de dispensação utilizou as estimativas populacionais do Instituto Brasileiro de Pesquisa Geografia e Estatística. Utilizou-se análise estatística descritiva e de regressão generalizada de Prais-Winsten para a série temporal. As tendências observadas foram classificadas em crescentes, estáveis ou decrescentes, com intervalo de confiança de 95% e nível de significância de 5%. Os resultados demonstraram maiores coeficientes de consumo de LDN nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste e menores nas Norte e Nordeste. Observou-se dispensação de LDN crescente em 55,6% das capitais, estacionária em 44,4% e ausência de coeficientes decrescentes. Apesar das evidências limitadas quanto à farmacoterapia de LDN e da sua prescrição off-label, os dados demonstram que a prescrição, dispensação e consumo vem crescendo no Brasil, com ênfase nas regiões centro-sul do país.
Key words:
ANVISA; Off-label use; Pharmacoepidemiology; Pharmacovigilance; Drug use
Abstract
The scope of this paper is an ecological study to determine the consumption of low-dose naltrexone (LDN) in the 26 Brazilian capitals and the Federal District and monitor the trend between the years 2014 to 2020. Data collection on the dispensation of manipulated naltrexone was done through the National Management System of Controlled Products, published in 2020, considering low-dose prescriptions of up to 5 mg. The calculation of the dispensation coefficients used the population estimates of the Brazilian Institute of Geography and Statistics. Descriptive statistical analysis and generalized Prais-Winsten regression analysis were used for the time series analysis. The trends observed were classified as increasing, stable, or decreasing, with a 95% confidence interval and 5% significance level. The results showed higher LDN consumption coefficients in the Mid-West, South and Southeast regions and lower coefficients in the North and Northeast. Increasing dispensation of LDN was observed in 55.6% of the capitals, being stationary in 44.4%, with no decreasing coefficients. Despite the limited evidence regarding LDN pharmacotherapy and its off-label prescription, the data show that prescription, dispensing, and consumption have been on the increase in Brazil, with emphasis on the central-south regions of the country.
Key words:
ANVISA; Off-label use; Pharmacoepidemiology; Pharmacovigilance; Drug use
Introdução
Naltrexona, análogo sintético (1963) da oximorfona e antagonista não seletivo opióide, apresenta estrutura e mecanismo de ação semelhantes à naloxona, no entanto, com maior biodisponibilidade por via oral e maior tempo de meia-vida11 Gutstein HB A. Opioid Analgesics. In: Hardman JG, Limbird LL, editors. Goodman and Gilman's Pharmacological Basis of Therapeutics. 10ª ed. New York: Mc Graw-Hill; 2001. p. 569-619.,22 Resnick RB, Volavka J, Freedman AM, Thomas M. Studies of EN-1639A (Naltrexone): A New Narcotic Antagonist. Am J Psychiatry 1974; 131(6):646-650.. Para além disso, é utilizada clinicamente no tratamento de dependência ao álcool e opióides11 Gutstein HB A. Opioid Analgesics. In: Hardman JG, Limbird LL, editors. Goodman and Gilman's Pharmacological Basis of Therapeutics. 10ª ed. New York: Mc Graw-Hill; 2001. p. 569-619.. Inicialmente, a European Medicines Agency (EMA) e a Food and Drug Administration (FDA) liberaram seu uso para o tratamento do alcoolismo, em doses diárias de 50 mg a 100 mg. Posteriormente, o FDA aprovou também o seu uso em associação com a Bupropiona para o tratamento de obesidade, em doses de 8 mg/90 mg/dia a 32 mg/360 mg/dia, em indivíduos com ao menos uma comorbidade relacionada ao excesso de peso33 World Health Oranization (WHO). Guidelines for ATC classification and DDD assignment 2019 [Internet]. 2019 [cited 2019 set 11]. Available from: https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:4nUjL1baoBsJ:https://www.whocc.no/atc_ddd_index/+&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br.
https://webcache.googleusercontent.com/s...
4 Naltrexone/bupropion for obesity. Drug Ther Bull 2017; 55(11):126-129.-55 European Medicines Agency. Procedure Management and Committees Support Division List of nationally authorised medicinal products Active substance: naltrexone [Internet]. 2016 [cited 2019 set 11]. Available from: www.ema.europa.eu/contact.
www.ema.europa.eu/contact... . Essa última indicação, provavelmente está relacionada ao seu efeito na compulsão alimentar66 Grilo CM, Lydecker JA, Morgan PT, Gueorguieva R. Naltrexone + Bupropion Combination for the Treatment of Binge-eating Disorder with Obesity: A Randomized, Controlled Pilot Study. Clin Ther 2021; 43:112-122.e1.. No Brasil, o registro de uso aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), se destina ao tratamento do alcoolismo e à reabilitação de adictos em opióides, na profilaxia da recaída, também em doses diárias de 50 mg a 100 mg.
Atualmente, a naltrexona tem sido utilizada em baixa dose (até 5 mg/dia) no tratamento de dor crônica e doenças autoimunes, sendo essa terapia, conhecida como baixa dose de naltrexona (LDN, do inglês, low dose naltrexone), uma prática de uso off-label, que compreende a utilização de fármaco para condição diversa da que foi desenvolvido e aprovado77 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Naltrexona. Consultoria Jurídica/Advocacia Geral da União [Internet]. 2015 [acessado 2019 set 11]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/d3042d804aa6f0c3a1c5b7218f91a449/LISTA+CONFORMIDA.
http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/conn... . No entanto, essa prática começou na década de 1980 (1985), quando o médico Bernard Bihari utilizou LDN para tratar imunodepressão de pacientes com HIV88 Bihari B. Low-dose Naltrexone for Normalizing Immune System Function Conversations. Alt Therap 2013; 19(2):56-65.. A partir desse evento, o uso off-label da LDN emergiu como uma farmacoterapia promissora para o tratamento de doenças autoimunes, tumores malignos, doenças inflamatórias intestinais e dermatológicas, quadros muitas vezes acompanhados de dor crônica99 Li Z, You Y, Griffin N, Feng J, Shan F. Low-dose naltrexone (LDN): A promising treatment in immune-related diseases and cancer therapy. Int Immunopharmacol 2018; 61:178-184.
10 Segal D, Macdonald JK, Chande N. Low dose naltrexone for induction of remission in Crohn's disease. Cochrane Database Syst Rev 2014; 2:CD010410.
11 Younger J, Parkitny L, McLain D. The use of low-dose naltrexone (LDN) as a novel anti-inflammatory treatment for chronic pain. Clin Rheumatol 2014; 33(4):451-459.
