Mortalidade de ciclistas no município de São Paulo, Brasil: características demográficas e tendências recentes

Cyclist mortality in the municipality of São Paulo, Brazil: recent demographic characteristics and trends

Maria Antonietta Mascolli Raony Ferreira França Nelson Gouveia Sobre os autores

Resumo

A bicicleta é um transporte barato e saudável, porém os acidentes constituem sua externalidade negativa. Objetivou-se descrever as características dos óbitos de ciclistas, sua evolução recente e o papel da estrutura cicloviária no município de São Paulo. Estudo descritivo utilizando informações do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM-DATASUS) entre 2000-2017. A relação entre taxa de mortalidade de ciclistas e malha cicloviária foi avaliada por meio de teste de correlação de Pearson. Foi realizada uma comparação com as viagens de bicicleta no mesmo período. O perfil sociodemográfico dos óbitos foi comparado com o da população geral. A taxa de mortalidade atingiu pico de 7,91/milhão de habitantes em 2006 e diminuiu até 1,8/milhão em 2017; neste período houve aumento das viagens de bicicleta e da estrutura cicloviária. Observou-se correlação negativa entre a taxa de mortalidade e a estrutura cicloviária. A análise dos óbitos indica perfil predominantemente masculino, branco, jovem, com ≤7 anos de estudo; 65% morreram em colisão com veículos. Observou-se diminuição dos óbitos de ciclistas no município de São Paulo correlacionada ao incremento de ciclovias a partir de 2008, em um cenário de aumento da demanda por transporte em bicicleta.

Key words:
Descriptive epidemiology; Cycling; Traffic accidents; Mortality

Abstract

Bicycles are a low cost and healthy means of transport, however accidents represent the negative downside. This study sought to describe the characteristics of cyclist deaths, their recent evolution, and the status of the cycle path structure in the city of São Paulo. It involved a descriptive study using information from the Mortality Information System (SIM-DATASUS) between 2000 and 2017. The relationship between the cyclist mortality rate and the cycling path network was evaluated using Pearson’s correlation test. A comparison was made with bicycle journeys in the same period. The sociodemographic profile of deaths was compared with that of the general population. The mortality rate peaked at 7.91/million inhabitants in 2006 and decreased to 1.8/million in 2017; in this period, there was an increase in cycling journeys and in the cycle path structure. A negative correlation was observed between the mortality rate and the cycle path structure. The analysis of deaths indicates a predominantly male, white, young profile, with ≤7 years of schooling; 65% died in collisions with vehicles. There was a decrease in cyclist deaths in the city of São Paulo correlated with the increase in the bicycle path grid from 2008 onwards, in a scenario of increased demand for bicycle transport.

Key words:
Descriptive epidemiology; Cycling; Traffic accidents; Mortality

Introdução

Pedalar é uma atividade que promove a saúde física e mental11 Redberg RF, Vittinghoff E, Katz MH. Cycling for Health. JAMA Intern Med 2021; 181(9):1206.

2 Avila-Palencia I, Int Panis L, Dons E, Gaupp-Berghausen M, Raser E, Götschi T, Gerike R, Brand C, Nazelle A, Orjuela JB, Anaya-Boing E, Stigell E, Kalhmeier S, Iacorossi F, Nieuwenhuijsen M. The effects of transport mode use on self-perceived health, mental health, and social contact measures: A cross-sectional and longitudinal study. Environ Intern 2018; 120:199-206
-33 Celis-Morales CA, Lyall DM, Welsh P, Anderson J, Steell L, Guo Y, Maldonado R, Mackay DF, Pell JP, Sattar N, Gill JMR. Association between active commuting and incident cardiovascular disease, cancer, and mortality: prospective cohort study. BMJ 2017; 357:j1456., não emite poluentes atmosféricos e nem gases de efeito estufa e não gera poluição sonora44 Götschi T, Garrard J, Giles-Corti B. Cycling as a Part of Daily Life: A Review of Health Perspectives. Transp Rev 2016; 36(1):45-71.. Este modo de transporte tem se popularizado no município de São Paulo. Atualmente, a frota de bicicletas no município de São Paulo é estimada em 1.614.144 unidades, ou 0,13 bicicletas por pessoa; este número situa São Paulo em 11º lugar no ranking de bicicletas/população entre as capitais brasileiras55 Pereira G. Estimativa da frota de bicicletas no Brasil. J Sustain Urban Mob 2021; 1(1-2):2-5.. Desde 2014, contadores de bicicletas instalados pela prefeitura de São Paulo registram aumento crescente de ciclistas em diversos pontos da cidade66 Prefeitura do Município de São Paulo. Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Contadores de Bicicletas [Internet]. [acessado 2021 mar 10]. Disponível em: http://www.cetsp.com.br/consultas/bicicleta/contadores-de-bicicletas.aspx.
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. E, segundo pesquisa de 201877 Torres-Freire C, Callil V, Castello G. Impacto social do uso da bicicleta em São Paulo [Internet]. São Paulo: Cebrap; 2018 [acessado 2021 mar 10]. Disponível em: https://cebrap.org.br/wp-content/uploads/2018/05/Impacto-Social-Uso-Bicicleta-SP.pdf., 3% da população da cidade de São Paulo utilizou a bicicleta para algum deslocamento na semana anterior ao estudo.

