Fatores associados ao tempo para submissão ao primeiro tratamento do câncer de mama

Rafael Tavares Jomar Nathália Sodré Velasco Gelcio Luiz Quintella Mendes Raphael Mendonça Guimarães Vitor Augusto de Oliveira Fonseca Karina Cardoso Meira Sobre os autores

Resumo

Este estudo retrospectivo investigou fatores associados ao tempo para submissão ao primeiro tratamento do câncer de mama entre 12.100 casos assistidos em estabelecimentos de saúde habilitados para a alta complexidade em oncologia no âmbito do SUS localizados no Rio de Janeiro entre 2013 e 2019. Regressão logística multivariada estimou razões de chances e intervalos de 95% de confiança. Foram submetidos ao primeiro tratamento em tempo >60 dias 82,1% dos casos. Entre aqueles sem histórico de diagnóstico anterior, alta escolaridade e estadiamento III e IV exibiram menor probabilidade de submissão ao primeiro tratamento em tempo >60 dias, enquanto tratamento em estabelecimento de saúde não localizado na capital exibiu probabilidade maior. Entre aqueles com histórico de diagnóstico anterior, idade ≥50 anos, raça/cor da pele não branca e estadiamento I exibiram maior probabilidade de submissão ao primeiro tratamento em tempo >60 dias, enquanto alta escolaridade, tratamento em estabelecimento de saúde não localizado na capital e estadiamento IV exibiram probabilidade menor. Em suma, fatores sociodemográficos, clínicos e relacionados ao estabelecimento de saúde estão associados ao tempo para submissão ao primeiro tratamento do câncer de mama.

Palavras-chave:
Neoplasias da mama/Diagnóstico; Tempo para o tratamento; Fatores de risco; Sistema Único de Saúde; Estudos longitudinais

Introdução

O câncer de mama (CM) é a neoplasia com maior incidência entre as mulheres de todo o mundo, configurando-se em importante problema de saúde pública11 Ferlay J, Colombet M, Soerjomataram I, Mathers C, Parkin DM, Piñeros M, Znaor A, Bray F. Estimating the global cancer incidence and mortality in 2018: GLOBOCAN sources and methods. Int J Cancer 2019; 144(8):1941-1953.. Para o Brasil foram estimados 73.610 novos casos em cada ano do triênio 2023-2025, o correspondente a uma taxa de incidência de 66,5 casos/100 mil mulheres22 Instituto Nacional de Câncer (INCA). Estimativa [Internet]. 2022 [acessado 2022 dez 10]. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/numeros/estimativa.
https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/c...
. Na região Sudeste do país, onde está localizado o estado do Rio de Janeiro (RJ), observam-se os maiores coeficientes de incidência e de mortalidade por CM22 Instituto Nacional de Câncer (INCA). Estimativa [Internet]. 2022 [acessado 2022 dez 10]. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/numeros/estimativa.
https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/c...
,33 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). A situação do câncer de mama no Brasil: síntese de dados dos sistemas de informação. Rio de Janeiro: INCA; 2019.. Para o ano 2023 estimam-se que ocorram 10.290 novos casos dessa neoplasia no RJ, o equivalente a uma taxa de incidência de 111,8 casos/100 mil mulheres22 Instituto Nacional de Câncer (INCA). Estimativa [Internet]. 2022 [acessado 2022 dez 10]. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/numeros/estimativa.
https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/c...
.

A mortalidade por CM vem apresentando tendência descendente em países desenvolvidos, embora sua incidência venha apresentando evolução temporal ascendente11 Ferlay J, Colombet M, Soerjomataram I, Mathers C, Parkin DM, Piñeros M, Znaor A, Bray F. Estimating the global cancer incidence and mortality in 2018: GLOBOCAN sources and methods. Int J Cancer 2019; 144(8):1941-1953.. Acredita-se que isso seja devido ao maior acesso aos serviços de saúde, que permite diagnóstico precoce e tratamento oportuno, aumentando, por consequência, a sobrevida22 Instituto Nacional de Câncer (INCA). Estimativa [Internet]. 2022 [acessado 2022 dez 10]. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/numeros/estimativa.
https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/c...
,33 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). A situação do câncer de mama no Brasil: síntese de dados dos sistemas de informação. Rio de Janeiro: INCA; 2019..

Como diversas pesquisas mostram que grandes intervalos de tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento do CM estão associados a má qualidade de vida, maior risco de óbito e menor sobrevida44 Caplan L. Delay in breast cancer: implications for stage at diagnosis and survival. Front Public Health 2014; 2:87.

5 Williams F. Assessment of breast cancer treatment delay impact on prognosis and survival: a look at the evidence from systematic analysis of the literature. J Cancer Biol Res 2015; 3(4):1071.
-66 Hanna TP, King WD, Thibodeau S, Jalink M, Paulin GA, Harvey-Jones E, O'Sullivan DE, Booth CM, Sullivan R, Aggarwal A. Mortality due to cancer treatment delay: systematic review and meta-analysis. BMJ 2020; 371:m4087., que na maioria das vezes o primeiro tratamento no Brasil é iniciado tardiamente77 Medeiros GC, Teodózio CGC, Fabro EAN, Aguiar SS, Lopes AHM, Conte BC, Silva EV, Coelho LLP, Muniz NF, Schuab SIPC, Bergmann A, Thuler LCS. Factors associated with delay between diagnosis and initiation of breast cancer treatment: a cohort study with 204,130 cases in Brazil. Rev Bras Cancerol 2020; 66(3):e-09979.

8 Cabral ALLV, Giatti L, Casale C, Cherchiglia ML. Social vulnerability and breast cancer: differentials in the interval between diagnosis and treatment of women with different sociodemographic profiles. Cien Saude Colet 2019; 24(2):613-622.

