Análise estratégica da atuação do governo federal brasileiro na pandemia de COVID-19: 2020-2021

Carmen Fontes Teixeira Jamilli Silva Santos Sobre os autores

Resumo

O objetivo é analisar a atuação do governo federal (GF) na pandemia de COVID-19 e identificar as tensões e conflitos entre atores e instituições dos três poderes e do GF com governadores estaduais. A produção de dados incluiu revisão de artigos, publicações e documentos que analisam a pandemia e registram pronunciamentos, decisões, ações, debates e controvérsias entre esses atores no período 2020-2021. Os resultados contemplam a análise do estilo de ação do ator central e dos conflitos entre a Presidência, Ministério da Saúde, Anvisa, governos estaduais, Câmara, Senado e Supremo Tribunal Federal, buscando correlacioná-los com os projetos políticos para a saúde em disputa na atual conjuntura. Conclui-se que o ator central utilizou largamente uma ação comunicativa dirigida a seus apoiadores e uma ação estratégica caracterizada pela imposição, coação e confronto nas relações que manteve com outros atores institucionais, sobretudo quando estes divergiram da sua visão acerca do enfrentamento da crise sanitária, coerentemente com sua vinculação ao projeto político ultra neoliberal e autoritário do GF, que inclui o desmonte do SUS.

Palavras-chave:
COVID-19; Poder Legislativo; Poder Judiciário; Governo federal; Sistema Único de Saúde

Introdução

A pandemia de COVID-19, considerada o maior desafio sanitário deste século11 Roser M, Ritchie H, Ortiz-Ospina E, Hasell J. Coronavirus Pandemic (COVID-19) [Internet]. 2020. [cited 2022 jan 30]. Available from: https://ourworldindata.org/coronavirus
https://ourworldindata.org/coronavirus...
, teve no Brasil uma das piores evoluções do mundo. Até o dia 30 de junho de 2021, entre os dez países mais populosos e as 15 maiores economias mundiais, o país ocupava o segundo lugar em óbitos acumulados (518.066, abaixo apenas dos EUA, com 604.598) e o primeiro em óbitos por milhão de habitantes (2.421), ultrapassando os EUA (1.816) o México (1.789), a Rússia (911) e Índia (287)22 Freitas CM, Pereira AMM, Machado CV. A resposta do Brasil à pandemia de COVID-19 em um contexto de crise e desigualdades. In: Freitas CM, Pereira AMM, Machado CV, organizadores. Políticas e sistemas de saúde em tempos de pandemia: nove países, muitas lições. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2022. p. 295-322..

O insucesso brasileiro no enfrentamento à pandemia está associado a uma multiplicidade de fatores, como a limitada governança nacional, a ausência de articulação entre setores e esferas de governo para o controle da epidemia, o ineficiente fortalecimento do sistema de saúde, a insuficiência das medidas de apoio social e econômico, além de lacunas na comunicação e diálogo entre autoridades nacionais e a sociedade33 Vieira FS, Servo LMS. COVID-19 e coordenação federativa no Brasil: consequências da dissonância federal para a resposta à pandemia. Saude Debate 2020; 44(Esp. 4):100-113.,44 Lima LD, Pereira AMM, Machado CV. Crise, condicionantes e desafios de coordenação do Estado federativo brasileiro no contexto da COVID-19. Cad Saude Publica 2020; 36(7):e00185220.. Acrescente-se, ainda, o protagonismo do presidente da república à frente da corrente negacionista, que minimizou a gravidade da pandemia, estimulando comportamentos inadequados, disseminando informações falsas e mantendo posição contrária às medidas de enfrentamento cientificamente embasadas e recomendadas pelos organismos sanitários internacionais55 Paim JS. A COVID-19, a atualidade da reforma sanitária e as possibilidades do SUS. IN: Santos A, Lopes LT, organizadoras. Reflexões e futuro. Brasília: CONASS; 2021. p. 310-324.

6 Silva LSS, Lima AFR, Polli DA, Razia PFS, Pavão LFA, Cavalcanti MAFH, Toscano CF. Medidas de distanciamento social para o enfrentamento da COVID-19 no Brasil: caracterização e análise epidemiológica por estado. Cad Saude Publica 2020; 36(9):e00185020.
-77 Calil GG. A negação da pandemia: reflexões sobre a estratégia bolsonarista. Serv Soc Soc 2021; 140:30-47.. Essa combinação configurou uma verdadeira tragédia, medida pelo excesso de casos e óbitos, pela deterioração das condições de vida de amplas parcelas da população e pela incerteza com relação ao futuro imediato22 Freitas CM, Pereira AMM, Machado CV. A resposta do Brasil à pandemia de COVID-19 em um contexto de crise e desigualdades. In: Freitas CM, Pereira AMM, Machado CV, organizadores. Políticas e sistemas de saúde em tempos de pandemia: nove países, muitas lições. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2022. p. 295-322..

A crise sanitária provocada pela pandemia de COVID-19 agudizou inclusive as crises econômica, política, social e ambiental em que o país mergulhou nos últimos anos55 Paim JS. A COVID-19, a atualidade da reforma sanitária e as possibilidades do SUS. IN: Santos A, Lopes LT, organizadoras. Reflexões e futuro. Brasília: CONASS; 2021. p. 310-324. e deu visibilidade a uma grave crise institucional no âmbito do governo federal (GF), expressa em tensões e conflitos no âmbito do Executivo e nas relações entre este poder, o Legislativo e o Judiciário, bem como em tensões e conflitos entre o GF e os governos estaduais, em um cenário de confrontação entre projetos políticos radicalmente opostos para a sociedade brasileira. Algumas análises apontam ainda que a crise do coronavírus é “parte integrante da totalidade da crise capitalista”, cuja implicação na área da saúde sob a gestão Bolsonaro contribuiu para o aumento do número de vítimas fatais e potencialização “da barbárie do capitalismo”88 Carnut L, Mendes A, Guerra L. Coronavirus, capitalism in crisis and the perversity of public health in Bolsonaro's Brazil. Int J Health Serv 2021; 51(1):18-30..