12 Lie MRKL, van der Giessen J, Fuhler GM, Lima A, Peppelenbosch MP, van der Ent C, van der Woude CJ. Low dose Naltrexone for induction of remission in inflammatory bowel disease patients. J Transl Med 2018; 16(1):55.
13 Patten DK, Schultz BG, Berlau DJ. The Safety and Efficacy of Low-Dose Naltrexone in the Management of Chronic Pain and Inflammation in Multiple Sclerosis, Fibromyalgia, Crohn's Disease, and Other Chronic Pain Disorders. Pharmacotherapy 2018; 38(3):382-389.
14 Kim PS, Fishman MA. Low-Dose Naltrexone for Chronic Pain: Update and Systemic Review. Curr Pain Headache Rep 2020; 24(10):64.
15 Albers LN, Arbiser JL, Feldman RJ. Treatment of Hailey-Hailey disease with low-dose naltrexone. JAMA Dermatol 2017; 153:1018-1020.-1616 Ba JJ, Lio P. Low Dose Naltrexone in Dermatology. J Drugs Dermatol 2019; 18(3):235-238..
A LDN apresenta efeito paradoxal em relação a doses usuais, pois promove analgesia e efeito anti-inflamatório1111 Younger J, Parkitny L, McLain D. The use of low-dose naltrexone (LDN) as a novel anti-inflammatory treatment for chronic pain. Clin Rheumatol 2014; 33(4):451-459.,1717 Toljan K, Vrooman B. Low-Dose Naltrexone (LDN)-Review of Therapeutic Utilization. Med Sci (Basel) 2018; 6(4):82.. É interessante ressaltar que o mecanismo farmacológico da naltrexona em baixa dose ainda não está totalmente elucidado.
Os opioides atuam por meio dos receptores mu (μ), Kappa (κ), delta (δ) e zeta (ζ), amplamente distribuídos no sistema nervoso central periférico1818 Gozzani J. Opióides e Antagonistas. Rev Bras Anestesiol 1994; 65-73.. O receptor ζ tem função principal relacionada ao desenvolvimento e crescimento, sendo conhecido como receptor opióide de fator de crescimento (OGFr). OGFr também é expresso em células imunes, indicando a atuação imunomodulatória de seus agonistas e antagonistas. É importante salientar que a naltrexona é um forte antagonista do OGFr induzindo a diminuição da proliferação celular B e T de células imunológicas e macrófagos99 Li Z, You Y, Griffin N, Feng J, Shan F. Low-dose naltrexone (LDN): A promising treatment in immune-related diseases and cancer therapy. Int Immunopharmacol 2018; 61:178-184.. O bloqueio do receptor mu pela LDN promove aumento compensatório na produção de opioides endógenos que ativam receptores opioides kappa. A ativação de receptores kappa induz efeito anti-inflamatório, diminuindo os níveis de interleucina 6 (IL-6) e migração de neutrófilos, já no receptor δ, a naltrexona atua de forma seletiva e potente, esse tipo de receptor é relacionado à analgesia, funções cognitivas e de dependência física1010 Segal D, Macdonald JK, Chande N. Low dose naltrexone for induction of remission in Crohn's disease. Cochrane Database Syst Rev 2014; 2:CD010410.,1919 Pierzchala-Koziec K, Dziedzicka-Wasylewska M, Oeltgen P, Zubel-Lojek J, Latacz A, Oclon E. The effect of CRH, dexamethasone and naltrexone on the mu, delta and kappa opioid receptor agonist binding in lamb hypothalamic-pituitary-adrenal axis. Folia Biologica (Poland) 2015; 63:187-193..
Em baixas doses (até 5 mg/dia) a naltrexona também atua como modulador glial1111 Younger J, Parkitny L, McLain D. The use of low-dose naltrexone (LDN) as a novel anti-inflammatory treatment for chronic pain. Clin Rheumatol 2014; 33(4):451-459.,1717 Toljan K, Vrooman B. Low-Dose Naltrexone (LDN)-Review of Therapeutic Utilization. Med Sci (Basel) 2018; 6(4):82.,2020 Agarwal D, Toljan K, Qureshi H, Vrooman B. Therapeutic value of naltrexone as a glial modulator. GLIA 2017; 65(51):E103-E578., mais especificamente via antagonismo de receptor Toll like 4 (TLR4). Esse receptor está presente na micróglia, que compõe cerca de 70% do sistema nervoso central2121 Brown N, Panksepp J. Low-dose naltrexone for disease prevention and quality of life. Med Hypotheses 2009; 72:333-337.. Seu bloqueio pela LDN inibe a liberação de citocinas e a sinalização macrófaga Toll-like (TRL4) da micróglia, com supressão da liberação de citocinas pró-inflamatórias, substância P, óxido nítrico, glutamato, e diminuição da expressão do receptor de quimiocina e da molécula de adesão1111 Younger J, Parkitny L, McLain D. The use of low-dose naltrexone (LDN) as a novel anti-inflammatory treatment for chronic pain. Clin Rheumatol 2014; 33(4):451-459.
12 Lie MRKL, van der Giessen J, Fuhler GM, Lima A, Peppelenbosch MP, van der Ent C, van der Woude CJ. Low dose Naltrexone for induction of remission in inflammatory bowel disease patients. J Transl Med 2018; 16(1):55.
13 Patten DK, Schultz BG, Berlau DJ. The Safety and Efficacy of Low-Dose Naltrexone in the Management of Chronic Pain and Inflammation in Multiple Sclerosis, Fibromyalgia, Crohn's Disease, and Other Chronic Pain Disorders. Pharmacotherapy 2018; 38(3):382-389.-1414 Kim PS, Fishman MA. Low-Dose Naltrexone for Chronic Pain: Update and Systemic Review. Curr Pain Headache Rep 2020; 24(10):64.,1717 Toljan K, Vrooman B. Low-Dose Naltrexone (LDN)-Review of Therapeutic Utilization. Med Sci (Basel) 2018; 6(4):82..
Além disso, considerando uma possível indicação de uso, com proposta de poucos efeitos adversos, alta adesão, baixo custo e eficácia da janela de dosagem específica LDN1111 Younger J, Parkitny L, McLain D. The use of low-dose naltrexone (LDN) as a novel anti-inflammatory treatment for chronic pain. Clin Rheumatol 2014; 33(4):451-459.,1313 Patten DK, Schultz BG, Berlau DJ. The Safety and Efficacy of Low-Dose Naltrexone in the Management of Chronic Pain and Inflammation in Multiple Sclerosis, Fibromyalgia, Crohn's Disease, and Other Chronic Pain Disorders. Pharmacotherapy 2018; 38(3):382-389. essa abordagem terapêutica pode representar uma opção para pacientes não responsivos aos fármacos convencionais diante a uma infinidade de condições crônicas de saúde.