9 Sousa SMMT, Carvalho MGFM, Santos Junior LA, Mariano SBC. Access to treatment of women with breast cancer. Saude Debate 2019; 43(122):727-741.
-1010 Lopes TCR, Gravena AAF, Demitto MO, Borghesan DHP, Dell`Agnolo CM, Brischiliari SCR, Carvalho MDB, Pelloso SM. Delay in diagnosis and treatment of breast cancer among women attending a reference service in Brazil. Asian Pac J Cancer Prev 2017; 18(11):3017-3023. e que a identificação de fatores individuais e contextuais associados ao tempo para submissão ao tratamento pode contribuir para o desenvolvimento de propostas para reduzi-lo1111 Rivera-Franco MM, Leon-Rodriguez E. Delays in breast cancer detection and treatment in developing countries. Breast Cancer (Auckl) 2018; 12:1178223417752677., este estudo foi concebido. Seu objetivo foi investigar fatores associados ao tempo para submissão ao primeiro tratamento do CM em estabelecimentos de saúde habilitados para a alta complexidade em oncologia no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) no RJ, uma vez que a Lei Federal 12.732/2012 estabelece que o paciente com câncer tem direito de, em até 60 dias após a confirmação diagnóstica, ser submetido ao primeiro tratamento no SUS1212 Brasil. Lei nº 12.732, 22 de novembro 2012. Dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início. Diário Oficial da União 2012; 22 nov..

Métodos

Desenho e população

Estudo retrospectivo cuja fonte de dados foi o sistema web que consolida as informações sistematicamente coletadas pelos Registros Hospitalares de Câncer (RHC) do Brasil, o IntegradorRHC (https://irhc.inca.gov.br/RHCNet/, acessado em 30/11/2022). Sua população-alvo foram casos de CM feminina (código topográfico C50 da Classificação Internacional de Doenças - CID-101313 Organização Mundial da Saúde (OMS). Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. São Paulo: Editora USP; 2012.) dos tipos carcinoma ductal ou lobular in situ e infiltrante (códigos histológicos 8201/2, 8230/2, 8500/2, 8500/3, 8501/2, 8503/2, 8507/2, 8520/2, 8520/3 e 8522/2 da Classificação Internacional de Doenças para Oncologia - CID-O1414 Organização Mundial da Saúde (OMS). CID-O - Classificação Internacional de Doenças para Oncologia. São Paulo: Editora USP; 2013.), com 20 anos ou mais de idade - posto que casos de câncer com até 19 anos são considerados infanto-juvenis22 Instituto Nacional de Câncer (INCA). Estimativa [Internet]. 2022 [acessado 2022 dez 10]. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/numeros/estimativa.
https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/c...
- cuja primeira consulta médica ocorreu entre 1º de junho de 2013 e 31 de dezembro de 2019 em estabelecimentos de saúde habilitados para a alta complexidade em oncologia no âmbito do SUS localizados no RJ, que alimentaram o IntegradorRHC com informações referentes a, pelo menos, um ano do período sob investigação (N=18.098).

Foram incluídos somente casos com confirmação histopatológica, excluindo-se aqueles sem data do diagnóstico (N=52), sem data do início do primeiro tratamento (N=521), com histórico de tratamento anterior à chegada no estabelecimento de saúde (N=3.331), com tempo para submissão ao primeiro tratamento maior que 365 dias (N=384), isto é, os outliers, e casos não analíticos (N=3.978). A decisão de excluir casos não analíticos deu-se a fim de minimizar a ocorrência de duplicação, pois o mesmo caso poderia ter sido cadastrado pelo RHC de estabelecimentos diferentes: ora como analítico, ora como não analítico1515 Instituto Nacional de Câncer (INCA). Registros hospitalares de câncer: planejamento e gestão. Rio de Janeiro: INCA; 2010..

Variáveis

A variável resposta tempo para submissão ao primeiro tratamento foi obtida a partir da contagem dos dias transcorridos entre a data do diagnóstico e a data do início do primeiro tratamento e depois categorizada em ≤60 dias ou >60 dias, considerando a Lei Federal 12.732, de 22 de novembro de 2012, que entrou em vigor 180 dias após sua publicação oficial1212 Brasil. Lei nº 12.732, 22 de novembro 2012. Dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início. Diário Oficial da União 2012; 22 nov.. Assim, justifica-se porque junho de 2013 foi o mês de primeira consulta definido para iniciar a seleção de casos.

As variáveis explicativas foram idade na primeira consulta médica (20-49, 50-69 ou ≥70 anos), raça/cor da pele (branca ou não branca), escolaridade (nenhuma/fundamental incompleto, fundamental completo ou médio/superior completo), estado conjugal (vive com companheiro(a) ou vive sem companheiro(a)), cidade de localização do estabelecimento de saúde (capital ou outras), origem do encaminhamento (SUS, não SUS ou por conta própria), histórico de diagnóstico de CM anterior à chegada no estabelecimento de saúde (sem diagnóstico anterior ou com diagnóstico anterior), estadiamento clínico (in situ, I, II, III ou IV) e primeiro tratamento recebido (cirurgia, radioterapia ou quimioterapia).

Análise estatística

Primeiramente os casos foram descritos por meio de proporções e de medidas de tendência central e de dispersão. As diferenças entre os intervalos interquartílicos e as medianas do tempo para submissão ao primeiro tratamento de cada ano do período sob investigação foram examinadas pelo teste Kruskal-Wallis, pois os testes Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk não indicaram que essa variável não tinha distribuição normal. As diferenças entre as proporções das categorias de cada variável, segundo tempo para submissão ao primeiro tratamento, foram avaliadas pelo teste qui-quadrado de Pearson. O nível de significância adotado nessas análises foi de 5%.

Em seguida, foram estimadas razões de chances (RC) brutas e respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%) por meio de regressão logística. Para investigar os fatores associados ao tempo >60 dias para submissão ao primeiro tratamento, modelos de regressão logística multivariada estimaram RC ajustadas por todas as variáveis que na etapa anterior apresentaram, em pelo menos uma categoria, nível de significância de 20% no teste de Wald. Essas análises foram estratificadas por histórico de diagnóstico de CM anterior à chegada no estabelecimento de saúde e conduzidas no Stata 15.