De fato, o antagonismo político entre os representantes do projeto ultra neoliberal, autoritário e conservador e as forças políticas e sociais que defendem um projeto democrático para a sociedade brasileira, embora já venha se configurando há várias décadas, atingiu seu ápice com o resultado das eleições de 201899 Souza Neto CP. Democracia em crise no Brasil: valores constitucionais, antagonismo político e dinâmica institucional. Saúde Paulo: Editora Contracorrente; 2020., expressando-se no desmonte de políticas públicas construídas anteriormente55 Paim JS. A COVID-19, a atualidade da reforma sanitária e as possibilidades do SUS. IN: Santos A, Lopes LT, organizadoras. Reflexões e futuro. Brasília: CONASS; 2021. p. 310-324.,1010 Giovanella L, Franco CM, Almeida PF. Política Nacional de Atenção Básica: para onde vamos? Cien Saude Colet 2020; 25(4):1475-1482., o que acirrou o enfrentamento entre atores políticos situados nas instituições governamentais e intensificou o embate entre o GF e organizações e entidades da sociedade civil em várias áreas de políticas públicas, como economia, educação, saúde, alimentação, meio ambiente e cultura.

Assim, entendendo o Estado como a “condensação material de uma relação de forças”1111 Poulantzas N. O Estado, o poder e o socialismo. Rio de Janeiro: Edições Graal; 1981., o objetivo desse trabalho é analisar a atuação do GF face à pandemia de COVID-19, buscando identificar as tensões e conflitos “internos” ao Executivo - Presidência, Ministério da Saúde (MS) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) - e Governos estaduais, bem como as tensões e conflitos do Executivo federal com os demais poderes do Estado (Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal - STF), tratando de relacionar tais conflitos à disputa pela hegemonia de distintos projetos políticos para a sociedade brasileira nesta conjuntura.

Trabalhamos com a hipótese de que as tensões e conflitos entre atores e instituições do poder Executivo, e destas com atores e instituições dos poderes Legislativo e Judiciário, são evidências de uma disputa entre projetos para a saúde, revelando o embate entre um projeto mercantilista ou liberal-conservador, que valoriza a atenção hospitalar e prevê a configuração de um Sistema Único de Saúde (SUS) “reduzido”55 Paim JS. A COVID-19, a atualidade da reforma sanitária e as possibilidades do SUS. IN: Santos A, Lopes LT, organizadoras. Reflexões e futuro. Brasília: CONASS; 2021. p. 310-324., e o projeto de democratização da saúde originário do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, que defende o direito universal à saúde, valoriza o SUS e propõe a organização da atenção integral à saúde da população.

Metodologia

Trata-se de uma análise estratégica da atuação do GF na pandemia, à luz da teoria da ação incorporada ao pensamento estratégico de Carlos Matus1212 Matus C. Estratégias políticas: chimpanzé, Maquiavel e Gandhi. São Paulo: Edições FUNDAP; 1996.,1313 Rivera FJ. Agir comunicativo e planejamento social (uma crítica ao enfoque estratégico). Rio de Janeiro: Fiocruz; 1995., tendo em vista a caracterização do “código de personalidade” do ator central (presidente da república), e a identificação das ações - comunicativa e estratégica - e meios que este ator utilizou nos embates com instituições governamentais, visando garantir a realização da sua vontade, o alcance dos seus objetivos políticos e a legitimação de sua posição de poder.

Segundo Matus1212 Matus C. Estratégias políticas: chimpanzé, Maquiavel e Gandhi. São Paulo: Edições FUNDAP; 1996., a base de estudo de um ator contempla a identificação das invariantes mais profundas que estão por trás do comportamento, invariantes que constituem o “código de personalidade” ou código operacional do ator, o qual constitui o espaço de variação de suas possíveis ações (ou jogadas). Em outras palavras, constitui o “estilo de ação” do ator, composto pelo conjunto de meios que ele aciona na relação com aliados e oponentes para garantir o alcance dos seus objetivos políticos: a imposição (por meio do uso da autoridade e da hierarquia), a persuasão (baseada na capacidade de sedução do líder), a negociação (buscando conciliar diversos interesses), a recompensa (estímulo econômico, atendimento de ambições de poder, reforço do ego etc.), mediação (por intermédio de terceiros), julgamento em tribunais (quando não se chega a um acordo), coação (mediante ameaças), confronto (medição de forças), dissuasão (exibição de força e demonstração da capacidade de usá-la) e guerra (medição violenta de forças).

A produção de informações foi feita por meio de revisão de artigos, publicações e documentos que analisam a evolução da pandemia e registram pronunciamentos, decisões, ações, debates e controvérsias entre os atores e as instituições governamentais, com foco nas relações internas do GF, e deste com os demais poderes do Estado (Quadro 1), no período entre janeiro de 2020, mês em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou emergência global pelo coronavírus, e junho de 2021, quando o Brasil registrou a marca de 500 mil óbitos por COVID-19.

Quadro 1
Representação esquemática da produção de dados e análise do material empírico, segundo fontes, tipos de documentos, atores abordados e categorias de análise.

