Resumo
Objetivou-se identificar as representações sociais de crianças de uma escola pública municipal do Rio de Janeiro acerca do procedimento de coleta sanguínea e discutir as representações sociais emergidas, à luz da atuação da equipe de saúde da família na realização desse procedimento. Utilizou-se o método e a teoria de análise das representações sociais fundamentadas por Moscovisci e Jodelet, numa abordagem qualitativa. Para a coleta de dados, empregou-se a técnica projetiva de cena de produção estética e do discurso do escolar. Os resultados foram agrupados em quatro categorias: 1) dimensões estruturais que envolvem o procedimento de coleta sanguínea; 2) dimensão do componente humano e sua interface no procedimento de coleta sanguínea; 3) a dimensão psicoemocional retratada no procedimento de coleta sanguínea e 4) a coleta de sangue: a importância para a saúde do escolar. No que diz respeito à importância da coleta sanguínea, evidenciamos a percepção de escolares para a importância de ações voltadas à prevenção e promoção da saúde.
Key words:
Student health; Social representations; Pediatric nursing; Primary health care
Abstract
The scope of this article was to identify the social representations of children in a municipal public school in Rio de Janeiro, with respect to the blood sampling procedure and to discuss the social representations that emerge, in the light of the performance of the family health team in carrying out this procedure. Moscovisci’s method/theory of analysis of social representations based on a qualitative approach was used. For data collection, the projective technique of the esthetic production scene and the student’s speech was used. The results were grouped into four categories: 1) structural dimensions involved in the blood sampling procedure; 2) dimension of the human component and its interface in the blood sampling procedure; 3) the psycho-emotional dimension portrayed in the blood sampling procedure; and 4) blood sampling: the importance for student health. With respect to the importance of blood sampling, we highlight the perception of students regarding the importance of actions aimed at prevention and health care promotion.
Key words:
Student health; Social representations; Pediatric nursing; Primary health care
Introdução
O corpo humano pode ser entendido como uma unidade social caracterizada por sua estrutura única, individual e, em muitos casos, intocável. Nesse sentido, podemos afirmar que a estrutura corporal é, do ponto de vista ético e legal, propriedade de domínio próprio/pessoal do indivíduo enquanto pessoa e cidadão. Por outro lado, é importante frisar que, no caso de crianças, esse domínio está condicionado à vontade dos pais/responsáveis até que elas atinjam a maioridade. Além disso, muitas pessoas temem que seu corpo seja invadido por pessoas desconhecidas e, principalmente, quando submetidas a processos dolorosos. Nestes casos, a reação esperada de qualquer ser humano é buscar a defesa para que seu “espaço” não seja “agredido”11 Piaget J. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar; 1978.,22 Piaget J. A linguagem e o pensamento da criança. São Paulo: Martins Fontes; 1986..
Entende-se que as percepções que o ser humano tem acerca de procedimentos dolorosos permeiam o imaginário individual e coletivo de forma heterogênea, diversificada e, em alguns casos, até mesmo distorcida por experiências malsucedidas e/ou falta de informação. Esse olhar mistificado sobre do procedimento é cultural, tanto para adultos quanto para crianças, aliado à falta de preparo de alguns profissionais de saúde para acolherem sua clientela de modo a minimizar o desconforto sentido. Vale ressaltar que a atuação tecnicista desses profissionais, em detrimento de uma abordagem humanizada, dificulta ainda mais o processo de acolhimento da criança e sua família no momento do procedimento, favorecendo a ocorrência de traumas33 Wong DL. Enfermagem pediátrica: elementos essenciais à intervenção efetiva. Rio de Janeiro: Guanabara; 2018..
Esse tema é importante para a atenção primária à saúde, serviço que, como preconizado por Starfield44 Starfield B. Atenção primária, equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços-tecnologia. Brasília: Unesco/Ministério da Saúde (MS): 2002., deve promover um cuidado à luz de quatro atributos essenciais: primeiro contato, integralidade, longitudinalidade e coordenação.
A cidade do Rio de Janeiro incorporou em sua carteira de serviços da atenção primária à saúde a coleta de material de sangue para exame laboratorial. Portanto, é um desafio diário para as equipes de saúde da família a realização de tais coletas em crianças, que possuem suas próprias concepções sobre o ato, sendo necessário incorporar técnicas para além dos treinamentos profissionais ofertados nos cursos de formação, mas que sirvam para aproximar a criança do serviço, sem criar uma barreira.
Nesse contexto, pretendendo-se refletir sobre esta questão, o estudo tem como objetivos: identificar as representações sociais de crianças de uma escola pública municipal do Rio de Janeiro acerca do procedimento de coleta sanguínea e discutir as representações sociais emergidas, à luz da atuação dos profissionais da atenção primária à saúde, em especial o enfermeiro, na realização desse procedimento.
Abordagem metodológica
Este estudo possui uma abordagem qualitativa, em consonância com o preconizado por Minayo55 Minayo MC. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec Editora; 2014.,66 Lakatos EM, Marconi MA. Metodologia científica. São Paulo: Atlas; 2017.. Utiliza-se como método e teoria de análise as representações sociais fundamentadas por Moscovici e Jodelet77 Spink MJ, organizador. O conhecimento do cotidiano. As representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense; 1993.. Na coleta de dados, utilizamos a técnica projetiva de cena de produção estética e do discurso do escolar. Aplicou-se um formulário de avaliação socioeconômica. Nossas fontes primárias caracterizaram-se por: a) representação gráfica da criança por meio do desenho elaborado à mão livre; b) relato da criança acerca do desenho realizado após o procedimento de coleta sanguínea; c) impressão da equipe de pesquisa a respeito do desenho realizado; e, d) as informações contidas no questionário. O cenário escolhido foi uma escola pública de ensino fundamental do município do Rio de Janeiro.