Assim, apoiando-se em dados crescentes sobre o efeito imunomodulador da LDN e evidências contínuas sobre o impacto clínico em diversas condições crônicas, o principal objetivo deste estudo é determinar o consumo de LDN nas capitais brasileiras e Distrito Federal e acompanhar a tendência entre os anos de 2014 e 2020.
Métodos
Tipo e local do estudo
Foi conduzido um estudo epidemiológico, do tipo descritivo e ecológico sobre o consumo de naltrexona em baixa dose, manipulada e dispensada em farmácias magistrais das 26 capitais e Distrito Federal brasileiros. A série temporal compreendeu os dados anuais, no período de 2014 a 2020, sendo seu início justificado pela liberação dessa plataforma somente em 2020, com dados disponíveis a partir do ano de 2014.
Fontes de dados e mensuração
A variável de interesse do presente estudo, LDN manipulada, foi definida assumindo-se uma faixa de dosagem compreendida entre 0,001 e 5 mg. A Naltrexona possui registro na ANVISA, com dose diária definida (DDD) de 50 mg e indicação de uso destinada ao tratamento do alcoolismo e dependência de opióides exógenos. Segundo a definição de off-label, indicações e dosagens diferentes dessa, configuram-se como uso não licenciado77 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Naltrexona. Consultoria Jurídica/Advocacia Geral da União [Internet]. 2015 [acessado 2019 set 11]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/d3042d804aa6f0c3a1c5b7218f91a449/LISTA+CONFORMIDA.
http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/conn... ,2222 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Ministério da Saúde (MS). Como a Anvisa vê o uso off label de medicamentos [Internet]. 2020 [acessado 2020 ago 17]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/.
http://portal.anvisa.gov.br... .
Os dados referentes ao consumo de Naltrexona manipulada foram extraídos por meio de consulta retrospectiva aos registros de dispensação armazenados no Painel Gerencial de Dados Públicos de Medicamentos Manipulados do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)2323 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados - SNGPC. Painel Gerencial de Dados Públicos de Medicamentos Manipulados [Internet]. 2021 [acessado 2021 set 19]. Disponível em: https://app.powerbi.com/view
https://app.powerbi.com/view... . Nessa plataforma são exibidas informações sobre os princípios ativos, conselho prescritor, ano, mês, unidade federativa e cidade de venda, bem como a quantidade de vendas e de unidades farmacotécnicas vendidas no Brasil, desde o ano de 2014 até os dias atuais, com atualização mensal.
As informações referentes à dispensação de naltrexona em baixa dose manipuladas, entre as capitais brasileiras e Distrito Federal, foram obtidas, primeiramente, por meio da aplicação dos filtros: nome do princípio ativo: “naltrexona” e “cloridrato de naltrexona”; conselho prescritor: “Conselho Regional de Medicina (CRM)” e “Registro do Ministério da Saúde (RMS)”; ano da venda; filtrar apenas capitais; quantidade de unidades farmacotécnicas vendidas e cidade de venda. Como resultado, o detalhamento da venda de naltrexona manipulada foi visualizada através da aba Relatório. Posteriormente, a partir do detalhamento de quantidade de princípio ativo por unidade farmacotécnica em gramas, assumindo-se a faixa de dosagem de interesse, apenas as vendas de cápsulas e comprimidos de naltrexona em baixa dose foram selecionadas, por meio do cálculo de conversão para miligramas.
A fonte de informações referente à população utilizou as estimativas anuais do Instituto Brasileiro de Pesquisa Geografia e Estatística (IBGE) (https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/estimapop/tabelas). As taxas de dispensação de LDN manipuladas em cada capital e Distrito Federal foram calculadas, a partir de construção de tabela no programa MS Excel, equacionando-se: total de dispensação LDN/população residente X 1.000.
Os dados foram exportados e posteriormente analisados no programa Stata versão 13.0. Para análise de tendência do uso de naltrexona em baixa dose (LDN), utilizou-se a regressão generalizada de Prais-Winsten, apropriada para séries temporais curtas, visando evitar erros de autocorrelação de primeira ordem2424 Antunes JLF, Cardoso MRA. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiol Serv Saude 2015; 24:565-576.. As variáveis dependentes dos modelos foram as taxas de utilização de naltrexona em baixa dose (LDN), enquanto a variável independente correspondeu ao ano de prescrição.
Os resultados foram expressos em coeficientes de uso de LDN e as tendências observadas classificadas como crescentes (coeficiente positivo e p≤0,05), estáveis (p>0,05) ou decrescentes (coeficiente negativo e p≤0,05), adotando-se intervalo de confiança de 95% (IC95%) e nível de significância de 5%. Sendo os dados abertos, oriundos do SNGPC, não foi necessária a aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa.
Resultados
A análise dos dados disponibilizados no Painel Gerencial de Dados Públicos de Medicamentos Manipulados do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados identificou, com base nos filtros aplicados, a dispensação de 64.700.297 unidades de cápsulas e comprimidos de naltrexona entre as 26 capitais e Distrito Federal brasileiros. Após a aplicação do critério de inclusão de faixa de dosagem específica LDN, 34.546.088 unidades farmacotécnicas compreenderam a amostra do estudo.
Na análise descritiva, se observou taxas de uso de LDN variando de 18,14 a 201,33 por 1.000 habitantes entre as capitais, segundo macrorregiões brasileiras. O agrupamento por macrorregiões permitiu comparabilidade entre as fontes de dados, revelando taxas de dispensação de LDN mais elevadas nas capitais localizadas entre as regiões centro-sul do país (Tabela 1).
Na análise de Prais-Winsten, segundo macrorregiões, observou-se consumo de LDN crescente, destacando-se maior coeficiente de dispensação na região Centro-Oeste, seguida das regiões Sul, Sudeste, Norte e Nordeste, respectivamente (Figura 1).
Quando se estratificou por capitais, na análise de regressão generalizada de Prais-Winsten, manteve-se a tendência de maior utilização de LDN nas regiões centro-sul do Brasil, entre os anos de 2014 e 2020, mesmo com algumas capitais tendo apresentado comportamento distinto (Tabela 2).