Os acidentes constituem a grande externalidade negativa deste modo de transporte. Globalmente, os acidentes de trânsito em geral constituem uma dimensão alarmante da demanda sobre o sistema de saúde, sendo responsáveis por 1.25 milhão de mortes por ano, e devendo tornar-se a quinta causa de morte em 2030. Ciclistas, em conjunto com pedestres e motociclistas, são considerados os usuários mais vulneráveis nas vias públicas88 World Health Organization (WHO). Road traffic injury prevention: an assessment of risk exposure and intervention cost-effectiveness in different world regions. Geneva: WHO; 2008.. O National Transportation Safety Board, dos Estados Unidos, reconheceu que o aumento da mortalidade absoluta de ciclistas no país observado em 2018 é uma emergência em saúde pública, e recomendou o uso sistemático de capacetes conjuntamente à ampliação da rede de ciclovias99 Jaffe S. Cycling safety concerns grow in US cities. Lancet 2019; 394(10211):1791-1792..

No âmbito nacional, dados do período de 2000 a 2010 apontavam para uma estabilidade das taxas de mortalidade de ciclistas, com um aumento apenas nas regiões Nordeste e Norte1010 Garcia LP, Freitas LRS, Duarte EC. Mortalidade de ciclistas no Brasil: Características e tendências no período 2000-2010. Rev Bras Epidemiol 2013; 16(4):918-929.. Em 2013, o percentual de ciclistas que foram internados por acidentes de transporte terrestre (ATT), segundo o tipo de vítima, foi de 5,4% (9.251 indivíduos), correspondendo a uma taxa bruta de internação de 4,6 (por 100 mil habitantes). Os acidentes com ciclistas implicaram em altos custos para o sistema de saúde e para a comunidade, pois a média de permanência de internação de ciclistas é de 5,2 dias, com um gasto de mais de 9,6 milhões de reais para o Sistema Único de Saúde (SUS)1111 Andrade SSCA, Jorge MHPM. Internações hospitalares por lesões decorrentes de acidente de transporte terrestre no Brasil, 2013: permanência e gastos. Epidemiol Serv Saude 2017; 26(1):31-38.. Adicionalmente, nesse período, ser ciclista foi um dos principais determinantes de internação por ATT.

Uma ampla pesquisa domiciliar realizada com residentes no município de São Paulo em 201877 Torres-Freire C, Callil V, Castello G. Impacto social do uso da bicicleta em São Paulo [Internet]. São Paulo: Cebrap; 2018 [acessado 2021 mar 10]. Disponível em: https://cebrap.org.br/wp-content/uploads/2018/05/Impacto-Social-Uso-Bicicleta-SP.pdf. indicou que, tanto entre os “dispostos” como entre os “pouco ou nada dispostos” a pedalar, o comportamento de veículos no trânsito foi um fator frequentemente citado como inibidor para a circulação com bicicleta. Os autores ressaltam que entre os adultos não ciclistas, 31% dos entrevistados declararam-se dispostos ou muito disposto a aderir à bicicleta como meio de transporte, e destes, 30% citaram como fator principal para começar a pedalar “ter mais e melhor estrutura viária (ciclovias, pavimentação)”, indicando a importância do fator segurança na decisão de usar a bicicleta.

O Sistema Cicloviário do Município de São Paulo data de 2008, quando foi implantada a primeira ciclofaixa operacional1212 Malatesta MEB. A História dos Estudos de Bicicletas na CET [Internet]. São Paulo: Companhia de Engenharia de Tráfego; 2012 [acessado 2021 mar 10]. Disponível em: http://www.cetsp.com.br/media/135472/btcetsp50.pdf/.. Este embrião do sistema cicloviário seria desenvolvido posteriormente no Plano Diretor Estratégico de São Paulo resultando em ampla expansão da malha cicloviária a partir de 20131313 Prefeitura do Município de São Paulo. Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes. Plano Cicloviário do Município de São Paulo [Internet]. 2020 [acessado 2021 mar 10]. Disponível em: http://www.cetsp.com.br/media/1100812/Plano-Ciclovia%CC%81rio_2020.pdf.
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. Desde maio de 2016 é possível transportar bicicletas nos ônibus do Sistema de Transporte Público de Passageiros. Ainda merecem destaque, na esfera municipal, os programas de compartilhamento de bicicletas, as ciclofaixas de lazer aos finais de semana, e a estrutura de paraciclos e bicicletários.

No contexto de estímulo ao uso da bicicleta como alternativa saudável, barata e ambientalmente adequada para transporte; de investimento em infraestrutura cicloviária em períodos mais recentes no município de São Paulo; e da existência de uma demanda latente para transporte por bicicleta refreada por uma percepção de insegurança ao pedalar em São Paulo, este estudo se propõe a descrever como evoluiu a mortalidade de ciclistas vítimas fatais em acidentes de trânsito no município de São Paulo entre os anos de 2000 e 2017, examinar sua relação com as viagens diárias de bicicleta no mesmo período, considerando o incremento da malha cicloviária iniciada a partir de 2008, e descrever as características sociodemográficas de ciclistas vítimas fatais em acidentes de trânsito.

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo que investigou os óbitos de ciclistas vítimas de acidentes de transporte ocorridos no município de São Paulo entre os anos 2000 e 2017. São Paulo é o município mais populoso do Brasil, com mais de 11 milhões de habitantes no censo de 2010. Não há estimativas anuais precisas da população de ciclistas no município, mas pesquisa de 2018 revelou que 3% da população declarou ter usado a bicicleta em algum momento na semana anterior77 Torres-Freire C, Callil V, Castello G. Impacto social do uso da bicicleta em São Paulo [Internet]. São Paulo: Cebrap; 2018 [acessado 2021 mar 10]. Disponível em: https://cebrap.org.br/wp-content/uploads/2018/05/Impacto-Social-Uso-Bicicleta-SP.pdf. e a pesquisa Origem Destino de 2017 contabilizou 211.991 viagens diárias de bicicleta na cidade1414 Metrô-SP. Pesquisa Origem e Destino. Relatório Síntese OD 2017 [Internet]. 2017 [acessado 2021 mar 10]. Disponível em: https://transparencia.metrosp.com.br/dataset/pesquisa-origem-e-destino/resource/b3d93105-f91e-43c6-b4c0-8d9c617a27fc.
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Foram consideradas elegíveis para este estudo todas as mortes registradas no Sistema de Informação em Mortalidade do Sistema Único de Saúde (SIM-DataSUS), que integra o Sistema Nacional de Vigilância de Óbitos com os códigos V10 a V19 da 10ª Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10), que correspondem aos óbitos de ciclistas traumatizados em acidentes de transporte. A descrição completa destes códigos encontra-se no Quadro 1.

