Resumo
O trabalho apresenta uma proposta de agrupamento de casos para organização de serviços e linhas de cuidado. Trata-se de um estudo exploratório, no campo do planejamento e organização dos serviços de saúde, que utilizou como caminho metodológico a pesquisa documental e bibliográfica e a consulta a especialistas, por meio da técnica de grupo nominal. A partir da análise estratégica, foram identificados quatro grupos: MC menores; MC de abordagem cirúrgica tardia; MC de abordagem cirúrgica imediata; e MC incompatíveis com a vida. A proposição partiu da articulação dos conhecimentos da clínica, da epidemiologia e do planejamento em saúde para auxiliar no desenho e organização da atenção às malformações congênitas. A análise estratégica mostrou-se adequada e permitiu identificar grupos de casos que demandam um conjunto homogêneo de atividades assistenciais e o cuidado em serviços de saúde com perfil assistencial similar. Tal proposta pode contribuir também para o planejamento regional e a organização da rede de atenção a outros problemas e condições complexas de saúde que demandam a articulação de serviços especializados e de alta densidade tecnológica.
Palavras-chave:
Malformações congênitas; Planejamento em saúde; Gestão em saúde; Redes de atenção à saúde; Serviços de saúde materno-infantil
Introdução
A dificuldade de articulação do conjunto de elementos envolvidos no processo de cuidado, nos níveis de atenção e no âmbito das práticas assistenciais e dos serviços tem demandado o desenvolvimento de novas estratégias de integração e coordenação assistencial11 Kalichman AO, Ayres JRCM. Integralidade e tecnologias de atenção à saúde: uma narrativa sobre contribuições conceituais à construção do princípio da integralidade no SUS. Cad Saude Publica 2016; 32(8):1699-1712.,22 Silva NEK, Sancho LG, Figueiredo WS. Entre fluxos e projetos terapêuticos: revisitando as noções de linha do cuidado em saúde e itinerários terapêuticos. Cien Saude Colet 2016; 21(3):843-851..
Nesse contexto, surge a proposta de estruturação de linhas de cuidado em saúde para promover a organização dos caminhos que devem ser percorridos pelos usuários de forma mais racional, sistêmica e humanizada, a fim de garantir que os recursos necessários, em razão do diagnóstico e da terapêutica indicada, sejam disponibilizados em tempo oportuno11 Kalichman AO, Ayres JRCM. Integralidade e tecnologias de atenção à saúde: uma narrativa sobre contribuições conceituais à construção do princípio da integralidade no SUS. Cad Saude Publica 2016; 32(8):1699-1712.,22 Silva NEK, Sancho LG, Figueiredo WS. Entre fluxos e projetos terapêuticos: revisitando as noções de linha do cuidado em saúde e itinerários terapêuticos. Cien Saude Colet 2016; 21(3):843-851..
Para qualificar o desenho das linhas de cuidado, é necessário articular os conhecimentos clínicos/epidemiológicos - a partir da identificação das melhores práticas de cuidado - com os de planejamento/gestão para pensar a melhor forma de organização dos serviços de saúde33 Organizacion Pan-Americana de la Salud (OPAS). Redes integradas de servicios de salud: conceptos, opciones políticas y hoja de ruta para su implementacion en las Americas. Washington DC: OPAS; 2010. [acceso 2022 maio 25]. Disponible en: https://www.paho.org/hq/dmdocuments/2010/APS-Redes_Integradas_Servicios_Salud-Conceptos.pdf.
Para isso, é importante aprimorar ferramentas de análise que integrem o conhecimento e a racionalidade da clínica, da epidemiologia e do planejamento para identificar melhores estratégias de abordagem dos problemas de saúde. Igualmente importante, deve-se pensar em formas de abordagem que permitam garantir um cuidado seguro e de qualidade, baseado nas melhores evidências disponíveis, e otimizar recursos na organização da rede de atenção à saúde.
Na área de atenção à criança e aos adolescentes, as mudanças no perfil de adoecimento decorrentes do aumento da sobrevida de neonatos prematuros extremos, crianças com defeitos congênitos e condições crônicas têm ocupado um lugar de destaque no cenário nacional e internacional das políticas de saúde44 Bernardino FBS, Gonçalves TM, Pereira TID, Xavier JS, Freitas BHBM, Gaíva MAM. Tendência da mortalidade neonatal no Brasil de 2007 a 2017. Cien Saude Colet 2022; 27(2):567-578.
5 Souza CDF, Magalhães MAFM. Novo século, velho problema: tendência da mortalidade infantil e seus componentes no Nordeste brasileiro. Cad Saude Colet 2021; 29(1):133-142.-66 SzwarcwaldCL, Leal MC, Almeida WS, Barreto ML, Frias PG, Miranda M, Theme Filha MM, Soares RM, DomingueM, Franca EB, Gama S, Coccolini CS, Victora C. Child health in Latin America. In: Oxford Research Encyclopedia of Global Public Health. US: Oxford University Press; 2019. http://dx.doi.org/10.1093/acrefore/9780190632366.013.37. Incluídas nesse contexto, as malformações congênitas se caracterizam como condição crônica complexa e doença rara, sendo a segunda causa de morte neonatal no Brasil e uma das principais causas de assistência pediátrica hospitalar77 Pinto M, Gomes R, Tanabe RF, Costa ACC, Moreira MCN. Análise de custo da assistência de crianças e adolescentes com condições crônicas complexas. Cien Saude Colet 2019; 24(11):4043-4052.,88 França EB, Lansky S, Rego MAS, Malta DC, França JS, Teixeira R. Principais causas da mortalidade na infância no Brasil, em 1990 e 2015: estimativas do estudo de carga global de doença. Rev Bras Epidemiol 2017; 20(Supl. 1):46-60..