A análise estratificada da região Norte do país revelou, para a maioria das capitais, tendências estacionárias de utilização de LDN. A capital Palmas teve significativa tendência de crescimento de dispensação, alcançando um coeficiente de 100,54. Ademais, a capital Rio Branco, apesar dos intervalos de confiança que perpassam a unidade, também exibiu p significativo, sugestivo de crescente utilização de LDN (Tabela 2).
A região Nordeste, por sua vez, composta por nove capitais, expôs tendência crescente de dispensação de LDN em cinco delas, quatro das quais (Fortaleza, João Pessoa, Maceió e Aracaju) com coeficientes claramente crescentes e a capital São Luiz com intervalos de confiança perpassando a unidade, todavia, com p significativo, demonstrando uma tendência crescente de dispensação de LDN. Nas demais capitais da região Nordeste, a dispensação de LDN permaneceu estacionária ao longo dos anos analisados. Em nenhuma capital brasileira foi observada tendência decrescente de utilização da farmacoterapia alvo do estudo (Tabela 2).
Discussão
Embora a LDN seja, no Brasil, ainda um tratamento considerado off-label, os resultados do presente estudo demonstraram um aumento crescente em sua dispensação em todas as macrorregiões brasileiras, com destaque para o centro-sul do país. Entre as 26 capitais e Distrito Federal analisadas, 15 revelaram coeficientes crescentes de dispensação, enquanto 12 apresentaram dispensação estacionária. Cabe ressaltar a ausência de coeficientes decrescentes de dispensação.
As diferenças macrorregionais na dispensação de LDN identificadas neste estudo podem estar relacionadas tanto à maior prevalência de condições de saúde para as quais LDN é indicada, quanto a iniquidades no diagnóstico e no acesso à novas possibilidades de tratamento, como a manipulação individualizada de LDN, nas macrorregiões do Brasil2525 Conselho Federal de Medicina (CFM). Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP. Demografia no Brasil Médica [Internet]. 2020 [acessado 2021 set 19]. Disponível em: www.portalmedico.org.br.
www.portalmedico.org.br....
26 Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (ANFARMAG). Anfarmag_PANORAMA_SETORIAL_2020 [Internet]. [acessado 2021 set 19]. Disponível em: www.anfarmag.org.br.
www.anfarmag.org.br.... -2727 Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (ANFARMAG). Dados Socioeconômicos das Farmácias de Manipulação [Internet]. [acessado 2021 set 19]. Disponível em: www.anfarmag.org.br.
www.anfarmag.org.br.... . Salienta-se que a prescrição/dispensação/consumo da naltrexona em seu uso aprovado pela Anvisa, como também para o tratamento da obesidade não serão discutidos neste estudo, uma vez que estes não integram a faixa de dosagem específica de LDN.
Atendo-se exclusivamente ao uso off-label de LDN (até 5 mg/dia), poucos estudos têm avaliado a tendência de uso dessa farmacoterapia. Uma coorte sobre utilização de medicamentos, na Noruega, evidenciou um aumento repentino e sem precedentes da prescrição deste fármaco, após um documentário televisivo relacionado à supostos efeitos de LDN, em ampla gama de indicações não aprovadas2828 Raknes G, Småbrekke L. A sudden and unprecedented increase in low dose naltrexone (LDN) prescribing in Norway. Patient and prescriber characteristics, and dispense patterns. A drug utilization cohort study. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2017; 26:136-142.. Quanto ao uso farmacológico, a literatura indica sua utilização no tratamento de doenças autoimunes, dor crônica, tumores malignos, doenças inflamatórias intestinais e dermatológicas, quadros estes, geralmente acompanhados de dor crônica1010 Segal D, Macdonald JK, Chande N. Low dose naltrexone for induction of remission in Crohn's disease. Cochrane Database Syst Rev 2014; 2:CD010410.
11 Younger J, Parkitny L, McLain D. The use of low-dose naltrexone (LDN) as a novel anti-inflammatory treatment for chronic pain. Clin Rheumatol 2014; 33(4):451-459.
12 Lie MRKL, van der Giessen J, Fuhler GM, Lima A, Peppelenbosch MP, van der Ent C, van der Woude CJ. Low dose Naltrexone for induction of remission in inflammatory bowel disease patients. J Transl Med 2018; 16(1):55.
13 Patten DK, Schultz BG, Berlau DJ. The Safety and Efficacy of Low-Dose Naltrexone in the Management of Chronic Pain and Inflammation in Multiple Sclerosis, Fibromyalgia, Crohn's Disease, and Other Chronic Pain Disorders. Pharmacotherapy 2018; 38(3):382-389.
14 Kim PS, Fishman MA. Low-Dose Naltrexone for Chronic Pain: Update and Systemic Review. Curr Pain Headache Rep 2020; 24(10):64.
15 Albers LN, Arbiser JL, Feldman RJ. Treatment of Hailey-Hailey disease with low-dose naltrexone. JAMA Dermatol 2017; 153:1018-1020.-1616 Ba JJ, Lio P. Low Dose Naltrexone in Dermatology. J Drugs Dermatol 2019; 18(3):235-238.. No entanto, sabe-se que para uma farmacologia clínica segura e eficaz da LDN, há a necessidade de desenvolvimento de ensaios clínicos robustos que estabeleçam evidências das corretas indicações clínicas e de aspectos indispensáveis, como via de administração e posologia, o que torna esse processo difícil e dispendioso1717 Toljan K, Vrooman B. Low-Dose Naltrexone (LDN)-Review of Therapeutic Utilization. Med Sci (Basel) 2018; 6(4):82.. Assim, revisões atuais têm apontado a utilização da farmacoterapia de LDN em pacientes com fibromialgia, doenças inflamatórias intestinais e síndromes relacionadas à dor, ainda que com evidências de eficácia e perfil de segurança limitados1313 Patten DK, Schultz BG, Berlau DJ. The Safety and Efficacy of Low-Dose Naltrexone in the Management of Chronic Pain and Inflammation in Multiple Sclerosis, Fibromyalgia, Crohn's Disease, and Other Chronic Pain Disorders. Pharmacotherapy 2018; 38(3):382-389.,1717 Toljan K, Vrooman B. Low-Dose Naltrexone (LDN)-Review of Therapeutic Utilization. Med Sci (Basel) 2018; 6(4):82..
