Publicidade de alimentos direcionada à criança e ao adolescente no Brasil: análise longitudinal de denúncias no CONAR

Juliana de Paula Matos Mariana Gondo Ludmylla Souza Elias Mota Paula Martins Horta Sobre os autores

Resumo

Evidências científicas mostram que os modelos de autorregulação falham na proteção de crianças e adolescentes da exploração comercial. No Brasil, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) é a entidade que propõe ao setor regulado as diretrizes para a publicidade de produtos e serviços. O objetivo é analisar as denúncias de publicidade de alimentos direcionada à criança e ao adolescente enviadas ao CONAR entre 2010 e 2020. As denúncias foram identificadas quanto ao tipo de produto e serviço, autoria (consumidores/empresas ou CONAR) e decisão do CONAR (arquivamento/penalidades). Foram realizadas análises descritivas e de associação, identificando-se 98 denúncias, 74,8% de alimentos ultraprocessados. Notou-se oscilação no envio de denúncias ao longo dos anos, com tendência geral de redução. Consumidores foram mais frequentes (58,6%) entre os autores das denúncias e 53,3% do total foram penalizadas. As denúncias enviadas pelo CONAR ou empresas foram mais frequentemente penalizadas do que as enviadas pelos consumidores. Houve predominância de denúncias de publicidades de alimentos ultraprocessados e baixa aplicação de penalidades. Notou-se falta de isonomia no padrão de decisão do CONAR sobre as publicidades.

Palavras-chave:
Controle da publicidade de produtos; Criança; Adolescente; Alimentos industrializados

Introdução

A exposição à publicidade de alimentos não saudáveis tem o potencial de influenciar atitudes e preferências alimentares individuais e, consequentemente, aumentar o consumo dos produtos anunciados11 Smith R, Kelly B, Yeatman H, Boyland E. Food marketing influences children's attitudes, preferences and consumption: a systematic critical review. Nutrients 2019; 11(4):875.. Quando a publicidade é direcionada à criança e ao adolescente, sobretudo aos menores de 12 anos, o seu efeito no comportamento alimentar é ainda mais expressivo, pois esse público apresenta maior dificuldade de compreender o caráter comercial da mensagem publicitária22 Carter OB, Patterson LJ, Donovan RJ, Ewing MT, Roberts CM. Children's understanding of the selling versus persuasive intent of junk food advertising: implications for regulation. Soc Sci Med 2011; 72(6):962-968..

No Brasil, verifica-se elevada disseminação de publicidade de alimentos direcionada ao público infantil, sobretudo de alimentos de baixa saudabilidade33 Guimarães JS, Mais LA, Leite FHM, Horta PM, Santana MO, Martins APB, Claro RM. Ultra-processed food and beverage advertising on Brazilian television by International Network for Food and Obesity/Non-Communicable Diseases Research, Monitoring and Action Support benchmark. Public Health Nutr 2020; 23(15):2657-2662.

4 Santana MO, Guimarães JS, Leite FHM, Mais LA, Horta PM, Bortoletto Martins AP, Claro RM. Analysing persuasive marketing of ultra-processed foods on Brazilian television. Int J Public Health 2020; 65(7):1067-1077.

5 Silva JMD, Rodrigues MB, Matos JP, Mais LA, Martins APB, Claro RM, Horta PM. Use of persuasive strategies in food advertising on television and on social media in Brazil. Prev Med Rep 2021; 24:101520.

6 Silva JM, Matos JP, Rodrigues MB, Mais LA, Claro RM, Horta PM. Advertising patterns of a fast-food chain on social media in Brazil. Public Health Nutr 2021; 25(8):1-8.

7 Guimarães JS, Mais LA, Leite FHM, Horta PM, Santana MO, Martins APB, Claro RM. Abusive advertising of food and drink products on Brazilian television. Health Promot Int 2021; 37(2):daab025.
-88 Horta PM, Rodrigues FT, Santos LC. Ultra-processed food product brands on Facebook pages: highly accessed by Brazilians through their marketing techniques. Public Health Nutr 2018; 21(8):1515-1519.. Na televisão, em 2018, nove a cada dez anúncios publicitários de alimentos incluíam pelo menos um alimento ultraprocessado33 Guimarães JS, Mais LA, Leite FHM, Horta PM, Santana MO, Martins APB, Claro RM. Ultra-processed food and beverage advertising on Brazilian television by International Network for Food and Obesity/Non-Communicable Diseases Research, Monitoring and Action Support benchmark. Public Health Nutr 2020; 23(15):2657-2662. e quase 60,0% incluíam técnicas de direcionamento do conteúdo às crianças e aos adolescentes77 Guimarães JS, Mais LA, Leite FHM, Horta PM, Santana MO, Martins APB, Claro RM. Abusive advertising of food and drink products on Brazilian television. Health Promot Int 2021; 37(2):daab025.. Nas mídias sociais Facebook, Instagram e YouTube também há um expressivo volume de publicidade de marcas de alimentos que se direciona a esse público55 Silva JMD, Rodrigues MB, Matos JP, Mais LA, Martins APB, Claro RM, Horta PM. Use of persuasive strategies in food advertising on television and on social media in Brazil. Prev Med Rep 2021; 24:101520.,66 Silva JM, Matos JP, Rodrigues MB, Mais LA, Claro RM, Horta PM. Advertising patterns of a fast-food chain on social media in Brazil. Public Health Nutr 2021; 25(8):1-8.,88 Horta PM, Rodrigues FT, Santos LC. Ultra-processed food product brands on Facebook pages: highly accessed by Brazilians through their marketing techniques. Public Health Nutr 2018; 21(8):1515-1519..

