Trajetória profissional e impacto da formação em egressos da Especialização da Fiocruz

Isabella Fernandes Delgado Carla Lourenço Tavares de Andrade Joviana Quintes Avanci Suely Ferreira Deslandes Sobre os autores

Resumo

O objetivo da pesquisa foi analisar o perfil dos egressos, os efeitos da formação e a trajetória profissional dos que concluíram cursos presenciais de Especialização da Fiocruz. Participaram 1.620 egressos de 79 cursos concluídos entre 2013 e 2020. Foi aplicado questionário antes do ingresso e após o término do curso. Foi realizada descrição da frequência absoluta e relativa das variáveis e desenvolvido modelo de regressão logística binária para identificar variáveis associadas ao impacto positivo do curso. A razão de chance e seu intervalo de confiança de 95% foram as medidas utilizadas. Entre os egressos com impacto positivo do curso concluído: aqueles com cor de pele preta ou parda têm cerca de 40% mais chance de ter impacto positivo do curso do que os de cor de pele branca; os que têm outra formação acadêmica antes do curso têm 1,5 vez mais chance do que os que não têm outra formação anterior, aqueles que mudaram a atividade profissional em função do curso têm 3,3 mais chance do que os que não estavam trabalhando, os que informaram que o curso estava muito relacionado à atividade profissional têm 5,7 mais chance do que os que relataram que o curso teve pouca ou nenhuma relação; e cada acréscimo de 1 ano no tempo de formado aumenta em 14% a chance do impacto positivo do curso.

Palavras-chave:
Curso lato sensu; Especialização; Egressos; Avaliação; Educação em saúde

Introdução

Nas últimas décadas, análises dos processos de formação no âmbito da pós-graduação brasileira estão se tornando mais frequentes, impulsionadas por interesses estratégicos institucionais e do Ministério da Educação em conhecer o impacto da formação na vida acadêmica e profissional11 Andriola WB. Estudo de egressos de cursos de graduação: subsídios para a autoavaliação e o planejamento institucionais. Educar Rev 2014; 54:203-219.

2 Engstrom EM, Hortale VA, Moreira COF. Trajetória profissional de egressos de Curso de Mestrado Profissional em Atenção Primária à Saúde no Município de Rio de Janeiro, Brasil: estudo avaliativo. Cien Saude Colet 2020; 25(4):1269-1280.

3 Hortale VA, Leal MC, Moreira COF, Aguiar AC. Características e limites do mestrado profissional na área da Saúde: estudo com egressos da Fundação Oswaldo Cruz. Cien Saude Colet 2010; 15(4):2051-2058.

4 Nuto SAS, Vieira-Meyer APGF, Vieira NFC, Freitas RWJF, Amorim KPC, Dias MSA, Vasconcelos MIO, Machado MFAS. Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família no nordeste brasileiro: repercussões no exercício profissional dos egressos. Cien Saude Colet 2021; 26(5):1713-1725.
-55 Lima LA, Andriola WB. Acompanhamento de egressos: subsídios para a avaliação de Instituições de Ensino Superior (IES). Avaliacao 2018; 23(1):104-125.. Todavia, predominam os estudos sobre a graduação e, apenas em menor escala, a pós-graduação constitui o foco de análise66 Moreira ML, Velho L. Trajetória de egressos da pós-graduação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais: Uma ferramenta para avaliação. Avaliacao 2012; 17(1):257-288.,77 Maciel CA, Escarce AG, Motta AR, Teixeira LC. Percurso acadêmico e competências profissionais na percepção de egressos de Fonoaudiologia. Codas 2021; 33(4):e20200130.. Tais estudos são considerados uma oportunidade prática de ampliar a transparência sobre os resultados institucionais, tanto para a comunidade acadêmica como para a sociedade em geral. Somado a isso, o desenvolvimento contínuo de novas competências profissionais assume papel estratégico na agenda das instituições formadoras de pós-graduação no país e ganha destaque no processo de acompanhamento da implantação do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG 2011-2020)88 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Relatório Final da Comissão Especial de Acompanhamento do PNPG-2011-2020: Brasília: Capes; 2016.,99 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Proposta de Aprimoramento do Modelo de Avaliação da PG. Documento Final da Comissão Nacional de Acompanhamento do PNPG 2011-2020 - 10/10/2018. Brasília: Capes; 2018.. Dessa forma, os egressos constituem uma categoria analítica estratégica, seja para os estudos de “acompanhamento”, que priorizam seguir algumas coortes ao longo do tempo, seja nos estudos transversais, que permitem a análise do percurso formativo visto a partir do momento atual1010 Santos JS. Atuação profissional e participação no desenvolvimento do campo científico em Ciência da Informação: estudo dos egressos do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da UFMG, 1992-2005 [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2006..