Aspectos éticos

Os dados disponibilizados pelo IntegradorRHC, além de anônimos, são de domínio público e acesso irrestrito. Então, conforme preconizado pelas Resoluções nº 466/2012 e nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, não foi necessária a apreciação do protocolo deste estudo por Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados

Atenderam aos critérios de elegibilidade do estudo 12.100 casos de CM com média de idade igual a 57,2 anos (desvio-padrão=12,9), dos quais a maior parte recebeu quimioterapia (49,7%) ou cirurgia (42,7%) como primeiro tratamento num dos 20 estabelecimentos de saúde habilitados para a alta complexidade em oncologia que alimentaram o IntegradorRHC no período investigado. No que concerne à natureza jurídica desses estabelecimentos, 10 eram da administração pública, sete eram entidades sem fins lucrativos e três eram entidades empresariais. Quanto à sua localização, 14 situavam-se na Região Metropolitana do RJ, estando 10 deles na capital.

Tinham idades entre 50-69 anos pouco mais da metade (53,7%) dos casos, que eram de maioria não branca (54,0%), com ensino médio/superior completo (43,2%), viviam sem companheiro(a) (55,4%), encaminhados pelo SUS (95,5%), com histórico de diagnóstico de CM anterior à chegada no estabelecimento de saúde (76,8%) e estadiamento clínico II (36,8%) e III (32,7%). Eles foram tratados majoritariamente em estabelecimentos de saúde localizados na capital (81,3%) (Tabela 1).

Tabela 1
Características dos casos (N=12.100). Sistema Único de Saúde, Rio de Janeiro, 2013-2019.

Iniciaram o tratamento com tempo >60 dias 82,1% dos casos analisados. A Figura 1 mostra que a mediana e o intervalo interquartílico do tempo para submissão ao primeiro tratamento aumentaram ao longo do período investigado (p-valor<0,001), variando de 91 (52-140) dias, em 2013, a 122 (83-170) dias, em 2019.

Figura 1
Boxplot do tempo para submissão ao primeiro tratamento por ano. Sistema Único de Saúde, Rio de Janeiro, 2013-2019.

Quanto à frequência do tempo para submissão ao primeiro tratamento, as variáveis faixa etária, cidade de localização do estabelecimento, origem do encaminhamento e estadiamento clínico apresentaram diferenças (p-valor≤0,003) entre as proporções de suas categorias, independentemente do histórico de diagnóstico de CM anterior à chegada no estabelecimento de saúde. Considerando somente os casos com histórico de diagnóstico de CM anterior, as variáveis raça/cor da pele, escolaridade e estado conjugal apresentaram diferenças (p-valor≤0,013) entre as proporções de suas categorias (Tabela 2).

Tabela 2
Frequência do tempo para submissão ao primeiro tratamento conforme histórico de diagnóstico anterior. Sistema Único de Saúde, Rio de Janeiro, 2013-2019.

Os modelos de regressão multivariada mostraram que, entre os casos sem histórico de diagnóstico de CM anterior à chegada no estabelecimento de saúde, ensino médio/superior completo (RC=0,7; IC95%: 0,6-0,9) e estadiamento clínico III (RC=0,6; IC95%: 0,4-0,9) e IV (RC=0,3; IC95%: 0,2-0,4) apresentaram menor probabilidade de submissão ao primeiro tratamento em tempo >60 dias, ao passo que tratamento em estabelecimento de saúde não localizado na capital (RC=1,8; IC95%: 1,1-2,9) e estadiamento clínico I (RC=2,2; IC95%: 1,6-3,2) e II (RC=1,8; IC95%: 1,3-2,5) apresentaram probabilidade maior. Já entre os casos com histórico de diagnóstico de CM anterior à chegada no estabelecimento de saúde, idade entre 50-69 (RC=1,5; IC95%: 1,2-1,9) ou ≥70 anos (RC=3,1; IC95%: 2,1-4,7), raça/cor da pele não branca (RC=1,4; IC95%: 1,1-1,7) e estadiamento clínico I (RC=2,5; IC95%: 1,1-5,9) apresentaram maior probabilidade de submissão ao primeiro tratamento em tempo >60 dias, enquanto ensino fundamental completo (RC=0,7; IC95%: 0,5-0,9), ensino médio/superior completo (RC=0,7; IC95%: 0,6-0,9), tratamento em estabelecimento de saúde não localizado na capital (RC=0,1; IC95%: 0,1-0,2) e estadiamento clínico IV (RC=0,2; IC95%: 0,1-0,4) apresentaram probabilidade menor (Tabela 3).

Tabela 3
Razões de chances (RC) brutas e ajustadas e respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%) do tempo >60 dias para submissão ao primeiro tratamento conforme histórico de diagnóstico anterior. Sistema Único de Saúde, Rio de Janeiro, 2013-2019.

Discussão

O presente estudo mostra que fatores sociodemográficos, clínicos e relacionados ao estabelecimento de saúde estão associados ao tempo para submissão ao primeiro tratamento do CM, além de mostrar aumento progressivo da mediana desse tempo em estabelecimentos de saúde habilitados para a alta complexidade em oncologia no âmbito do SUS no RJ, onde cerca de oito em cada 10 casos foi submetido ao primeiro tratamento em tempo >60 dias, expondo que a Lei 12.732/20121212 Brasil. Lei nº 12.732, 22 de novembro 2012. Dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início. Diário Oficial da União 2012; 22 nov. não tem sido cumprida.