Para a qualificação da atenção às malformações congênitas, é importante que sejam estruturadas, em âmbito regional, linhas de cuidado que garantam a integração de diferentes processos de cuidado, unidades de saúde e níveis de atenção. No entanto, no grupo denominado malformações congênitas, existem múltiplas patologias, com diferentes tipologias e demandas assistenciais, o que levou à pergunta: qual seria a melhor forma de abordar esse problema de saúde pensando a organização de caminhos e fluxos assistenciais?
Considerando esta pergunta, foi feita uma análise estratégica da atenção às malformações congênitas para identificação de elementos que orientem a organização de fluxos e serviços de saúde em uma perspectiva regional. Considerou-se, para a análise, a posição proativa de um gestor regional/estadual que busca articular as demandas de cuidado de um determinado problema/condição de saúde com elementos do planejamento e da gestão para a organização da oferta e da qualificação do perfil assistencial da rede de serviços.
O objetivo é apresentar o resultado dessa análise estratégica e elaborar uma proposta de agrupamento das malformações congênitas para o preparo de linhas de cuidado, considerando as necessidades assistenciais e elementos que contribuam para a organização dos serviços de saúde.
Métodos
Trata-se de um estudo exploratório, no campo do planejamento e organização dos serviços de saúde, que compõem uma pesquisa maior, denominada “Planejamento e programação das redes de atenção à saúde: organização da atenção às malformações congênitas”99 Binsfeld L. Planejamento e programação nas redes de atenção à saúde: organização da atenção às malformações congênitas [tese]. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira/Fiocruz; 2020.. Esse projeto contou com quatro momentos, sendo que os resultados apresentados neste artigo correspondem ao primeiro: análise estratégica das malformações congênitas. Os momentos subsequentes incluíram: definição de recomendações e requisitos estratégicos de organização dos serviços especializados; diagnóstico situacional no estado do Rio de Janeiro (RJ); e elaboração de uma proposta de organização da atenção às malformações congênitas no estado do RJ99 Binsfeld L. Planejamento e programação nas redes de atenção à saúde: organização da atenção às malformações congênitas [tese]. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira/Fiocruz; 2020..
As estratégias metodológicas utilizadas foram a pesquisa documental/bibliográfica e a consulta a especialistas, por meio da técnica de grupo nominal (GN). Essa técnica é indicada para trabalhos com pequenos grupos em casos em que se busca o consenso entre especialistas, e inclui reuniões presenciais - individuais e coletivas - que partem da contextualização de um problema e de questões que possam ser respondidas e debatidas pelo grupo em busca de um conjunto de soluções ou recomendações sobre o tema1010 Centers for Disease Control and Prevention. gaining consensus among stakeholders through the nominal group technique. Evaluations Briefs 2018. [cited 2022 maio 25]. Available from: https://www.cdc.gov/healthyyouth/evaluation/pdf/brief7.pdf
https://www.cdc.gov/healthyyouth/evaluat... ,1111 Carvalho ICBM, Rosendo TMSS, Freitas MR, Silva EMM, Medeiros WR, Moutinho NF, Pimenta IDSF, Gama ZAS. Adaptation and validation of the World Health Organization's on Safe Childbirth Checklist for the Brazilian context. Rev Bras Saude Mater Infant 2018; 18(2):401-418..
A aplicação da técnica com o grupo envolveu as seguintes etapas: contextualização da problemática; apresentação das perguntas orientadoras para geração de ideais; registro global e fortalecimento das informações produzidas; apresentação do material consolidado; condução da discussão para esclarecimentos e seleção das propostas pertinentes.
Especialistas que atuam no cuidado às malformações congênitas e gestores da área materno-infantil no estado do Rio de Janeiro foram definidos como participantes do grupo nominal. Os primeiros constituíram o grupo denominado “GN Especialistas”, que incluiu um representante de cada uma das seguintes áreas: obstetrícia/medicina fetal, neonatologia, cirúrgica pediátrica, neurocirurgia pediátrica e genética clínica.
Esses especialistas atuam na unidade de referência com maior registro de nascimentos de malformações congênitas no estado do RJ e coordenam um grupo de trabalho estruturado para a elaboração de diretrizes clínicas nacionais para as principais malformações congênitas de abordagem cirúrgica imediata: hérnia diafragmática congênita, espinha bífida e gastrosquise1212 Guerra FAR, Llerena JC Junior, Gama SGN, Cunha CB, Theme Filha MM. Defeitos congênitos no município do Rio de Janeiro, Brasil: uma avaliação através do SINASC (2000-2004). Cad Saude Publica 2008; 24(1):140-149.. Tais diretrizes estão em fase de análise pela área técnica do Ministério da Saúde e as evidências levantadas apoiaram os especialistas na discussão das questões propostas para o grupo nominal.