Dentre os diferentes quesitos de avaliação dos processos de formação da pós-graduação brasileira destacam-se alguns relacionados à trajetória acadêmica e profissional de egressos. Embora ainda pouco detalhadas, diretrizes sobre o acompanhamento de egressos estão presentes nos instrumentos das agências de avaliação do ensino lato e stricto sensu. Recentemente, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) instituiu em sua ficha de avaliação dos programas stricto sensu um quesito sobre o investimento em estudos de egressos. No âmbito do lato sensu, os indicadores de avaliação do MEC são distribuídos em cinco grandes eixos, onde o eixo “Desenvolvimento Profissional” contempla indicadores como “Política de ações de acompanhamento de egressos” e “Atuação dos egressos da instituição no ambiente socioeconômico”.

Quando bem conduzido, o acompanhamento de egressos possibilita a compreensão sobre a efetividade social e profissional dos conhecimentos adquiridos ao longo da trajetória formativa55 Lima LA, Andriola WB. Acompanhamento de egressos: subsídios para a avaliação de Instituições de Ensino Superior (IES). Avaliacao 2018; 23(1):104-125.,1111 Meira MDD, Kurcgant P. Avaliação de curso de graduação segundo egressos. Rev Esc Enferm USP 2009; 43(2):481-485.. Certamente não se pode inferir uma relação linear de causa e efeito entre formação e a inserção no mercado de trabalho ou desempenho profissional, pois torna-se imprescindível uma análise dos contextos socioeconômicos que afetam o mercado, as políticas de gestão da administração pública, a trajetória, as oportunidades e os interesses individuais. No caso específico dos cursos de Especialização deve-se considerar que muitas vezes este público já está inserido no mundo do trabalho e enfrenta em seu cotidiano situações complexas que o leva a buscar uma nova formação. Assim, o exercício de confrontar as competências desenvolvidas durante o curso com as requeridas no exercício profissional pode gerar importantes subsídios para ajustes da estrutura pedagógica, possibilitando resgatar aspectos intervenientes desse processo e, em última análise, propiciando transformações no mundo profissional.

Como principal instituição não-universitária de ensino da área da saúde no Brasil, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) exerce papel importante de formar quadros altamente especializados para o sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação e contribuir para o atendimento às necessidades do Sistema Único de Saúde. Em 2020 completou 120 anos de existência, tendo em toda sua história colaborado para a formação de quadros para o campo da saúde. No campo da formação em saúde pública, iniciou a oferta de cursos no ano de 19081212 Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Plano de Desenvolvimento Institucional da Fiocruz (PDI-Fiocruz 2016-2020). Brasília, Rio de Janeiro: MS, Fiocruz; 2016. e ao longo das décadas, ampliou e diversificou suas atividades e expandiu sua atuação no território nacional1313 Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Plano de Desenvolvimento Institucional da Educação da Fiocruz (PDIE-Fiocruz 2021-2025). Brasília, Rio de Janeiro: MS, Fiocruz; 2020..

A instituição vem acompanhando a trajetória de seus egressos no âmbito da pós-graduação, embora esses registros tenham se dado por estudos pontuais22 Engstrom EM, Hortale VA, Moreira COF. Trajetória profissional de egressos de Curso de Mestrado Profissional em Atenção Primária à Saúde no Município de Rio de Janeiro, Brasil: estudo avaliativo. Cien Saude Colet 2020; 25(4):1269-1280.,33 Hortale VA, Leal MC, Moreira COF, Aguiar AC. Características e limites do mestrado profissional na área da Saúde: estudo com egressos da Fundação Oswaldo Cruz. Cien Saude Colet 2010; 15(4):2051-2058.,1414 Conde MVF, Araujo-Jorge TC. Modelos e concepções de inovação: a transição de paradigmas, a reforma da C&T brasileira e as concepções de gestores de uma instituição pública de pesquisa em saúde. Cien Saude Colet 2003; 8(3):727-741.,1515 Hortale VA, Moreira, CO, Bochner R, Leal MC. Trajetória profissional de egressos de cursos de doutorado nas áreas da saúde e biociências. Rev Saude Publica 2014; 48(1):1-9.. Em dimensão institucional, em 2019, a Fiocruz institui um mecanismo regular de acompanhamento do processo de formação, quando realizou um primeiro levantamento de informações com egressos. A proposta envolveu duas grandes fases. A primeira objetivou a realização de um levantamento da situação de egressos dos anos 2013 a 2019. A segunda, voltou-se apenas para egressos do ano de 2020 e partiu do teste das estratégias de coleta de dados, instrumentos e logística de processamento de dados e conhecimentos acumulados na primeira fase, visando à proposição de um sistema de acompanhamento dos egressos de caráter contínuo e integrado ao sistema de gestão acadêmica. Tal sistema gerará informações e indicadores de fácil acesso, a serem utilizados pelos gestores do campo da educação e permitirá maior visibilidade para a sociedade, com integração com Observatório em CT&I e Campus Virtual Fiocruz. O objetivo deste estudo é analisar o perfil dos egressos, os efeitos da formação e a trajetória profissional dos que concluíram cursos presenciais de Especialização lato sensu da Fiocruz.