Os documentos foram extraídos das fontes, classificados, conforme descrito no Quadro 1, coletados na íntegra e na sequência cronológica de publicação, lidos e resumidos. Os resumos foram processados em planilha Excel contendo: (1) evolução temporal da pandemia de COVID-19 no período do estudo; (2) ações do GF (Executivo, Presidência, MS e Anvisa); (3) ações dos governos estaduais; (4) ações do Congresso Nacional; e (5) ações do STF.

A análise das informações contemplou a caracterização do ator central e de sua ação comunicativa e estratégica com respeito à pandemia, tendo em vista o protagonismo que exerceu na deslegitimação das ações de enfrentamento, bem como a identificação dos temas controversos que geraram tensões e conflitos entre instituições do GF (Presidência, MS e Anvisa), e destas com os governadores, bem como as tensões e os conflitos entre a Presidência, o Congresso e o STF, que culminaram com a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19 no Senado. Em seguida, tratou-se de correlacionar o conteúdo de pronunciamentos, propostas, decisões e ações desses atores aos projetos políticos para a saúde em disputa na sociedade brasileira, buscando caracterizar o projeto ao qual a atuação do GF está vinculada e discutir as estratégias que vêm sendo utilizadas, por meio das redes de comunicação social e de atos do poder executivo, para a implementação desse projeto na atual conjuntura.

Resultados

Dada a intrincada rede de relações de poder entre diversos órgãos e setores governamentais, optamos por apresentar os resultados em dois momentos: a) uma breve caracterização do ator central e dos meios estratégicos que ele usou em sua ação política face à pandemia; b) principais focos de conflito e divergências entre o ator central (presidente) e as diversas instituições do GF e estaduais no curso da pandemia.

A ação comunicativa e estratégica do presidente (ator central)

Ainda que as informações coletadas e analisadas nesse trabalho se atenham a fatos percebidos a partir da observação direta da performance do ator central exibida na mídia, especialmente nas redes sociais, e mencionadas nas fontes estudadas (Quadro 1), é possível inferir o “estilo de ação” do presidente da república (gestão 2019-2022) e os meios estratégicos que utilizou durante a pandemia da COVID-191818 Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Boletim Observatório Covid-19. Um balanço da pandemia em 2020 [Internet]. 2021. [acessado 2021 mar 28]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/boletim_covid_edicao_especial_2021.pdf
https://portal.fiocruz.br/sites/portal.f...
,1919 Oswaldo Cruz (Fiocruz). Boletim Observatório Covid-19. Boletim extraordinário Parte 1 [Internet]. 2021. [acessado 2021 jul 28]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/boletim_covid_2021_extraordinario_junho_parte1.pdf
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, seja para angariar e manter o apoio de sua base social, seja para confrontar opiniões divergentes e posições contrárias aos seus pronunciamentos e decisões.

Nesse sentido, o primeiro aspecto a ser levado em conta é o “código de personalidade” desse ator central1212 Matus C. Estratégias políticas: chimpanzé, Maquiavel e Gandhi. São Paulo: Edições FUNDAP; 1996., cujas falas e posicionamentos nos diversos pronunciamentos públicos, ações e decisões formalizadas em decretos e portarias no âmbito do poder executivo1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31.,1515 Conectas Direitos Humanos, Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA), Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP). Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10. foram, ao longo do período analisado, o fator principal na eclosão de tensões e conflitos que envolveram distintas instituições governamentais e organizações da sociedade civil. O simples acompanhamento de declarações e entrevistas do presidente evidencia uma personalidade autoritária, moldada, provavelmente, no círculo familiar e cultural onde se formou (Forças Armadas), com traços de insubordinação e rebeldia (“Ninguém vai tolher meu direito de ir e vir”, declaração durante passeio que gerou aglomeração em Brasília durante a pandemia1515 Conectas Direitos Humanos, Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA), Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP). Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10.), além de manifestações de preconceitos e discriminação a minorias - mulheres, negros, quilombolas, indígenas etc., traços revelados, durante a pandemia, em pronunciamentos destituídos de empatia com as vítimas e seus familiares (sobre as mortes causadas pela COVID-19, em diferentes ocasiões, afirmou: “Eu não sou coveiro” 14:; “E daí? Lamento, quer que faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31.).

Com a eclosão da pandemia de COVID-19, logo se configurou uma divergência na concepção e na condução das ações governamentais entre o ator central e o ministro da saúde, desdobrada em uma série de tensões e conflitos entre o presidente e outros atores vinculados a instituições do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, bem como com governadores estaduais (“[...] de onde nasceu essa excrescência para dar poderes a governadores e prefeitos e nos prender dentro de casa, nos condenar à miséria, roubar milhões de empregos [...]?1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31.), utilizando, como meios estratégicos, a imposição, por meio dos dispositivos ao seu alcance, como a possibilidade de demitir e substituir ministros (“Eu sou comandante, presidente, para decidir, para chegar para qualquer ministro e falar o que está acontecendo [...]1515 Conectas Direitos Humanos, Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA), Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP). Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10.) e outros dirigentes de órgãos governamentais, coação e ameaças, veladas ou explícitas, contra outros atores, a exemplo de ministros do STF, configurando a opção pelo confronto com atores e instituições que contrariavam sua visão e seus interesses.

O fato é que o estilo de ação do presidente, marcado por uma ação comunicativa dirigida, por um lado, aos seus apoiadores, e por outro aos seus adversários políticos, vistos como “inimigos”, caracterizou-se pela negação da gravidade da pandemia (“Obviamente temos no momento uma crise, uma pequena crise. No meu entender, muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga pelo mundo todo”1515 Conectas Direitos Humanos, Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA), Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP). Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10.), pelo questionamento e negação das propostas e estratégias preconizadas pelas autoridades sanitárias internacionais (“Querem que eu decrete um lockdown nacional ou o lockdown regional, porque eu devo seguir a ciência [...] Diz à OMS que a única consequência do lockdown é transformar as pessoas pobres em mais pobres [...]1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31.), ao mesmo tempo em que aderia a propostas controversas (e posteriormente descartadas pela comunidade científica) de utilização de tratamentos ineficazes. Passando da fala às decisões políticas e medidas administrativas, a Presidência emitiu decretos e portarias que tratavam de dar concretude a essas propostas, intensificando, ao longo do período, tensões e conflitos com vários outros atores e instituições1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31.,1515 Conectas Direitos Humanos, Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA), Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP). Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10., descritos a seguir.