O segundo grupo, denominado “GN Ampliado”, foi composto pelos especialistas citados acima e os representantes da área de gestão materno-infantil, a saber: um da unidade de referência; um da Secretaria Municipal de Saúde do RJ; e outro da Secretaria Estadual de Saúde do RJ.
A pesquisa bibliográfica/documental e a consulta ao GN Especialistas foi orientada pelas seguintes perguntas: como são classificadas as malformações congênitas? Quais as características dos processos/atividades e das tecnologias demandadas para o cuidado às malformações congênitas? Considerando a questão acima, o que permite diferenciar e/ou agregar as malformações congênitas?
Os participantes foram acionados em diferentes momentos do projeto, de forma coletiva e individual, para discussão das perguntas norteadoras, elaboração, análise e apreciação das propostas e resultados. A pesquisadora principal coordenou o trabalho com o grupo nominal, elaborou um conjunto de informações e sínteses provenientes da revisão bibliográfica/documental que foi apresentado como elemento norteador para o debate e consolidou os resultados em quadros-resumo para análise e discussão dos grupos.
Cabe também destacar que foram considerados no trabalho os recursos tecnológicos e os procedimentos já incorporados na rede pública de saúde, tendo em vista que o foco do projeto é a organização do cuidado e dos serviços disponíveis para o desenho de um caminho assistencial e a programação da atenção às malformações congênitas diagnosticadas no pré-natal.
Para a estruturação da análise estratégica e consolidação dos resultados, foram utilizados elementos norteadores da metodologia da gestão estratégica hospitalar francesa denominada démarche stratégique, principalmente da etapa de segmentação estratégica.
A démarche stratéguique é um enfoque que propõe definir racionalmente a missão de um hospital, situando-o na perspectiva ideal de uma rede coordenada de cuidados em saúde. O método é composto pelas seguintes fases: análise do existente; segmentação estratégica; análise do valor e da posição competitiva; construção do portifólio de atividades; e elaboração do plano de ação.
Em sua etapa de segmentação, tem como objetivo a realização de uma análise multicritérios para a identificação de grupos homogêneos de atividades, envolvendo a descrição de informações referentes à população, às patologias, às tecnologias e ao processo de atenção envolvidos no cuidado de determinado problema de saúde. A partir dessa descrição, busca-se reduzir as discrepâncias entre os segmentos e/ou identificar as semelhanças e promover agrupamentos em função de uma ou mais variáveis1313 Crémadez M. Le management stratégique hospitalier. Paris: Elsevier Masson; 1997.,1414 Artmann E, Llerena Junior JC, Pereira LT, Binsfeld L, Rivera FJU. Análise estratégica de um centro de genética médica em um instituto de pesquisa nacional em saúde no Brasil: desafios para o SUS. Cien Saude Colet 2021; 26(Supl. 2):3481-3492..
Esses elementos apoiaram a organização do processo de análise estratégica descrito neste trabalho. No entanto, o projeto não teve como objetivo a aplicação do método com todas as suas etapas e instrumentos.
Resultados
As malformações congênitas compõem o grupo dos defeitos congênitos, sendo estes definidos como defeitos morfológicos de um órgão ou parte do corpo resultantes de um processo de desenvolvimento anormal intrínseco e que estão presentes no momento do nascimento1515 Vieira T, Giugliani R, organizadores. Manual de genética médica para atenção primária à saúde. Porto Alegre: Editora Artmed; 2013.,1616 Horovitz DDG, Cardoso MHCA, Llerena JC Junior, Mattos RA. Atenção aos defeitos congênitos no Brasil: características do atendimento e propostas para formulação de políticas públicas em genética clínica. Cad Saude Publica 2006; 22(12):2599-2609..
Com relação à primeira pergunta, sobre as formas de classificação das malformações congênitas, existem duas tipologias muito utilizadas. A primeira, a partir da morbidade e/ou repercussão clínica que classifica as malformações congênitas em menores - que não acarretam problemas significativos aos portadores - e maiores - quando trazem consequências clínicas ou estéticas graves aos portadores. A segunda tipologia classifica as malformações a partir de sua letalidade: compatíveis e incompatíveis com a vida1717 Leite JCL, Dewes LO, Giuglian R. Manual de defeitos congênitos. Porto Alegre: Editora Livre; 2007..
A Classificação Internacional de Doenças (CID 10)1818 World Health Organization (WHO), Centers for Disease Control and Prevention, International Clearinghouse for Birth Defects Monitoring Systems. Birth defects surveillance: atlas of selected congenital anomalies [Internet]. 2014. [cited 2022 maio 25]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/127941
https://apps.who.int/iris/handle/10665/1... apresenta uma categorização baseada nos sistemas e/ou segmentos do corpo, sendo que as malformações congênitas integram o Capítulo XVII - Malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas. Fazem parte dessa tipologia os grupos referentes ao sistema nervoso; olho, ouvido, face e pescoço; aparelho circulatório; aparelho respiratório; fendas labiais e palatinas; aparelho digestivo; órgãos genitais; e sistema osteomuscular.