Métodos

População

O estudo parte do universo de 3.514 egressos de 79 cursos de especialização presenciais da Fiocruz concluídos entre janeiro de 2013 e julho de 2020 e distribuídas em 15 Unidades da instituição no país. As listas dos egressos de cada curso/Unidade foram obtidas por meio do sistema de gestão acadêmica da Fiocruz e foram atualizadas a partir da verificação exaustiva junto a cada secretaria acadêmica.

Participaram deste estudo 1.620 egressos, o que corresponde a 46,1% do total de convidados deste nível de curso na Fiocruz. Os cursos foram organizados segundo três grandes áreas de conhecimento: (1) “Saúde Coletiva”, que envolve os cursos de Direito e Saúde, Gestão da Atenção Básica, Planejamento e Orçamento Público em Saúde, Saúde Pública, Vigilância Sanitária, dentre outros; (2) “Medicina, Práticas Clínicas, Biomédicas e Biotecnológicas”, onde estão os cursos de Enfermagem em Doenças Infecciosas e Parasitárias, Enfermagem Neonatal, Infectologia para Médicos Estrangeiros, Nutrição Clínica aplicada a Infectologia, entre outros; e (3) “Educação, Informação e Comunicação, com os cursos de Comunicação e Saúde, Divulgação e Popularização da Ciência, Educação na Saúde, Ensino em Biociências e Saúde, Gestão Acadêmica e outros.

Medidas utilizadas

Foi aplicado um questionário por meio digital, através do software Lime Survey. Trata-se de um software de código aberto utilizado para a elaboração e aplicação de questionários on-line. A partir de funcionalidades do software, cada egresso recebia por e-mail um link de acesso que o permitia acessar seu questionário por meio de uma chave de acesso individual. Foi empreendida ampla campanha de divulgação da pesquisa nos sítios eletrônicos das Unidades, no Campus Virtual da Fiocruz, nas redes sociais, em listas de WhatsApp e por publicação na Revista Radis, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz.

Por cerca de três meses, semanalmente, novos e-mails de convite eram disparados para os que não haviam ainda respondido o questionário. O monitoramento do percentual de respondentes de cada unidade permitiu que os vice-diretores de ensino redobrassem esforços para o contato e mobilização dos egressos. Estratégias de sensibilização também foram empreendidas por coordenadores e orientadores que entravam em contato pessoalmente com seus ex-alunos. Foi criado um canal de comunicação específico com ex-alunos e interessados na pesquisa, por meio de e-mail.

O questionário contemplou variáveis presentes na literatura sobre avaliação de egressos e foi elaborado a partir de discussões com coordenadores de programas e de cursos da instituição. A versão preliminar do questionário foi submetida a um grupo de especialistas em gestão e avaliação de ensino, chegando a sua versão final, que foi pré-testada e aplicada a uma amostra de 10% de egressos de uma Unidade eleita por conveniência. Nesta ocasião, verificou-se boa compreensão das questões e tempo de preenchimento satisfatório, que oscilou entre 10 e 15 minutos.

O questionário foi composto por 42 questões de múltipla escolha, distribuídos em seis blocos temáticos: identificação do egresso, do curso, atividade profissional antes de ingressar no curso, atividade profissional e expectativas logo após terminar o curso, condição empregatícia no momento que respondeu o questionário e efeitos da formação, e avaliação da trajetória formativa. O questionário foi publicizado e disponibilizado para acesso livre pelo repositório institucional da Fiocruz - ARCA (https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/36744).