Esses achados apontam para uma necessidade de garantir proteção aos brasileiros menores de 18 anos em relação à publicidade de alimentos não saudáveis. Essa é uma questão relevante para a saúde pública, uma vez que a exposição de crianças e adolescentes a esse tipo de conteúdo tem sido apontada como um dos fatores determinantes das elevadas taxas de excesso de peso nesse grupo99 Monteiro CA, Castro IRR. Por que é necessário regulamentar a publicidade de alimentos. Cienc Cult 2009; 61(4):56-59.

10 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. Brasília: MS; 2014.
-1111 Henriques P, Burlandy L, Dias PC, O'dwye G. Ideias em disputa sobre as atribuições do Estado na prevenção e controle da obesidade infantil no Brasil. Cad Saude Publica 2020; 36(11):e00016920.. No Brasil, segundo dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) de 2020, 15,8% das crianças entre cinco e dez anos estão com sobrepeso e 9,4% com obesidade. De maneira semelhante, 19,9% dos adolescentes apresentam sobrepeso e 9,8% estão obesos1212 Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN). Relatórios de acesso público [Internet]. 2020. [acessado 2022 fev 25]. Disponível em: https://sisaps.saude.gov.br/sisvan/relatoriopublico/index
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.

No Brasil, vigora o modelo misto de regulamentação da publicidade, em que tanto o Estado como atores privados (autorregulação) atuam sobre o tema. No que diz respeito à autorregulação, desde o fim dos anos 1970, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) propõe as diretrizes para o setor produtivo sobre a adequação da publicidade no país, incluindo a que se dirige à criança e ao adolescente. Esse sistema de autorregulação é composto por veículos de comunicação, agências de publicidade e anunciantes brasileiros1313 Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). [acessado 2022 fev 25]. Disponível em: http://www.conar.org.br/
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, e tem sido questionado pela ausência de generalidade (uma vez que as decisões do CONAR valem apenas para seus associados) e de coercitividade (uma vez que as decisões do CONAR não têm força vinculante)1414 Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Criança e Consumo 2014 [Internet]. 2014. [acessado 2022 fev 25]. Disponível em: https://criancaeconsumo.org.br/CONAR/conselho-de-auto-regulamentacao-publicitaria/
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Diante disso, o presente estudo objetivou analisar as denúncias de publicidade de alimentos direcionada à criança e ao adolescente enviadas ao CONAR entre 2010 e 2020, bem como a decisão tomada por essa entidade a partir das denúncias. A hipótese do estudo é de que o CONAR, à semelhança de outros sistemas de autorregulação da publicidade1515 World Cancer Research Fund International (WCRFI). Building Momentum evidence table: effects of implemented restrictions on food advertising and other forms of commercial promotion [Internet]. 2019. [cited 2022 fev 25]. Available from: https://www.wcrf.org/wp-content/uploads/2021/03/BM3-evidence-table.pdf
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, não trata as denúncias de publicidade de alimentos dirigida à criança e ao adolescente no Brasil de modo imparcial, por exemplo priorizando aplicação de penalidades em denúncias originadas no próprio setor regulado, em detrimento de denúncias dos consumidores. Além disso, supõe-se que as denúncias estejam centradas em publicidades de alimentos ultraprocessados e tenham apresentado aumento ao longo do tempo, sobretudo daquelas veiculadas em mídias digitais.

Métodos

Trata-se de um estudo exploratório sobre as denúncias de publicidade de alimentos direcionada à criança e ao adolescente enviadas ao CONAR entre 2010 e 2020. Essa entidade considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade.

