Em 2001, o Ministério da Saúde promulgou a PNRMAV, incorporando oficialmente o tema da violência entre as questões que conformam o arcabouço do setor saúde. Hoje essa Política faz 22 anos11 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Violência. Brasília: MS; 2001.. Ela foi antecedida por decisões da Assembleia Mundial de Saúde de 199622 World Health Organization (WHO). Violence: a public health priority. Geneve: WHO; 1996., que pela primeira vez consagrou o tema como prioritário; e precedeu o Relatório Global sobre Violência e Saúde de 200233 World Health Organization (WHO). World Report on Violence and Health. Geneve: WHO; 2002., o mais completo diagnóstico sobre o tema.
A história da PNRMAV está calcada na realidade brasileira. O Brasil é um país socialmente violento. As mortes por essa causa ocupam hoje o terceiro lugar no ranking da mortalidade geral e o sétimo na de morbidade. O rastro de dor, sofrimento e as consequências negativas dos óbitos, dos traumas e das lesões físicas e emocionais diminuem a qualidade de vida não só dos familiares e amigos, mas se ampliam e drenam a energia da sociedade para o medo, a raiva e a depressão; e têm custo econômico direto e indireto altíssimo, estimado em 6% do PIB44 Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas da violência. Rio de Janeiro: IPEA/FBSP; 2019.. A desigualdade, nosso mal secular e estruturante, se alimenta da violência e conflui para sua reprodução.
Epistemologicamente, embora a violência seja um problema milenar e esteja na gênese da humanidade (uma das primeiras histórias da Bíblia é a morte de Abel por Caim), a incorporação do tema ao campo da saúde é recente e resiste à mentalidade biomédica que ainda tende a vê-la como objeto da Polícia e da Justiça. Os profissionais da área, no entanto, sabem que as consequências das lesões e traumas físicos e mentais desaguam sobre o sistema, exigindo serviços especializados e de custos elevados.
A PNRMAV foi construída dentro do Ministério da Saúde, e discutida de forma interdisciplinar e interprofissional em seminário que reuniu pessoas do país inteiro preocupadas com a morbimortalidade por violência: profissionais de saúde, entre eles médicos que trabalham em serviços pré-hospitalares, emergências, hospitais e reabilitação, psicólogos, psiquiatras, sanitaristas, enfermeiros, assistentes sociais, pesquisadores e representantes da sociedade civil. Ela é, pois, um instituto democrático, ancorado nos conceitos de promoção da saúde, de qualidade de vida, de paz e de proteção individual e coletiva.
Embora a PNRMAV convoque toda a sociedade a refletir, compreender e atuar sobre o problema, ela ressalta em alto e bom som que a violência faz mal à saúde. Pois ela só mata menos do que as enfermidades cardiovasculares e o câncer. E pode e deve ser prevenida. Por isso, traça sete diretrizes para o setor: (1) promover comportamentos e ambientes seguros e saudáveis; (2) monitorar a ocorrência de acidentes e violências; (3) sistematizar, ampliar e consolidar o atendimento pré-hospitalar; (4) assistir interdisciplinar e intersetorialmente as vítimas de agressões e traumas; (5) estruturar e consolidar os serviços de recuperação e reabilitação; (6) capacitar os profissionais para atuarem; e (7) apoiar o desenvolvimento de estudos e pesquisas sobre o tema.
Apesar das evidências empíricas dos efeitos da violência sobre o setor, ainda são deficientes os investimentos na formação dos profissionais e nas estratégias de prevenção e ação sobre os contextos, as causas e as condutas que a provocam, assim como de reabilitação dos sobreviventes e familiares. Polícia, justiça, saúde e educação precisam atuar em colaboração, aliadas à sociedade civil, agindo sobre as causas estruturais, como o racismo e as desigualdades de gênero, que alimentam a exclusão, os preconceitos e outras violências.
A PNRMAV é uma política jovem que precisa se consolidar. Muitos passos foram dados nessa direção. Mas, no último governo, ela foi ignorada e desmantelada. É preciso que a gestão atual a retome com toda a dedicação possível e mostre seu compromisso com a promoção da vida e da paz no país!
Referências
- 1Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Violência. Brasília: MS; 2001.
- 2World Health Organization (WHO). Violence: a public health priority. Geneve: WHO; 1996.
- 3World Health Organization (WHO). World Report on Violence and Health. Geneve: WHO; 2002.
- 4Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas da violência. Rio de Janeiro: IPEA/FBSP; 2019.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
29 Maio 2023 - Data do Fascículo
Jun 2023