Nesse sentido, recente revisão sistemática, incluindo estudos de desenho transversal, identificou a ocorrência da dor crônica nas macrorregiões do Brasil, revelando prevalências mais altas nas regiões Centro-Oeste (56,25%), Sul (46,70%) e Sudeste (42,2%)2929 Aguiar DP, Souza CPQ, Barbosa WJM, Santos-Júnior FFU, Oliveira AS. Prevalence of chronic pain in Brazil: systematic review. Braz J Pain 2021; 4(3):257-267.. Estes dados vêm ao encontro dos resultados do presente estudo que demonstram as maiores tendências de dispensação de LDN nestas mesmas macrorregiões, com coeficientes de 25,79 (Centro-Oeste), 19,76 (Sul) e 8,91 (Sudeste).
Entre as condições mais estudadas na prescrição de LDN, estão as doenças neuroinflamatórias como a fibromialgia, esclerose múltipla e doença de Crohn1414 Kim PS, Fishman MA. Low-Dose Naltrexone for Chronic Pain: Update and Systemic Review. Curr Pain Headache Rep 2020; 24(10):64.. Em relação à fibromialgia, evidências apontam a LDN como uma estratégia eficaz3030 Colomer-Carbonell A, Sanabria-Mazo JP, Hernández-Negrín H, Borràs X, Suso-Ribera C, Garciá-Palacios A, Muchart J, Munuera J, D'Amico F, Maes M, Younger JW, Feliu-Soler A, Rozadilla-Sacanell A, Luciano JV. Study protocol for a randomised, double-blinded, placebo-controlled phase III trial examining the add-on efficacy, cost-utility and neurobiological effects of low-dose naltrexone (LDN) in patients with fibromyalgia (INNOVA study). BMJ Open 2022; 12(1):e055351.,3131 Younger J, Noor N, McCue R, MacKey S. Low-dose naltrexone for the treatment of fibromyalgia: Findings of a small, randomized, double-blind, placebo-controlled, counterbalanced, crossover trial assessing daily pain levels. Arthritis Rheum 2013; 65:529-538., tendo um estudo duplo cego, randomizado e controlado por placebo, mostrado que pacientes fibromiálgicos tratados com LDN (4,5 mg/dia) apresentaram melhora na dor e no humor, sem alteração da fadiga e da qualidade do sono3131 Younger J, Noor N, McCue R, MacKey S. Low-dose naltrexone for the treatment of fibromyalgia: Findings of a small, randomized, double-blind, placebo-controlled, counterbalanced, crossover trial assessing daily pain levels. Arthritis Rheum 2013; 65:529-538.. No entanto, de acordo com a Sociedade Brasileira de Estudos para a Dor, trata-se de uma condição de difícil diagnóstico, o que limita a obtenção de dados acurados sobre a sua magnitude no Brasil3232 Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED). Publicação da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor-Ano XVI-3º [Internet]. 2016; 59 [acessado 2021 set 19]. Disponível em: www.sbed.org.br.
www.sbed.org.br.... . Na literatura disponível, não foram identificados estudos de abrangência nacional investigando a prevalência de fibromialgia, e os existentes foram realizados em municípios e regiões específicas. Contudo, um estudo que utilizou dados secundários provenientes de uma pesquisa maior sobre prevalência de dor crônica no Brasil, revelou, entre os anos de 2015 e 2016, prevalência de 2% de fibromialgia na população brasileira, sem demonstrar dados estratificados por macrorregiões3333 Souza JB, Perissinotti DMN. The prevalence of fibromyalgia in Brazil - a population-based study with secondary data of the study on chronic pain prevalence in Brazil. Braz J Pain 2018; 1(4):345-348.. Assim, o que se sabe até o momento é que a fibromialgia afeta populações em todas as idades, grupos étnicos e culturais, e que sua fisiopatologia não está completamente elucidada, dificultando hipotetizar uma possível correlação entre o aumento de LDN e essa condição crônica no Brasil.
Ainda nesse sentido, a LDN é uma proposta farmacológica emergente também na esclerose múltipla considerando a imunomodulação do eixo OGF-OGFr. Esta é uma condição crônica com maior ocorrência em indivíduos situados geograficamente em áreas mais distantes da linha do equador, correspondendo, no caso do Brasil, às regiões situadas mais ao sul do país. Desta forma é plausível inferir que nessas regiões, essa condição seja mais prevalente, possivelmente conduzindo a um aumento na prescrição de LDN em comparação às regiões Nordeste e Norte, essa última cortada pela linha do equador no ponto em que se localiza Macapá, capital do estado do Amapá. Corroborando, estudo envolvendo essa condição crônica, aponta taxas de ocorrência de 18, 15 e 27 por 100 mil habitantes em cidades das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, respectivamente3434 Finkelsztejn A, Lopes JS, Noal J, Finkelsztejn JM. The prevalence of multiple sclerosis in Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brazil. Arq Neuropsiquiatr 2014; 72:104-106..
Quanto à epidemiologia das doenças inflamatórias intestinais e dermatológicas atribuídas à farmacoterapia com LDN1212 Lie MRKL, van der Giessen J, Fuhler GM, Lima A, Peppelenbosch MP, van der Ent C, van der Woude CJ. Low dose Naltrexone for induction of remission in inflammatory bowel disease patients. J Transl Med 2018; 16(1):55.,1616 Ba JJ, Lio P. Low Dose Naltrexone in Dermatology. J Drugs Dermatol 2019; 18(3):235-238.,3535 Kotze PG, Underwood FE, Damião AOMC, Ferraz JGP, Saad-Hossne R, Toro M, Iade B, Bosques-Padilla F, Teixeira FV, Juliao-Banos F, Simian D, Ghosh S, Panaccione R, Ng SC, Kaplan GG. Progression of Inflammatory Bowel Diseases Throughout Latin America and the Caribbean: A Systematic Review. Clin Gastroenterol Hepatol 2020; 18:304-312.