Neste artigo, as seguintes variáveis são estudadas: (1) perfil do egresso: sexo; idade; cor de pele autodeclarada; deficiência; inserção por cota; país e Estado onde reside; área de formação na graduação segundo classificação internacional1616 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Classificação Internacional Normalizada da Educação: áreas de formação e treinamento 2013 (Cine-F 2013): descrição das áreas detalhadas. Brasília: Inep; 2017.; ter outra formação acadêmica no momento de ingresso e expectativas ao concluir o curso; e (2) inserção profissional antes do ingresso no curso e após a conclusão: se estava trabalhando; área de atuação; local de trabalho; regime de contratação; aumento de salário; relação da atividade profissional com o curso e efeito do título de Especialização.

Uma medida sobre “impacto positivo do curso” foi criada a partir da variável “efeito do título na vida profissional”, onde se considerou a resposta positiva a qualquer dos seguintes itens: “o curso qualificou para um melhor desempenho das atividades que já exercia ou para atividades diferentes” ou “o curso aumentou o prestígio e reconhecimento do trabalho diante de colegas e chefia”.

Análise dos dados

Inicialmente, foi realizada descrição da frequência absoluta e relativa das variáveis de perfil e inserção profissional antes de ingresso no curso e após o seu término. Posteriormente, foram utilizados modelos de regressão logística simples para avaliar a relação das variáveis relativas à inserção profissional após o término do curso segundo sexo, cor da pele e áreas de conhecimento dos cursos de Especialização, comparando as proporções por meio do teste de associação qui-quadrado, ao nível de significância de 5%.

Para identificar as variáveis associadas ao impacto positivo do curso, a amostra analisada foi constituída por 1.521 egressos que se autodenominaram brancos, pardos e pretos, e os que concluíram o curso entre 2013 e 2018. Esta opção se deu pelo número reduzido (1,9%) de participantes que se autodenominaram de cor de pele amarela ou indígena, o que dificultaria a análise estatística, e pela dificuldade em agregá-los aos demais perfis étnico-raciais. Além disso, os egressos de 2019 e 2020 não foram solicitados a responder questões sobre a inserção profissional por terem recém-saído do curso e, portanto, sem expressarem ainda o seu impacto em sua trajetória profissional. Foi realizado um modelo de regressão logística binária, com o método de seleção automática “Backward Stepwise por Razão de Verossimilhança”. Foram consideradas as seguintes variáveis independentes: sexo (homem; mulher); idade (<=30 anos; 31 a 50 anos; >50 anos); cor da pele (branca; preta ou parda); grandes áreas de conhecimento do curso (Saúde Coletiva; Medicina, Práticas Clínicas, Biomédicas e Biotecnológicas; Educação, Informação e Comunicação); tempo de conclusão do curso (em anos); se possui alguma formação de pós-graduação (qualificação profissional/aperfeiçoamento ou Especialização ou residência ou mestrado profissional ou mestrado acadêmico ou doutorado; não); regime de contração de trabalho após a conclusão do curso (CLT ou contrato temporário como pessoa física ou cooperativa ou cargo comissionado ou autônomo ou bolsista; Regime Jurídico Único ou contrato temporário como pessoa jurídica ou empresa própria); quantidade de empregos (nenhum; um ou mais); área de atuação (assistência; gestão; educação; pesquisa - sim; não; não trabalha); local da atividade de trabalho (público; privado; autônomo ou terceiro setor; não trabalhava); mudança de atividade profissional (sim; não; não trabalhava); relação da atividade profissional com o curso (muito relacionada; razoavelmente relacionada; pouco relacionada ou não tem relação; não trabalha); e aumento salarial após a conclusão do curso (sim; não; não trabalhava). Inicialmente, todas as variáveis foram testadas a partir do nível de significância de 25% e só foram para a análise logística as significativas. Utilizou-se a razão de chance e seu respectivo intervalo de confiança de 95%. Toda a análise foi realizada no software IBM© SPSS© Statistics, versão 24.

Cuidados éticos - confidencialidade

O presente estudo foi concebido como um levantamento em um nível de gestão. Os dados utilizados constam de um banco de dados público, dispensando, assim, submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa. Todavia, cabe ressaltar que todos os cuidados éticos visando à confidencialidade e autonomia de participação foram garantidos, conforme Resoluções vigentes do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

A Tabela 1 apresenta o perfil dos egressos participantes, dos quais a maioria é do sexo feminino (77,5%), tem entre 31 e 40 anos (44,2%), se autodeclarou de cor de pele branca (52,4%), informa não ter deficiência (97,5%) e reside no Brasil (98,2%), predominantemente no Estado do Rio de Janeiro (59,5%). Dezessete egressos (1,1%) ingressaram no curso de Especialização por cota, racial ou por deficiência. “Saúde e bem-estar” é a área de formação na graduação da metade deles (50,0%), onde enfermagem (16,4%) se destaca, vindo em seguida serviço social (9,9%), psicologia (9,3%), farmácia (6,4%), medicina (5,9%), dentre outras. Como formação acadêmica antes mesmo de iniciar o curso, 46,9% já possuíam outro curso de Especialização e dentre os que tinham outras formações, 22,7% fizeram o curso na Fiocruz. Atuar no serviço público de forma mais qualificada (45,9%) e continuar a estudar (40,0%) são as expectativas mais almejadas pelos egressos logo que concluem o curso.