O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) é o texto regulatório que traz as diretrizes propostas pelo CONAR para orientar a publicidade no Brasil1616 Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP). [acessado 2022 set 13]. Disponível em: http://www.conar.org.br/pdf/codigo-conar-2021_6pv.pdf
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. É dividido em cinco capítulos que contemplam: i) introdução; ii) princípios gerais (entre eles uma segmentação à publicidade direcionada às crianças e aos jovens); iii) categorias específicas de anúncios (contempla anexos específicos, incluindo um sobre a publicidade de alimentos, refrigerantes, sucos e bebidas assemelhadas); iv) responsabilidades; e v) infrações e penalidades. As diretrizes referentes à publicidade direcionada ao público infanto-juvenil e o anexo sobre publicidade de alimentos, refrigerantes, sucos e bebidas assemelhadas pode ser encontrado no Quadro 1.

Quadro 1
Trecho do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) que trata da publicidade que dirige a crianças e jovens e do anexo H.

Todas as denúncias de publicidades submetidas ao CONAR entre janeiro de 2010 e dezembro de 2020 na categoria “crianças e adolescentes” e no segmento de alimentação foram elegíveis ao estudo. As denúncias foram coletadas no site oficial do CONAR (http://www.conar.org.br) entre os dias 29/9/2020 e 12/5/2021 e organizadas em uma planilha do Excel por uma pesquisadora. Uma segunda pesquisadora fez a conferência dos dados a fim de minimizar erros de coleta. Todas as inconsistências foram corrigidas. O canal para envio de denúncias está disponível no site da associação e, para submetê-las, o denunciante deve se identificar e preencher os campos sobre produto/serviço anunciado, veículo de comunicação e motivo da queixa1717 Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). Reclamações [Internet]. [acessado 2022 fev 25]. Disponível em: http://www.conar.org.br/reclame.php
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Cada denúncia está identificada no site pelas seguintes informações: mês/ano do julgamento, anunciante (empresa denunciada), denunciante (responsável pelo encaminhamento da denúncia), relator (membro do CONAR responsável pela avaliação da denúncia), câmara (departamentos da entidade relacionados à avaliação da denúncia), resumo da denúncia (texto contendo a motivação do denunciante, a resposta do anunciante e o entendimento do CONAR frente à denúncia, além do local de exibição da publicidade), decisão (se houve aplicação de penalidade da publicidade denunciada) e fundamentos (artigos do CBAP em que potencialmente se enquadram as denúncias). O presente estudo trabalhou com os dados a seguir: tipo de alimento anunciado, resumo da denúncia (para extração do local de exibição da publicidade), denunciante e decisão do CONAR.

Os alimentos promovidos nas publicidades denunciadas foram classificados em alimentos in natura ou minimamente processados e ultraprocessados, de acordo com a classificação NOVA1818 Monteiro CA, Cannon G, Moubarac JC, Levy RB, Louzada MLC, Jaime PC. The UN Decade of Nutrition, the NOVA food classification and the trouble with ultra-processing. Public Health Nutr 2018; 21(1):5-17.. Para essa última categoria, os alimentos foram subdivididos em: guloseimas, bebidas ultraprocessadas e preparações congeladas/instantâneas. Destaca-se que alimentos ou bebidas processadas não foram relatados nas denúncias enviadas. No caso de denúncia de publicidades de estabelecimentos comerciais, esses foram categorizados em restaurantes fast-food, restaurantes tradicionais e bombonieres.

O local de exibição da publicidade foi extraído do resumo das denúncias e se referiam a: ambientes físicos, mídia impressa, rádio, televisão, internet ou veículos diversos. Para fins de organização dos resultados, esses locais foram categorizados em: i) mídia tradicional (ambientes físicos, mídia impressa, rádio e televisão), ii) mídia digital (internet) e iii) múltiplas mídias (veículos diversos).

Quanto ao denunciante, as denúncias feitas ao CONAR assumem cinco diferentes autorias: i) CONAR por iniciativa própria, quando o próprio conselho faz uma denúncia através da fiscalização de publicidades por seus relatores; ii) CONAR mediante queixa de consumidor, quando a denúncia é feita pelo CONAR porque consumidores se queixaram sobre a publicidade; iii) Conselho Superior do CONAR, quando a denúncia é encaminhada pelo Ministério Público ou Promotoria de Justiça de algum estado diretamente a instância máxima da entidade do CONAR; iv) empresas; e v) grupo de consumidores, a exemplo de denúncias encaminhadas por consumidores ou instituições de proteção aos direitos da criança e do adolescente. A partir disso, os autores das denúncias foram classificados em: CONAR ou empresas (casos i e iv) e consumidores (casos ii, iii e v).