36 Selvaratnam S, Gullino S, Shim L, Lee E, Lee A, Paramsothy S, Leong RW. Epidemiology of inflammatory bowel disease in South America: A systematic review. World J Gastroenterol 2019; 25(47):6866-6875.-3737 Beltran Monasterio EP. Low-dose Naltrexone: An Alternative Treatment for Erythrodermic Psoriasis. Cureus 2019; 11(1):e3943., revisões sistemáticas da literatura indicam que a incidência de doença de Crohn e colite ulcerativa tem aumentado significativamente no Brasil nas últimas duas décadas3535 Kotze PG, Underwood FE, Damião AOMC, Ferraz JGP, Saad-Hossne R, Toro M, Iade B, Bosques-Padilla F, Teixeira FV, Juliao-Banos F, Simian D, Ghosh S, Panaccione R, Ng SC, Kaplan GG. Progression of Inflammatory Bowel Diseases Throughout Latin America and the Caribbean: A Systematic Review. Clin Gastroenterol Hepatol 2020; 18:304-312.,3636 Selvaratnam S, Gullino S, Shim L, Lee E, Lee A, Paramsothy S, Leong RW. Epidemiology of inflammatory bowel disease in South America: A systematic review. World J Gastroenterol 2019; 25(47):6866-6875., contudo a literatura disponível é ainda limitada e não foram encontrados dados sobre a distribuição da ocorrência nas macrorregiões do país. No que tange a literatura referente à dermatologia, esta também é limitada, contudo, um levantamento geográfico, que utilizou inquérito telefônico para estimar a prevalência da psoríase no país, expressou maiores prevalências nas regiões Sul e Sudeste, associada à ascendência européia característica da colonização dessas regiões3838 Romiti R, Amone M, Menter A, Miot HA. Prevalence of psoriasis in Brazil - a geographical survey. Int J Dermatol 2017; 56(8):e167-e168..
Todavia, maiores prevalências de condições crônicas de saúde relacionadas à farmacoterapia, bem como de dispensação de LDN nas regiões centro-sul do país também poderiam ser explicadas por meio de indicadores socioeconômicos e de acesso à diagnóstico e tratamento. Contemplado por uma área territorial estimada em mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados e subdivido em cinco macrorregiões agrupadas por características comuns entre si, o Brasil possui desigualdades regionais evidenciadas pelo índice de desenvolvimento humano (IDH), que reúne três principais indicadores: educação, saúde e renda. Dados do último recenseamento demográfico elencam as regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul, com IDHs de, nessa ordem, 0,766, 0,757 e 0,754, como as mais favorecidas, em contraste às regiões Norte e Nordeste onde os IDHs são de 0,667 e 0,663 respectivamente3939 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Índice de Desenvolvimento Humano 2021 [Internet]. 2021 [acessado 2022 fev 11]. Disponível em: https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0.html.
https://www.br.undp.org/content/brazil/p... . Ainda que o último dado desse indicador seja respectivo ao ano de 2010, não há expectativas de que essas desigualdades tenham se modificado, o que pode, em aspectos econômicos e sociais, contextualizar os achados do estudo.
Além do IDH, outro indicador que poderia, de certa forma, explicar as diferenças das tendências de consumo das regiões Norte e Nordeste, em relação às centro-sul, é a demografia médica. Dados da última pesquisa demográfica médica indicam no Norte e Nordeste uma acentuada desproporção de médicos em relação às outras regiões da federação2525 Conselho Federal de Medicina (CFM). Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP. Demografia no Brasil Médica [Internet]. 2020 [acessado 2021 set 19]. Disponível em: www.portalmedico.org.br.
www.portalmedico.org.br.... , sendo plausível pensar que um menor número de prescritores habilitados, acarrete um menor número de prescrições. Cabe ressaltar, que este estudo descreve um comportamento de prescrição/dispensação/consumo de LDN, não sendo um estudo de associação com os indicadores citados, contudo, a hipótese da correlação entre eles não pode ser descartada.
Além disso, em se tratando, a LDN, de uma preparação individualizada e exclusivamente magistral, há também que se considerar o número de estabelecimentos magistrais e sua distribuição nas regiões brasileiras. Até o final de 2020, o comércio varejista com manipulação de fórmulas totalizava 82,7% dos estabelecimentos situados nas regiões centro-sul, em contraste a 17,3% nas regiões Norte e Nordeste2626 Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (ANFARMAG). Anfarmag_PANORAMA_SETORIAL_2020 [Internet]. [acessado 2021 set 19]. Disponível em: www.anfarmag.org.br.
www.anfarmag.org.br.... ,2727 Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (ANFARMAG). Dados Socioeconômicos das Farmácias de Manipulação [Internet]. [acessado 2021 set 19]. Disponível em: www.anfarmag.org.br.
www.anfarmag.org.br.... . Ainda que não seja possível afirmar que todos os estabelecimentos possuam autorização para aviar a naltrexona, a distribuição geográfica brasileira de farmácias magistrais traz à luz a inquietação de que um maior número de estabelecimentos aptos à manipulação de LDN, possa evidenciar uma maior demanda da população em busca do serviço.
Cabe salientar, que o desenvolvimento de fármacos compreende uma série de avaliações que garantam que o mesmo seja seguro e eficaz para a finalidade para o qual foi aprovado, a prática off-label não garante que o fármaco manterá esses aspectos. Ainda, outra reflexão relaciona-se à escassez de dados de acompanhamento do uso off-label de medicamentos por longos períodos. A literatura imputa, nesse uso, contribuição à eventos adversos evitáveis4040 Eguale T, Buckeridge DL, Verma A, Winslade NE, Benedetti A, Hanley JA, Tamblyn R. Association of off-label drug use and adverse drug events in an adult population. JAMA Intern Med 2016; 176(1):55-63. e potencial inexistência de ganho terapêutico em comparação ao uso licenciado4141 Dooms M, Killick J. Off-label use of medicines: The need for good practice guidelines. Int J Risk Saf Med 2017; 29(1-2):17-23.. Nesse sentido, o uso emergente de dosagens ainda carentes de evidências científicas, de LDN, gera preocupações, especialmente pela sua ação no sistema nervoso central, sinalizando, além de cautela na sua indicação, a necessidade do desenvolvimento de diretrizes norteadoras de práticas de prescrição que assegurem a segurança do paciente, em consonância ao uso racional de medicamentos.
Por outro lado, o uso de medicamentos é considerado racional quando este atende às necessidades individuais do paciente, em período de tempo adequado e com menor custo agregado4242 Holloway K. The World Medicines Situation 2011: Rational Use of Medicines. 3ª ed. Geneva: WHO: 2011.. Assim, a prescrição off-label de LDN pode representar uma opção para indivíduos não responsivos aos fármacos convencionais, na presença de condições graves ou com risco de morte, e em doenças raras, que não tenham tratamentos regulamentados. Contudo, apesar da possibilidade de mais benefícios do que riscos1111 Younger J, Parkitny L, McLain D. The use of low-dose naltrexone (LDN) as a novel anti-inflammatory treatment for chronic pain. Clin Rheumatol 2014; 33(4):451-459.,1313 Patten DK, Schultz BG, Berlau DJ. The Safety and Efficacy of Low-Dose Naltrexone in the Management of Chronic Pain and Inflammation in Multiple Sclerosis, Fibromyalgia, Crohn's Disease, and Other Chronic Pain Disorders. Pharmacotherapy 2018; 38(3):382-389.,4141 Dooms M, Killick J. Off-label use of medicines: The need for good practice guidelines. Int J Risk Saf Med 2017; 29(1-2):17-23., a carência de evidências científicas relacionadas ao tema sustenta a necessidade de estudos que avaliem esse tipo de prescrição e consumo de medicamentos, com diretrizes bem definidas.