Na região Sudeste do país, onde está localizado o RJ, a probabilidade de um caso de CM iniciar o tratamento em tempo >60 dias é da ordem de 10%77 Medeiros GC, Teodózio CGC, Fabro EAN, Aguiar SS, Lopes AHM, Conte BC, Silva EV, Coelho LLP, Muniz NF, Schuab SIPC, Bergmann A, Thuler LCS. Factors associated with delay between diagnosis and initiation of breast cancer treatment: a cohort study with 204,130 cases in Brazil. Rev Bras Cancerol 2020; 66(3):e-09979.. Logo, outras iniciativas são necessárias para que eles sejam submetidos ao primeiro tratamento oportunamente, como maior celeridade nos encaminhamentos realizados pela Central de Regulação de Alta Complexidade do RJ, órgão responsável por garantir acesso ágil e justo à atenção oncológica em unidades de saúde do SUS do estado1616 Governo do Estado do Rio de Janeiro. Secretaria de Saúde. Entendendo a regulação assistencial no estado e município do Rio de Janeiro [Internet]. 2022 [acessado 2022 dez 16]. Disponível em: https://www.saude.rj.gov.br/regulacao/complexo-regulador-estadual/regulacao-no-estado-e-municipio.
https://www.saude.rj.gov.br/regulacao/co...
. Isto porque a frequência do tempo >60 dias para submissão ao primeiro tratamento entre os casos com histórico de diagnóstico de CM anterior à chegada no estabelecimento de saúde mostrou-se quase duas vezes maior que a dos casos sem esse histórico, suscitando a hipótese de morosidade nos encaminhamentos promovidos por tal órgão.

A Regulação Assistencial direciona a solicitação de atendimento para um paciente, permitindo, assim, o acesso a um estabelecimento de saúde do SUS. No caso de pacientes com suspeita de câncer no RJ, desde 2015, o médico primeiramente solicita exames diagnósticos para a Regulação Municipal, por meio de uma unidade básica de saúde, no Sistema Nacional de Regulação (SISREG). Diante da suspeita de câncer evidenciada pelos exames solicitados, o paciente é encaminhado, através do SISREG, para consulta e biopsia em uma unidade especializada. Com o laudo da biopsia, encaminha-se o paciente para consulta oncológica com uma descrição médica de forte suspeita para uma unidade especializada, via Sistema Estadual de Regulação (SER)1616 Governo do Estado do Rio de Janeiro. Secretaria de Saúde. Entendendo a regulação assistencial no estado e município do Rio de Janeiro [Internet]. 2022 [acessado 2022 dez 16]. Disponível em: https://www.saude.rj.gov.br/regulacao/complexo-regulador-estadual/regulacao-no-estado-e-municipio.
https://www.saude.rj.gov.br/regulacao/co...
. Esse percurso pode explicar o maior tempo para submissão ao primeiro tratamento dos casos com histórico de diagnóstico de CM anterior à chegada no estabelecimento de saúde, uma vez que passaram por dois processos diferentes de Regulação: um para biopsia, via SISREG, e outro para tratamento, via SER.

Diante disso, vale sublinhar que as diretrizes para detecção precoce do CM no Brasil recomendam o encaminhamento prioritário de casos com sinais e sintomas suspeitos e a confirmação diagnóstica em serviço único a fim de evitar consultas intermediárias desnecessárias1717 Migowski A, Silva GA, Dias MBK, Diz MDPE, Sant'Ana DR, Nadanovsky P. Guidelines for early detection of breast cancer in Brazil. II - New national recommendations, main evidence, and controversies. Cad Saude Publica 2018; 34(6):e00074817. que, por sua vez, aumentariam o tempo até a confirmação diagnóstica. No entanto, essa estratégia depende vigorosamente da organização do sistema de saúde, da regulação assistencial, do planejamento de rede e da logística para aprimoramento de processos1818 Migowski A, Dias MBK, Nadanovsky P, Silva GA, Sant'Ana DR, Stein AT. Guidelines for early detection of breast cancer in Brazil. III - Challenges for implementation. Cad Saude Publica 2018; 34(6):e00046317., o que implica comprometimento dos gestores do SUS.

Os achados desta investigação, embora de maior magnitude, corroboram evidências anteriores. Num estudo desenvolvido com 155 mulheres em dois hospitais de referência do Piauí entre 2016 e 2017, 71,6% delas receberam o primeiro tratamento do CM em tempo >60 dias99 Sousa SMMT, Carvalho MGFM, Santos Junior LA, Mariano SBC. Access to treatment of women with breast cancer. Saude Debate 2019; 43(122):727-741.. Noutro realizado com 715 mulheres residentes na capital de Minas Gerais, que foram cadastradas no IntegradorRHC por 10 diferentes estabelecimentos de saúde, 45,7% delas foram submetidas ao primeiro tratamento em tempo >60 dias no período 2010-201388 Cabral ALLV, Giatti L, Casale C, Cherchiglia ML. Social vulnerability and breast cancer: differentials in the interval between diagnosis and treatment of women with different sociodemographic profiles. Cien Saude Colet 2019; 24(2):613-622.. Uma pesquisa também feita com dados oriundos do IntegradorRHC envolvendo 204.130 casos de CM diagnosticados e tratados entre 2000 e 2017 em todo o Brasil mostrou que 52,8% deles iniciaram o primeiro tratamento em tempo >60 dias, sendo isso mais frequente entre aqueles diagnosticados entre 2012 e 201777 Medeiros GC, Teodózio CGC, Fabro EAN, Aguiar SS, Lopes AHM, Conte BC, Silva EV, Coelho LLP, Muniz NF, Schuab SIPC, Bergmann A, Thuler LCS. Factors associated with delay between diagnosis and initiation of breast cancer treatment: a cohort study with 204,130 cases in Brazil. Rev Bras Cancerol 2020; 66(3):e-09979., período em que a Lei 12.732/20121212 Brasil. Lei nº 12.732, 22 de novembro 2012. Dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início. Diário Oficial da União 2012; 22 nov. já era vigente. Além disso, mostrou que ter sido diagnosticado após a promulgação dessa lei aumentou em 64% a probabilidade de ser submetido ao primeiro tratamento em tempo >60 dias em comparação ao sexênio 2000-200577 Medeiros GC, Teodózio CGC, Fabro EAN, Aguiar SS, Lopes AHM, Conte BC, Silva EV, Coelho LLP, Muniz NF, Schuab SIPC, Bergmann A, Thuler LCS. Factors associated with delay between diagnosis and initiation of breast cancer treatment: a cohort study with 204,130 cases in Brazil. Rev Bras Cancerol 2020; 66(3):e-09979.. Estudo semelhante sugeriu que o aumento na frequência do tempo >60 dias para submissão ao primeiro tratamento do CM ao longo dos anos pode ter relação com o aumento da incidência da doença no país e, consequentemente, com a maior demanda por procedimentos terapêuticos, o que explicaria o maior tempo de espera até o primeiro tratamento1919 Medeiros GC, Bergmann A, Aguiar SS, Thuler LCS. Análise dos determinantes que influenciam o tempo para o início do tratamento de mulheres com câncer de mama no Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(6):1269-1282..