Registrou-se também a decisão final do CONAR quanto às denúncias, podendo essas apresentar quatro desfechos: i) alteração - o anunciante é recomendado a corrigir e adequar a publicidade; ii) sustação - a publicidade é interrompida, ou seja, impedida de continuar sendo veiculada; iii) advertência - o anunciante é repreendido por causa da publicidade denunciada; ou iv) arquivamento - a denúncia não é passível de penalidade. As denúncias, quando não arquivadas, podem receber mais de uma penalidade, como advertência seguida de alteração. Para fins deste estudo, as decisões foram classificadas em duas categorias principais: arquivamento ou penalidades (alteração, sustação ou advertência).

A análise estatística dos dados incluiu a estimativa da frequência relativa das categorias de alimentos, local de exibição das publicidades, denunciantes e desfechos aplicados às denúncias. Esses dados foram estratificados pelo ano em que a denúncia foi feita. Além disso, foram conduzidas análises de associação entre a decisão do CONAR e o local de exibição das publicidades e a autoria das denúncias, por meio do teste qui-quadrado. O nível de significância de 5% (p < 0,05) foi adotado na definição de diferenças estatisticamente significativas. Os dados foram organizados em planilhas do programa Microsoft Excel 2016 e as análises estatísticas foram executadas no software estatístico Stata, versão 14.0.

Resultados

Nos 11 anos de estudo foram identificadas 308 denúncias de publicidades direcionadas à criança e ao adolescente, sendo 31,8% (n = 98) do segmento de alimentação (alimentos ou bebidas e estabelecimento de alimentos) (Tabela 1). O maior número de denúncias foi notado em 2010 (n = 14), com tendência de redução até 2014 (n = 6). Nos dois anos seguintes, o número de denúncias cresceu e ficou estável em 2016 (n = 10) e 2017 (n = 10). A partir de 2018, esse número voltou a declinar (Figura 1).

Tabela 1
Caracterização das publicidades denunciadas ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) entre 2010-2020, segundo o tipo de produto anunciado.

Figura 1
Denúncias de publicidades de alimentos direcionadas à criança e ao adolescente enviadas ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) entre 2010-2020.

Publicidades de alimentos ultraprocessados foram as mais frequentemente denunciadas (n = 74; 74,8%), seguidas de publicidades de estabelecimentos comerciais (n = 22; 23,6%). Apesar disso, em 2018 e 2020, ambos os tipos de publicidades representaram 50% (n = 3) das denúncias (Figura 2A).

Figura 2
Caracterização das denúncias de publicidade de alimentos direcionadas à criança e ao adolescente enviadas ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) entre 2010-2020.

Houve um predomínio de denúncias de publicidades exibidas na mídia tradicional em relação aos demais tipos de mídias até o ano de 2019, quando as denúncias de publicidades exibidas em mídias digitais superaram as de mídias tradicionais (Figura 2B). Os consumidores foram os denunciantes mais frequentes (58,6%), exceto nos anos 2010 e 2019, quando a autoria de denúncias do CONAR ou de empresas foi de 71,4% e 83,3%, respectivamente (Figura 2C). Pouco mais da metade (53,3%) das denúncias recebeu alguma penalidade, ainda que em quatro anos (2014, 2015, 2019 e 2020) a frequência de penalidade e arquivamentos tenha sido igual a 50,0% (Figura 2D).

Nenhuma associação foi encontrada entre o local de exibição das publicidades e a decisão do CONAR. Por outro lado, as denúncias enviadas pelo CONAR ou empresas tiveram maior frequência de penalidades (58,5%), em comparação aos arquivamentos (22,2%), ao passo que as denúncias enviadas pelos consumidores foram mais arquivadas (77,8%) do que penalizadas (41,5%), p < 0,001 (Tabela 2).

Tabela 2
Associação entre autoria da denúncia e locais de exibição das publicidades e a decisão do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) entre 2010-2020.

Discussão

Os resultados deste estudo evidenciam um elevado número de denúncias de publicidade direcionada à criança e ao adolescente enviado ao CONAR entre 2010 e 2020. As denúncias de publicidade de produtos e serviços do segmento de alimentação representam cerca de 1/3 do total de denúncias, sendo a maior parte de alimentos ultraprocessados. Dessas denúncias, pouco mais da metade recebeu penalidade. A análise longitudinal dos dados aponta oscilação no envio de denúncias, com tendência geral de redução. Entre 2010 e 2014, o número de denúncias caiu de forma mais acentuada, seguida de aumento nos anos seguintes, até atingir estabilidade em 2016 e 2017. A partir de 2018, o número de denúncias voltou a declinar. Os consumidores foram os principais atores engajados em enviar denúncias ao CONAR e tiveram, de forma mais prevalente, as suas denúncias arquivadas, enquanto a aplicação de penalidades foi mais frequente nas denúncias de publicidades enviadas pelo CONAR ou por empresas. Além disso, a partir de 2019 o número de denúncias de publicidades veiculadas na mídia digital superou o de denúncias de publicidades veiculadas em mídias tradicionais.