Quadro 1
Códigos da 10ª Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10) que correspondem aos óbitos de ciclistas traumatizados em acidentes de transporte.

Os óbitos de ciclistas que ocorreram no município de São Paulo nos anos de 2000 a 2017, bem como suas características sociodemográficas (sexo, faixa etária, ocupação, escolaridade, raça), ano da ocorrência e a causa básica da morte, foram coletados a partir das Declarações de Óbito. Por ser o óbito de ciclistas um evento relativamente raro, optou-se por calcular a taxa bruta de mortalidade como proposto por Garcia et al.1010 Garcia LP, Freitas LRS, Duarte EC. Mortalidade de ciclistas no Brasil: Características e tendências no período 2000-2010. Rev Bras Epidemiol 2013; 16(4):918-929., dividindo-se o número de óbitos de ciclistas no município de São Paulo em cada ano, pela população total do mesmo local e ano, e multiplicando-se por um milhão. Utilizou-se o dado de população residente no município de São Paulo, em cada ano, extraído das estimativas do DataSUS, Ministério da Saúde.

O número de viagens diárias de bicicletas no município de São Paulo foi obtido a partir de microdados das pesquisas Origem Destino realizadas nos anos de 1997, 2007 e 2017, e das Pesquisas de Mobilidade intermediárias dos anos de 2002 e 2012; estes dados estão disponibilizados no site do Metrô-SP de forma aberta. Foram utilizados recursos de filtragem para agregação das viagens que interessavam ao estudo, ou seja, todas as viagens em que se utilizou a bicicleta como modo de transporte, exclusivamente ou não, e que tiveram local de partida e destino dentro do município de São Paulo.

Os dados de infraestrutura cicloviária segundo tipo de estrutura - ciclofaixa, ciclorrota, ciclovia -, em quilômetros, por ano, foram fornecidos pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) do município de São Paulo e se referem ao período 2008 a 2017. Tais dados estão detalhados na Tabela 1.

Tabela 1
Evolução da malha cicloviária (Km) no município de São Paulo, por tipo de infraestrutura, de 2008 a 2017.

A evolução da estrutura cicloviária em relação à população, a partir de 2008, foi calculada utilizando-se o Índice Cicloviário1515 Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Anexo 2: indicadores da Iniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis. Guia metodológico 2ª Edição [Internet]. 2014 [acessado 2021 mar 10]. Disponível em: https://issuu.com/ciudadesemergentesysostenibles/docs/indicadores_ices_po/36.
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expresso pela equação: IC=km de ciclovias/população*100.000 habitantes.

As variações nas taxas de mortalidade de ciclistas, entendida como a mortalidade por acidente de transporte envolvendo ciclistas, foram analisadas comparando-as com as variações percentuais do número de viagens de bicicleta no mesmo período. A relação entre a taxa de mortalidade de ciclistas e a malha cicloviária, expressa pelo Índice Cicloviário, foi avaliada por meio de teste de correlação de Pearson.

Para avaliar visualmente, e de forma complementar, como evoluiu a mortalidade de ciclistas entre 2000 e 2017, as taxas anuais foram dispostas em um gráfico de linhas. Neste mesmo gráfico foi incluída a evolução da estrutura cicloviária a partir de 2008, para comparação visual.

A análise descritiva das características sociodemográficas de ciclistas de ciclistas vítimas fatais em acidentes de trânsito foi restrita ao quinquênio 2011-2015 uma vez que em 2018, quando os dados desta pesquisa foram coletados, só havia disponibilidade das variáveis sociodemográficas completas até o ano de 2015. Além disso, a estratégia de utilizar a média de cinco anos consecutivos, 2011 a 2015, para estudo das variáveis sociodemográficas objetivou: a) aumentar a confiabilidade da informação, uma vez que este tipo de dado não é preenchido de forma sistemática nas Declarações de Óbitos e demanda a análise de períodos maiores para obter informações mais robustas e b) evitar a contaminação dos dados por um ano atípico.

Examinou-se a mortalidade neste período por sexo, raça, idade (0 a 9, 10 a 19, 20 a 29, 30 a 39, 40 a 49, 59 a 59 ou 60 anos ou mais), anos de escolaridade (≤7 anos ou ≥8 anos de estudo), local da morte (hospital, via pública ou outros), e ocupação. As características sociodemográficas dos ciclistas que foram a óbito foram comparadas a distribuição na população geral segundo o censo de 2010.

Todas as análises foram realizadas no Microsoft Excel 2019, versão 1911.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em 14/12/2018, como um dos eixos do Projeto “Análise da acessibilidade e da segurança do usuário do sistema cicloviário do município de São Paulo: contribuições da saúde para a política de mobilidade por bicicleta”.

Resultados

De 2000 a 2017 foram registrados 687 óbitos de ciclistas no município de São Paulo. A taxa bruta de mortalidade foi de 0,2 (por milhão de habitantes) em 2000, primeiro ano avaliado nesta pesquisa; apresentou um aumento contínuo até 2006, com um pico nesse mesmo ano de 7,8/milhão; e desde então, decaiu até chegar a 1,8/milhão em 2017, resultando em uma variação percentual negativa de 77% entre 2006 e 2017 (Figura 1).