Tensões e conflitos entre o ator central e atores e instituições governamentais

Em função de seu “código de personalidade”1212 Matus C. Estratégias políticas: chimpanzé, Maquiavel e Gandhi. São Paulo: Edições FUNDAP; 1996. e da vinculação ao projeto político da coalização que o colocou no poder, o presidente acionou, predominantemente, imposição, coação e ameaças nos conflitos que protagonizou com atores e instituições governamentais. Os principais conflitos entre Presidência, MS, Anvisa, governos estaduais, Câmara, Senado e STF incluíram, além das diferenças de concepção acerca da gravidade da crise sanitária, tensões relativas à definição das ações de distanciamento social, indicação do uso de máscara e tratamento medicamentoso precoce, alocação e mecanismos de repasse de recursos financeiros do GF aos estados e municípios para a compra de equipamentos, medicamentos e insumos materiais necessários à implementação de ações de assistência aos doentes e de prevenção e controle da pandemia, bem como o conflito em torno da adoção de medidas de suporte social às populações vulnerabilizadas em função da crise econômica agudizada pela pandemia e ao desenvolvimento da vacinação contra a COVID-19.

As divergências no interior do GF ocorreram logo no início da pandemia, quando as relações entre o presidente e o ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, ficaram tensas, na medida em que este tratou de implementar estratégias de contenção do avanço da pandemia, a exemplo da comunicação social diária, com estímulo à adoção de práticas de higiene pessoal, orientação sobre distanciamento social, além de crítica ao tratamento medicamentoso precoce. Tais ações iam de encontro à postura negacionista do presidente, (“Caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho”1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31.), que contrariou e ameaçou as autoridades sanitárias internacionais1717 Massuda A, Tasca RA. Resposta dos sistemas de saúde à COVID-19: breve análise sobre o SUS. In: Santos A, Lopes LT, organizadoras. Principais elementos. Brasília: CONASS; 2021. p. 78-95 (“Ou a OMS realmente deixa de ser uma organização política, até partidária, pode-se dizer, ou nós estudamos sair de lá”1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31.). Tal postura o colocou, inclusive, como alvo de críticas e repúdio em todo o mundo civilizado2424 Ribeiro W. Bolsonaro foi criticado por 25 veículos internacionais relevantes durante a pandemia [Internet]. Poder 360. 2020. [acessado 2022 jun 10]. Disponível em: https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-foi-criticado-por-25-veiculos-internacionais-relevantes-durante-pandemia/
https://www.poder360.com.br/governo/bols...
, a ponto de ter sido denunciado no Tribunal Internacional de Haia2525 Gortázar NG. Bolsonaro é denunciado por genocídio em Haia, em processo guiado por advogado indígena [Internet]. El País Brasil. 2021. [acessado 2022 jun 10]. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-08-09/bolsonaro-e-denunciado-por-genocidio-em-haia-em-processo-guiado-por-advogado-indigena.html
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-08...
, especialmente pela ação considerada genocida com relação aos povos indígenas.

Esse conflito levou à demissão do ministro, em 16 de abril de 2020, sucedido por breve tempo pelo médico oncologista Nelson Teich, e conduziu à indicação, no dia 15 de maio do mesmo ano, do general Eduardo Pazuello ao MS. Alinhado à Presidência, o general chegou a afirmar que “um manda, outro obedece”1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31., e passou a gerir o MS conforme suas orientações, permitindo o tratamento de pacientes com COVID-19 com cloroquina e hidroxicloroquina e restringindo a divulgação dos dados diários da pandemia1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31.,1515 Conectas Direitos Humanos, Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA), Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP). Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10.. Promoveu ainda a ocupação militar da pasta, substituindo profissionais de carreira por militares de diversas patentes em cargos de segundo e terceiro escalão2020 Gonçalves LA. Mais um ministério de farda: coronavírus e militarismo, a dupla carga epidêmica sobre a Saúde. Physis 2020; 30(4):e300401., o que fragilizou o papel do MS como dirigente nacional do SUS durante a crise sanitária33 Vieira FS, Servo LMS. COVID-19 e coordenação federativa no Brasil: consequências da dissonância federal para a resposta à pandemia. Saude Debate 2020; 44(Esp. 4):100-113..

Além das tensões e acomodações nas relações entre a Presidência e o MS, observaram-se, em 2020, divergências entre a posição do presidente, frequentemente flagrado sem máscara e defendendo a hidroxocloroquina1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31.,1515 Conectas Direitos Humanos, Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA), Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP). Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10., e a Anvisa, uma vez que a agência orientou a confecção e o uso de máscaras, destacou a inexistência de alternativas terapêuticas para a COVID-19, apontando inclusive aumento expressivo, em 2021, das notificações de eventos adversos relacionados ao uso dos remédios do “kit COVID”. A agência aprovou, ainda, o uso emergencial das vacinas contra a COVID-19 (AstraZeneca/Oxford e Coronavac) frequentemente criticadas pelo presidente, que levantou dúvidas sobre sua segurança e eficácia, afirmando “Se você virar um jacaré, é problema de você (sic) […] não pretendo tomar vacina”1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31.. Também houve tensões entre o MS e a Anvisa quando esta constatou ter havido fornecimento de máscaras impróprias a profissionais que atuavam no atendimento a pessoas hospitalizadas com COVID-191515 Conectas Direitos Humanos, Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA), Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP). Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10., tendo o MS se recusado a recolher os produtos e a substituí-los, continuando o envio de máscaras não indicadas para uso hospitalar.