Algumas hipóteses podem ser formuladas com o objetivo de melhor compreender os achados do estudo. A baixa frequência de aplicação de penalidade às denúncias pode ser um fator que explique a redução do envio de denúncias ao CONAR ao longo do tempo. Supõe-se que uma pessoa, entidade da sociedade civil ou empresa que submeta uma denúncia a um órgão fiscalizatório, qualquer que seja ele, espera que a denunciada seja apenada. Caso contrário, não se sentirá estimulada a realizar as próximas denúncias. Apesar disso, nos dois anos que se seguiram a 2014, houve aumento no número de denúncias enviadas ao CONAR. Isso pode estar associado à publicação da Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) nº 163/2014, que reconhece como ilegal a publicidade que se comunica diretamente com a criança e o adolescente e identifica os elementos que caracterizam esse tipo de mensagem comercial1919 Brasil. Presidência da república. Resolução nº 163 de 13 de março de 2014. Dispõe sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente. Diário Oficial da União 2014; 4 abr.. Isso pode ter informado e sensibilizado a sociedade para o envio de denúncias sobre o tema.

Porém, em 2016 e 2017, o número de denúncias de publicidade de alimentos enviadas ao CONAR se estabilizou e passou a declinar a partir de 2018. Essa mudança pode estar relacionada a dois importantes julgamentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ocorridos em 2016 e 2017. Neles, o STJ firmou os dois primeiros precedentes a respeito do tema da publicidade de alimentos direcionada às crianças. Em ambos os casos, as empresas faziam uso do artifício de brindes para o incentivo do consumo de alimentos não saudáveis, o que foi considerado ilegal2020 Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Campanha da Sadia é considerada abusiva por incentivar consumo de alimentos calóricos pelas crianças [Internet]. 2017. [acessado 2022 abr 27]. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2017/2017-05-01_08-14_Campanha-da-Sadia-e-considerada-abusiva-por-incentivar-consumo-de-alimentos-caloricos-pelas-criancas.aspx
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Pag...
,2121 Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Decisão histórica condenou propaganda de alimentos dirigida ao público infantil [Internet]. 2019. [acessado 2022 abr 27]. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2019/2019-03-17_06-50_Decisao-historica-condenou-propaganda-de-alimentos-dirigida-ao-publico-infantil.aspx
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Pag...
. A decisão de uma das mais altas cortes do país pode ter sinalizado ao setor privado que tal prática não seria mais tolerada. A partir disso, o setor regulado pode ter reduzido a comunicação mercadológica dirigida à criança, resultando em menor encaminhamento de denúncias sobre o tema. Por outro lado, também é possível supor que isso tenha direcionado o setor a investir em publicidades que imponham aos consumidores dificuldades para a sua identificação.

Já a maior participação de consumidores entre os autores das denúncias sugere que a sociedade brasileira está insatisfeita quanto às práticas publicitárias direcionadas às crianças e aos adolescentes realizadas pela indústria de alimentos. Pais e responsáveis por crianças ou outros consumidores preocupados com a proteção do público infanto-juvenil em relação aos apelos publicitários reconhecem que a publicidade de alimentos dirigida a esse público não é inócua e pode exercer papel negativo sobre a dieta das crianças e dos adolescentes2222 Pettigrew S, Chapman K, Miller C, Thomas S. A conceptual classification of parents' attributions of the role of food advertising in children's diets. BMC Obes 2014; 1:17.. Por esses motivos, esses sujeitos podem ter recorrido ao CONAR, almejando garantir a fiscalização dessa prática. Apesar disso, o CONAR desestimula o envio de denúncias por meio de campanhas de divulgação em mídia eletrônica. Um vídeo produzido pela entidade e disponível em seu canal do YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=9HCEir8pv8o&feature=youtu.be) critica as reclamações enviadas ao CONAR e classifica parte delas como não justas.