Figura 1
Evolução da Taxa de Bruta de Mortalidade de ciclistas em relação ao Índice Cicloviário no período de 2000 a 2017. Município de São Paulo, Brasil.

O número de viagens diárias de bicicleta realizadas por dia no município de São Paulo apresentou uma variação positiva de cerca de 300% entre 1997 e 2017, e de 32% entre 2007 e 2017, período que coincide com a instalação da estrutura cicloviária. A curva que reflete a evolução das viagens diárias de bicicleta está expressa na Figura 2.

Figura 2
Total de viagens diárias com bicicleta entre 1997 e 2017 segundo a Pesquisa Origem Destino e as Pesquisas de Mobilidade. Município de São Paulo, Brasil.

A infraestrutura cicloviária municipal, iniciada em 2008 com 11,6 Km de ciclofaixas, apresentou o seu maior incremento, cerca de 5 vezes, entre 2013 e 2016, saltando de 91,5 Km para 498,3 Km.

Ao analisar a relação entre a taxa de mortalidade e a infraestrutura cicloviária foi obtido um coeficiente de correlação de Pearson -0,88 (p=0,0007), indicando que estas variáveis estão inversamente correlacionadas.

A Figura 1 mostra ainda como se deu a evolução da mortalidade de ciclistas em paralelo ao desenvolvimento da malha cicloviária. Utilizou-se um gráfico em linhas para mostrar a evolução temporal da taxa de mortalidade. É possível avaliar que, visualmente, a queda da taxa de mortalidade ocorre no mesmo período em que há um incremento da infraestrutura cicloviária.

Entre 2011 e 2015 foram registrados 224 óbitos de ciclistas em São Paulo e, deste total, os homens representam 94,6%. Os óbitos foram preponderantes na faixa etária entre 10 e 19 anos (25,4%), porém outras faixas foram acometidas, destacando-se a faixa de 50 a 59 anos, com 19,2% dos óbitos. Em relação à cor, a maior mortalidade foi de brancos (54,5%), seguida de pardos (38,4%), e pretos (7,1%). Não foram notificadas mortes de ciclistas amarelos ou indígenas. A escolaridade média foi baixa: 67,4% estudaram sete anos ou menos.

Apenas 25% das Declarações de Óbito foram preenchidas corretamente no campo “ocupação”, e, dentre estas, a maioria correspondia a trabalhos menos qualificados, como pedreiro, pintor de obras, servente de obras, mecânico, porteiro, frentista e vendedor de varejo.

Os óbitos ocorreram predominantemente em ambiente hospitalar (77,5%), em relação à via pública (21,2%). Óbitos em locais não especificados correspondem a 0,9%. As principais causas básicas de morte correspondem, pela ordem, aos CID-10: V14 (37,1%) - “ciclista traumatizado em colisão com um veículo de transporte pesado ou um ônibus”; V13 (27,7%) - “ciclista traumatizado em colisão com um automóvel, pick up ou caminhonete”; e V18 (21%) - “ciclista traumatizado em um acidente de transporte sem colisão”.

Os dados sobre o perfil do ciclista e das condições do acidente que levou ao óbito estão descritos na Tabela 2.

Tabela 2
Número de óbitos de ciclistas traumatizados em acidentes de transporte e proporção (%) segundo características sociodemográficas das vítimas, local de ocorrência e causa básica do óbito no período de 2011 a 2015. Comparação dos dados demográficos com os dados censitários (2010) da população geral do Município de São Paulo, Brasil.

Discussão

Este estudo mostrou que a taxa bruta de mortalidade de ciclistas no município de São Paulo aumentou entre 2000 e 2006, e diminuiu entre 2007 e 2017. Neste período de declínio da taxa de mortalidade houve uma variação percentual positiva de 32% nas viagens diárias de bicicleta, e um aumento de 40 vezes na infraestrutura cicloviária.

Para efeito de comparação, a taxa de mortalidade de ciclistas observada no município de São Paulo no ano de 2015, de 2,9 por milhão de habitantes, é próxima das taxas de mortalidade observadas em países como França (2,4) e nos Estados Unidos (2,4), no mesmo ano1616 Santacreu A. Cycling Safety, International Transport Forum: Paris; 2018 [Internet]. [cited 2021 mar 10]. Available from: https://www.itf-oecd.org/sites/default/files/docs/cycling-safety-roundtable-summary_0.pdf..

Já no cenário nacional, há poucos estudos de base populacional para comparação da mortalidade de ciclistas entre municípios. Galvão et al.1717 Galvão PVM, Oliveira TG, Marques OF, Pestana VM, Vidal HG, Souza EHA. Acidentes fatais de bicicletas no Brasil - 2001 a 2010. Rev Baiana Saude Publica 2017; 41(4):a2404. examinaram os acidentes fatais com bicicletas entre 2001 e 2010 em todos os estados do Brasil, e encontraram uma taxa global de mortalidade de 6,19/100.000 habitantes no Estado de São Paulo; esta taxa situa o estado no terço inferior dos 27 estados avaliados. Ao rever os óbitos ocorridos no município de São Paulo dentro da mesma década, e ao calcular a taxa de mortalidade, com a mesma base, foi obtida uma taxa de mortalidade de 3,7/100.000 habitantes. Essa comparação sugere que a mortalidade de ciclistas por acidente de transporte é proporcionalmente maior no município de São Paulo do que no estado.

Joinville, o município mais populoso de Santa Catarina, apresentou 17 óbitos de ciclistas em 2015, uma taxa de mortalidade equivalente a 30/1.000.000 habitantes1818 Tischer V. Acidentes de tráfego com pedestres e ciclistas: um estudo de caso do estado de Santa Catarina, Brasil. Finisterra LIV 2019; 54(110):115-134.. No município de São Paulo, com população vinte vezes maior, esta taxa foi de 2,9 no mesmo ano. Não há dados comparando o número de ciclistas nos dois municípios, o que poderia justificar esta diferença.