É possível argumentar que a razão pela qual ser tratado em um estabelecimento de saúde não localizado na capital do RJ tenha apresentado menor probabilidade de submissão ao primeiro tratamento em tempo >60 dias entre os casos com histórico de diagnóstico de CM anterior seja a melhor organização dos sistemas de saúde fora da capital, uma vez que encaminham oportunamente para tratamento os casos que diagnosticam - provavelmente aqueles em estágios iniciais tratados primeiro com cirurgia, pois serviços de quimioterapia e de radioterapia no âmbito do SUS estão concentrados nos grandes centros urbanos do Brasil2020 Silva GA, Bustamante-Teixeira MT, Aquino EML, Tomazelli JG, Silva IS. Acesso à detecção precoce do câncer de mama no Sistema Único de Saúde: uma análise a partir dos dados do Sistema de Informações em Saúde. Cad Saude Publica 2014; 30(7):1537-1550.,2121 Oliveira EXG, Melo EC, Pinheiro RS, Noronha CP, Carvalho MS. Acesso à assistência oncológica: mapeamento dos fluxos origem-destino das internações e dos atendimentos ambulatoriais. O caso do câncer de mama. Cad Saude Publica 2011; 27(2):317-326.. Estudos prévios apontaram que o maior tempo para submissão ao primeiro tratamento do CM no país está relacionado à ausência de estratégias organizacionais nos níveis de atenção à saúde, o que reclama apropriada definição de fluxo de atendimento, da atenção básica à atenção terciária especializada, pois esse tempo maior não é determinado somente por fatores geográficos99 Sousa SMMT, Carvalho MGFM, Santos Junior LA, Mariano SBC. Access to treatment of women with breast cancer. Saude Debate 2019; 43(122):727-741.,2121 Oliveira EXG, Melo EC, Pinheiro RS, Noronha CP, Carvalho MS. Acesso à assistência oncológica: mapeamento dos fluxos origem-destino das internações e dos atendimentos ambulatoriais. O caso do câncer de mama. Cad Saude Publica 2011; 27(2):317-326.,2222 Rocha-Brischillari SC, Andrade L, Nihel OK, Brischillari A, Hortelan MS, Carvalho MDB, Pelloso SM. Spatial distribution of breast cancer mortality: Socioeconomic disparities and access to treatment in the state of Parana, Brazil. PLoS One 2018; 13(10):e0205253.. Vale destacar que o número de casos tratados nos estabelecimentos de saúde não localizados na capital do estado era bem menor que o daqueles tratados nos estabelecimentos nela localizados, o que certamente ajudou a cumprir o prazo estabelecido pela Lei 12.732/20121212 Brasil. Lei nº 12.732, 22 de novembro 2012. Dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início. Diário Oficial da União 2012; 22 nov..

Em comparação aos in situ, casos com histórico de diagnóstico de CM anterior em estágio I apresentaram probabilidade maior de submissão ao primeiro tratamento em tempo >60 dias, enquanto aqueles em estágio IV apresentaram probabilidade menor. Similarmente, os casos sem histórico de diagnóstico de CM anterior nos estágios I e II apresentaram probabilidade maior de submissão ao primeiro tratamento em tempo >60 dias, ao passo que aqueles em estágios III e IV apresentaram probabilidade menor. Tais resultados sugerem que a menor probabilidade de ser submetido ao primeiro tratamento em tempo >60 dias é determinada pelas decisões tomadas pelos corpos clínicos dos estabelecimentos de saúde para agilizar o tratamento dos casos em estágios mais avançados da doença, pois a rápida intervenção é fundamental para a eficácia do tratamento deles33 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). A situação do câncer de mama no Brasil: síntese de dados dos sistemas de informação. Rio de Janeiro: INCA; 2019..

Mais estudos encontraram resultados semelhantes, corroborando os do presente. Um desenvolvido com 155 mulheres que trataram CM em dois hospitais de referência do Piauí mostrou que as diagnosticadas nos estágios I e II apresentaram probabilidade 24% maior de submissão ao primeiro tratamento em tempo >60 dias que aquelas diagnosticadas nos estágios III e IV99 Sousa SMMT, Carvalho MGFM, Santos Junior LA, Mariano SBC. Access to treatment of women with breast cancer. Saude Debate 2019; 43(122):727-741.. Outro realizado com dados do IntegradorRHC envolvendo mais de 200 mil casos de CM de todo o território nacional mostrou que, em comparação aos diagnosticados em estágios iniciais (0 a IIA), aqueles diagnosticados em estágio avançado (IIB a IIIC) apresentaram probabilidade 28% menor de submissão ao primeiro tratamento em tempo >60 dias77 Medeiros GC, Teodózio CGC, Fabro EAN, Aguiar SS, Lopes AHM, Conte BC, Silva EV, Coelho LLP, Muniz NF, Schuab SIPC, Bergmann A, Thuler LCS. Factors associated with delay between diagnosis and initiation of breast cancer treatment: a cohort study with 204,130 cases in Brazil. Rev Bras Cancerol 2020; 66(3):e-09979..