Tabela 1
Perfil dos egressos de cursos de especialização da Fiocruz.

Na Tabela 2 observam-se as características da inserção profissional dos egressos antes de ingresso no curso de especialização e após sua conclusão. Verifica-se que a maioria está inserida em atividade profissional, seja antes (83,0%) ou depois do término do curso (93,9%). Também a maior parte atua na área da assistência (28,8%) e gestão (25,9%); e a instituição pública é o local de trabalho que prevalece: antes (61,5%) ou após o curso (64,8%). A CLT (22,3%) se destaca dentre os regimes de trabalho dos egressos no momento de ingresso no curso, ao passo que o regime jurídico único (26,6%) sobressai após tê-lo concluído. Ademais, 21,6% dos egressos afirmam ter tido aumento salarial após o curso concluído, especialmente um acréscimo de até 25% (13,4%). Mudaram de atividade profissional em decorrência do curso realizado 19,8% dos egressos e 48,8% referem que sua atuação atual está muito relacionada ao curso (contra 5,6% que relataram ausência dessa relação).

Tabela 2
Inserção profissional dos egressos dos cursos de especialização (N=1.620).

De modo geral, os achados comparativos entre o momento que antecede o curso e o posterior ao seu término revelam maior número de egressos em condições de renda e de trabalho incrementada após a conclusão do curso, fato que é evidenciado pelo menor número de desempregados; maior inserção nas áreas de gestão, educação e pesquisa; maior atuação no serviço público e com vínculo empregatício de regime jurídico único.

Na análise da inserção profissional após a conclusão do curso segundo sexo, cor de pele e área de conhecimento, constata-se que mais mulheres estavam fora do mercado de trabalho após o término do curso (17,9% contra 10,8% dos homens). Mais homens (12,4%) mudaram tanto de atividade quanto de instituição depois do curso (contra 9,2% das mulheres) e são também eles que mais trabalhavam na mesma atividade profissional e na mesma instituição em que atuavam antes de ingressarem no curso (66,0% contra 57,7% das mulheres). A mudança de instituição e de atividade profissional não demonstrou diferença estatisticamente significativa por cor da pele e áreas de conhecimento dos cursos (Tabelas 3 e 4).

Tabela 3
Inserção profissional dos egressos após o término do curso segundo sexo e cor de pele.
Tabela 4
Inserção profissional dos egressos após o término do curso segundo área de conhecimento.

De forma complementar, a Tabela 3 evidencia a marcante diferença entre os sexos em relação à quantidade de empregos após o término do curso, onde mais mulheres não têm empregos neste momento (12,7% contra 8,5% dos homens) e, inversamente, mais homens têm dois ou mais empregos. No que se refere à área de conhecimento, há mais desempregados entre os egressos de cursos da área de “Educação, Informação e Comunicação” (19,1%), em comparação com as demais áreas (15,6% na “Saúde Coletiva” e 15,3% na “Medicina, Práticas Clínicas, Biomédicas e Biotecnológicas”), ao passo que mais egressos com 2 ou mais empregos são oriundos de cursos da “Medicina, Práticas Clínicas, Biomédicas e Biotecnológicas” (34,8%) e “Saúde Coletiva” com 24,3% (Tabela 4). Não se observa diferença estatística significativa da quantidade de emprego por cor da pele.

A área de “Saúde Coletiva” se destaca dentre os egressos de cursos muito relacionados à atual atividade profissional (60,8% contra cerca de 56,0% das demais áreas). Por outro lado, é a área de “Medicina, Práticas Clínicas, Biomédicas e Biotecnológicas” a que mais aparece como falta de relação do curso com a atuação profissional (11,5% contra 7,5% da “Educação, informação e Comunicação” e 4,7% da “Saúde Coletiva”).