Além disso, a diferença notada na tratativa das denúncias enviadas pelo CONAR ou empresas em relação às enviadas pelos consumidores sugere existir uma falta de isonomia na tomada de decisões por parte do CONAR. Uma possível explicação seria o fato de a entidade não reconhecer a publicidade direcionada à criança e ao adolescente como uma prática abusiva, apesar de um volume incontestável de evidências científicas que afirmam a vulnerabilidade do público infantil frente ao conteúdo comercial22 Carter OB, Patterson LJ, Donovan RJ, Ewing MT, Roberts CM. Children's understanding of the selling versus persuasive intent of junk food advertising: implications for regulation. Soc Sci Med 2011; 72(6):962-968.,2323 United Nations Children's Fund (UNICEF). A child rights-based approach to food marketing a guide for policy makers [Internet]. 2018. [cited 2022 fev 25]. Available from: https://sites.unicef.org/csr/files/A_Child_Rights-Based_Approach_to_Food_Marketing_Report.pdf
https://sites.unicef.org/csr/files/A_Chi...
. Segundo o CONAR, a publicidade é um importante fator coadjuvante na formação de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes2424 Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). Cidadãos responsáveis e consumidores conscientes dependem de informação (e não da falta dela) [Internet]. 2012. [acessado 2022 abr 27]. Disponível em: http://www.conar.org.br/conar-criancas-e-adolecentes.pdf
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Alguns fatores podem explicar esse posicionamento do CONAR. Primeiro, a entidade é predominantemente formada e coordenada pelo próprio setor regulado. Não há representação de entidades que atuam em defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes na composição do CONAR. Assim, é possível supor que a associação atua de forma a defender seus próprios interesses. Atualmente, o CONAR é composto por 138 anunciantes, incluindo anunciantes do setor alimentício2525 Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). Anunciantes [Internet]. 2022. [acessado 2022 abr 27]. Disponível em: http://www.conar.org.br/
http://www.conar.org.br...
.

Segundo, apesar de o CBAP prever que os anúncios de alimentos e bebidas devem se abster de encorajar o consumo excessivo ou exagerado e de menosprezar a importância da alimentação saudável1616 Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP). [acessado 2022 set 13]. Disponível em: http://www.conar.org.br/pdf/codigo-conar-2021_6pv.pdf
http://www.conar.org.br/pdf/codigo-conar...
, um documento da Associação Brasileira de Anunciantes, entidade associada ao CONAR e formada por associações da indústria alimentícia como a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (ABIA) e Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas (ABIR), nega a existência de evidências científicas sobre a associação entre a exposição de crianças e adolescentes ao conteúdo publicitário e o consumo dos alimentos e bebidas anunciados2626 Associação Brasileira de Anunciantes. Marketing responsável garantias e limites da publicidade infantil [Internet]. 2020. [acessado 2022 abr 27]. Disponível em: http://www.aba.com.br/wp-content/uploads/2019/05/guia-aba-mkt-infantil-edit-2603-digital.pdf
http://www.aba.com.br/wp-content/uploads...
. O documento argumenta ainda não haver associação entre a exposição de crianças e adolescentes à publicidade de alimentos não saudáveis e as externalidades negativas na saúde, como obesidade e doenças2626 Associação Brasileira de Anunciantes. Marketing responsável garantias e limites da publicidade infantil [Internet]. 2020. [acessado 2022 abr 27]. Disponível em: http://www.aba.com.br/wp-content/uploads/2019/05/guia-aba-mkt-infantil-edit-2603-digital.pdf
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, apesar do elevado número de publicações científicas acerca do tema2727 Boyland EJ, Whalen R. Food advertising to children and its effects on diet: review of recent prevalence and impact data. Pediatr Diabetes 2015; 16(5):331-337.

28 Boyland EJ, Nolan S, Kelly B, Tudur-Smith C, Jones A, Halford JC, Robinson E. Advertising as a cue to consume: a systematic review and meta-analysis of the effects of acute exposure to unhealthy food and nonalcoholic beverage advertising on intake in children and adults. Am J Clin Nutr 2016; 103(2):519-533.
-2929 Sadeghirad B, Duhaney T, Motaghipisheh S, Campbell NR, Johnston BC. Influence of unhealthy food and beverage marketing on children's dietary intake and preference: a systematic review and meta-analysis of randomized trials. Obes Rev 2016; 17(10):945-959..

Outro achado relevante do estudo se refere à participação crescente de denúncias de publicidades de alimentos direcionadas à criança e ao adolescente em mídias digitais. Tais espaços estão sendo cada vez mais utilizados pela indústria de alimentos para anunciar seus produtos3030 Tatlow-Golden M, Garde A. Digital food marketing to children: exploitation, surveillance and rights violations. Glob Food Sec 2020; 27:100423., com investimentos que somaram mais de R$ 1 milhão em 2020 no Brasil3131 IAB Brasil. Digital ADSpend 2020/2021 [Internet]. [acessado 2022 abr 27]. Disponível em: https://iabbrasil.com.br/wp-content/uploads/2021/10/Ad-Spend-Digital-2020-2021-IAB-Brasil.pdf
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. Isso ocorre devido ao amplo desenvolvimento e popularidade das tecnologias digitais. Segundo dados de uma pesquisa de base populacional realizada em 2018 com crianças e adolescentes brasileiros entre 9 e 17 anos, 86% da amostra usavam internet e 93% acessavam a rede por um celular3232 Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. Tic Kids Online Brasil 2018. São Paulo: CGI Brasil; 2019.. Entre as crianças e adolescentes expostas à publicidade nesse meio, cerca de 40% pediram a seus pais e responsáveis os produtos anunciados3232 Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. Tic Kids Online Brasil 2018. São Paulo: CGI Brasil; 2019..