Entre os casos com histórico de diagnóstico de CM anterior, ter idade entre 50-69 e ≥70 anos aumentou em, respectivamente, 1,5 e 3,1 vezes a probabilidade de submissão ao primeiro tratamento em tempo >60 dias. O estudo citado anteriormente com mais de 200 mil casos de CM de todo o Brasil mostrou que aqueles de idade entre 50-69 e ≥70 anos tinham probabilidade, respectivamente, 24% e 37% maior de iniciar o tratamento em tempo >60 dias em comparação àqueles de idade ≤49 anos77 Medeiros GC, Teodózio CGC, Fabro EAN, Aguiar SS, Lopes AHM, Conte BC, Silva EV, Coelho LLP, Muniz NF, Schuab SIPC, Bergmann A, Thuler LCS. Factors associated with delay between diagnosis and initiation of breast cancer treatment: a cohort study with 204,130 cases in Brazil. Rev Bras Cancerol 2020; 66(3):e-09979.. Evidências de um estudo norte-americano mostraram que, para cada dez anos acrescidos à idade, a probabilidade de o tempo para iniciar o tratamento do CM ser largo aumenta em 60%2323 Williams DL, Tortu S, Thomson J. Factors associated with delays to diagnosis and treatment of breast cancer in women in a Louisiana urban safety net hospital. Women Health 2010; 50(8):705-718.. Outra explicação para a maior probabilidade de submissão ao primeiro tratamento do CM em tempo >60 dias dos casos de idade ≥50 anos é a presença de comorbidades - tão comuns nessa faixa etária - que aumentam o risco de complicações relacionadas ao tratamento da doença e, portanto, precisam ser adequadamente controladas antes de iniciá-lo2424 Hurria A. Embracing the complexity of comorbidity. J Clin Oncol 2011; 29(32):4217-4218., o que pode fazer o prazo estabelecido pela Lei 12.732/20121212 Brasil. Lei nº 12.732, 22 de novembro 2012. Dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início. Diário Oficial da União 2012; 22 nov. ser ultrapassado. Ante o exposto, vale sublinhar que uma revisão sistemática com metanálise evidenciou que a idade ao diagnóstico >50 anos tem um efeito prognóstico independente nas taxas de sobrevida do CM2525 Maajani K, Jalali A, Alipour S, Khodadost M, Tohidinik HR, Yazdani K. The global and regional survival rate of women with breast cancer: a systematic review and meta-analysis. Clin Breast Cancer 2019; 19(3):165-177..

A educação é um determinante social da saúde, pois baixos níveis de escolaridade estão associados a piores condições de saúde2626 Schäfer AA, Santos LP, Miranda VIA, Tomasi CD, Soratto J, Quadra MR, Meller FO. Regional and social inequalities in mammography and Papanicolaou tests in Brazilian state capitals in 2019: a cross-sectional study. Epidemiol Serv Saude 2021; 30(4):e2021172. e a desigualdades no acesso e na utilização de serviços de saúde2727 Malta DC, Bernal RTI, Gomes CS, Cardoso LSM, Lima MG, Barros MBA. Inequalities in the use of health services by adults and elderly people with and without noncommunicable diseases in Brazil, 2019 National Health Survey. Rev Bras Epidemiol 2021; 24(Supl. 2):e210003.. Os resultados deste estudo corroboram essa afirmativa, pois mostram que, independentemente do histórico de diagnóstico de CM anterior à chegada no estabelecimento de saúde, escolaridades mais altas diminuem a probabilidade de submissão ao primeiro tratamento em tempo >60 dias. Uma revisão sobre o CM em países em desenvolvimento evidenciou que baixos níveis de escolaridade estão associados ao maior tempo para iniciar o tratamento1111 Rivera-Franco MM, Leon-Rodriguez E. Delays in breast cancer detection and treatment in developing countries. Breast Cancer (Auckl) 2018; 12:1178223417752677.. Então, é admissível conjecturar que baixos níveis de escolaridade influenciam negativamente a capacidade de compreender as instruções fornecidas nos momentos de confirmação diagnóstica e indicação do tratamento, ao passo que altos níveis de escolaridade influenciam positivamente a rápida realização de exames pré-tratamento do CM bem como a exigência de celeridade para iniciá-lo.

Em comparação aos casos de raça/cor da pele branca, casos não brancos com histórico de diagnóstico de CM anterior apresentaram probabilidade maior de submissão ao primeiro tratamento em tempo >60 dias. Vale ressaltar que a raça/cor da pele é uma variável proxy da dificuldade de acesso a serviços de saúde da população negra e que as desigualdades em indicadores de saúde e de posição social, como escolaridade e renda, expõem a raça/cor de pele como um determinante social da pior saúde da população negra quando comparada à branca2828 Nogueira MC, Maximiliano RG, Cintra JRD, Corrêa CSL, Fayer VA, Bustamante-Teixeira MT. Disparidade racial na sobrevivência em 10 anos para o câncer de mama: uma análise de mediação usando abordagem de respostas potenciais. Cad Saude Publica 2018; 34(9):e00211717.. À vista disso, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra2929 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política nacional de saúde integral da população negra: uma política para o SUS. Brasília: MS; 2017., que assegura o direito humano à saúde através do princípio da equidade, deve ser considerada pela Central de Regulação de Alta Complexidade do RJ a fim de agilizar a submissão ao primeiro tratamento dos casos de CM de raça/cor da pele não branca.