Embora o sistema do SNGPC não contemple os motivos da prescrição de LDN e o desenho ecológico do estudo não permita a inferência de associações, a utilização da naltrexona em baixas doses aponta para uma preocupação de saúde pública que perpassa pelo uso racional de medicamentos, uma vez que não se dispõe de dados de efeitos em longo prazo do consumo de LDN. Dessa forma, estudos com coletas de dados primários avaliando os possíveis efeitos do uso dessa dosagem específica de naltrexona são necessários para a elucidação da indicação e determinantes do uso deste fármaco em baixas doses.
O presente estudo tem como ponto positivo a cobertura nacional, baseada em um sistema publicizado, com um banco de dados centralizado, amplo, constantemente atualizado e ainda pouco explorado, que abarca todas as regiões brasileiras e possibilita a abordagem de um assunto de grande importância e preocupação, no que tange ao uso off-label de medicamentos com ação no sistema nervoso central. Além disso, devido a impossibilidade da utilização do cálculo da dose diária definida (DDD), universalmente aceita em estudos de utilização de medicamentos - qualquer cálculo significaria uma dosagem distinta a 50 mg - pode-se destacar como ponto forte deste estudo, a construção manual de estratégias exitosas adotadas na coleta dos dados off-label para comportar a robustez dos dados de naltrexona em baixas doses que poderão subsidiar novos estudos com dados do SNGPC.
Com relação às limitações do estudo, relata-se que os dados referentes à naltrexona manipulada, obtidos via painel de dados públicos manipulados do SNGPC, equivalem ao medicamento dispensado, gerando uma proxy para o consumo, porém não é imperativo que o medicamento tenha sido, de fato, consumido. Além disso, a inoperabilidade de exportação dos dados pela fonte de dados consultada impossibilitou a coleta para o Brasil em sua totalidade devido ao grande volume de informações. No entanto, essa dificuldade foi minimizada ao analisarmos os dados por macrorregiões e em extratos por capitais, conferindo uma visão de todo o território brasileiro. Assim, no sentido de estimular futuros estudos farmacoepidemiológicos utilizando sistemas de informação em saúde como o Painel Gerencial de Dados Públicos de Medicamentos ou subsequentes, é fundamental um detalhamento maior e com dados exportáveis para softwares estatísticos.
Em conclusão destaca-se que este é o primeiro estudo com dados de dispensação de LDN provindos de farmácias magistrais do país. Os achados fornecem a apresentação de dados inovadores e importantes para a saúde pública, com uma melhor visualização da extensão da prescrição de LDN na população brasileira, e revelam a tendência crescente dessa abordagem terapêutica em todas as macrorregiões. Espera-se que os resultados subsidiem o planejamento de estratégias voltadas ao uso de LDN para condições específicas e contribuam para o seu uso de forma racional.
Agradecimentos e financiamento
O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
Referências
- 1Gutstein HB A. Opioid Analgesics. In: Hardman JG, Limbird LL, editors. Goodman and Gilman's Pharmacological Basis of Therapeutics. 10ª ed. New York: Mc Graw-Hill; 2001. p. 569-619.
- 2Resnick RB, Volavka J, Freedman AM, Thomas M. Studies of EN-1639A (Naltrexone): A New Narcotic Antagonist. Am J Psychiatry 1974; 131(6):646-650.
- 3World Health Oranization (WHO). Guidelines for ATC classification and DDD assignment 2019 [Internet]. 2019 [cited 2019 set 11]. Available from: https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:4nUjL1baoBsJ:https://www.whocc.no/atc_ddd_index/+&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br
» https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:4nUjL1baoBsJ:https://www.whocc.no/atc_ddd_index/+&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br - 4Naltrexone/bupropion for obesity. Drug Ther Bull 2017; 55(11):126-129.
- 5European Medicines Agency. Procedure Management and Committees Support Division List of nationally authorised medicinal products Active substance: naltrexone [Internet]. 2016 [cited 2019 set 11]. Available from: www.ema.europa.eu/contact.
» www.ema.europa.eu/contact - 6Grilo CM, Lydecker JA, Morgan PT, Gueorguieva R. Naltrexone + Bupropion Combination for the Treatment of Binge-eating Disorder with Obesity: A Randomized, Controlled Pilot Study. Clin Ther 2021; 43:112-122.e1.
- 7Brasil. Ministério da Saúde (MS). Naltrexona. Consultoria Jurídica/Advocacia Geral da União [Internet]. 2015 [acessado 2019 set 11]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/d3042d804aa6f0c3a1c5b7218f91a449/LISTA+CONFORMIDA
» http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/d3042d804aa6f0c3a1c5b7218f91a449/LISTA+CONFORMIDA - 8Bihari B. Low-dose Naltrexone for Normalizing Immune System Function Conversations. Alt Therap 2013; 19(2):56-65.
- 9Li Z, You Y, Griffin N, Feng J, Shan F. Low-dose naltrexone (LDN): A promising treatment in immune-related diseases and cancer therapy. Int Immunopharmacol 2018; 61:178-184.
- 10Segal D, Macdonald JK, Chande N. Low dose naltrexone for induction of remission in Crohn's disease. Cochrane Database Syst Rev 2014; 2:CD010410.
- 11Younger J, Parkitny L, McLain D. The use of low-dose naltrexone (LDN) as a novel anti-inflammatory treatment for chronic pain. Clin Rheumatol 2014; 33(4):451-459.
- 12Lie MRKL, van der Giessen J, Fuhler GM, Lima A, Peppelenbosch MP, van der Ent C, van der Woude CJ. Low dose Naltrexone for induction of remission in inflammatory bowel disease patients. J Transl Med 2018; 16(1):55.
- 13Patten DK, Schultz BG, Berlau DJ. The Safety and Efficacy of Low-Dose Naltrexone in the Management of Chronic Pain and Inflammation in Multiple Sclerosis, Fibromyalgia, Crohn's Disease, and Other Chronic Pain Disorders. Pharmacotherapy 2018; 38(3):382-389.