A curva de mortalidade de ciclistas em São Paulo entre 2000 e 2017 chama a atenção por apresentar um pico de mortes em 2006 que se destaca do restante do gráfico. Uma explicação para este achado foi o estabelecimento de uma parceria na apuração de dados de mortalidade entre o Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade do Município de São Paulo (PRO-AIM) e a Companhia de Engenharia de Tráfego do Município de São Paulo (CET) a partir de 2005, que aumentou a sensibilidade de detecção de óbitos em acidentes de transporte. Analisando o total de óbitos desses dois anos em conjunto, 2005 e 2006, com base apenas nas declarações de óbito, a proporção de acidentes de trânsito/transporte envolvendo ciclistas foi de 1,8%. Após a investigação do PRO-AIM e CET esta relação aumentou inicialmente para 2,9% e, depois do trabalho de qualificação com o banco de dados da CET, subiu para 5,7%1919 Tanigushi M, Bourrol MLM, Shibao K, Nascimento IEC, Pereira EC, Panachão MRI, Lira MMTA. Aprimoramento das informações de mortalidade por acidentes de trânsito/transporte no Município de São Paulo: coletando informações de outras fontes de dados [Internet]. In: Proceedings of 8ª EXPOEPI; 2008 [cited 2021 mar 10]. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/arquivos/publicacoes/ExpoEpi_Aprimoramento_das_informacoes_de_mortalidade_por_acidentes_de_transito_no_Municipio_de_Sao_Paulo.pdf.
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Ainda sobre a qualidade dos dados, Soares Filho et al.2020 Soares Filho AM, Cortez-Escalante JJ, França E. Revisão dos métodos de correção de óbitos e dimensões de qualidade da causa básica por acidentes e violências no Brasil. Cien Saude Colet 2017; 21(12):3803-3818. ressaltam que a utilização da Declaração de Óbito como fonte de dados frequentemente subestima os óbitos por acidentes de trânsito, seja pela subnotificação, porque os óbitos ficam ocultos entre as causas mal definidas, ou por má classificação do CID de causa básica. Ainda assim, a Classificação Internacional de Doenças constitui a fonte principal para identificar óbitos em acidentes de trânsito e entre ciclistas1010 Garcia LP, Freitas LRS, Duarte EC. Mortalidade de ciclistas no Brasil: Características e tendências no período 2000-2010. Rev Bras Epidemiol 2013; 16(4):918-929.,1717 Galvão PVM, Oliveira TG, Marques OF, Pestana VM, Vidal HG, Souza EHA. Acidentes fatais de bicicletas no Brasil - 2001 a 2010. Rev Baiana Saude Publica 2017; 41(4):a2404.,1818 Tischer V. Acidentes de tráfego com pedestres e ciclistas: um estudo de caso do estado de Santa Catarina, Brasil. Finisterra LIV 2019; 54(110):115-134.,2121 Galvão PVM, Pestana LP, Spíndola MOP, Campello, RIC, Souza EHA. Mortalidade devido a acidentes de bicicletas em Pernambuco, Brasil. Cien Saude Colet 2013; 18(5):1255-1262.,2222 Bacchieri G, Gigante DP, Assunção MC. Determinants and patterns of bicycle use and traffic accidents among bicycling workers in Pelotas, Rio Grande do Sul, Brazil. Cad Saude Publica 2005; 21(5):1499-1508..

Perfil do ciclista que foi a óbito

A mortalidade de ciclistas foi mais expressiva entre homens brancos, com dois picos etários principais - de 10 a 19 anos e de 50 a 59 anos - e com escolaridade igual a 7 anos ou menos. Paralelamente, o censo municipal de 20102323 Prefeitura de São Paulo. Secretaria de Desenvolvimento Urbano. Infocidade [Internet]. [cited 2021 mar 10]. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/licenciamento/desenvolvimento_urbano/dados_estatisticos/info_cidade/demografia/index.php?p=260265.
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apresentava uma população com equivalência de sexos, e com mais de 60% da população com 8 ou mais anos de escolaridade, contrastando com o perfil predominantemente masculino e de baixa escolaridade dos ciclistas que foram a óbito neste estudo.