As tensões entre os níveis de governo ficaram evidentes quando os entes subnacionais aderiram às medidas sanitárias orientadas pela comunidade científica, promovendo a proibição de eventos com aglomeração, fechamento das unidades de ensino e restrição da circulação de pessoas66 Silva LSS, Lima AFR, Polli DA, Razia PFS, Pavão LFA, Cavalcanti MAFH, Toscano CF. Medidas de distanciamento social para o enfrentamento da COVID-19 no Brasil: caracterização e análise epidemiológica por estado. Cad Saude Publica 2020; 36(9):e00185020., além de manifestarem posição contrária às declarações negacionistas e anticientíficas do presidente e às ações do MS a ele alinhadas1616 Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Notas oficiais do CONASS [Internet]. 2021. [acessado 2021 jul 14]. Disponível em: https://www.conass.org.br/category/notas-conass/
https://www.conass.org.br/category/notas...
. Sobre o “kit COVID”, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) emitiu nota de repúdio, alertando que as “Orientações do MS para tratamento medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da COVID-19” era “unicamente responsabilidade do MS”, tendo sido proposto “sem participação técnica e pactuação tripartite”, reafirmando posição de “pautar-se, sempre, pelo respeito às melhores evidências científicas”1616 Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Notas oficiais do CONASS [Internet]. 2021. [acessado 2021 jul 14]. Disponível em: https://www.conass.org.br/category/notas-conass/
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.

Divergências também ocorreram entre o GF e o Legislativo quando o presidente vetou dispositivos da Lei 14.019, de 2 de julho de 2020, que instituía a obrigatoriedade do uso de máscaras em ambientes diversos, porém o Legislativo reagiu e derrubou o veto presidencial, mantendo o disposto na Lei1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31..

O GF também questionou a competência de estados e municípios para adotar medidas contra a COVID-19, competência reafirmada pelo STF1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31.,1515 Conectas Direitos Humanos, Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA), Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP). Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10., que estabeleceu um freio à postura autoritária do presidente, que pretendia punir governadores que adotaram o distanciamento social, com fechamento de escolas, templos religiosos, comércio etc., tentando responsabilizá-los pelos possíveis efeitos negativos dessas medidas para a economia: “Eu gostaria que todos voltassem a trabalhar, mas quem decide isso não sou eu, são os governadores e prefeitos”1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31. e “Agora está vindo uma onda de desemprego enorme aí. Informais e o pessoal formal também. Não queiram colocar no meu colo. Compete aos governadores a solução desse problema”1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31..

O primeiro conflito sobre medidas de proteção social envolveu o valor do auxílio emergencial a ser disponibilizado a pessoas comprovadamente sem renda por conta do desemprego, que aumentou substancialmente na pandemia. A proposta inicial do Ministério da Economia previa o valor de R$ 200,00, porém, após pressão do Congresso o valor foi aumentado para R$ 600,001414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31.. Também houve discordâncias quanto à extensão do prazo de fornecimento do auxílio e do valor a ser disponibilizado em 20211515 Conectas Direitos Humanos, Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA), Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP). Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10..

Novo embate envolveu o Projeto de Lei nº 1.142, de 2020, que tratava das medidas de proteção social para prevenção do contágio e da disseminação da COVID-19 nos territórios indígenas. O presidente sancionou a Lei 14.021 sobre o tema em 7 de julho do mesmo ano, com veto a 22 dispositivos, que foi derrubado um mês depois1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31..

Destaca-se o embate em torno do Projeto de Lei 1.826, que dispunha sobre compensação financeira a ser paga pela União aos profissionais e trabalhadores de saúde que, por terem atendidos pacientes acometidos pela COVID-19, tornaram-se incapacitados para o trabalho. Este projeto foi vetado integralmente pelo presidente, porém o veto foi rejeitado pelo Congresso Nacional em 26 de março de 20211414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31..

Outro conflito envolveu o “Plano de enfrentamento da COVID-19 junto aos povos indígenas”, considerado genérico pelo STF, em ação requerida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB, sendo determinado então, pela corte, que o governo apresentasse nova versão do documento1515 Conectas Direitos Humanos, Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA), Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP). Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10..

O início da campanha de vacinação acirrou as tensões inter-federativas, primeiro com o governo de São Paulo, pelo atraso na aquisição de doses da vacina CoronaVac e o questionamento da sua eficácia1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31.. O presidente comemorou a suspensão dos testes da CoronaVac, afirmando em postagem na internet: “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria quer obrigar todos os paulistanos a tomá-la [sic]”1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31., e ainda disse que “a vacina jamais poderia ser obrigatória”1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31.. Em contraponto, o CONASS solicitou ao MS a incorporação ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) das vacinas para COVID-19 produzidas pelo Instituto Butantan, assim como daquelas produzidas e testadas por outras indústrias, que possuíssem eficácia, segurança e produção disponível para vacinação da população brasileira1616 Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Notas oficiais do CONASS [Internet]. 2021. [acessado 2021 jul 14]. Disponível em: https://www.conass.org.br/category/notas-conass/
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O Plano Nacional de Vacinação contra a COVID-19 apresentado pelo GF em dezembro de 20201818 Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Boletim Observatório Covid-19. Um balanço da pandemia em 2020 [Internet]. 2021. [acessado 2021 mar 28]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/boletim_covid_edicao_especial_2021.pdf
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ao STF também foi alvo de polêmicas, por apresentar várias inconsistências técnicas e operacionais, a exemplo da falta de definição dos grupos prioritários para vacinação e sobre o processo de produção ou aquisição das vacinas2121 Fonseca EM, Shadlen KC, Bastos FI. The politics of COVID-19 vaccination in middle-income countries: lessons from Brazil. Soc Sci Med 2021; 281:114093.. Além disso, constatou-se que o plano não apresentava o aval de pesquisadores e técnicos cujos nomes foram incluídos sem a anuência dos mesmos, o que configurou falta de ética e tentativa fraudulenta de legitimação.