Esta pesquisa atendeu as resoluções nº 466/2012 e nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EEAN/HESFA/UFRJ. Para recrutamento dos participantes, foram feitas reuniões com as crianças e seus responsáveis para apresentação da pesquisa e obtenção da coleta de assinaturas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).
Os sujeitos do estudo foram 162 crianças em idade escolar (6 a 12 anos), matriculados na escola selecionada, que se submeteram ao procedimento de coleta sanguínea à vácuo para fins de análise laboratorial, a saber: determinação dos níveis séricos de glicemia e lipidograma completo. A coleta ocorreu respeitando as normas de biossegurança para processamento de amostras biológicas e gerenciamento de resíduos orgânicos estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), bem como o protocolo de segurança das crianças, em conformidade ao Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). Para o procedimento, as crianças foram mantidas em jejum de 12 horas. As amostras biológicas foram colhidas na escola em tubos de ensaio contendo o anticoagulante ácido etilenodiamino tetra-ácético (EDTA).
Com base nos princípios dos cuidados conscientes e humanizados propostos por Fischibach88 Fischibach FT. Manual de enfermagem em exames laboratoriais e diagnósticos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998., o acolhimento das crianças e de seus responsáveis foi realizado na sala de audiovisual, onde foram exibidos desenhos infantis e oferecidos brinquedos para minimizar o estresse, a ansiedade e o desconforto prévios à da coleta sanguínea. Frisa-se que nenhuma criança foi forçada a participar ou imobilizada durante o procedimento. A coleta ocorreu na sala de artes plásticas e de música, que, por ser equipada com uma pia para higienização das mãos, foi adaptada para o procedimento. As amostras foram armazenadas e imediatamente encaminhadas para análise laboratorial em recipiente portátil rígido, isotérmico, com gelo reciclável e com controle de temperatura, mantida entre 2º C e 8º C. Depois da coleta sanguínea, as crianças receberam o desjejum completo fornecido pela equipe de pesquisa. Após a alimentação, as crianças foram encaminhadas para uma sala de aula, onde foram convidas a expressar, por meio de desenhos, os sentimentos e as percepções decorrentes do procedimento invasivo realizado.
De posse dos dados, esses foram dispostos em categorias afins. Depois disso, procedeu-se à análise dos dados, tendo como suporte a bibliografia pertinente. Os sujeitos do estudo receberam nomes fictícios de pintores famosos, em alusão à criatividade das produções estéticas elaboradas.
Apresentação dos resultados e discussão
Dos desenhos dos 162 escolares, emergiram 276 representações sociais acerca do procedimento de coleta sanguínea, agrupadas em quatro categorias. Dessa forma, das 276 representações sociais identificadas, 124 (44,9%) se enquadram na categoria dimensões estruturais que envolvem o procedimento de coleta sanguínea; 79 (28,6%) na categoria dimensão do componente humano e sua interface no procedimento de coleta sanguínea; 63 (22,9%) na categoria a dimensão psicoemocional retratada no procedimento de coleta sanguínea e 10 (3,6%) na categoria intitulada a coleta de sangue: a importância para a saúde do escolar. A partir dessa identificação, analisamos cada categoria com suas particularidades.
Dimensões estruturais que envolvem o procedimento de coleta sanguínea
A primeira categoria, designada dimensões estruturais que envolvem o procedimento de coleta sanguínea, corresponde ao estudo dos elementos que compõem as estruturas necessárias à implementação de etapas do procedimento que emergiram nos desenhos e falas dos escolares. Para uma melhor compreensão desses elementos, subdividimos a categoria de forma a agrupá-la em duas subcategorias: 1) dimensão instrumental e procedimental e 2) dimensão ambiental.
A subcategoria denominada dimensão instrumental e procedimental aglutina os insumos materiais, equipamentos e instrumentos utilizados no processo de coleta sanguínea, bem como o procedimento em si, como um todo e/ou suas partes. A subcategoria denominada dimensão ambiental se fez necessária para agrupar alguns locais por onde os escolares passaram para a realização do procedimento de coleta sanguínea. Nesta subcategoria, foi destacada com maior frequência o ambiente escolar, o que pode ser compreensivo por ter sido o cenário onde ocorreu toda a coleta de dados. Um dos locais mais representativos foi a sala de artes plásticas e de música, por ter sido o local destinado à realização da coleta sanguínea.
Dimensão instrumental e procedimental
Com relação às dimensões estruturais que envolvem o procedimento de coleta sanguínea, essa categoria foi a mais abordada nas expressões estéticas dos sujeitos, tendo sido registrado uma frequência de 85. Os depoimentos foram categóricos ao reforçar as etapas da técnica utilizada, pois na maioria dos discursos os escolares retrataram conteúdos temáticos, tais como: seringa, agulha, veia, sangue, exame e injeção.