A Tabela 5 mostra o resultado da regressão logística que busca identificar as variáveis associadas ao impacto positivo do curso entre os egressos, avaliado pelo melhor desempenho nas atividades e prestígio/reconhecimento. Inicialmente, todas variáveis estudadas no modelo múltiplo apresentam significância estatística ao nível de 25%, exceto sexo e grandes áreas de conhecimento do curso, as quais não entraram na análise seguinte. O modelo final mostra o seguinte perfil dentre os egressos com impacto positivo do curso de Especialização concluído: aqueles com cor de pele preta ou parda têm cerca de 40% mais chance de ter impacto positivo do curso do que aqueles de cor de pele branca; os que têm outra formação acadêmica antes de ingressar no curso têm 1,5 vez mais chance do que aqueles que não têm outra formação anterior, aqueles que mudaram a atividade profissional em função do curso têm 3,3 mais chance do que os que não estavam trabalhando, os que informaram que o curso estava muito relacionado com a atividade profissional têm 5,7 mais chance do que aqueles que relataram que o curso teve pouca ou nenhuma relação e cada acréscimo de 1 ano no tempo de formado aumenta em 14% a chance do impacto positivo do curso.

Tabela 5
Modelo logístico explicativo do impacto positivo dos cursos de Especialização entre egressos da Fiocruz (N=1.521).

Discussão

A maior presença feminina reflete, provavelmente, a predominância de mulheres nos serviços de saúde77 Maciel CA, Escarce AG, Motta AR, Teixeira LC. Percurso acadêmico e competências profissionais na percepção de egressos de Fonoaudiologia. Codas 2021; 33(4):e20200130.,1717 Santos LS, Souza TE, Souza CE, Monteiro MC, Prado MRMC, Prado-Junior PP, Ayres LFA, Passos CM. Perfil social-profissional de enfermeiros e médicos da Atenção Primária à Saúde de uma microrregião geográfica. Enferm Bras 2019; 18(4):552-560.

18 Lima EJF, Lima PJSF, Andrade PHA, Castro LM, Fernandes AS. Perfil e trajetória dos egressos de programas de residência das áreas básicas: um corte transversal. Rev Bras Educ Med 2021; 45(1):e9405.
-1919 Maciel ELN, Figueiredo PF, Prado TN, Galavote HS, Ramos MC, Araujo MD, Lima RCD. Avaliação dos egressos do curso de especialização em Saúde da Família no Espírito Santo, Brasil. Cien Saude Colet 2010; 15(4):2021-2028., fato que é corroborado pela formação prévia no campo da “Saúde e bem-estar”. Historicamente, algumas profissões como as do campo da educação e algumas da área da saúde têm como característica o trabalho feminino. Segundo Estevam e Guimarães2020 Estevam HM, Guimarães S. Avaliação do perfil de egressos do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Educação da UFU: impacto na formação docente e de pesquisador (2004-2009). Avaliacao 2011; 16(3):703-730., nota-se que, quando uma profissão ou curso se feminiza tende a ser aceito como uma extensão do trabalho da mulher e passa a ocupar um lugar menos privilegiado que outras profissões. Desigualdades de gênero, tais como o fato de mais mulheres estarem fora do mercado de trabalho após o término do curso, foram observados no presente estudo. Além disso, o predomínio de egressos de cor branca evidencia a importância de investir nas políticas de cotas a fim de diminuir as desigualdades raciais e os efeitos do racismo estrutural2121 Artes A, Rocoldi AM. Acesso de negros no ensino superior: o que mudou entre 2000 e 2010. Cad Pesqui 2015; 45(158):858-881..

Os resultados deste estudo estão de acordo com achados anteriores quanto ao predomínio da natureza pública do vínculo de egressos da Fiocruz22 Engstrom EM, Hortale VA, Moreira COF. Trajetória profissional de egressos de Curso de Mestrado Profissional em Atenção Primária à Saúde no Município de Rio de Janeiro, Brasil: estudo avaliativo. Cien Saude Colet 2020; 25(4):1269-1280.,1515 Hortale VA, Moreira, CO, Bochner R, Leal MC. Trajetória profissional de egressos de cursos de doutorado nas áreas da saúde e biociências. Rev Saude Publica 2014; 48(1):1-9.. De um modo geral, a relação entre atividade profissional e temática do curso é bem evidenciada em todas as áreas de conhecimento, mostrando bom alinhamento entre a oferta de formação e exercício profissional.