- 14Kim PS, Fishman MA. Low-Dose Naltrexone for Chronic Pain: Update and Systemic Review. Curr Pain Headache Rep 2020; 24(10):64.
- 15Albers LN, Arbiser JL, Feldman RJ. Treatment of Hailey-Hailey disease with low-dose naltrexone. JAMA Dermatol 2017; 153:1018-1020.
- 16Ba JJ, Lio P. Low Dose Naltrexone in Dermatology. J Drugs Dermatol 2019; 18(3):235-238.
- 17Toljan K, Vrooman B. Low-Dose Naltrexone (LDN)-Review of Therapeutic Utilization. Med Sci (Basel) 2018; 6(4):82.
- 18Gozzani J. Opióides e Antagonistas. Rev Bras Anestesiol 1994; 65-73.
- 19Pierzchala-Koziec K, Dziedzicka-Wasylewska M, Oeltgen P, Zubel-Lojek J, Latacz A, Oclon E. The effect of CRH, dexamethasone and naltrexone on the mu, delta and kappa opioid receptor agonist binding in lamb hypothalamic-pituitary-adrenal axis. Folia Biologica (Poland) 2015; 63:187-193.
- 20Agarwal D, Toljan K, Qureshi H, Vrooman B. Therapeutic value of naltrexone as a glial modulator. GLIA 2017; 65(51):E103-E578.
- 21Brown N, Panksepp J. Low-dose naltrexone for disease prevention and quality of life. Med Hypotheses 2009; 72:333-337.
- 22Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Ministério da Saúde (MS). Como a Anvisa vê o uso off label de medicamentos [Internet]. 2020 [acessado 2020 ago 17]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/.
» http://portal.anvisa.gov.br - 23Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados - SNGPC. Painel Gerencial de Dados Públicos de Medicamentos Manipulados [Internet]. 2021 [acessado 2021 set 19]. Disponível em: https://app.powerbi.com/view
» https://app.powerbi.com/view - 24Antunes JLF, Cardoso MRA. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiol Serv Saude 2015; 24:565-576.
- 25Conselho Federal de Medicina (CFM). Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP. Demografia no Brasil Médica [Internet]. 2020 [acessado 2021 set 19]. Disponível em: www.portalmedico.org.br.
» www.portalmedico.org.br. - 26Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (ANFARMAG). Anfarmag_PANORAMA_SETORIAL_2020 [Internet]. [acessado 2021 set 19]. Disponível em: www.anfarmag.org.br.
» www.anfarmag.org.br. - 27Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (ANFARMAG). Dados Socioeconômicos das Farmácias de Manipulação [Internet]. [acessado 2021 set 19]. Disponível em: www.anfarmag.org.br.
» www.anfarmag.org.br. - 28Raknes G, Småbrekke L. A sudden and unprecedented increase in low dose naltrexone (LDN) prescribing in Norway. Patient and prescriber characteristics, and dispense patterns. A drug utilization cohort study. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2017; 26:136-142.
- 29Aguiar DP, Souza CPQ, Barbosa WJM, Santos-Júnior FFU, Oliveira AS. Prevalence of chronic pain in Brazil: systematic review. Braz J Pain 2021; 4(3):257-267.
- 30Colomer-Carbonell A, Sanabria-Mazo JP, Hernández-Negrín H, Borràs X, Suso-Ribera C, Garciá-Palacios A, Muchart J, Munuera J, D'Amico F, Maes M, Younger JW, Feliu-Soler A, Rozadilla-Sacanell A, Luciano JV. Study protocol for a randomised, double-blinded, placebo-controlled phase III trial examining the add-on efficacy, cost-utility and neurobiological effects of low-dose naltrexone (LDN) in patients with fibromyalgia (INNOVA study). BMJ Open 2022; 12(1):e055351.
- 31Younger J, Noor N, McCue R, MacKey S. Low-dose naltrexone for the treatment of fibromyalgia: Findings of a small, randomized, double-blind, placebo-controlled, counterbalanced, crossover trial assessing daily pain levels. Arthritis Rheum 2013; 65:529-538.
- 32Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED). Publicação da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor-Ano XVI-3º [Internet]. 2016; 59 [acessado 2021 set 19]. Disponível em: www.sbed.org.br.
» www.sbed.org.br. - 33Souza JB, Perissinotti DMN. The prevalence of fibromyalgia in Brazil - a population-based study with secondary data of the study on chronic pain prevalence in Brazil. Braz J Pain 2018; 1(4):345-348.
- 34Finkelsztejn A, Lopes JS, Noal J, Finkelsztejn JM. The prevalence of multiple sclerosis in Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brazil. Arq Neuropsiquiatr 2014; 72:104-106.
- 35Kotze PG, Underwood FE, Damião AOMC, Ferraz JGP, Saad-Hossne R, Toro M, Iade B, Bosques-Padilla F, Teixeira FV, Juliao-Banos F, Simian D, Ghosh S, Panaccione R, Ng SC, Kaplan GG. Progression of Inflammatory Bowel Diseases Throughout Latin America and the Caribbean: A Systematic Review. Clin Gastroenterol Hepatol 2020; 18:304-312.
- 36Selvaratnam S, Gullino S, Shim L, Lee E, Lee A, Paramsothy S, Leong RW. Epidemiology of inflammatory bowel disease in South America: A systematic review. World J Gastroenterol 2019; 25(47):6866-6875.
- 37Beltran Monasterio EP. Low-dose Naltrexone: An Alternative Treatment for Erythrodermic Psoriasis. Cureus 2019; 11(1):e3943.
- 38Romiti R, Amone M, Menter A, Miot HA. Prevalence of psoriasis in Brazil - a geographical survey. Int J Dermatol 2017; 56(8):e167-e168.
- 39Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Índice de Desenvolvimento Humano 2021 [Internet]. 2021 [acessado 2022 fev 11]. Disponível em: https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0.html
» https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0.html - 40Eguale T, Buckeridge DL, Verma A, Winslade NE, Benedetti A, Hanley JA, Tamblyn R. Association of off-label drug use and adverse drug events in an adult population. JAMA Intern Med 2016; 176(1):55-63.
- 41Dooms M, Killick J. Off-label use of medicines: The need for good practice guidelines. Int J Risk Saf Med 2017; 29(1-2):17-23.
- 42Holloway K. The World Medicines Situation 2011: Rational Use of Medicines. 3ª ed. Geneva: WHO: 2011.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
06 Mar 2023 - Data do Fascículo
Mar 2023
Histórico
- Recebido
29 Mar 2022 - Aceito
16 Jun 2022 - Publicado
18 Jun 2022