A maior parte das produções estéticas reforçou os instrumentos empregados e o procedimento em si, com destaque para: a seringa contendo sangue, a disposição dos materiais na, como garrote, luva e algodão, a inserção da agulha no momento da punção venosa, entre outros. Julgamos esse dado expressivo, pois embora o procedimento de coleta sanguínea não seja, de modo geral, de afeição da clientela pesquisada, a mesma retratou-o de forma bastante peculiar e espontânea. A seguir, os desenhos e depoimentos que melhor caracterizam a presente subcategoria.
Pela expressão estética e o discurso do escolar (Figura 1), foi possível observar que ele se atentou para os detalhes do instrumental e de alguns passos da técnica, pois enfocou a agulha fina, sua introdução no vaso sanguíneo e o curativo feito posteriormente. Podemos atentar para a clareza demonstrada pela criança em relação à sequência lógica, ou seja, os passos do processo que foram mencionados, apesar do desconforto do procedimento efetuado, que poderia ter desviado a atenção da criança para outras questões não relacionadas à ação implementada.
Essa representação pode ser compreendida quando se pensa que todo procedimento invasivo se constitui em agente estressor para as pessoas de uma forma geral, principalmente quando essas são submetidas a métodos dolorosos. Isto porque existe no imaginário coletivo um conjunto de valores, mitos, crenças e experiências vividas e/ou relatadas que influenciam no processo de significação e/ou ressignificação dos mesmos99 Bachelard GA. A poética do espaço. São Paulo: Abril Cultural; 1978..
Dimensão ambiental
No que se refere ao ambiente, a estrutura espacial da escola e a própria sala de coleta sanguínea foram os locais que emergiram com maior significância: 39 aparições. É possível compreender esse achado pela familiaridade dos sujeitos com o espaço reservado para a execução do procedimento - o ambiente escolar. Dessa forma, as crianças pesquisadas retrataram esse ambiente com detalhes, enfocando as modificações feitas pela equipe para adequar o local às exigências para viabilizar a coleta sanguínea. A utilização do espaço escolar para a coleta teve boa aceitação pelos escolares em seus discursos e desenhos. É plausível considerar que a boa aceitação pode ter surgido porque o ambiente criado fugiu dos modelos clínicos e hospitalocêntricos, pouco acolhedores, que estão inseridos no senso comum das crianças.
Na Figura 2, o escolar representou o ambiente da sala de coleta, identificando a disposição dos móveis e ressaltando a importância da privacidade, visto que foi ilustrado um papel pardo na porta da sala utilizada para a coleta sanguínea.
Dimensão do componente humano e sua interface no procedimento de coleta sanguínea
A segunda categoria, designada dimensão do componente humano e sua interface no procedimento de coleta sanguínea, retrata os agentes que atuaram no procedimento realizado e também os profissionais e/ou modelos inerentes às representações sociais dos sujeitos do estudo.
A interface com o profissional aglutina os atores que fizeram parte do processo da coleta sanguínea, entre eles acadêmicos de enfermagem e enfermeiros. Uma particularidade surgiu quando iniciamos a categorização dos desenhos, visto que o profissional médico foi referido com um quantitativo expressivo. A partir desse dado, foi realizado o desmembramento dessa subcategoria, visando uma melhor análise referente aos profissionais envolvidos na coleta sanguínea e o profissional médico que está inserido nas representações dos escolares.
Por outro lado, a subcategoria denominada interface com o núcleo familiar foi construída em função da representatividade de familiares nas expressões estéticas produzidas. A família teve um significado expressivo nos desenhos, o que nos permite inferir que ela foi um ponto importante para os escolares no momento do procedimento, servindo de alicerce e ponto de segurança.
Interface com profissional
As relações humanas que foram construídas em função do procedimento de coleta entre o escolar e os profissionais foram identificadas 63 vezes nas expressões estéticas. Podemos considerar que este número foi significativo, uma vez que o profissional da área de saúde é visto pelas crianças com receio em função das atividades e técnicas que exerce, pois esses atores da saúde “invadem” e “agridem” a estrutura física dos seres humanos. A aproximação entre os escolares e os profissionais que atuaram no procedimento, mediantes processo comunicativo, foi de suma importância, visto que para ambas as partes existiu a necessidade de se desenvolver vínculos sustentáveis de confiança durante o procedimento.
Esse aspecto foi ressaltado como condição essencial de efetivação das ações técnicas, ou seja, para a realização do procedimento invasivo. Presumiu-se que os vínculos estabelecidos e a confiança construída por meio do diálogo foram pontos-chave para um reconhecimento satisfatório por parte dos escolares acerca dos profissionais envolvidos. As ações de acolhimento e compreensão do sujeito individualmente são prerrogativas do Sistema Único de Saúde (SUS), integrando a humanização da assistência, tendo sido utilizadas em todo o procedimento de coleta, a fim de que cada vínculo de confiança estabelecido resultasse em um reconhecimento interno dos atores profissionais envolvidos1010 Reis FNA. A dimensão educacional da consulta de enfermagem e a construção dos sentidos de corpo para as mulheres [dissertação]. Rio de Janeiro: Estácio de Sá; 2005..
Modelo hospitalocêntrico/médico como figura hegemônica
A inferência feita pelos escolares ao modelo hospitalocêntrico/médico foi observada de maneira significativa nas expressões estéticas produzidas, totalizando 43 achados. Esse dado nos leva a uma reflexão acerca das representações sociais inerentes aos escolares, visto que por mais que fosse uma atividade desenvolvida por uma equipe multiprofissional, o que emergiu significativamente foi o modelo médico.