A mortalidade de ciclistas homens expressivamente maior do que a de mulheres é relatada em outros estudos no âmbito nacional1010 Garcia LP, Freitas LRS, Duarte EC. Mortalidade de ciclistas no Brasil: Características e tendências no período 2000-2010. Rev Bras Epidemiol 2013; 16(4):918-929.,1717 Galvão PVM, Oliveira TG, Marques OF, Pestana VM, Vidal HG, Souza EHA. Acidentes fatais de bicicletas no Brasil - 2001 a 2010. Rev Baiana Saude Publica 2017; 41(4):a2404.,2121 Galvão PVM, Pestana LP, Spíndola MOP, Campello, RIC, Souza EHA. Mortalidade devido a acidentes de bicicletas em Pernambuco, Brasil. Cien Saude Colet 2013; 18(5):1255-1262. e internacional2424 Cordovez S, Ortiz-Prado E, Vasconez E, Andrade F, Simbaña-Rivera K, Gómez-Barreno L, McIlroy RC. Bicycling-Related Mortality in Ecuador: A Nationwide Population-Based Analysis from 2004 to 2017. Sustainability 2021; 13(11):5906.,2525 Carvajal GA, Sarmiento OL, Medaglia AL, Cabrales S, Rodríguez DA, Quistberg DA, López S. Bicycle safety in Bogotá: A seven-year analysis of bicyclists' collisions and fatalities. Accid Anal Prev 2020; 144:105596.. Este achado é coerente com dados de viagens diárias de bicicleta observados na pesquisa Origem Destino de 2017, uma vez que 90% das pessoas que utilizavam bicicleta para suas viagens diárias no município de São Paulo eram do sexo masculino1414 Metrô-SP. Pesquisa Origem e Destino. Relatório Síntese OD 2017 [Internet]. 2017 [acessado 2021 mar 10]. Disponível em: https://transparencia.metrosp.com.br/dataset/pesquisa-origem-e-destino/resource/b3d93105-f91e-43c6-b4c0-8d9c617a27fc.
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. Contagens realizadas pela ONG Ciclocidade em algumas avenidas e áreas mais movimentadas da cidade de São Paulo também indicaram uma proporção maior de homens ciclistas (13% mulheres e 87% homens em 2015)66 Prefeitura do Município de São Paulo. Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Contadores de Bicicletas [Internet]. [acessado 2021 mar 10]. Disponível em: http://www.cetsp.com.br/consultas/bicicleta/contadores-de-bicicletas.aspx.
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Algumas hipóteses têm sido sugeridas para este padrão de gênero. As mulheres se deslocam acompanhadas de crianças ou idosos com mais frequência, o que pode justificar a escolha de outros modais de transporte. Além disso, trechos longos, inclinados, sem infraestrutura adequada e com pouca iluminação colaboram para inibir o uso da bicicleta pelas mulheres. Foi proposto, ainda, que uma vez que o processo de socialização de homens e mulheres se dá de forma diferente, o papel social que é tradicionalmente assumido pela mulher não a estimula a pedalar. E também que as mulheres que poderiam utilizar a bicicleta para ir ao trabalho sentem a necessidade de fazer uso de uma vestimenta adequada para pedalar e há carência de vestiários ou banheiros para a troca de roupa nos espaços de trabalho2626 Lemos LL, Kohler Harkot M, Freire Santoro P, Bernardo Ramos I. Mulheres, por que não pedalam? Por que há menos mulheres do que homens usando bicicleta em São Paulo, Brasil? RTT 2017; 16(16):68-92.,2727 Harkout M, Vasquez Y. As mulheres e as bicicletas. Rev Velo 2015; 7:30-32.. Lemos et al.2626 Lemos LL, Kohler Harkot M, Freire Santoro P, Bernardo Ramos I. Mulheres, por que não pedalam? Por que há menos mulheres do que homens usando bicicleta em São Paulo, Brasil? RTT 2017; 16(16):68-92. observaram, a partir de dados da CET de 2014, que os óbitos de ciclistas mulheres se concentram na periferia da cidade de São Paulo e, segundo as autoras, este fato pode ser explicado por uma associação entre a renda baixa das ciclistas e a menor amplitude das viagens diárias femininas com bicicleta. Há uma lacuna em estudos quantitativos que possam informar políticas públicas mais inclusivas para ciclistas mulheres.

No presente estudo 25% dos óbitos ocorreram em jovens de 10 a 19 anos, e 19% entre 50 e 59 anos, a segunda faixa etária mais acometida. Esses dados são corroborados por um estudo semelhante realizado em Pernambuco, que também identificou óbitos mais frequentes em homens e nesta faixa etária2121 Galvão PVM, Pestana LP, Spíndola MOP, Campello, RIC, Souza EHA. Mortalidade devido a acidentes de bicicletas em Pernambuco, Brasil. Cien Saude Colet 2013; 18(5):1255-1262.. Por outro lado, a proporção de óbitos nestas faixas etárias contrasta com a distribuição percentual da população conforme o censo de 2010.

Concordante com este estudo, uma pesquisa com base nos dados do sistema de Informação de Vigilância e Violência e Acidentes (SIVVA) da Secretaria de Saúde de São Paulo já havia identificado que acidentes de bicicleta predominavam na faixa etária de 10 e 19 anos e no sexo masculino nos anos 2011 a 20132828 Rodrigues CL, Armond JDE, Gorios C, Souza PC. Acidentes que envolvem motociclistas e ciclistas no município de São Paulo: caracterização e tendências. Rev Bras Ort 2014; 49(6):602-606.. Estudo mais recente (2019) apontou que as taxas de internação por acidentes com bicicleta no município de São Paulo caíram entre 2008 e 2015, juntamente com a taxa de mortalidade, porém voltaram a aumentar entre 2015 e 2019, principalmente entre 15 e 59 anos, a faixa economicamente ativa2929 Conceição GMDS, Alencar GP, Latorre MDRDDO. Tendência temporal das internações por acidentes de trânsito na cidade de São Paulo, Brasil, 2000-2019. Cad Saude Publica 2021; 37(11):e00036320..

Um total de 67,4% dos ciclistas que foram a óbito apresentavam 7 anos ou menos de estudo, contrastando com a população geral no censo de 2010, onde 60% eram escolarizados, com 8 anos ou mais de estudo. Segundo a pesquisa Origem Destino, enquanto em 2007 a maioria dos ciclistas eram analfabetos ou tinham o 1° grau incompleto, em 2017 a maioria já apresentava ensino médio incompleto ou superior incompleto, denotando uma mudança de perfil de escolaridade1414 Metrô-SP. Pesquisa Origem e Destino. Relatório Síntese OD 2017 [Internet]. 2017 [acessado 2021 mar 10]. Disponível em: https://transparencia.metrosp.com.br/dataset/pesquisa-origem-e-destino/resource/b3d93105-f91e-43c6-b4c0-8d9c617a27fc.
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. Como o presente estudo analisou esta variável em um intervalo entre os marcos da Pesquisa Origem Destino, o resultado obtido nos anos de 2011 a 2015 pode refletir um padrão intermediário de escolaridade que tenha se alterado progressivamente.