Com relação à segunda questão, a partir do registro e sistematização das informações fornecidas pelo GN Especialistas, foram identificadas as características das tecnologias e processos de atenção necessários para o cuidado adequado.
O conjunto de informações contém elementos que correspondem aos critérios inicialmente apontados pelo enfoque démarche stratégique para análise multicritérios de um problema - população, patologia, tecnologias e processos - e outros dois que foram acrescentados: especialidades médicas e atividades envolvidas. Também surgiram algumas questões importantes referentes ao cuidado das referidas patologias, como as políticas de saúde e estratégias relacionadas ao processo de atenção e cuidado às malformações congênitas, que foram incluídos como temas transversais. As informações fornecidas pelo grupo foram consolidas na Figura 1.
A consolidação da terceira questão se deu a partir da sistematização dos resultados das questões anteriores e da criação de algumas perguntas-chave relacionadas às formas de classificação, às características do processo de atendimento, das tecnologias e das competências necessárias para o cuidado das malformações congênitas. As perguntas foram colocadas ao GN Especialistas e permitiram identificar a presença de diferenças e semelhanças entre o conjunto de patologias que compõe o grande grupo das malformações congênitas (Quadro 1).
Todas as malformações têm em comum o fato de envolverem os processos de cuidado à gestante, ao neonato e à criança, mas o momento estratégico de intervenção e o processo de cuidado muda conforme a forma de classificação, a possibilidade de diagnóstico e as formas de tratamento.
As duas primeiras perguntas inseridas do Quadro 1 remetem aos modos de classificação: maiores e menores, compatível ou incompatível com a vida, e informam sobre a gravidade e o impacto dessas condições e o desenho de fluxos assistenciais e processos terapêuticos distintos para a gestação e o cuidado neonatal1717 Leite JCL, Dewes LO, Giuglian R. Manual de defeitos congênitos. Porto Alegre: Editora Livre; 2007..
A terceira pergunta se refere ao diagnóstico e considera a possibilidade de a malformação congênita ser detectada, na maioria dos casos, por meio de ultrassonografia obstétrica e se a sua detecção mudaria o curso do acompanhamento pré-natal e a programação do parto e os cuidados neonatais. Assim, permite-se destacar também casos em que o acompanhamento pelo serviço de medicina fetal e genética é indicado para o monitoramento materno-fetal, além da avaliação da pertinência de tratamento intraútero e/ou identificação de marcadores prognósticos fundamentais para o planejamento do nascimento e cuidados neonatais1919 Bruns RF, Araujo Júnior E, Nardozza LMM, Moron AF. Ultrassonografia obstétrica no Brasil: um apelo à padronização. Rev Bras Ginecol Obstetr 2012; 34(5):191-195.,2020 Telles J. Protocolo mínimo da ultrassonografia morfológica do segundo trimestre. Rev Soc Ultrassonografia 2013; 14(18):21-24..
A pergunta seguinte, envolvendo intervenção cirúrgica, foi incluída por este ser o principal procedimento que diferencia o tratamento das malformações congênitas após o nascimento, bem como o momento de sua realização. Em alguns casos, a garantia do cuidado cirúrgico logo após o parto (24h-48h) para correção e/ou manutenção da vida impacta diretamente no prognóstico, com redução da morbimortalidade neonatal2121 Moreira MEL, Lopes JMA, Carvalho M. Recém-nascido de alto risco: teoria e prática do cuidar. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2004.. Quanto à identificação da especialidade médica cirúrgica de referência, esta orienta a análise do perfil assistencial dos pontos de atenção e a equipe de referência que precisa estar disponível e capacitada no local para prestar os cuidados necessários.
Com relação ao transporte, foi considerado como sendo aquele que ocorreria entre as unidades de saúde para a realização da intervenção cirúrgica, caso a unidade não disponibilizasse serviço próprio. A análise sobre a necessidade de transporte foi inserida por este ser desaconselhado em algumas situações, como no caso das malformações congênitas maiores, por agravar a lesão e/ou a condição do neonato, aumentar o risco de infecção e de morbimortalidade neonatal2222 Barreiros CFC, Gomes MASM, Gomes Junior SCS. Mortalidade por gastrosquise no estado do Rio de Janeiro: uma se´rie de 10 anos. Rev Saude Publica 2020; 54:63.. O seguimento está relacionado ao acompanhamento após a alta hospitalar e à identificação dos casos que demandam a vinculação a um ambulatório especializado para o cuidado compartilhado com a atenção primária.
A aplicação dessas perguntas-chave ao GN Especialistas e a consolidação dos resultados possibilitou o agrupamento das malformações congênitas e a criação de tipologias que podem orientar o desenho de linhas de cuidado e a organização dos serviços de atenção. O processo de agrupamento resultou na definição de quatro grupos de malformações congênitas, derivados das principais formas de classificação em: maiores e menores; compatíveis e incompatíveis com a vida. E alguns segmentos assistenciais foram identificados em função da principal especialidade médica envolvida no cuidado (Quadro 2).