Ressaltamos ainda que a atividade foi desenvolvida no espaço escolar e mesmo assim emergiram representações físicas de hospitais e enfermarias. Com relação a esses achados, podemos fazer uma associação dos motivos para essa representação, visto que culturalmente as pessoas priorizam a ação curativa em detrimento da preventiva1111 Lucas EAJCF, Adorno RCF, Santos AEVD, Tyrrell MAR, Halfoun VLRC. Os significados das práticas de promoção da saúde na infância: estudo do cotidiano escolar pelo desenho. Cien Saude Colet 2021; 26(9):4193-4204..
Podemos identificar também que essa construção da representação não surgiu recentemente, visto que o caráter tecnicista e o paradigma assistencial eminentemente curativo estão inseridos na sociedade desde a Revolução Industrial. Ratificando essa colocação, Nichiata e colaboradores1212 Nichiata L, Takahashi R, Ciosak SC. Evolução dos isolamentos em doenças transmissíveis: os saberes na prática contemporânea. Rev Esc Enferm USP 2004; 30(5):61-70. relatam que A finalidade do hospital, passa a ser um local de assistência aos doentes e só ocorreu impulsionado pelo desenvolvimento do capitalismo industrial [...], no sentido de tornar acessível estes serviços de saúde ao conjunto da população, vistos como o mais importante recurso produtivo de uma nação. Era imperativo reduzir a mortalidade causada pelas grandes epidemias e, ao mesmo tempo, redefinir a função dos hospitais, que passaram a assumir papel importante na recuperação da força de trabalho1212 Nichiata L, Takahashi R, Ciosak SC. Evolução dos isolamentos em doenças transmissíveis: os saberes na prática contemporânea. Rev Esc Enferm USP 2004; 30(5):61-70..
Imbuído dessa representação social, o senso comum caminha para as políticas de saúde voltadas para o ambiente centrado no hospital e tendo no médico o profissional que atua decisivamente na esfera terciária/curativa1313 Queiroz ABA. Ser mulher e a infertilidade: um estudo de representações sociais [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2002.. Como culturalmente o modelo é centrado na figura médica, as representações que emergiram dos escolares foram em sua maioria de acordo com o imaginário popular.
Na Figura 3, o discurso é positivo sobre o que foi realizado. Porém a expressão estética mostra claramente que o modelo hospitalocêntrico está inserido na representação do escolar, visto que ele traçou e realçou com a escrita “hospital”.
As expressões estéticas e os discursos acima retratam ainda o poderio médico inserido nas representações, visto que no primeiro desenho o escolar traça o médico com uma capa, sendo este um marco sugestivo de poder/super-herói. Já no segundo desenho, o escolar ilustra o médico com uma seringa para cima, um indicativo de vitória pelo sangue coletado.
A dimensão psicoemocional retratada no procedimento de coleta sanguínea
A terceira categoria, designada dimensão psicoemocional retratada no procedimento de coleta sanguínea, corresponde ao estudo dos elementos que compõem a esfera subjetiva da coleta sanguínea. Essa categoria emergiu da necessidade de os sujeitos demonstrarem seus sentimentos e anseios ao serem submetidos ao procedimento de coleta de sangue. Visando um melhor entendimento desses elementos, subdividimos a categoria de forma a agrupá-la, concisamente, em duas subcategorias, conforme as vertentes pertinentes, sendo elas: 1) sentimentos e sensações favoráveis e 2) sentimentos e sensações desfavoráveis.
A subcategoria denominada sentimentos e sensações favoráveis reúne as emoções positivas que afloraram no escolar baseadas na experiência vivenciada no procedimento de coleta sanguínea. Essas emoções foram expressas nas produções artísticas e nos discursos, tendo sido identificados em seus conteúdos: alegria pela retirada sanguínea; surpresa pelo fato de não ter sentido dor; satisfação pelo atendimento; segurança no procedimento realizado, entre outros.
A subcategoria sentimentos e sensações desfavoráveis foi constituída para agrupar as emoções que foram exteriorizadas de maneira negativa em decorrência do procedimento. Desse fato emergiram desenhos e discursos, com colocações como: dor em decorrência da punção; medo em função da técnica invasiva; angústia; nervosismo.
Sentimentos sensações positivos
A punção de coleta sanguínea é um procedimento inevitavelmente doloroso. Portanto, é um desafio para qualquer unidade de saúde e/ou profissional fazer com que as pessoas, principalmente as crianças, se submetam a esse procedimento manifestando sentimentos positivos acerca da técnica empreendida. Entretanto, é possível utilizar artifícios que minimizem a dor e o desconforto. Nessa ótica, Wong33 Wong DL. Enfermagem pediátrica: elementos essenciais à intervenção efetiva. Rio de Janeiro: Guanabara; 2018. aponta que “a brincadeira pode ser utilizada no ensino da expressão dos sentimentos como método para conseguir uma meta terapêutica”.
No que diz respeito aos sujeitos estudados, foi plausível utilizar estratégias para controle e alívio da dor, como estimulação cutânea, técnicas de distração com auxílio de brinquedos e busca pela confiança no discurso do profissional no momento da técnica invasiva. Entretanto, é possível destacar que, mesmo nos discursos favoráveis, há reações emocionais como alívio, ansiedade e apreensão, independentemente dos relatos constatados na ausência de dor.