A predominância de ocupações menos qualificadas observada nos ciclistas que foram a óbito em São Paulo, concorda com as informações da pesquisa Origem Destino de 2017, onde o ciclista habitual tem renda familiar média entre R$ 1.908 a R$ 3.816 e utiliza a bicicleta para o trabalho - 68% das viagens diárias têm esta finalidade - capturando um perfil semelhante entre este “ciclista habitual” e o ciclista que foi a óbito neste estudo1414 Metrô-SP. Pesquisa Origem e Destino. Relatório Síntese OD 2017 [Internet]. 2017 [acessado 2021 mar 10]. Disponível em: https://transparencia.metrosp.com.br/dataset/pesquisa-origem-e-destino/resource/b3d93105-f91e-43c6-b4c0-8d9c617a27fc.
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É importante investigar como a variável raça se comportou a partir de 2015, pois mudanças na dinâmica urbana das relações de trabalho podem ter contribuído para uma mudança no perfil do ciclista que se acidenta e que vai a óbito. Naquele ano foi criado um dos mais populares aplicativos de entrega de comida, com grande alcance nas áreas centrais de São Paulo. Uma pesquisa da ONG Aliança Bike que traçou o perfil dos entregadores de bicicleta nas regiões centrais de São Paulo em 2018-2019 encontrou um universo de 50% dos ciclistas com idade até 22 anos, 93% com ensino médio e 71% pretos ou pardos - uma mudança em relação ao observado neste estudo3030 Aliança Bike. Pesquisa de Perfil dos Entregadores Ciclistas de Aplicativo [Internet]. São Paulo: Aliança Bike; 2019 [acessado 2021 mar 10]. Disponível em: https://aliancabike.org.br/pesquisa-de-perfil-dos-entregadores-ciclistas-de-aplicativo/..

Fatores relacionados à segurança do ciclista

Acidentes fatais com ciclistas estão associados com o tipo de veículo envolvido, sendo o óbito mais provável quando a colisão ocorre com veículos mais pesados do que o automóvel, especialmente caminhões que possuem maior área com pontos cegos44 Götschi T, Garrard J, Giles-Corti B. Cycling as a Part of Daily Life: A Review of Health Perspectives. Transp Rev 2016; 36(1):45-71.,2525 Carvajal GA, Sarmiento OL, Medaglia AL, Cabrales S, Rodríguez DA, Quistberg DA, López S. Bicycle safety in Bogotá: A seven-year analysis of bicyclists' collisions and fatalities. Accid Anal Prev 2020; 144:105596.. Nesta pesquisa, 64,8% dos óbitos resultaram de colisão com veículos automotores e, entre estes, 37,1% de colisão com veículos pesados. Além disso, note-se que 20,5% dos ciclistas morreram na via pública, revelando a gravidade dos impactos e a vulnerabilidade daquele que pedala em relação ao veículo motorizado.

Na literatura, outros fatores contextuais associados ao óbito do ciclista, envolvem: o baixo uso de equipamentos de segurança apropriados (principalmente o capacete); a falta de uma cultura de inclusão do ciclista como participante do espaço urbano destinado aos deslocamentos e o comportamento inadequado de motoristas ao volante; a imprudência de motoristas, motociclistas e ciclistas intoxicados por bebidas alcoólicas ou drogas; a infraestrutura precária para pedalar; veículos automotores e bicicletas em mau estado; e a falta de fiscalização da lei2222 Bacchieri G, Gigante DP, Assunção MC. Determinants and patterns of bicycle use and traffic accidents among bicycling workers in Pelotas, Rio Grande do Sul, Brazil. Cad Saude Publica 2005; 21(5):1499-1508.,2828 Rodrigues CL, Armond JDE, Gorios C, Souza PC. Acidentes que envolvem motociclistas e ciclistas no município de São Paulo: caracterização e tendências. Rev Bras Ort 2014; 49(6):602-606.,3131 Sousa CAM, Bahia, CA, Constantino P. Análise dos fatores associados aos acidentes de trânsito envolvendo ciclistas atendidos nas capitais brasileiras. Cien Saude Colet 2016; 21(12):3683-3690.,3232 Høye A. Bicycle helmets - To wear or not to wear? A meta-analysis of the effects of bicycle helmets on injuries. Accid Anal Prev 2018; 117:85-97..