É digna de nota a alimentação irregular do IntegradorRHC por alguns estabelecimentos de saúde habilitados para a alta complexidade em oncologia no âmbito do SUS no RJ ao longo dos anos investigados. Embora o envio de bases de dados para esse sistema de informação em saúde seja considerado um processo dinâmico, em função de habilitações e desabilitações que ocorrem ao longo do tempo, destaca-se que nenhum dos 20 estabelecimentos foi desabilitado no período. Isto posto, o estudo revela que parte desses estabelecimentos não cumpriu seu dever em garantir a coleta, o armazenamento, a análise e a divulgação sistemática e contínua das informações dos casos de câncer que atendem e acompanham3030 Brasil. Portaria SAES/MS nº 1.399, 17 de dezembro de 2019. Redefine os critérios e parâmetros referenciais para a habilitação de estabelecimentos de saúde na alta complexidade em oncologia no âmbito do SUS. Diário Oficial da União 2019; 17 dez.. Outrossim, a alimentação irregular do IntegradorRHC não colabora para o fortalecimento e o reconhecimento dessa valiosa fonte de pesquisa em saúde pública, que, a despeito dos problemas relacionados à qualidade e à completitude3131 Oliveira JCS, Azevedo EFS, Caló RS, Atanaka M, Galvão ND, Silva AMC. Registros Hospitalares de Câncer de Mato Grosso: análise da completitude e da consistência. Cad Saude Colet 2021; 29(3):330-343., tem se mostrado vantajosa para fornecer informações que permitem conhecer a situação dos casos de câncer tratados em estabelecimentos de saúde habilitados para a alta complexidade em oncologia e para avaliar questões relacionadas à qualidade da assistência por eles prestada77 Medeiros GC, Teodózio CGC, Fabro EAN, Aguiar SS, Lopes AHM, Conte BC, Silva EV, Coelho LLP, Muniz NF, Schuab SIPC, Bergmann A, Thuler LCS. Factors associated with delay between diagnosis and initiation of breast cancer treatment: a cohort study with 204,130 cases in Brazil. Rev Bras Cancerol 2020; 66(3):e-09979.,88 Cabral ALLV, Giatti L, Casale C, Cherchiglia ML. Social vulnerability and breast cancer: differentials in the interval between diagnosis and treatment of women with different sociodemographic profiles. Cien Saude Colet 2019; 24(2):613-622..

A utilização de dados secundários com expressiva ausência de informação nas variáveis escolaridade e estadiamento clínico é uma limitação do estudo. A ausência de informação dessas variáveis provavelmente reflete a inexistência delas no prontuário do paciente, o que indica falha dos profissionais de saúde em sua documentação. Logo, não é possível ignorar que as RC estimadas poderiam ser ligeiramente maiores e os respectivos IC95% mais estreitos se o estudo tivesse realizado imputação múltipla de dados faltantes3232 Camargos VP, César CC, Caiaffa WT, Xavier CC, Proietti FA. Imputação múltipla e análise de casos completos em modelos de regressão logística: uma avaliação prática do impacto das perdas em covariáveis. Cad Saude Publica 2011; 27(12):2299-2313.. Outra limitação é a alimentação irregular do IntegradorRHC por alguns estabelecimentos de saúde ao longo do período investigado, o que impede a generalização dos resultados e aponta para um possível sub-registro de casos de CM neles tratados. Nesse caso, é possível advogar que o sub-registro tenha ocorrido majoritariamente em estabelecimentos mais carentes de recursos, afetando sobretudo os casos mais avançados. Então, a frequência de casos diagnosticados em estágios III e IV poderia ser maior do que a encontrada se os casos não informados ao IntegradorRHC incluíssem, em sua maioria, aqueles diagnosticados em fase avançada.

Não obstante suas limitações, os resultados do estudo apontam a necessidade de os gestores do SUS planejarem ações que confiram maior celeridade aos encaminhamentos dos casos de CM para submissão ao primeiro tratamento em estabelecimentos de saúde habilitados para a alta complexidade em oncologia no RJ com vistas a cumprir o prazo estabelecido pela Lei 12.732/20121212 Brasil. Lei nº 12.732, 22 de novembro 2012. Dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início. Diário Oficial da União 2012; 22 nov. e, dessa forma, melhor assistir os casos mais vulneráveis ao início do tratamento em tempo >60 dias, quais sejam: (i) os sem histórico de diagnóstico anterior com estadiamento clínico I e II tratados em estabelecimentos de saúde fora da capital e (ii) os com histórico de diagnóstico anterior de idade ≥50 anos, raça/cor da pele não branca e estadiamento clínico I. Ademais, o estudo indica a necessidade de investigações futuras acerca do impacto dessa lei no itinerário terapêutico dos casos de CM no âmbito do SUS.