Com relação ao envolvimento interpessoal, os sentimentos foram expressos de forma positiva, uma vez que o escolar parece ter rompido a barreira da distância das relações já construídas. Dessa maneira, percebe-se o quanto é importante a aplicação de uma abordagem diferenciada para a construção de uma nova representação sobre o procedimento. Emergiram 37 produções estéticas que demonstram emoções positivas (Figura 4).
De acordo com as expressões estéticas e os discursos, foi possível observar que, mesmo submetidos a um procedimento invasivo, os escolares pontuaram sentimento de satisfação, como: “gostar” e “legal”, independentemente da técnica dolorosa realizada. Em uma das produções, o escolar pontuou em seu discurso o “choro”, sendo este um fator de caráter negativo, porém depois relatou a sensação agradável de ter sido submetido à técnica invasiva.
Sentimentos e sensações desfavoráveis
Essa subcategoria reúne o conjunto de emoções negativas que surgiram em função do procedimento, haja vista a representação social que os escolares têm acerca do processo de coleta sanguínea. Quanto à técnica, foram representados sentimentos como dor, pavor, medo e nervosismo, expressados externamente com o choro. Esses sentimentos são passíveis de compreensão, em função da complexidade de sensações que o processo de dor pode acarretar (Figura 5). Em continuidade à discussão, pode-se destacar que a percepção do estímulo doloroso é singular e pode sofrer influência de experiências anteriores99 Bachelard GA. A poética do espaço. São Paulo: Abril Cultural; 1978.. E ainda tem-se associado mecanismos fisiológicos inatos aos seres humanos.
Nas expressões estéticas e nos discursos, os escolares demonstraram sentimentos negativos referentes ao procedimento. No primeiro relato, a criança expôs seu pavor em decorrência da técnica, enfocando no desenho o profissional buscando acalmá-lo. Já o segundo escolar foi relatou que não gostou porque sentiu dor, o que já era esperado, visto que o procedimento em si traz desconforto.
Os dados nos mostraram que, no panorama global da dimensão psicoemocional retratada no procedimento de coleta sanguínea, verifica-se um destaque nos sentimentos e sensações favoráveis, uma vez que essa subcategoria emergiu de forma significativa apesar de os escolares terem sido submetidos a um procedimento de caráter doloroso.
A coleta de sangue: a importância para a saúde do escolar
Finalmente, a quarta categoria, designada coleta de sangue: a importância para a saúde do escolar, emergiu das representações sociais acerca do conhecimento pré-existente do conceito de saúde dos escolares e da visão de mundo que eles têm. Essa categoria também agrupa o entendimento da importância da realização da coleta sanguínea para prevenção e/ou identificação de doenças, e foi criada com base nas dez representações expostas pelos escolares relativas à temática que envolve as questões de saúde. Esse aspecto nos trouxe satisfação, à medida que identificamos nas crianças pesquisadas a percepção da importância da prevenção e da promoção da saúde.
Os escolares, ao difundirem informações pertinentes à saúde, tornam-se participantes da disseminação de conhecimentos para a família e para a comunidade como um todo. E ao mesmo tempo podem interferir nas possíveis mudanças da realidade à sua volta. Assim, todas as representações adquiridas e já detidas pelos escolares a respeito de conceitos de saúde podem sinalizar a importância de uma maior atuação dos profissionais na atenção primária, possibilitando a outras crianças a troca de saberes1111 Lucas EAJCF, Adorno RCF, Santos AEVD, Tyrrell MAR, Halfoun VLRC. Os significados das práticas de promoção da saúde na infância: estudo do cotidiano escolar pelo desenho. Cien Saude Colet 2021; 26(9):4193-4204..
Analisando a atuação dos profissionais da enfermagem na promoção da saúde, acreditamos que eles, ao incorporarem em suas práticas a difusão do conhecimento, serão capazes de construir estratégias que alcancem a coletividade, por meio de interações dialógicas que promovam alianças de saberes1414 Cabral IE. Aliança de saberes no cuidado e estimulação criança-bebê. Rio de Janeiro: Ed. Escola Anna Nery; 1997.. Devemos respeitar o fato de que todo saber tem o seu valor, não podendo ser jamais descartado. Podemos lembrar que o conhecimento popular não caminha em paralelo ao saber científico, porém um não anula o outro, haja vista que esses conhecimentos têm uma maneira peculiar de olhar a realidade1515 Lucas LC, Lucas RC, Cabral AS, Costa RIM, Mello MPS, Silva MCD, Lucas BLP, Santos AEV, Santos RSFV, Telles AO, Halfoun VLRC, Gomes MK, Lucas EAJCF. O teatro como instrumento socioeducativo na escola. In: Sombra ICN, organizadora. Enfermagem moderna. Ponta Grossa: Atena Editora; 2020. p. 167-178..
No que diz respeito à representação dos escolares, observamos que alguns sujeitos pesquisados associaram a proposta de coleta sanguínea com temas voltados a vacinação e doação de sangue. Entretanto, as crianças que não compreenderam o foco principal da pesquisa conseguiram expressar a percepção e o entendimento da importância da ação realizada para a saúde, como: prevenção (quando cita a vacina) e humanização (quando retrata a doação sanguínea) (Figura 6).