Há fortes evidências de que a presença de ciclovias estimula a atividade física e o uso de modos ativos de transporte3333 Stankov I, Garcia LM, Mascolli MA, Montes F, Meisel JD, Gouveia N, Sarmiento OL, Rodriguez DA, Hammond RA, Caiaffa WT, Diez Roux AV. A systematic review of empirical and simulation studies evaluating the health impact of transportation interventions. Environ Res 2020; 186:109519.. Florindo et al.3434 Florindo AA, Barrozo LV, Turrell G, Barbosa JPDAS, Cabral-Miranda W, Cesar CLG, Goldbaum M. Cycling for transportation in Sao Paulo City: associations with bike paths, train and subway stations. Int J Environ Res Public Health 2018; 15(4):562. verificaram que, em São Paulo, morar a menos de 500 metros de uma ciclovia aumenta em 2,5 vezes a chance de utilizar a bicicleta como meio de transporte. Além de impactar a atividade física, a presença de infraestrutura cicloviária segregada e de sinalização luminosa adequada diminui a mortalidade e os acidentes de ciclistas44 Götschi T, Garrard J, Giles-Corti B. Cycling as a Part of Daily Life: A Review of Health Perspectives. Transp Rev 2016; 36(1):45-71.,3535 Reynolds CC, Harris MA, Teschke K, Cripton PA, Winters M. The impact of transportation infrastructure on bicycling injuries and crashes: a review of the literature. Environ Health 2009; 8(1):1-19.,3636 Lusk AC, Furth PG, Morency P, Miranda-Moreno LF, Willett WC, Dennerlein JT. Risk of injury for bicycling on cycle tracks versus in the street. Inj Prev 2011; 17(2):131-135.. Este efeito protetor da infraestrutura foi observado na Holanda44 Götschi T, Garrard J, Giles-Corti B. Cycling as a Part of Daily Life: A Review of Health Perspectives. Transp Rev 2016; 36(1):45-71. e em Sevilha3737 Hernández-Herrador V. On the effect of networks of cycle-tracks on the risk of cycling. The case of Seville. Accid Anal Prev 2017; 102:181-190., locais com tradição no uso cotidiano da bicicleta. Localmente, Aires3838 Aires ROS. Segurança viária na cidade de São Paulo: um estudo sobre os acidentes com ciclistas. Desafio: Estudos de Mobilidade por Bicicleta 2 [Internet]. São Paulo: Cebrap: 2019 [acessado 2021 mar 10]. Disponível em: https://cebrap.org.br/wp-content/uploads/2019/07/DesafioMobilidade2_eBook.pdf.
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analisou os acidentes e óbitos de ciclistas espacialmente no município de São Paulo a partir de dados coletados da CET entre 2015 e 2017 e observou que acidentes com ciclistas são mais frequentes na região central da cidade, onde ocorre um maior fluxo de veículos e de pessoas, e onde há também uma rede cicloviária mais adensada. Mas, segundo a autora, as fatalidades tendem a acontecer longe da infraestrutura cicloviária: 70% dos óbitos ocorreram a mais de 300 metros de uma estrutura dedicada3838 Aires ROS. Segurança viária na cidade de São Paulo: um estudo sobre os acidentes com ciclistas. Desafio: Estudos de Mobilidade por Bicicleta 2 [Internet]. São Paulo: Cebrap: 2019 [acessado 2021 mar 10]. Disponível em: https://cebrap.org.br/wp-content/uploads/2019/07/DesafioMobilidade2_eBook.pdf.
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.

Neste contexto, pode-se citar que o desenvolvimento da malha cicloviária a partir de 2008 está entre os fatores que colaboraram para a diminuição do óbito de ciclistas no município de São Paulo, mesmo com o aumento das viagens de bicicleta observadas neste período. Na presente pesquisa foi observada uma correlação negativa entre a extensão de ciclovias e a taxa de mortalidade de ciclistas. Este dado torna-se mais relevante quando ainda se observam dúvidas sobre a ampliação desta política pública específica no município de São Paulo, decorrentes tanto de divergências entre as partes interessadas3939 Tieppo FL. Impacto da expansão de vias para bicicletas sobre os preços de imóveis no município de São Paulo [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2017. e de um ambiente onde predomina a “cultura do automóvel”, onde a inserção da ciclovia na estrutura viária existente gera controvérsias, uma vez que diminui as pistas de rolamento, podendo levar ao aumento do congestionamento; e diminui as vagas para estacionamento de veículos, com prejuízo do comércio local4040 Lemos LL. Política, mobilidade e espaço: a bicicleta na cidade de São Paulo [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2021..

Uma limitação deste estudo refere-se ao uso de taxas brutas de mortalidade e não de taxas padronizadas. Porém, como foi examinado apenas um município e este apresentou apenas um pequeno envelhecimento populacional entre os anos de 2000 e 20172323 Prefeitura de São Paulo. Secretaria de Desenvolvimento Urbano. Infocidade [Internet]. [cited 2021 mar 10]. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/licenciamento/desenvolvimento_urbano/dados_estatisticos/info_cidade/demografia/index.php?p=260265.
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, e sem alterações significativas na proporção entre os sexos e nas faixas etárias ao longo do tempo, optou-se por manter o cálculo da taxa bruta. Ressaltamos também que, embora tenha sido observado um pico de mortes entre 10 e 19 anos (25,54%), houve um número expressivo de mortes em outras faixas etárias como, por exemplo, entre 50 a 59 anos (19,2%). Uma outra possível limitação é a comparação do ciclista com populações de ciclistas de outros locais potencialmente diversos.

Conclusão

Esta pesquisa visou descrever como evoluiu a mortalidade de ciclistas vítimas fatais em acidentes de trânsito no município de São Paulo entre os anos de 2000 e 2017. Verificou-se um declínio na mortalidade de ciclistas enquanto houve um aumento das viagens diárias de bicicleta no mesmo período. A queda das taxas de mortalidade apresenta correlação inversa com o aumento da estrutura cicloviária da cidade, que se iniciou em 2008 e evoluiu até atingir 498 km em 2017. Destaca-se, portanto, a necessidade de um maior investimento em medidas de segurança para os ciclistas, especialmente na forma de vias segregadas que aumentam a proteção do ciclista.

O estudo também objetivou conhecer o perfil epidemiológico de ciclistas vítimas fatais em acidentes de trânsito, e nos apresentou um ciclista predominantemente masculino, branco em mais da metade dos casos, com 7 ou menos anos de escolaridade e com duas faixas prioritárias de acometimento: entre os 10 e os 29 anos e entre os 50 e 59 anos. Conhecer o perfil do ciclista que vai a óbito permite pensar políticas públicas que estimulem o uso de bicicletas para transporte e amplie a malha cicloviária na periferia.

Com este estudo esperamos contribuir para o fortalecimento da mobilidade por bicicleta em São Paulo, de modo que a população possa usufruir dos benefícios físicos e sociais proporcionados por este modo de transporte.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer a Claudio Kanai pelo apoio na análise dos dados da Pesquisa Origem Destino.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Abr 2023

Histórico

  • Recebido
    27 Set 2021
  • Aceito
    06 Out 2022
  • Publicado
    08 Out 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br