A aliança entre trabalho e formação é também ressaltada nas principais expectativas elencadas pelos respondentes da pesquisa. Somado a isso, merece destaque e reflexão o fato de grande parte dos egressos já possuir alguma formação no nível de pós-graduação lato ou stricto sensu ao ingressarem no curso. Esta situação reflete provavelmente a necessidade percebida pelos especializandos em buscar novos conhecimentos frente a mudanças complexas e constantes que exigem um processo de formação contínuo, coerente com o estado da arte e em sintonia com as necessidades da sociedade. Novas tecnologias surgem cotidianamente no campo da saúde, e assim como em outras áreas da atividade humana, vivemos sob processos contínuos de inovação. Aciole2222 Aciole GG. Rupturas paradigmáticas e novas interfaces entre educação e saúde. Cad Pesqui 2016; 46(162):1172-1191. nos lembra sobre características da sociedade atual, tais como o multiculturalismo e a interdisciplinaridade, e destaca pilares contemporâneos da educação como elemento de desenvolvimento humano e que a torna uma necessidade permanente e não só uma etapa da vida marcada pelo ambiente escolar.

Neste sentido, alguns estudos apontam uma variedade de aspectos favoráveis em relação à formação em pós-graduação para o desenvolvimento de competências e qualificação para o trabalho. Em comum, podemos destacar a alta satisfação com a formação, a aplicação dos conhecimentos no universo do trabalho, a satisfação com o crescimento pessoal e profissional advindo da experiência vivida e, em contrapartida, pouca repercussão nos salários22 Engstrom EM, Hortale VA, Moreira COF. Trajetória profissional de egressos de Curso de Mestrado Profissional em Atenção Primária à Saúde no Município de Rio de Janeiro, Brasil: estudo avaliativo. Cien Saude Colet 2020; 25(4):1269-1280.,2020 Estevam HM, Guimarães S. Avaliação do perfil de egressos do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Educação da UFU: impacto na formação docente e de pesquisador (2004-2009). Avaliacao 2011; 16(3):703-730.. De um modo geral, um menor efeito é percebido em termos de remuneração e maiores repercussões são descritas na formação profissional, nas redes de relações formadas e no crescimento pessoal e profissional.

Quanto a maior chance de impacto positivo dos cursos de Especialização em egressos de cor de pele preta ou parda, é possível ter como hipótese que diante das significativas desvantagens sociais e educacionais de pessoas negras no acesso educacional e na trajetória escolar, desde a Educação Básica, a oferta de ensino de qualidade e de políticas educacionais tem maior efeito nessa população quando comparado às populações brancas, com menores desvantagens acumuladas2121 Artes A, Rocoldi AM. Acesso de negros no ensino superior: o que mudou entre 2000 e 2010. Cad Pesqui 2015; 45(158):858-881..

Outros fatores identificados como sendo de maior chance de impacto positivo do curso estão fortemente relacionados ao percurso formativo e a experiência profissional dos egressos, tais como: ter outra formação acadêmica antes de ingressar no curso, os que mudaram a atividade profissional em função do curso, os que informaram que o curso estava muito relacionado com a atividade profissional e o maior tempo de formado.

Como limitação, tem-se a não garantia de generalização dos achados, apesar de ter se alcançado uma satisfatória taxa de resposta, especialmente no que se refere a inquéritos on-line. A exclusão de participantes amarelos e indígenas da análise logística indica a necessidade de aplicação de outras abordagens metodológicas em grupos étnico-raciais minoritários, a fim de aprofundar peculiaridades socioculturais. Em contraposição, o estudo traz reflexões inéditas sobre o tema no país, com uso de estratégias metodológicas bem desenhadas em um grupo pouco estudado e com a abordagem de um período de tempo relativamente suficiente após o término do estudo. Este cenário permite um acompanhamento de mais longo prazo e possibilita levantar hipóteses que podem orientar a melhoria do ensino de pós-graduação do país e apoiar a tomada de decisão de docentes e gestores da educação.

Agradecimentos

As autoras agradecem à Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação (VPEIC/Fiocruz) pela coordenação geral do estudo, e à Coordenação Geral de Gestão de Tecnologia de Informação (COGETIC/Fiocruz) pelo importante apoio na condução da pesquisa.