Nas expressões estéticas e nos discursos dos escolares, identificamos uma associação dos sujeitos acerca da coleta sanguínea com a promoção da saúde. Isso porque em um dos desenhos a criança utilizou-se do simbolismo para correlacionar a vida com a coleta sanguínea1616 Di Leo JHA. Interpretação do desenho infantil. Porto Alegre: Artes Médicas; 1985.,1717 Luquet GH. O desenho infantil. Porto: Livraria Civilização-Editora; 1969.. Ele fez uma inferência para associar o peixe e o coração como sinônimos de vida. Já no outro discurso, a criança relatou que a coleta sanguínea é para o bem da saúde. Por fim, descrevemos as particularidades das representações sociais da categoria, segundo sexo e faixa etária dos escolares pesquisados. Os dados nos mostraram um panorama geral da categoria.
Coleta de sangue: a importância para a saúde do escolar
É importante frisar que atribuímos às produções estéticas dos escolares o status de “obras artísticas”, pois a expressão simbólica manifestada por essas crianças foi permeada de sensibilidade, criatividade, senso crítico e capacidade de percepção individual e/ou coletiva, próprios da realidade de cada um. Salientamos que a primeira categoria foi construída de acordo com as representações sociais, podendo-se destacar algumas considerações dos apontamentos emergidos.
Com relação ao processo de coleta sanguínea, detectamos que os escolares se atentaram a detalhes do instrumental utilizado e à técnica desenvolvida para o procedimento invasivo. Dessa forma, avaliamos que os instrumentos utilizados e os ambientes envolvidos no procedimento receberam grande enfoque, porém com diferenças de abordagem de acordo com o sexo e a idade.
Considerando o sexo masculino, detectamos que houve ligeira predominância na abordagem dos insumos utilizados para a técnica e o procedimento em si. As meninas, por sua vez, abordaram a questão ambiental com maior significância. Nessa ótica, julgamos que existe uma questão de gênero envolvida nesses achados. Para melhor entendimento, é necessário definir que, segundo Queiróz1313 Queiroz ABA. Ser mulher e a infertilidade: um estudo de representações sociais [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2002., “gênero se refere a um sistema de papéis e de relações entre mulheres e homens, os quais não são determinados pela biologia, mas pelo conceito social, cultural, político e econômico”. Acreditamos que a questão de gênero tenha influenciado na construção das representações sociais das crianças participantes deste estudo. Avaliamos que o predomínio no aspecto operacional das representações dos meninos é oriundo do determinismo cultural. Isso porque, desde a primeira infância, os meninos possuem brinquedos que são voltados para o trabalho e a ação, tais como: ferramentas, carros e bolas. O sexo feminino apresenta um caráter mais ambiental, visto que na infância as meninas já são presenteadas com brinquedos voltados para o cuidado com a casa, como: panelas, móveis em miniatura para todos os cômodos e bonecas11 Piaget J. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar; 1978.,22 Piaget J. A linguagem e o pensamento da criança. São Paulo: Martins Fontes; 1986..
Assim, desde a infância as peculiaridades de cada sexo já estão introjetadas, considerando que o menino está sendo preparado para desempenhar um papel social no qual é valorizado o manuseio de instrumentais em função do trabalho. A menina é preparada para o desempenho de funções sociais voltadas para a maternidade e atividades domésticas. Nesse papel, é valorizada a manutenção de um ambiente aconchegante e familiar. É premente destacar que a abordagem de acordo com a idade também foi diferenciada. Isso porque a faixa etária de 6 a 7 anos enfocou com menor significância os instrumentos utilizados e o procedimento, comparada à faixa etária de 8 a 12 anos.
Pautamos esse achado em função do desenvolvimento cognitivo da criança, visto que, com o avanço da idade, o escolar consegue transpor com maior precisão e fidedignidade as percepções advindas do ambiente que os cerca. Em prosseguimento, podemos atentar que o componente ambiental foi destacado sobretudo na sala de coleta sanguínea e no espaço físico da escola como um todo. Isso se deve principalmente às representatividades que os sujeitos de estudo detêm acerca desses espaços11 Piaget J. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar; 1978.,22 Piaget J. A linguagem e o pensamento da criança. São Paulo: Martins Fontes; 1986..
No que diz respeito ao ambiente escolar, as crianças entendem que esse local é destinado apenas às atividades de caráter educacional, não compreendendo, na maioria das vezes, as relações existentes entre saúde e educação. Por outro lado, quando são oferecidas às crianças oportunidades de vivenciarem situações diferenciadas, surgem novos contextos para a dimensão ambiental da escola. Com isso, emergem novos conceitos de espaço escolar em que as crianças são capazes de vislumbrar a escola como espaço para promoção da saúde1111 Lucas EAJCF, Adorno RCF, Santos AEVD, Tyrrell MAR, Halfoun VLRC. Os significados das práticas de promoção da saúde na infância: estudo do cotidiano escolar pelo desenho. Cien Saude Colet 2021; 26(9):4193-4204..
Vale ressaltar o enfoque dado pelos escolares ao componente humano, sendo este representado pelo profissional médico, pela equipe de enfermagem, bem como pelos familiares que participaram do processo de coleta sanguínea. Apesar da composição multiprofissional da equipe de pesquisa, que emergiu significativamente em ambos os sexos, foi o profissional médico que mais se destacou. Sendo assim, detectamos que existe uma conotação muito forte da hegemonia médica inserida na representação desses escolares. Isso se deve provavelmente ao processo histórico-estrutural que influenciou a humanidade na elaboração dos conceitos de saúde-doença e também da massificação de longa data do paradigma assistencial de cunho meramente curativo, em detrimento do preventivo1111 Lucas EAJCF, Adorno RCF, Santos AEVD, Tyrrell MAR, Halfoun VLRC. Os significados das práticas de promoção da saúde na infância: estudo do cotidiano escolar pelo desenho. Cien Saude Colet 2021; 26(9):4193-4204..