No entanto, a intenção não foi classificar todas as malformações em algum grupo de casos ou linha de cuidado. Por isso mesmo, foram colocados exemplos na descrição dos resultados. Certos grupos de malformações variam muito quanto à sua apresentação, como as malformações neurológicas e cardíacas, e podem incluir desde casos que se apresentam incompatíveis com a vida, até outros que são diagnosticados somente no período neonatal. Portanto, a avaliação clínica e a elaboração dos projetos terapêuticos que definirão a programação de cuidados para cada caso e o caminho assistencial a ser seguido variam bastante.
Discussão
Este estudo parte da premissa de que os processos de planejamento em saúde, para que sejam eficazes e promovam mudanças concretas e consistentes na forma de organização dos serviços e das redes de atenção, precisam estabelecer uma interlocução com a clínica2323 Onocko R. O planejamento no labirinto: uma viagem hermenêutica. São Paulo: Hucitec; 2003..
Para facilitar a interlocução, é necessário desenvolver estratégias de articulação das diferentes racionalidades da área clínica, da epidemiologia e do planejamento para a identificação de novas formas de abordagem dos problemas de saúde.
No enfoque démarche stratégique, a etapa de análise estratégica foi estruturada para auxiliar as organizações de saúde a identificar, em seu ambiente interno, agrupamentos homogêneos de atividades ou polos de atividades que se caracterizam por abordar o mesmo problema estratégico. A premissa é que a construção dos segmentos/agrupamentos considere vários critérios e não adote apenas critérios biomédicos ou divisões organizacionais, como as estabelecidas nos organogramas institucionais, por departamentos, enfermarias e serviços clínicos1313 Crémadez M. Le management stratégique hospitalier. Paris: Elsevier Masson; 1997.,1414 Artmann E, Llerena Junior JC, Pereira LT, Binsfeld L, Rivera FJU. Análise estratégica de um centro de genética médica em um instituto de pesquisa nacional em saúde no Brasil: desafios para o SUS. Cien Saude Colet 2021; 26(Supl. 2):3481-3492..
Essas questões foram incorporadas no presente estudo, que partiu de elementos da clínica, como as características da patologia, o processo de atendimento e as necessidades assistenciais, mas com foco na organização de um conjunto de serviços especializados e hospitalares. Dessa forma, adotou a perspectiva da mesogestão para análise do problema de saúde, entendendo-o como o espaço de gestão e organização dos serviços de saúde no âmbito regional/estadual.
Com isso, o processo de análise estratégica das malformações congênitas resultou na identificação de agrupamentos de casos que demandam recursos terapêuticos, processos de cuidado e o desenho de caminhos assistenciais similares no âmbito da rede de atenção à saúde.
O primeiro grupo, denominado Malformações congênitas menores, envolve diversas malformações do olho, ouvido, face e membros - como polidactilias, fossetas, apêndices pré-auriculares, pernas curvas, nevos pigmentados, entre outros - que são relativamente frequentes na população e não acarretam maiores problemas de repercussão clínica aos portadores1717 Leite JCL, Dewes LO, Giuglian R. Manual de defeitos congênitos. Porto Alegre: Editora Livre; 2007..
Apesar de se desenvolverem no período fetal, não necessariamente são diagnosticadas no pré-natal ou visíveis no momento do nascimento, podendo se apresentar assintomáticas e/ou ter manifestação tardia, sendo o exame físico do recém-nascido a principal estratégia para detecção precoce1717 Leite JCL, Dewes LO, Giuglian R. Manual de defeitos congênitos. Porto Alegre: Editora Livre; 2007..
Nesses casos, o acompanhamento pediátrico ocorre principalmente na atenção básica. A partir da primeira avaliação, é determinado o plano terapêutico e, quando necessário, é feita a articulação com o serviço especializado para tratamento, correção cirúrgica e/ou reabilitação.
As malformações congênitas maiores foram divididas em três grupos. O primeiro é o das Malformações congênitas de abordagem cirúrgica tardia que são compatíveis com a vida, e por não trazerem risco de vida imediato no período neonatal precoce e não se caracterizarem como uma emergência cirúrgica, foram denominadas como tardias. A principal característica dessas malformações é que causam impacto estético, funcional e/ou psicológico, demandando tratamento cirúrgico e acompanhamento ambulatorial especializado multiprofissional. Os principais problemas incluem segmentos da face e extremidades, as fendas labiais e palatinas e os órgãos genitais (genitália ambígua)1717 Leite JCL, Dewes LO, Giuglian R. Manual de defeitos congênitos. Porto Alegre: Editora Livre; 2007..
O diagnóstico pode ocorrer no pré-natal ou no exame físico morfológico do recém-nascido, sendo que o mais importante para o cuidado cirúrgico pediátrico é que as unidades hospitalares sejam identificadas para referência dos casos e conformação de equipes com experiência para avaliação e manejo dessas malformações, tanto no período neonatal como de seguimento pediátrico.