Quanto ao financiamento das ações de enfrentamento à pandemia, logo no início de março de 2020, governadores e secretários estaduais de saúde, por intermédio do CONASS, solicitaram ao MS o crédito extraordinário de R$ 1 bilhão, a ser agregado aos R$ 134 bilhões previstos na Lei Orçamentária Anual, pressão que resultou no remanejamento de R$ 5 bilhões do orçamento da saúde, provenientes de emendas parlamentares individuais e coletivas, que estavam destinadas ao Fundo Nacional de Saúde e passaram a compor a ação orçamentária de enfrentamento à pandemia1616 Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Notas oficiais do CONASS [Internet]. 2021. [acessado 2021 jul 14]. Disponível em: https://www.conass.org.br/category/notas-conass/
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A tensão em torno dos repasses de recursos federais aos estados continuou e motivou acusação por secretário do MS de que “Secretários de Saúde falseavam dados sobre óbitos decorrentes da COVID-19 em busca de mais orçamento”1616 Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Notas oficiais do CONASS [Internet]. 2021. [acessado 2021 jul 14]. Disponível em: https://www.conass.org.br/category/notas-conass/
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, atitude que motivou nota pública do CONASS, assinada por 19 governadores, repudiando a acusação e manifestando preocupação com o uso de instrumentos de comunicação oficial para difundir informações distorcidas, gerar interpretações equivocadas e atacar governos locais1616 Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Notas oficiais do CONASS [Internet]. 2021. [acessado 2021 jul 14]. Disponível em: https://www.conass.org.br/category/notas-conass/
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Em 2021, o Projeto de Lei Orçamentária Anual proposto pelo Executivo federal, de acordo com deliberações tomadas no Ministério da Economia, reduziu o volume de recursos destinados à saúde, mantendo o subfinanciamento, ou melhor, o desfinanciamento do SUS, apesar da crise sanitária e da perspectiva de novas ondas da pandemia de COVID-19.

Em virtude dessa descoordenação federativa44 Lima LD, Pereira AMM, Machado CV. Crise, condicionantes e desafios de coordenação do Estado federativo brasileiro no contexto da COVID-19. Cad Saude Publica 2020; 36(7):e00185220., vários estados trataram de estabelecer mecanismos de cooperação horizontal, a exemplo do Consórcio Nordeste2222 Fernandez M, Pinto HA. Estratégia intergovernamental de atuação dos estados brasileiros: o Consórcio Nordeste e as políticas de saúde no enfrentamento à COVID-19. Saude Redes 2020; 6(Supl. 2):7-21., cabendo também destaque à atuação do CONASS, do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), da Confederação Nacional dos Municípios e do Fórum Nacional de Governadores, que se posicionaram em defesa do incremento financeiro no orçamento do MS para o fortalecimento do SUS1616 Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Notas oficiais do CONASS [Internet]. 2021. [acessado 2021 jul 14]. Disponível em: https://www.conass.org.br/category/notas-conass/
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. Esse desarranjo federativo impactou negativamente o enfrentamento da pandemia, porém fortaleceu a atuação dos entes subnacionais no controle da COVID-19 em seus territórios.

As divergências relativas aos repasses financeiros entre as instâncias federativas também chegaram ao STF, que determinou que fossem analisados os pedidos de habilitação de novos leitos de UTI apresentados pelos estados ao MS, exigindo ainda o reestabelecimento dos leitos destinados ao tratamento da COVID-19 custeados pelo MS até dezembro de 2020, de forma proporcional às outras unidades federativas que tiveram leitos reduzidos nos meses de janeiro e fevereiro de 20211414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31..

Embates entre os entes federados também ocorreram em virtude do repasse de equipamentos, medicamentos e insumos materiais para as ações de enfrentamento à pandemia aos estados e municípios, a exemplo de medicamentos do kit de intubação e do episódio da falta de oxigênio na “Crise de Manaus”, em janeiro de 2021, sob a gestão de Pazuello, cuja saída do MS foi solicitada pela Confederação Nacional dos Municípios. Por ocasião dessa crise, o STF deferiu medida cautelar determinando que o GF promovesse “imediatamente todas as ações ao seu alcance para debelar a seríssima crise sanitária instalada em Manaus”1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31., expressando forte crítica ao desempenho do ministro.

Finalmente, cabe destacar que os conflitos entre o Executivo federal e o Legislativo reverberaram também no STF, ao passo que a corte determinou, em abril de 2021, que o Senado adotasse as providências necessárias para a instalação de CPI para apurar eventuais omissões do GF no enfrentamento da pandemia, ocasião em que o presidente atacou pessoalmente o ministro Luís Roberto Barroso nas redes sociais, afirmando “falta-lhe coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política”1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31..