Nesse contexto, sabe-se que, historicamente, desde a Revolução Industrial as pessoas eram “utilizadas” como força de trabalho e necessitavam estar em perfeitas condições de saúde para a produção em escala. Consequentemente, as políticas públicas do país direcionaram esforços para um conjunto de ações de saúde influenciadas pelo modelo higienista, que visava principalmente a redução da prevalência das doenças infectocontagiosas. Tais ações eram focadas na esfera curativa e hospitalocêntrica, que permanece ainda arraigada no imaginário coletivo das crianças e suas famílias1111 Lucas EAJCF, Adorno RCF, Santos AEVD, Tyrrell MAR, Halfoun VLRC. Os significados das práticas de promoção da saúde na infância: estudo do cotidiano escolar pelo desenho. Cien Saude Colet 2021; 26(9):4193-4204.,1212 Nichiata L, Takahashi R, Ciosak SC. Evolução dos isolamentos em doenças transmissíveis: os saberes na prática contemporânea. Rev Esc Enferm USP 2004; 30(5):61-70..
Verificamos que a figura do enfermeiro também foi observada nas representações dos sujeitos, visto que a equipe participante do processo de coleta sanguínea era formada em sua maioria por profissionais e acadêmicos da área da enfermagem. Com isso, podemos inferir que a presença do enfermeiro é devidamente reconhecida quando ele se faz atuante no processo. É importante reforçar nossa experiência no desenvolvimento das ações realizadas no espaço escolar. Nesse contexto, verificamos que a clientela pesquisada demonstrou reconhecimento e aceitabilidade em relação às orientações fornecidas pela enfermagem antes, durante e após o procedimento de coleta sanguínea.
Ressaltamos ainda a importância da inserção do enfermeiro nos espaços comunitários, uma vez que sua atuação diferenciada pode conferir maior visibilidade do seu campo de prática1111 Lucas EAJCF, Adorno RCF, Santos AEVD, Tyrrell MAR, Halfoun VLRC. Os significados das práticas de promoção da saúde na infância: estudo do cotidiano escolar pelo desenho. Cien Saude Colet 2021; 26(9):4193-4204.. No contexto profissional como um todo, percebemos que as crianças da faixa etária de 6 a 7 anos abordaram com menor intensidade a presença dos profissionais, se compararmos com a faixa etária de 8 a 12 anos.
Quanto à família, destaca-se a importância da presença dela no processo de coleta sanguínea. Consideramos que a família tem por característica própria oferecer um suporte emocional para um momento doloroso, como o procedimento de coleta sanguínea. Por isso a unidade familiar estruturada favorece um amadurecimento e uma segurança para a criança frente às dificuldades que terão que perpassar na vida99 Bachelard GA. A poética do espaço. São Paulo: Abril Cultural; 1978.. Nesse caso, o procedimento invasivo ao qual foram submetidas.
É premente registrar que a família não se torna um coadjuvante no processo, e sim parte integrante. Ao serem submetidas ao procedimento, emergiram, das crianças, emoções favoráveis e desfavoráveis a respeito da técnica realizada. Identificamos que as expressões de sentimentos foram variadas, tendo crianças que demonstraram pavor e outras que evidenciaram alegria. Nesse âmbito, buscamos a compreensão das diferentes sensações manifestas.
Em relação aos sentimentos desfavoráveis, entendemos que muitos procedimentos efetuados por profissionais da área de saúde trazem desconforto para as crianças, visto que em sua maioria são invasivos, dolorosos e realizados quando elas necessitam de cuidados curativos. Ao serem submetidas a tais procedimentos, os escolares já trazem as significações do imaginário individual e coletivo em relação às técnicas realizadas. Contudo, a minoria dos sujeitos em estudo exteriorizou de forma desfavorável a experiência vivenciada na coleta sanguínea.
Quanto à expressão de sentimentos favoráveis, atribuímos sua significativa recorrência ao protocolo elaborado pela equipe de pesquisa para a viabilidade da coleta sanguínea. Cabe ressaltar que utilizamos um protocolo visando a minimização do estresse, em que priorizamos a humanização da assistência com estratégias que favorecessem o acolhimento do binômio escolar- responsável e minimizassem o desconforto gerado pela expectativa do procedimento.
É necessário dizer que a proposta da coleta sanguínea para fins científicos implicou submetermos crianças supostamente saudáveis a um procedimento invasivo, com consentimento prévio da criança e do seu responsável. Assim, emergiram representações favoráveis às ações realizadas, sendo essa uma maneira real de aprovação por parte das crianças acerca do protocolo estabelecido. Partindo da premissa que a qualidade se faz com o todo e para o todo, e que tem como foco central o cliente e seu familiar, entendemos que a coleta de sangue atingiu elevado padrão de qualidade.