Outra questão importante é definir um conjunto de estratégias de suporte adequado à família, que precisa ser orientada por uma equipe multiprofissional sobre os impactos do diagnóstico para o recém-nascido, as opções de tratamento e o acompanhamento2424 Bolla BA, Fulconi SN, Baltor MRR, Dupas G. Cuidado da criança com anomalia congênita: o olhar da família. Rev Esc Anna Nery 2013; 17(2):284-290.,2525 Diseth TH, Emblem R. Long-term psychosocial consequences of surgical congenital malformations. Semin Pediatr Surg 2017; 26(5):286-294.. Tais casos podem demandar acompanhamento ambulatorial de longo prazo com equipe multidisciplinar, cirurgias plásticas para correção, cuidados domiciliares, reabilitação e cuidado especializado na área de psicologia. O objetivo é evitar complicações funcionais (perda visual, auditiva ou de deambulação) e problemas estéticos e psicológicos (caso da genitália ambígua) no período da infância/adolescência e com impacto na vida adulta2424 Bolla BA, Fulconi SN, Baltor MRR, Dupas G. Cuidado da criança com anomalia congênita: o olhar da família. Rev Esc Anna Nery 2013; 17(2):284-290.,2525 Diseth TH, Emblem R. Long-term psychosocial consequences of surgical congenital malformations. Semin Pediatr Surg 2017; 26(5):286-294..
As Malformações congênitas de abordagem cirúrgica imediata também são compatíveis com a vida, mas trazem consequências clínicas graves para o neonato e são classificadas como emergência cirúrgica, representando a principal causa de morbimortalidade neonatal precoce. Entre as malformações desse grupo, encontram-se a espinha bífida, as cardiopatias congênitas, a hérnia diafragmática congênita, a onfalocele, a gastrosquise, entre outras2626 Rajiah P, Mak C, Dubinksy TJ, Dighe M. Ultrasound of fetal cardiac anomalies. AJR Am J Roentgenol 2011; 197(4): W747-W760.
27 Haddock C, Skarsgard ED. Understanding gastroschisis and its clinical management: where are we? Expert Rev Gastroenterol Hepatol 2018; 12(4):405-415.-2828 Binsfeld L, Gomes MASM, Kuschnir R. Malformações congênitas de abordagem cirúrgica imediata no estado do Rio de Janeiro, Brasil: análise para a organização do cuidado em rede. Cad Saude Publica 2022; 38(2):e00109521..
A maioria dessas malformações são passíveis de diagnóstico no período pré-natal - a partir da realização de uma ultrassonografia obstétrica e/ou morfológica -, sendo que o diagnóstico precoce possibilita a definição de estratégias para o acompanhamento pré-natal, o tratamento fetal e a programação adequada do nascimento em unidades de referência para cuidado à gestação de alto risco. Devido à sua gravidade, o parto e os cuidados neonatais precisam ser realizados em centros especializados com condições de prestar o cuidado intensivo neonatal cirúrgico, evitando o transporte do recém-nascido entre unidades de saúde99 Binsfeld L. Planejamento e programação nas redes de atenção à saúde: organização da atenção às malformações congênitas [tese]. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira/Fiocruz; 2020.,2222 Barreiros CFC, Gomes MASM, Gomes Junior SCS. Mortalidade por gastrosquise no estado do Rio de Janeiro: uma se´rie de 10 anos. Rev Saude Publica 2020; 54:63..
Esses casos se caracterizam como condições crônicas complexas e as unidades de referência precisam estar preparadas para o cuidado de crianças que podem se tornar dependentes de tecnologia, necessitar de acompanhamento ambulatorial especializado, cuidados domiciliares e, em alguns casos, cuidados paliativos2929 Rabello CAFG, Rodrigues PHA. Saúde da família e cuidados paliativos infantis: ouvindo os familiares de crianças dependentes de tecnologia. Cien Saude Colet 2010; 15(2):379-388.
30 Costa MTF, Gomes MA, Pinto M. Dependência crônica de ventilação pulmonar mecânica na assistência pediátrica: um debate necessário para o SUS. Cien Saude Colet 2011; 16(10):4147-4159.-3131 Drucker LP. Rede de suporte tecnológico domiciliar à criança dependente de tecnologia egressa de um hospital de saúde pública. Cien Saude Colet 2007; 12(5):1285-1294..
O terceiro grupo, o das Malformações incompatíveis com a vida, inclui os casos em que a gravidade do defeito congênito inviabiliza a manutenção da vida extrauterina. Tais malformações podem ser diagnosticadas no período pré-natal, mas não existe forma de intervenção que modifique o seu prognóstico, ocasionando morte fetal durante a gestação, no parto ou logo após o nascimento3232 Löwy I. Indicação de aborto por anomalia fetal: como abordar um assunto difícil. Cad Saude Publica 2020; 36(Supl. 1):e00188618..