Referências

  • 1
    Andriola WB. Estudo de egressos de cursos de graduação: subsídios para a autoavaliação e o planejamento institucionais. Educar Rev 2014; 54:203-219.
  • 2
    Engstrom EM, Hortale VA, Moreira COF. Trajetória profissional de egressos de Curso de Mestrado Profissional em Atenção Primária à Saúde no Município de Rio de Janeiro, Brasil: estudo avaliativo. Cien Saude Colet 2020; 25(4):1269-1280.
  • 3
    Hortale VA, Leal MC, Moreira COF, Aguiar AC. Características e limites do mestrado profissional na área da Saúde: estudo com egressos da Fundação Oswaldo Cruz. Cien Saude Colet 2010; 15(4):2051-2058.
  • 4
    Nuto SAS, Vieira-Meyer APGF, Vieira NFC, Freitas RWJF, Amorim KPC, Dias MSA, Vasconcelos MIO, Machado MFAS. Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família no nordeste brasileiro: repercussões no exercício profissional dos egressos. Cien Saude Colet 2021; 26(5):1713-1725.
  • 5
    Lima LA, Andriola WB. Acompanhamento de egressos: subsídios para a avaliação de Instituições de Ensino Superior (IES). Avaliacao 2018; 23(1):104-125.
  • 6
    Moreira ML, Velho L. Trajetória de egressos da pós-graduação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais: Uma ferramenta para avaliação. Avaliacao 2012; 17(1):257-288.
  • 7
    Maciel CA, Escarce AG, Motta AR, Teixeira LC. Percurso acadêmico e competências profissionais na percepção de egressos de Fonoaudiologia. Codas 2021; 33(4):e20200130.
  • 8
    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Relatório Final da Comissão Especial de Acompanhamento do PNPG-2011-2020: Brasília: Capes; 2016.
  • 9
    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Proposta de Aprimoramento do Modelo de Avaliação da PG. Documento Final da Comissão Nacional de Acompanhamento do PNPG 2011-2020 - 10/10/2018. Brasília: Capes; 2018.
  • 10
    Santos JS. Atuação profissional e participação no desenvolvimento do campo científico em Ciência da Informação: estudo dos egressos do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da UFMG, 1992-2005 [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2006.
  • 11
    Meira MDD, Kurcgant P. Avaliação de curso de graduação segundo egressos. Rev Esc Enferm USP 2009; 43(2):481-485.
  • 12
    Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Plano de Desenvolvimento Institucional da Fiocruz (PDI-Fiocruz 2016-2020). Brasília, Rio de Janeiro: MS, Fiocruz; 2016.
  • 13
    Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Plano de Desenvolvimento Institucional da Educação da Fiocruz (PDIE-Fiocruz 2021-2025). Brasília, Rio de Janeiro: MS, Fiocruz; 2020.
  • 14
    Conde MVF, Araujo-Jorge TC. Modelos e concepções de inovação: a transição de paradigmas, a reforma da C&T brasileira e as concepções de gestores de uma instituição pública de pesquisa em saúde. Cien Saude Colet 2003; 8(3):727-741.
  • 15
    Hortale VA, Moreira, CO, Bochner R, Leal MC. Trajetória profissional de egressos de cursos de doutorado nas áreas da saúde e biociências. Rev Saude Publica 2014; 48(1):1-9.
  • 16
    Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Classificação Internacional Normalizada da Educação: áreas de formação e treinamento 2013 (Cine-F 2013): descrição das áreas detalhadas. Brasília: Inep; 2017.
  • 17
    Santos LS, Souza TE, Souza CE, Monteiro MC, Prado MRMC, Prado-Junior PP, Ayres LFA, Passos CM. Perfil social-profissional de enfermeiros e médicos da Atenção Primária à Saúde de uma microrregião geográfica. Enferm Bras 2019; 18(4):552-560.
  • 18
    Lima EJF, Lima PJSF, Andrade PHA, Castro LM, Fernandes AS. Perfil e trajetória dos egressos de programas de residência das áreas básicas: um corte transversal. Rev Bras Educ Med 2021; 45(1):e9405.
  • 19
    Maciel ELN, Figueiredo PF, Prado TN, Galavote HS, Ramos MC, Araujo MD, Lima RCD. Avaliação dos egressos do curso de especialização em Saúde da Família no Espírito Santo, Brasil. Cien Saude Colet 2010; 15(4):2021-2028.
  • 20
    Estevam HM, Guimarães S. Avaliação do perfil de egressos do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Educação da UFU: impacto na formação docente e de pesquisador (2004-2009). Avaliacao 2011; 16(3):703-730.
  • 21
    Artes A, Rocoldi AM. Acesso de negros no ensino superior: o que mudou entre 2000 e 2010. Cad Pesqui 2015; 45(158):858-881.
  • 22
    Aciole GG. Rupturas paradigmáticas e novas interfaces entre educação e saúde. Cad Pesqui 2016; 46(162):1172-1191.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Abr 2023

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2022
  • Aceito
    10 Out 2022
  • Publicado
    12 Out 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br