Referências

  • 1
    Ferlay J, Colombet M, Soerjomataram I, Mathers C, Parkin DM, Piñeros M, Znaor A, Bray F. Estimating the global cancer incidence and mortality in 2018: GLOBOCAN sources and methods. Int J Cancer 2019; 144(8):1941-1953.
  • 2
    Instituto Nacional de Câncer (INCA). Estimativa [Internet]. 2022 [acessado 2022 dez 10]. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/numeros/estimativa
    » https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/numeros/estimativa
  • 3
    Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). A situação do câncer de mama no Brasil: síntese de dados dos sistemas de informação. Rio de Janeiro: INCA; 2019.
  • 4
    Caplan L. Delay in breast cancer: implications for stage at diagnosis and survival. Front Public Health 2014; 2:87.
  • 5
    Williams F. Assessment of breast cancer treatment delay impact on prognosis and survival: a look at the evidence from systematic analysis of the literature. J Cancer Biol Res 2015; 3(4):1071.
  • 6
    Hanna TP, King WD, Thibodeau S, Jalink M, Paulin GA, Harvey-Jones E, O'Sullivan DE, Booth CM, Sullivan R, Aggarwal A. Mortality due to cancer treatment delay: systematic review and meta-analysis. BMJ 2020; 371:m4087.
  • 7
    Medeiros GC, Teodózio CGC, Fabro EAN, Aguiar SS, Lopes AHM, Conte BC, Silva EV, Coelho LLP, Muniz NF, Schuab SIPC, Bergmann A, Thuler LCS. Factors associated with delay between diagnosis and initiation of breast cancer treatment: a cohort study with 204,130 cases in Brazil. Rev Bras Cancerol 2020; 66(3):e-09979.
  • 8
    Cabral ALLV, Giatti L, Casale C, Cherchiglia ML. Social vulnerability and breast cancer: differentials in the interval between diagnosis and treatment of women with different sociodemographic profiles. Cien Saude Colet 2019; 24(2):613-622.
  • 9
    Sousa SMMT, Carvalho MGFM, Santos Junior LA, Mariano SBC. Access to treatment of women with breast cancer. Saude Debate 2019; 43(122):727-741.
  • 10
    Lopes TCR, Gravena AAF, Demitto MO, Borghesan DHP, Dell`Agnolo CM, Brischiliari SCR, Carvalho MDB, Pelloso SM. Delay in diagnosis and treatment of breast cancer among women attending a reference service in Brazil. Asian Pac J Cancer Prev 2017; 18(11):3017-3023.
  • 11
    Rivera-Franco MM, Leon-Rodriguez E. Delays in breast cancer detection and treatment in developing countries. Breast Cancer (Auckl) 2018; 12:1178223417752677.
  • 12
    Brasil. Lei nº 12.732, 22 de novembro 2012. Dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início. Diário Oficial da União 2012; 22 nov.
  • 13
    Organização Mundial da Saúde (OMS). Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. São Paulo: Editora USP; 2012.
  • 14
    Organização Mundial da Saúde (OMS). CID-O - Classificação Internacional de Doenças para Oncologia. São Paulo: Editora USP; 2013.
  • 15
    Instituto Nacional de Câncer (INCA). Registros hospitalares de câncer: planejamento e gestão. Rio de Janeiro: INCA; 2010.
  • 16
    Governo do Estado do Rio de Janeiro. Secretaria de Saúde. Entendendo a regulação assistencial no estado e município do Rio de Janeiro [Internet]. 2022 [acessado 2022 dez 16]. Disponível em: https://www.saude.rj.gov.br/regulacao/complexo-regulador-estadual/regulacao-no-estado-e-municipio
    » https://www.saude.rj.gov.br/regulacao/complexo-regulador-estadual/regulacao-no-estado-e-municipio
  • 17
    Migowski A, Silva GA, Dias MBK, Diz MDPE, Sant'Ana DR, Nadanovsky P. Guidelines for early detection of breast cancer in Brazil. II - New national recommendations, main evidence, and controversies. Cad Saude Publica 2018; 34(6):e00074817.
  • 18
    Migowski A, Dias MBK, Nadanovsky P, Silva GA, Sant'Ana DR, Stein AT. Guidelines for early detection of breast cancer in Brazil. III - Challenges for implementation. Cad Saude Publica 2018; 34(6):e00046317.
  • 19
    Medeiros GC, Bergmann A, Aguiar SS, Thuler LCS. Análise dos determinantes que influenciam o tempo para o início do tratamento de mulheres com câncer de mama no Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(6):1269-1282.
  • 20
    Silva GA, Bustamante-Teixeira MT, Aquino EML, Tomazelli JG, Silva IS. Acesso à detecção precoce do câncer de mama no Sistema Único de Saúde: uma análise a partir dos dados do Sistema de Informações em Saúde. Cad Saude Publica 2014; 30(7):1537-1550.
  • 21
    Oliveira EXG, Melo EC, Pinheiro RS, Noronha CP, Carvalho MS. Acesso à assistência oncológica: mapeamento dos fluxos origem-destino das internações e dos atendimentos ambulatoriais. O caso do câncer de mama. Cad Saude Publica 2011; 27(2):317-326.
  • 22
    Rocha-Brischillari SC, Andrade L, Nihel OK, Brischillari A, Hortelan MS, Carvalho MDB, Pelloso SM. Spatial distribution of breast cancer mortality: Socioeconomic disparities and access to treatment in the state of Parana, Brazil. PLoS One 2018; 13(10):e0205253.
  • 23
    Williams DL, Tortu S, Thomson J. Factors associated with delays to diagnosis and treatment of breast cancer in women in a Louisiana urban safety net hospital. Women Health 2010; 50(8):705-718.
  • 24
    Hurria A. Embracing the complexity of comorbidity. J Clin Oncol 2011; 29(32):4217-4218.
  • 25
    Maajani K, Jalali A, Alipour S, Khodadost M, Tohidinik HR, Yazdani K. The global and regional survival rate of women with breast cancer: a systematic review and meta-analysis. Clin Breast Cancer 2019; 19(3):165-177.
  • 26
    Schäfer AA, Santos LP, Miranda VIA, Tomasi CD, Soratto J, Quadra MR, Meller FO. Regional and social inequalities in mammography and Papanicolaou tests in Brazilian state capitals in 2019: a cross-sectional study. Epidemiol Serv Saude 2021; 30(4):e2021172.
  • 27
    Malta DC, Bernal RTI, Gomes CS, Cardoso LSM, Lima MG, Barros MBA. Inequalities in the use of health services by adults and elderly people with and without noncommunicable diseases in Brazil, 2019 National Health Survey. Rev Bras Epidemiol 2021; 24(Supl. 2):e210003.
  • 28
    Nogueira MC, Maximiliano RG, Cintra JRD, Corrêa CSL, Fayer VA, Bustamante-Teixeira MT. Disparidade racial na sobrevivência em 10 anos para o câncer de mama: uma análise de mediação usando abordagem de respostas potenciais. Cad Saude Publica 2018; 34(9):e00211717.
  • 29
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política nacional de saúde integral da população negra: uma política para o SUS. Brasília: MS; 2017.
  • 30
    Brasil. Portaria SAES/MS nº 1.399, 17 de dezembro de 2019. Redefine os critérios e parâmetros referenciais para a habilitação de estabelecimentos de saúde na alta complexidade em oncologia no âmbito do SUS. Diário Oficial da União 2019; 17 dez.
  • 31
    Oliveira JCS, Azevedo EFS, Caló RS, Atanaka M, Galvão ND, Silva AMC. Registros Hospitalares de Câncer de Mato Grosso: análise da completitude e da consistência. Cad Saude Colet 2021; 29(3):330-343.
  • 32
    Camargos VP, César CC, Caiaffa WT, Xavier CC, Proietti FA. Imputação múltipla e análise de casos completos em modelos de regressão logística: uma avaliação prática do impacto das perdas em covariáveis. Cad Saude Publica 2011; 27(12):2299-2313.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    Jul 2023

Histórico

  • Recebido
    20 Set 2022
  • Aceito
    03 Jan 2023
  • Publicado
    05 Jan 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br