A principal malformação incompatível com a vida é a anencefalia, mas podem ser incluídos nesse grupo casos mais raros, como a agenesia bilateral do rim, do pâncreas, a acrânia, as malformações complexas graves e as síndromes malformativas3232 Löwy I. Indicação de aborto por anomalia fetal: como abordar um assunto difícil. Cad Saude Publica 2020; 36(Supl. 1):e00188618.. No Brasil, a possibilidade de interrupção da gestação está prevista por lei apenas para os casos de anencefalia; com relação às demais malformações incompatíveis com a vida, existem diferentes posições e debates na perspectiva bioética, jurídica e legislativa3232 Löwy I. Indicação de aborto por anomalia fetal: como abordar um assunto difícil. Cad Saude Publica 2020; 36(Supl. 1):e00188618.,3333 Fonseca SC, Domingues RMSM, Leal MC, Aquino EML, Menezes GMS. Aborto legal no Brasil: revisão sistemática da produção científica, 2008-2018. Cad Saude Publica.2020; 36(Supl. 1):e00189718..
No entanto, as unidades de referência para esse grupo precisam ter equipes multidisciplinares preparadas para abordagem de diferentes situações, como as que envolvem o direito de antecipação terapêutica do parto ou para os casos que optarem por seguir com a gestação, desenvolvendo e aprimorando estratégias de suporte à gestante e à família em todas as etapas e processos de cuidado, bem como o aconselhamento genético do casal para futuras gestações3232 Löwy I. Indicação de aborto por anomalia fetal: como abordar um assunto difícil. Cad Saude Publica 2020; 36(Supl. 1):e00188618.
33 Fonseca SC, Domingues RMSM, Leal MC, Aquino EML, Menezes GMS. Aborto legal no Brasil: revisão sistemática da produção científica, 2008-2018. Cad Saude Publica.2020; 36(Supl. 1):e00189718.-3434 Domingues RMSM, Fonseca SC, Leal MC, Aquino EML, Menezes GMS. Aborto inseguro no Brasil: revisão sistemática da produção científica, 2008-2018. Cad Saude Publica 2020; 36(Supl. 1):e00190418..
Neste trabalho, a análise estratégica conjunta das malformações congênitas permitiu deslocar o olhar do recorte característico das patologias e especialidades médicas, trazendo o processo de cuidado para uma perspectiva mais sistêmica. Ao mesmo tempo, ampliou o diálogo entre diferentes áreas e núcleos de conhecimento, possibilitando coletivizar uma forma de explicação e de abordagem das malformações congênitas para organização da rede de serviços.
Para isso, foram criadas tipologias, que partiram da análise das formas de classificação e critérios utilizados pela clínica e pela epidemiologia, mas que não necessariamente as reproduziram para o desenho de linhas de cuidado3535 Mendes EV. Entrevista: A abordagem das condições crônicas pelo Sistema Único de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(2):431-436..
A discussão referente à necessidade de identificação de novas tipologias para orientar a organização dos sistemas de saúde se encontra presente no arcabouço do modelo de atenção às condições crônicas, com a proposta de utilização do conceito de condições de saúde3535 Mendes EV. Entrevista: A abordagem das condições crônicas pelo Sistema Único de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(2):431-436.. Como aponta Mendes, a tipologia clássica classifica as doenças em transmissíveis e em doenças crônicas não transmissíveis, tendo como critério a etiopatogenia. Essa tipologia funciona bem, especialmente no campo dos estudos epidemiológicos, porém ela não é suficiente para dar suporte à organização dos sistemas de atenção à saúde3535 Mendes EV. Entrevista: A abordagem das condições crônicas pelo Sistema Único de Saúde. Cien Saude Colet 2018; 23(2):431-436..
Outro instrumento que tem sido adotado pelos sistemas de saúde para agrupamento de pacientes de acordo com a utilização de recursos é o diagnosis related groups (DRG), em suas várias formas. Um dos seus objetivos é adequar os recursos disponibilizados às necessidades dos grupos de pacientes atendidos pelas unidades hospitalares, qualificando seu processo de cuidado e o perfil assistencial. Essa metodologia tem sido progressivamente incorporada por países para redefinição de seus sistemas de pagamento e como instrumento de governança clínica, para gerenciamento de custos e avaliação da qualidade assistencial3636 Mihailovic N, Kocic S, Jakovljevic M. Review of diagnosis-related group-based financing of hospital care. Health Serv Res Manag Epidemiol 2016; 3. DOI: https://doi.org/10.1177/233339281664789
https://doi.org/10.1177/233339281664789... ,3737 Meng Z, Hui W, Cai Y, Liu J, Wu H. The effects of DRGs-based payment compared with cost-based payment on inpatient healthcare utilization: a systematic review and meta-analysis. Health Policy 2020; 124(4):359-367..
As duas referências citadas buscam novas formas de abordagem dos problemas de saúde pensando na organização da rede de atenção e dos serviços, sendo que a primeira tipologia - das condições de saúde - tem como foco o modelo de atenção e organização do sistema de serviços de saúde, enquanto a segunda - DRG - produz novas tipologias a partir do agrupamento de pacientes, visando a reorganização dos processos internos dos serviços hospitalares.
No entanto, ainda são pouco frequentes os relatos e as propostas de análise estratégica em saúde para identificação de novas formas de abordagem, ou agrupamento dos problemas de saúde, que subsidiem os processos de planejamento, programação e organização dos serviços especializados e de linhas de cuidado na perspectiva da gestão estadual ou regional.