No que diz respeito à integração dos escolares com a equipe de enfermagem, considerando o papel educador desses profissionais, destacamos as contribuições significativas para ambos. Visto que foram construídas trocas de saberes sólidas no processo de saúde e educação estabelecido entre os sujeitos de estudo e pesquisadores no momento das orientações. Além disso, a contribuição do estudo pode ser compreendida pelo reconhecimento da clientela à atividade desenvolvida. Esse reconhecimento emergiu dos conceitos de saúde que foram “trabalhados” na dimensão dialógica do enfermeiro com o escolar durante o processo de coleta dos dados. Todavia, acreditamos que as trocas de saberes foram profícuas para todos os atores sociais envolvidos1111 Lucas EAJCF, Adorno RCF, Santos AEVD, Tyrrell MAR, Halfoun VLRC. Os significados das práticas de promoção da saúde na infância: estudo do cotidiano escolar pelo desenho. Cien Saude Colet 2021; 26(9):4193-4204.,1414 Cabral IE. Aliança de saberes no cuidado e estimulação criança-bebê. Rio de Janeiro: Ed. Escola Anna Nery; 1997.,1515 Lucas LC, Lucas RC, Cabral AS, Costa RIM, Mello MPS, Silva MCD, Lucas BLP, Santos AEV, Santos RSFV, Telles AO, Halfoun VLRC, Gomes MK, Lucas EAJCF. O teatro como instrumento socioeducativo na escola. In: Sombra ICN, organizadora. Enfermagem moderna. Ponta Grossa: Atena Editora; 2020. p. 167-178.,1818 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Políticas de Saúde. A promoção da saúde no contexto escolar. Rev Saude Publica 2002; 36(4):533-535..
Nosso estudo mostrou que o enfermeiro tem um papel fundamental na preparação de crianças que são submetidas a procedimentos invasivos/dolorosos. Quando são devidamente preparadas, elas consentem e colaboram para a realização do procedimento. A atuação profissional da enfermagem não deve se prender apenas ao aspecto operacional. Isso porque a base do ofício do enfermeiro é o cuidado integral, não só no cenário hospitalar, mas também no ambiente comunitário. Assim, sugerimos que os profissionais que atuam na atenção primária realizem mais estudos enfocando essa temática, visto que a todo instante inúmeras crianças são submetidas a algum procedimento invasivo.
Conclusões
Acreditamos que este estudo é amplo, podendo ser um “divisor de águas” para novos estudos, com a possibilidade inclusive de ser reproduzido em diversos cenários, a saber: escolas particulares, laboratórios de análises clínicas, unidades de atenção primária à saúde e hospitais. Entendemos que o universo infantil é extremamente rico e pode ser abordado de forma expressiva no contexto das representações sociais. Destacamos que as expressões estéticas dos participantes desta pesquisa foram marcadas por: a) sensibilidade caracterizada pela demonstração de afeto, interação humana e esmero na criação dos desenhos; b) criatividade demonstrada pelas analogias, atribuições simbólicas e diversidade nas formas de expressão; c) senso crítico-reflexivo manifesto pela opinião, sentimentos e expressões pelos escolares; e d) capacidade observacional verificada pela riqueza de detalhes retratados nos desenhos.
Acreditamos ser de suma importância a ampliação do espaço de atuação da equipe de saúde da família na comunidade escolar, tendo em vista que tais profissionais zelam pela abordagem holística, integral, integrada e, principalmente, humanizada em todos os níveis de atenção à saúde da população. Outro aspecto que nos chama atenção é o papel dessa equipe como educadora, com destaque para a aliança de saberes estabelecida entre ela e a clientela, mediante interações dialógicas produtivas. Para isso, devem aprimorar suas habilidades psicoafetivas, cognitivas e sociopolíticas, a fim de potencializar a internalização de atitudes geradoras de vida e de saúde por parte da criança e sua família na busca da promoção da saúde e na prevenção das doenças mais prevalentes na infância.
Referências
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- 11Lucas EAJCF, Adorno RCF, Santos AEVD, Tyrrell MAR, Halfoun VLRC. Os significados das práticas de promoção da saúde na infância: estudo do cotidiano escolar pelo desenho. Cien Saude Colet 2021; 26(9):4193-4204.
- 12Nichiata L, Takahashi R, Ciosak SC. Evolução dos isolamentos em doenças transmissíveis: os saberes na prática contemporânea. Rev Esc Enferm USP 2004; 30(5):61-70.
- 13Queiroz ABA. Ser mulher e a infertilidade: um estudo de representações sociais [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2002.
- 14Cabral IE. Aliança de saberes no cuidado e estimulação criança-bebê. Rio de Janeiro: Ed. Escola Anna Nery; 1997.
- 15Lucas LC, Lucas RC, Cabral AS, Costa RIM, Mello MPS, Silva MCD, Lucas BLP, Santos AEV, Santos RSFV, Telles AO, Halfoun VLRC, Gomes MK, Lucas EAJCF. O teatro como instrumento socioeducativo na escola. In: Sombra ICN, organizadora. Enfermagem moderna. Ponta Grossa: Atena Editora; 2020. p. 167-178.
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- 17Luquet GH. O desenho infantil. Porto: Livraria Civilização-Editora; 1969.
- 18Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Políticas de Saúde. A promoção da saúde no contexto escolar. Rev Saude Publica 2002; 36(4):533-535.
Financiamento
Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro e Pró-Reitoria de Extensão/PR-5 - Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
07 Abr 2023 - Data do Fascículo
Abr 2023
Histórico
- Recebido
15 Jan 2022 - Aceito
18 Set 2022 - Publicado
20 Set 2022