Apesar do aumento da publicidade de alimentos no meio digital, o reconhecimento desse conteúdo como prática publicitária é mais difícil diante do uso de estratégias que mesclam a promoção comercial com conteúdo de entretenimento, como unboxing (tática em que o comunicador compartilha a experiência que teve com um produto que recebeu de uma empresa), colocação do produto, ações de influenciadores, entre outros3333 Coates A, Boyland E. Kid influencers - a new arena of social media food marketing. Nat Rev Endocrinol 2021; 17(3):133-134.,3434 Evans NJ, Hoy MG, Childers CC. Parenting "YouTube natives": the impact of pre-roll advertising and text disclosures on parental responses to sponsored child influencer videos. J Advert 2018; 47(4):326-346.. Essas características ampliam a complexidade de identificação desse conteúdo como publicidade pelos indivíduos por constituírem endossos implícitos e permitirem que o conteúdo publicitário das marcas esteja totalmente integrado ao conteúdo de mídia que crianças e adolescentes estão consumindo3535 Veirman M, Hudders L, Nelson MR. What is influencer marketing and how does it target children? A review and direction for future research. Front Psychol 2019; 3(10):2685.. Além disso, a forma de distribuição da publicidade no meio digital torna mais difícil o monitoramento desse tipo de mensagem e, consequentemente, o envio da denúncia e a sua penalização. A partir de algoritmos que extraem dados demográficos, de localização, de navegação e outras características pessoais de crianças e adolescentes, os anúncios chegam aos dispositivos digitais de forma personalizada3030 Tatlow-Golden M, Garde A. Digital food marketing to children: exploitation, surveillance and rights violations. Glob Food Sec 2020; 27:100423.. Registrar e quantificar o número de pessoas expostas ao conteúdo distribuído dessa forma é tarefa ainda pouco praticada. Diante dessas considerações, o fato de não terem sido encontradas diferenças nas decisões do CONAR em relação aos diferentes locais de exibição da publicidade pode ser um indicativo de que a publicidade no meio digital está tendo o mesmo tratamento daquela exibida na mídia tradicional, apesar das peculiaridades da publicidade no meio digital.

Por fim, com base nas evidências produzidas por este estudo acerca da tratativa das denúncias de publicidade dirigida à criança e ao adolescente recebidas pelo CONAR, é possível apontar que a atuação da entidade tem potenciais limitações na garantia da proteção desse público frente ao conteúdo publicitário abusivo. Essa suposição tem duas importantes implicações: uma relacionada à necessidade de reorganização da atuação do CONAR, e outra sobre a importância de fortalecer a regulação da publicidade pelo Estado.

Nessa primeira perspectiva, algumas ações poderiam ser tomadas pelo CONAR para minimizar as assimetrias nas tratativas das denúncias, como: i) mudanças em sua composição, com a inserção de consumidores e entidades para participação na tomada de decisão e defesa de seus interesses; ii) transparência no relato de denúncias, permitindo acesso às publicidades denunciadas e ao conteúdo original elaborado pelos denunciantes; iii) proposição de esquemas sistemáticos de monitoramento e fiscalização de publicidades que promovam auditorias isentas de interesses por parte do setor regulado; vi) readequação do CBAP, para que esse seja mais alinhado às diretrizes do Estado sobre a publicidade direcionada ao público infanto-juvenil. Por exemplo, as atuais diretrizes do CONAR que orientam a publicidade de produtos destinados ao público infantil permitem que a mensagem comercial se direcione às crianças e aos adolescentes1616 Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP). [acessado 2022 set 13]. Disponível em: http://www.conar.org.br/pdf/codigo-conar-2021_6pv.pdf
http://www.conar.org.br/pdf/codigo-conar...
. Essa é uma posição contrária ao estabelecido no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e na Resolução nº 163/2014 do CONANDA, que considera como abusiva, e portanto ilegal, a publicidade que se direciona a esse público1919 Brasil. Presidência da república. Resolução nº 163 de 13 de março de 2014. Dispõe sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente. Diário Oficial da União 2014; 4 abr..

