Comer bem é também garantir a segurança nutricional

Miryam de Souza Minayo Sobre o autor

A importância do comer bem é o tema central desta edição. Os impactos dos padrões de alimentação na saúde e na qualidade de vida das populações nas diferentes fases da vida são tratados sob diferentes aspectos.

O “comer bem” surge como tema relevante no momento em que a desnutrição e a (in)segurança alimentar voltaram a ser assuntos extremamente cruciais no cenário político e social brasileiro.

Mas o que significa comer bem? Certamente, comer bem pode adquirir vários significados, a depender dos contextos sociais, econômicos e históricos. Porém, não há dúvidas de que o pilar mínimo para uma boa alimentação tem alicerce na segurança alimentar e nutricional. Esse conceito necessariamente passa pelo consumo de nutrientes em quantidade e qualidade adequadas para garantir o bom funcionamento do organismo, promover o crescimento e o desenvolvimento apropriado de crianças e adolescentes, bem como fornecer os recursos necessários para a manutenção da saúde e vitalidade de adultos e idosos.

Segurança nutricional vai além da simples disponibilidade de alimentos, abrange também a capacidade das pessoas de obtê-los de forma regular e consistente para atender às suas necessidades individuais e coletivas.

Antes da pandemia da COVID-19, o Brasil já enfrentava desigualdades nutricionais significativas. Em 2014, no entanto, o Brasil atingiu a meta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio11 Food and Agriculture Organization (FAO). State of Food Insecurity in the World 2015 [Internet]. 2015. [acessado 2023 abr30]. Disponível em: https://reliefweb.int/report/world/state-food-insecurity-world-2015?gclid=CjwKCAjw1MajBhAcEiwAagW9MUCa2pZZUQrnP5qDbUfoqa30ErfcVyXduO8kFuzmpLw5zvu3GQjuSxoCmXUQAvD_BwE
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de reduzir pela metade a prevalência de subnutrição e, ineditamente, ficou fora do “Mapa da Fome”22 Food and Agriculture Organization (FAO). Hunger Map [Internet]. 2014. [acessado 2023 abr 30]. Disponível em: https://www.fao.org/3/i4033e/i4033e.pdf
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. Entretanto, os níveis de empobrecimento da população tiveram expressivo aumento durante a pandemia. Milhões de brasileiros foram empurrados para a linha da pobreza ou para a pobreza extrema.

Em 2022, o II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia33 Rede Brasileira de Pesquisa. Olhe para a fome [Internet]. [acessado 2023 abr 30]. Disponível em: https://olheparaafome.com.br/
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(II VIGISAN) mostrou que 33,1 milhões de pessoas não tinham a garantia do que comer. No final do primeiro ano da pandemia, em 2020, esse número era de 19,1 milhões de pessoas. Isso representou 14 milhões de novos brasileiros em situação de fome em menos de dois anos. Conforme o estudo, mais de metade (58,7%) da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau, e entre 14% e 17%, em situação de fome.

Não foi a escassez de alimentos que levou a esse grave cenário. O aumento do desemprego, a crise sanitária, a inépcia política, o desmonte de políticas sociais, a diminuição da renda familiar, a interrupção das cadeias de suprimentos e, por fim, a guerra da Ucrânia tiveram impacto direto e dramático na capacidade das famílias de garantir uma alimentação mínima adequada. E, perversamente, os preços dos alimentos in natura, como frutas, verduras, legumes, arroz e feijão, tiveram sensível aumento e estão perdendo espaço na mesa para produtos ultraprocessados (macarrão instantâneo, salsicha, biscoitos etc.), condenando a população mais vulnerável a uma dieta paupérrima em nutrientes e rica em calorias, sódio e gorduras saturadas.

Esse fenômeno não é novo e seu impacto na saúde pública é conhecido. Mas o aprofundamento da crise e o retrocesso aos níveis da década de 1990 precisam ser objeto de muita atenção e de políticas públicas eficazes, imediatas e consistentes. A fome crônica está diretamente relacionada a uma série de agravos à saúde, incluindo atraso no crescimento infantil, baixo peso ao nascer, doenças cardiovasculares e diabetes. A insegurança alimentar está associada também a distúrbios mentais, como ansiedade e depressão, devido ao dramático estresse causado pela incerteza da disponibilidade de alimentos.

Proporcionar acesso ao “comer bem” é transformar o futuro, principalmente, de grande parte das crianças brasileiras - filhas da fome e do retrocesso. Portanto, a segurança alimentar é hoje uma das mais relevantes pautas da saúde coletiva!

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    Jul 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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