A instauração da CPI da COVID no Senado ocorreu em 27 de abril de 2021 e foi o ponto culminante das tensões anteriormente apresentadas. A comissão tinha como finalidade apurar as “ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento da pandemia da COVID-19 no Brasil” 23. Após quase seis meses de trabalho, concluiu que “o Governo Federal foi omisso e optou por agir de forma não técnica e desidiosa no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, expondo deliberadamente a população a risco concreto de infecção em massa”2323 Senado Federal. CPI da pandemia. Relatório Final [Internet]. 2021. [acessado 2022 jan 17]. Disponível em: https://download.uol.com.br/files/2021/10/2954052702_relatorio_final_cpi_covid.pdf
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. Assim, a comissão analisou e sistematizou um conjunto de evidências que se somaram às indicadas anteriormente pelo CEPEDISA1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31., que revelou, a partir do mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à COVID-19 no Brasil, a execução de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo GF sob a liderança da Presidência da República.

Discussão

A atuação do GF face à pandemia de COVID-19 deveria, em tese, ter sido pautada pelo disposto no arcabouço jurídico-normativo do SUS (Constituição Federal, Leis 8.080 e 8.142/90) e, especificamente, nas normas e portarias que regem as ações de vigilância e controle de epidemias e pandemias, como consta do Plano de Resposta às Emergências em Saúde Pública2626 Brasil. Ministério da saúde (MS). Secretaria de vigilância em saúde. Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Plano de Resposta às Emergências em Saúde Pública. Brasília: MS; 2014. e na Política Nacional de Vigilância em Saúde2727 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Conselho Nacional de Saúde (CNS). Resolução MS/CNS nº 588, de 12 de julho de 2018. Política Nacional de Vigilância em Saúde. Diário Oficial da União 2018; 13 ago., o que não aconteceu. Apesar desses documentos expressarem o avanço técnico-científico, organizacional e gerencial da área de vigilância em saúde (VS) no SUS, em consonância com as propostas da saúde pública internacional, seu conteúdo não pautou a ação do GF no enfrentamento da pandemia no Brasil.

Pelo contrário, com base na análise da atuação do presidente da república durante a pandemia, pode-se afirmar que tais normas foram sistematicamente ignoradas, na medida em que este ator adotou um discurso e uma prática, um “estilo de ação”, contrário às recomendações das autoridades sanitárias nacionais e internacionais. Essa opção, em parte, pode ser compreendida em função da “personalidade autoritária” do ator central, que implicou o afastamento do ministro da saúde que tentou direcionar o enfrentamento da pandemia segundo tais recomendações, colocando em seu lugar um subordinado obediente, que se dobrou ao negacionismo da gravidade da crise sanitária e protelou a adoção de medidas de enfrentamento, como foi o caso da compra das vacinas. Além disso, o presidente lançou mão de uma estratégia de confronto aberto com governadores estaduais que adotaram as medidas de contenção da pandemia, valendo-se, inclusive, de ameaças, dirigidas também a outros órgãos do governo central, como o STF, e tentativas de coação do corpo técnico de agências federais, como no caso da Anvisa.

A análise das tensões e dos conflitos que marcaram as relações entre o GF e as demais instituições governamentais envolvidas na implementação de medidas de enfrentamento à pandemia revela uma série de divergências que, a nosso ver, não decorrem apenas das características da “personalidade” e do “estilo de ação” do ator central, mas sim de um projeto ultra neoliberal adotado pelas forças que apoiaram o GF no período 2020-2021. Estas investem na redução do papel do Estado, no desfinanciamento de políticas sociais e na transformação do SUS em um “SUS reduzido”55 Paim JS. A COVID-19, a atualidade da reforma sanitária e as possibilidades do SUS. IN: Santos A, Lopes LT, organizadoras. Reflexões e futuro. Brasília: CONASS; 2021. p. 310-324.. Nesse sentido, confrontam-se com o projeto racionalizador assumido pelos governadores, que implementaram medidas relativas a restrição da circulação de pessoas, comunicação social para mobilizar a população a aderir às medidas sanitárias e estruturação do SUS para o aten dimento dos casos, buscando garantir o acesso da população à assistência de saúde e subsistência no contexto da pandemia, produzindo assim um redirecionamento conjuntural da política de saúde.

Pelo exposto, contata-se que a atuação do GF na crise sanitária (2020-2021) inscreve-se no projeto maior de desmonte do SUS55 Paim JS. A COVID-19, a atualidade da reforma sanitária e as possibilidades do SUS. IN: Santos A, Lopes LT, organizadoras. Reflexões e futuro. Brasília: CONASS; 2021. p. 310-324., o qual, encarnado na política econômica, pautou os pronunciamentos do ator central, que, em nome da “defesa da economia”, rechaçou a adoção de medidas como o fechamento de estabelecimentos e o controle da mobilidade social. Por conta disso, evidenciou-se o conflito com o então ministro da saúde77 Calil GG. A negação da pandemia: reflexões sobre a estratégia bolsonarista. Serv Soc Soc 2021; 140:30-47., substituído, em sequência, por um aliado “fiel” que, apesar de posteriormente deixar o MS em meio às denúncias de incompetência e malversação de recursos, manteve o apoio do presidente a quem serviu.

A análise da sequência de tensões e conflitos descrita anteriormente corrobora essa observação, ainda que não tenhamos tido acesso aos bastidores das conversações mantidas entre o presidente e seus assessores diretos, seu “Estado maior”, composto não só pelos dirigentes que assumiram cargos no GF, mas também seus filhos e assessores integrantes do “gabinete paralelo”2323 Senado Federal. CPI da pandemia. Relatório Final [Internet]. 2021. [acessado 2022 jan 17]. Disponível em: https://download.uol.com.br/files/2021/10/2954052702_relatorio_final_cpi_covid.pdf
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, responsável pela difusão dos seus pronunciamentos nas redes sociais, com o intuito de manter sua base de apoio, utilizando a manipulação da opinião pública por meio de fake news.