Na perspectiva do fortalecimento da regulação da publicidade pelo Estado, mesmo que o CONAR se reestruture conforme dito, pelo fato de a autorregulação não ser projetada pela preocupação em saúde pública, mas por preocupações que visam garantir (ainda que com limites) a promoção dos anunciantes3636 Hawkes C. Self-regulation of food advertising: what it can, could and cannot do to discourage unhealthy eating habits among children. Nutr Bull 2005; 30(4):374-382., o fortalecimento da legislação estatutária é fundamental para garantir os interesses da sociedade. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), os governos devem liderar o processo de implementação, monitoramento e avaliação de políticas regulatórias na temática de publicidade de alimentos visando evitar o conflito de interesses, de forma a proteger o interesse público3737 Organização Pan-Americana da Saúde OPAS. Recomendações da consulta de especialistas da Organização Pan-Americana da Saúde sobre a promoção e a publicidade de alimentos e bebidas não alcoólicas para crianças nas américas. Washington, D.C.: OPAS; 2012..

Porém, o tema da efetiva regulação da publicidade de alimentos dirigida ao público infantil pouco avançou no Brasil. Em 2006, quando houve uma tentativa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de pôr limites na publicidade de produtos alimentícios de baixo valor nutricional, uma forte reação do setor regulado, inclusive do CONAR, levou à suspensão da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 24/20103838 Pereira TN, Gomes FDS, Carvalho CMPD, Martins APB, Duran ACDFL, Hassan BK, Bandeira LM. Medidas regulatórias de proteção da alimentação adequada e saudável no Brasil: uma análise de 20 anos. Cad Saude Publica 2021; 37(2):e00153120.. Além disso, há no Legislativo brasileiro, desde 2007, pelo menos 18 propostas regulatórias com essa finalidade e que seguem sem nenhuma perspectiva de aprovação e aplicação no país3939 Mariath A, Martins A. Ultra-processed food industry regulation for tackling obesity and diet-related non-communicable diseases in the Brazilian legislature: many proposals, no enactments. Public Health Nutr 2021; 24(10):3110-3115.. Fortalecer a regulação estatal faz parte da premissa de que a publicidade é uma atividade comercial e é um direito do setor regulado. Porém, esse direito não é absoluto e não deve prevalecer sobre os direitos da criança e do adolescente1111 Henriques P, Burlandy L, Dias PC, O'dwye G. Ideias em disputa sobre as atribuições do Estado na prevenção e controle da obesidade infantil no Brasil. Cad Saude Publica 2020; 36(11):e00016920.. A inércia nessa agenda aponta para a não aplicação de diretrizes da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), que prevê limites para a publicidade de alimentos não saudáveis para o público infanto-juvenil4040 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Brasília: MS; 2013..

Algumas limitações aos resultados evidenciados neste estudo precisam ser destacadas. Primeiro, não é possível saber se as denúncias presentes no site do CONAR de fato refletem todas as denúncias que chegam à associação, podendo haver subestimação dessa informação. Segundo, não é possível acessar na íntegra o texto das denúncias e de suas respectivas decisões, limitando a avaliação acurada dos casos encaminhados e sua pertinência. Isso limita a compreensão, por exemplo, sobre quais as motivações dos diferentes atores no envio de denúncias ao CONAR e sobre o posicionamento da entidade a respeito de cada uma delas. Além disso, a impossibilidade de conhecer a íntegra das denúncias também limita a compreensão da qualidade da denúncia quanto aos aspectos de redação, lógica argumentativa, entre outros. Esse fato pode influenciar o pleno entendimento do teor da denúncia e de seu desfecho.

Por fim, o presente estudo descreveu, de forma inédita, o perfil de denúncias de publicidades de alimentos direcionadas à criança e ao adolescente enviadas ao CONAR e as suas tratativas. Os principais resultados denotam uma predominância de denúncias de publicidades de alimentos ultraprocessados entre 2010 e 2020, com destaque pra denúncias de publicidade veiculadas em mídia digital nos últimos anos. De modo geral, as denúncias oscilaram em quantidade no decorrer dos anos avaliados, com tendência geral de redução, contrariando a hipótese inicial deste estudo. Os consumidores foram os principais denunciantes. No entanto, denúncias feitas por eles foram mais frequentemente arquivadas quando comparadas às denúncias de publicidades enviadas pelo CONAR ou por empresas.

Agradecimento

Ao Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), pelo suporte na tradução do manuscrito.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    Jul 2023

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2022
  • Aceito
    10 Nov 2022
  • Publicado
    12 Nov 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br