Como aponta Castellanos, a descrição e explicação de um problema ou situação de saúde não é independente de quem a descreve e da posição que o ator que está descrevendo ocupa numa determinado momento3838 Castellanos PL. Sobre el concepto de salud enfermedad. Bol Epidem OPS 1990; 10(4):1-7.. Como os processos de planejamento e programação são realizados em diferentes níveis de gestão do sistema ou mesmo de uma organização, também vão existir formas distintas de abordar um problema de saúde, seja pelos profissionais da clínica ou pelos gestores de unidades de saúde e dos diferentes níveis de gestão.
Assim, o uso e o aprimoramento de ferramentas de análise de problemas de saúde - como a metodologia de análise estratégica apresentada neste trabalho-- podem ampliar a articulação de diferentes conhecimentos da clínica, da epidemiologia e da gestão em saúde, auxiliando a organização de linhas de cuidado no âmbito regional.
Incluir nos processos de planejamento regionais a possibilidade de abordagem dos problemas de saúde a partir do agrupamento de casos pode contribuir para a definição de unidades de referência, para a articulação entre os serviços e os profissionais, e também para a pactuação prévia de responsabilidades e a definição de mecanismos de coordenação assistencial que sejam pertinentes para cada linha de cuidado.
No caso das malformações congênitas, uma abordagem em perspectiva muito ampla - sem a identificação de grupos de casos para desenho de linhas de cuidado - não contribuiria para uma adequada definição do perfil assistencial e a identificação de centros de referência. Por outro lado, a sua excessiva decomposição (como por patologias) poderia gerar a estruturação de fluxos tão específicos que perderiam de vista a otimização de recursos na rede e a integração do cuidado que a concentração e o agrupamento dos casos podem proporcionar. Sem definição dos grupos de caso, possivelmente não se concentraria um volume mínimo de atendimento por ponto de atenção, o que impacta positivamente na qualidade do cuidado de algumas malformações congênitas, como as de abordagem cirúrgica2828 Binsfeld L, Gomes MASM, Kuschnir R. Malformações congênitas de abordagem cirúrgica imediata no estado do Rio de Janeiro, Brasil: análise para a organização do cuidado em rede. Cad Saude Publica 2022; 38(2):e00109521.,3939 Sacks GD, Ulloa JG, Shew SB. Is there a relationship between hospital volume and patient outcomes in gastroschisis repair? J Pediatr Surg 2016; 51(10):1650-1654..
Assim, acredita-se que os processos de planejamento e programação no âmbito das redes de atenção, para que alcance maior efetividade na organização dos serviços de saúde, precisam considerar a forma como são definidos, descritos e abordados os problemas de saúde em cada nível de atenção e espaço de gestão do sistema de saúde.
A análise estratégica, no entanto, ao decompor uma realidade complexa em subconjuntos, pode fazer também com que se percam de vista as interfaces e conexões deste problema com outras áreas de atenção e políticas setoriais. Por esse motivo, foram adicionados dois elementos que surgiram durante o trabalho de análise estratégica: políticas de saúde e temas relacionados.
No caso das malformações congênitas, essa interface ocorre com iniciativas que estão no nível das políticas de saúde - condições crônicas complexas em crianças e adolescentes, doenças raras - e no nível da organização e ampliação de estratégias de cuidado e práticas assistenciais, como atenção domiciliar, cuidados paliativos e suporte à família4040 Moreira MCN, Albernaz LV, Sá MRC, Correia RF, Tanabe RF. Recomendações para uma linha de cuidados para crianças e adolescentes com condições crônicas complexas de saúde. Cad Saude Publica 2017; 33(11):e00189516.,4141 Pinto M, Madureira A, Barros LBP, Nascimento M, Costa ACC, Oliveira NV, Albernaz L, Campos DS, Horovitz DDG, Martins AJ, Moreira MCN. Cuidado complexo, custo elevado e perda de renda: o que não é raro para as famílias de crianças e adolescentes com condições de saúde raras. Cad Saude Publica 2019; 35(9):e00180218..
Com isso, busca-se destacar que a elaboração de uma proposta de organização de serviços e linhas de cuidado, independente do problema/condição de saúde ou nível do sistema em que for elaborada, precisa identificar as interfaces e promover um diálogo com diferentes áreas e disciplinas, ampliando a articulação entre assistência e gestão.
Por fim, destaca-se que a análise estratégica se mostrou adequada e permitiu identificar agrupamentos de casos que demandam um conjunto homogêneo de estratégias assistenciais e serviços de saúde com perfil assistencial similar, contribuindo para organização da atenção às malformações congênitas. Tal forma de análise pode contribuir, particularmente, para pensar os processos de planejamento regional e no caso de problemas de saúde que se caracterizam como condições crônicas complexas e demandam a articulação de serviços especializados e de alta densidade tecnológica.
Assim, a utilização da análise estratégia e o agrupamento de casos para a elaboração de linhas de cuidado pode ser entendida também como um esforço de articulação de diferentes racionalidades (clínica, epidemiologia e planejamento/gestão) para garantir a integralidade na resposta aos problemas de saúde de uma população.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
07 Abr 2023 - Data do Fascículo
Abr 2023
Histórico
- Recebido
20 Jan 2022 - Aceito
03 Out 2022 - Publicado
05 Out 2022