Com base nessas evidências e nos achados de outros estudos sobre a direcionalidade da ação do ator central do GF na conjuntura pandêmica77 Calil GG. A negação da pandemia: reflexões sobre a estratégia bolsonarista. Serv Soc Soc 2021; 140:30-47.,1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31.,1515 Conectas Direitos Humanos, Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA), Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP). Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10., podemos afirmar que o projeto político ultra neoliberal e autoritário em execução no país, que visa “combater os traços sociais-democratas de governos anteriores”2828 Bahia L, Cardoso AM. Saúde em tempos de hiperajuste fiscal, restrição à democracia e obscurantismo. In: Pochmann M, Azevedo JSG, organizadores. Brasil: incertezas e submissão? São Paulo: Fundação Perseu Abramo; 2019. p. 251-269., adotou uma perspectiva inspirada na “necropolítica”2929 Mbembe A. Necropolítica. São Paulo: n-1 edições; 2018., considerando amplos contingentes da população, especialmente pobres, negros, quilombolas e comunidades indígenas, como “dispensáveis”, cujas mortes não despertaram empatia nem solidariedade para com as famílias enlutadas.

Essa perspectiva é, de certa forma, coerente com a intenção de fortalecer um “Estado de contenção social ou penal”, um “Estado policial”, resultante do fortalecimento dos aparelhos repressivos, sobretudo dos órgãos de segurança pública (polícias Militar e Civil), e setores das Forças Armadas que, acenando para a necessidade de combater o “inimigo interno”, tratam de intensificar a intervenção sobre as liberdades civis e os direitos humanos e ameaçam a democracia no país99 Souza Neto CP. Democracia em crise no Brasil: valores constitucionais, antagonismo político e dinâmica institucional. Saúde Paulo: Editora Contracorrente; 2020..

Assim, a opção do GF pela inação no enfrentamento à COVID-19, caracterizada por sua postura anticientífica e negacionista da gravidade da pandemia, pelo distanciamento do MS de seu papel de dirigente nacional do SUS, pelo confronto e descoordenação intergovernamentais, revelou uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo GF sob a liderança da Presidência da República1414 Ventura DFL, Reis R. A linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil 2021; 10:6-31.,2323 Senado Federal. CPI da pandemia. Relatório Final [Internet]. 2021. [acessado 2022 jan 17]. Disponível em: https://download.uol.com.br/files/2021/10/2954052702_relatorio_final_cpi_covid.pdf
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. Essas ações, somadas aos ataques ao SUS, acirrados a partir de 2013 pelas políticas de austeridade fiscal, sobretudo a partir da Emenda Constitucional 95, sinalizam a vinculação do GF a um projeto mais radical do que o “mercantilista” ou o “liberal-conservador”, na medida em que aprofundam a desconstrução do SUS e o desmonte de políticas de saúde consolidadas, apontando para um cenário em que o SUS se torne incapaz de resistir às estratégias de expansão do capital no setor, que acentuam a apropriação privada dos recursos públicos e a expropriação do direito à saúde da população.

Considerações finais

A análise estratégia da ação do presidente da república no contexto da pandemia evidencia que ele utilizou largamente uma ação comunicativa dirigida a seus apoiadores e uma ação estratégica caracterizada por imposição, coação e confronto nas relações que manteve com outros atores institucionais, principalmente quando esses divergiram da sua visão acerca do enfrentamento da crise sanitária. Ainda que sua performance possa parecer errática, por conta do seu estilo intempestivo e de seu linguajar tosco, a análise de suas falas e decisões, articulada à análise do projeto político que representa, revela grande coerência interna, uma estratégia que, aproveitando certas “oportunidades” produzidas pela crise sanitária, tratou de desmontar políticas econômicas, sociais e culturais adotadas em períodos anteriores. No caso da saúde, isso significou aprofundar o “golpe do capital”3030 Teixeira CFS, Paim JS. A crise mundial de 2008 e o golpe do capital na política de saúde no Brasil. Saude Debate 2018; 42 (Esp. 2):11-21. no SUS, radicalizado, inclusive, pela omissão e atrasos, sabotagem e boicote das medidas sanitárias necessárias ao enfrentamento da pandemia, que resultou em mais de meio milhão de mortos pela COVID-19 no período estudado, e que, todavia, permanece como ameaça à vida e à saúde de milhões de brasileiros.

Considerando a complexidade da análise das relações de poder entre diversos atores e instituições governamentais, é importante ressaltar a necessidade de que sejam realizados outros estudos que possam aprofundar a análise, não só da ação do ator central, mas do papel desempenhado pela equipe de assessores diretos e indiretos, que certamente compartilharam de sua intimidade e influenciaram suas decisões. Nessa perspectiva, alguns temas que tangenciaram nosso estudo também merecem aprofundamento, como é o caso do fortalecimento do setor privado na saúde, intensificado no período da pandemia, por meio de fusões e aquisições de empresas médico-hospitalares, e, no sistema público, pela reprodução do modelo médico assistencial hospitalocêntrico e expansão da privatização da gestão dos serviços.

Também é necessário inserir a questão do direito à saúde e a discussão sobre o futuro do SUS nos debates a respeito dos projetos para a sociedade brasileira e para a reconstrução do Estado, tendo em vista as possibilidades de mudança com as eleições de 2022 e, a depender do seu resultado, dos horizontes que se desenharão em 2023, de modo a se retomar o curso de um processo político que tenha como pressupostos a defesa dos direitos e a consolidação da democracia brasileira.

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  • Financiamento

    Apoio financeiro para a tradução do manuscrito para a língua inglesa: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Maio 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2022
  • Aceito
    14 Out 2022
  • Publicado
    16 Out 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br